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Autor: Prof. Emerson Luiz Teixeira Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago Prof. Marcel da Rocha Chehuen Treinamento Personalizado e Musculação Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Professor conteudista: Emerson Luiz Teixeira Em 2010, graduou‑se em Educação Física pela Faculdade de Americana (FAM). No ano seguinte, formou‑se especialista em Fisiologia do Exercício – Prescrição do Exercício, pela Universidade Gama Filho (2011). Nos anos subsequentes (2011‑2014), trabalhou como professor de musculação e personal trainer em diversas academias, atuando principalmente com públicos com o objetivo de obtenção de ganhos de força, massa muscular e emagrecimento. Entre 2014‑2017, formou‑se mestre em Ciências na área de concentração: Estudos Biodinâmicos da Educação Física e Esporte pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE‑USP). Atualmente, é pesquisador do Laboratório de Adaptações Neuromusculares ao Treinamento de Força da Escola de Educação Física e Esporte da EEFE‑USP. Além disso, é coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Treinamento de Força (GEPTF) na Universidade Paulista (UNIP), em que é também professor das disciplinas Treinamento Personalizado e Musculação, Metodologia do Treinamento Físico e Fisiologia do Exercício no curso de graduação em Educação Física. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) T266t Teixeira, Emerson Luiz. Treinamento Personalizado e Musculação / Emerson Luiz Teixeira. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 248 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2‑075/19, ISSN 1517‑9230. 1. Musculação. 2. Treinamento de força. 3. Montagem de programas. I. Título. CDU 796 W500.64 – 19 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Aline Ricciardi Lucas Ricardi Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Sumário Treinamento Personalizado e Musculação APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 FISIOLOGIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO E MECANISMOS DA CONTRAÇÃO MUSCULAR ................................................................................................................................. 11 1.1 Classificação e organização estrutural do músculo esquelético ...................................... 11 1.2 Controle neuromuscular do movimento .................................................................................... 18 1.3 Sequência de eventos da contração muscular ......................................................................... 19 1.4 Classificação dos tipos de fibras musculares ............................................................................ 23 2 ASPECTOS BIOMECÂNICOS RESPONSÁVEIS PELO CONTROLE DO MOVIMENTO CORPORAL .................................................................................................................................. 27 2.1 Mecânica do movimento corporal ................................................................................................ 27 2.1.1 Ações musculares ................................................................................................................................... 29 2.1.2 Arquitetura do músculo esquelético ............................................................................................... 31 2.1.3 Músculos monoarticulares e biartiarticulares ............................................................................. 32 2.1.4 Relação entre comprimento e tensão ............................................................................................ 34 2.1.5 Relação entre força e velocidade ..................................................................................................... 36 2.1.6 Ciclo alongamento‑encurtamento (CAE) ...................................................................................... 37 2.1.7 Torque muscular ...................................................................................................................................... 38 3 MANIFESTAÇÕES E FORMAS DE AVALIAÇÃO DA FORÇA MUSCULAR ........................................ 42 3.1 Manifestações da força muscular ................................................................................................. 42 3.1.1 Força máxima ........................................................................................................................................... 43 3.1.2 Força explosiva ......................................................................................................................................... 44 3.1.3 Resistência de força ............................................................................................................................... 44 3.1.4 Hipertrofia muscular ............................................................................................................................. 44 3.2 Mensuração da força muscular ...................................................................................................... 44 3.2.1 Testes para mensuração da força máxima ................................................................................... 45 4 ADAPTAÇÕES NEUROMUSCULARES E PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO DE FORÇA .............. 60 4.1 Adaptações neurais ............................................................................................................................. 60 4.1.1 Drive neural e recrutamento de unidades motoras .................................................................. 60 4.1.2 Frequência de disparo das unidades motoras ............................................................................. 62 4.1.3 Sincronização das unidades motoras ............................................................................................. 62 4.1.4 Coordenação intramuscular e intermuscular .............................................................................. 62 4.1.5 Co‑contração ............................................................................................................................................ 63 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on- 1 7/ 10 /1 8 4.2 Time course da força muscular ....................................................................................................... 63 4.3 Como ocorre a hipertrofia muscular? .......................................................................................... 64 4.4 Mecanismos da hipertrofia muscular .......................................................................................... 64 4.4.1 Teoria das microlesões .......................................................................................................................... 65 4.4.2 Mecanismos intracelulares da hipertrofia muscular ................................................................ 69 4.4.3 Papel do estresse metabólico ............................................................................................................. 75 4.5 Princípios do treinamento de força (TF) ...................................................................................... 77 4.5.1 Princípio da conscientização.............................................................................................................. 77 4.5.2 Princípio da adaptação ......................................................................................................................... 78 4.5.3 Princípio da sobrecarga progressiva ................................................................................................ 78 4.5.4 Princípio da acomodação .................................................................................................................... 80 4.5.5 Princípio da especificidade ................................................................................................................. 80 4.5.6 Princípio da individualidade biológica ........................................................................................... 80 4.5.7 Princípio da variabilidade .................................................................................................................... 80 4.5.8 Princípio da manutenção .................................................................................................................... 81 4.5.9 Princípio da reversibilidade ................................................................................................................. 81 Unidade II 5 PRESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS, PROGRAMAS E SISTEMAS DO TREINAMENTO DE FORÇA ............................................................................................................................................................... 86 5.1 Intensidade ............................................................................................................................................. 86 5.1.1 Controle da intensidade por repetições máximas (RMs) ........................................................ 89 5.1.2 Controle da intensidade por repetições submáximas (RSMs) .............................................. 90 5.1.3 Controle da intensidade pela percepção subjetiva de esforço (PSE) ................................. 91 5.2 Volume ...................................................................................................................................................... 93 5.3 Intervalo entre as séries ..................................................................................................................... 96 5.3.1 Controle do intervalo pela percepção da recuperação do intervalo (PR) ........................ 97 5.4 Frequência do treinamento de força ............................................................................................ 99 5.5 Ações musculares ...............................................................................................................................103 5.6 Velocidade de movimento ..............................................................................................................104 5.6.1 Velocidade de movimento da ação concêntrica ......................................................................104 5.6.2 Velocidade de movimento da ação excêntrica .........................................................................105 5.6.3 Até que ponto vale a pena controlar a velocidade de movimento? ................................105 5.7 Amplitude de movimento (AM) ....................................................................................................106 5.8 Exercícios ...............................................................................................................................................108 5.8.1 Ordem dos exercícios...........................................................................................................................109 5.8.2 Exercícios multiarticulares versus monoarticulares ................................................................ 110 5.8.3 Execução dos principais exercícios utilizados na musculação ............................................111 6 PRESCRIÇÃO DOS PROGRAMAS E SISTEMAS DE TF........................................................................142 6.1 Montagens dos programas de TF .................................................................................................143 6.1.1 Alternada por segmento tradicional (AST) distribuída ......................................................... 143 6.1.2 Alternada por segmento parcial (ASP) distribuída ................................................................. 144 6.1.3 Direcionada por grupamento muscular (DGM) ....................................................................... 145 6.2 Sistemas de TF......................................................................................................................................148 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 6.2.1 Múltiplas séries ..................................................................................................................................... 148 6.2.2 Bi‑set ......................................................................................................................................................... 149 6.2.3 Série combinada ................................................................................................................................... 150 6.2.4 Tri‑set .........................................................................................................................................................151 6.2.5 Supersérie 1 e 2 .....................................................................................................................................151 6.2.6 Drop‑set ................................................................................................................................................... 152 6.2.7 Pré‑exaustão .......................................................................................................................................... 153 6.2.8 Pirâmides ................................................................................................................................................. 154 6.2.9 Superlento .............................................................................................................................................. 155 6.2.10 Repetições parciais ........................................................................................................................... 156 6.2.11 Cluster set ............................................................................................................................................. 157 6.2.12 German Volume Training (GVT) ................................................................................................... 158 6.2.13 Rest‑pause ...........................................................................................................................................158 6.2.14 Restrição de fluxo sanguíneo (RFS) ........................................................................................... 159 Unidade III 7 MONTAGEM DOS PROGRAMAS E DA PERIODIZAÇÃO DO TF PARA INICIANTES, INTERMEDIÁRIOS, AVANÇADOS E PARA POPULAÇÕES ESPECIAIS ...............................................164 7.1 Níveis de treinamento ......................................................................................................................164 7.2 Prescrição do TF para iniciantes ...................................................................................................164 7.2.1 Prescrição do treinamento de força (TF) para iniciantes para ganhos de força e hipertrofia muscular ...................................................................................................................... 165 7.2.2 Prescrição do TF para iniciantes para ganhos de força explosiva (potência) .............. 166 7.2.3 Prescrição do TF para iniciantes para ganhos de resistência de força ........................... 167 7.3 Prescrição do treinamento de força (TF) para intermediários ..........................................168 7.3.1 Prescrição do treinamento de força (TF) para intermediários para ganhos de força ............................................................................................................................................... 169 7.3.2 Prescrição do treinamento de força (TF) para intermediários para ganhos de hipertrofia muscular.................................................................................................................170 7.3.3 Prescrição do treinamento de força (TF) para intermediários para ganhos de força explosiva (potência) ..................................................................................................... 172 7.3.4 Prescrição do treinamento de força (TF) para intermediários para ganhos de resistência de força .................................................................................................................. 173 7.4 Prescrição do TF para avançados .................................................................................................174 7.4.1 Prescrição do treinamento de força (TF) para avançados para ganhos de força ............................................................................................................................................... 174 7.4.2 Prescrição do treinamento de força (TF) para avançados para ganhos de hipertrofia muscular................................................................................................................ 176 7.4.3 Prescrição do treinamento de força (TF) para avançados para ganhos de força explosiva (potência) ..................................................................................................... 178 7.4.4 Prescrição do treinamento de força (TF) para avançados para ganhos de resistência de força .................................................................................................................. 179 7.5 Principais diferenças na prescrição do treinamento de força (TF) para indivíduos iniciantes, intermediários e avançados ............................................................181 7.6 Prescrição do treinamento de força (TF) para populações especiais .............................184 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 7.6.1 Fisiopatologia e tratamento da obesidade ................................................................................ 184 7.6.2 Prescrição do treinamento de força (TF) para o emagrecimento ..................................... 185 7.6.3 Fisiopatologia e tratamento do diabetes mellitus .................................................................. 187 7.6.4 Cuidados na prescrição do treinamento de força (TF) para indivíduos diabéticos do tipo I e tipo II ........................................................................................................................ 188 7.6.5 Prescrição do treinamento de força (TF) e controle glicêmico ......................................... 189 7.6.6 Fisiopatologia e tratamento da hipertensão arterial (HA) .................................................. 190 7.6.7 Prescrição do treinamento de força (TF) para hipertensos ..................................................191 7.6.8 Alterações musculoesqueléticas no envelhecimento ........................................................... 194 7.6.9 Prescrição do treinamento de força (TF) para idosos ............................................................ 194 7.7 Periodização do treinamento de força (TF) aplicado a iniciantes, intermediários e avançados ...................................................................................................................198 7.7.1 Organização dos ciclos da periodização do treinamento de força (TF) ......................... 199 7.7.2 Periodização linear ...............................................................................................................................202 7.7.3 Periodização linear reversa .............................................................................................................. 204 7.7.4 Periodização ondulatória .................................................................................................................. 205 7.7.5 Qual o melhor modelo de periodização do treinamento de força (TF)? ........................ 209 8 ASPECTOS ORGANIZACIONAIS RELACIONADOS AO ATENDIMENTO DO ALUNO NO TREINAMENTO PERSONALIZADO ........................................................................................212 8.1 Abordagem tradicional versus abordagem com mudança comportamental no atendimento de alunos .....................................................................................................................213 8.2 Estratégias de coaching para mudança comportamental .................................................216 8.2.1 Mudança comportamental pelo modelo transteórico (MT) ................................................217 8.3 Estratégias para auxiliar o aluno a superar barreiras de aderência ao exercício físico .............................................................................................................................................222 8.3.1 Comparação entre a abordagem tradicional e a abordagem em coaching ................ 224 8.3.2 Habilidades em coaching para atendimento do cliente em abordagens relacionadas à prática de exercícios físicos .......................................................................................... 225 9 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo apresentar os mecanismos fisiológicos que explicam as diferentes manifestações de força muscular. Trata ainda dos diferentes tipos e níveis de adaptação decorrentes do treinamento de força (TF) e discute a elaboração de programas específicos de treinamento e a organização sistemática da periodização do treinamento aplicado em diferentes populações ou no treinamento personalizado. Ao término desta disciplina, o aluno terá um amplo conhecimento, que o habilitará a planejar, organizar, dirigir e avaliar programas de TF para indivíduos saudáveis e para populações especiais por meio da apropriação de conhecimentos de natureza morfofuncional, biológica, técnica e pedagógica que regem o TF. Considerando o grande crescimento de pesquisas na área de TF e treinamento personalizado, os conteúdos abordados neste livro‑texto visam trazer um estudo atualizado que possibilite a excelência na formação de professores de Educação Física. INTRODUÇÃO As pesquisas na área do TF e do treinamento personalizado cresceramexponencialmente nos últimos anos, resultando em diversos conhecimentos acerca da prescrição de treinamentos para diversos públicos, respeitando o condicionamento físico, particularidades e objetivos de cada indivíduo. Paralelamente, aumentou a demanda por profissionais cada vez mais capacitados para atuar nesse novo mercado de trabalho, agora mais exigente e competitivo. Essa nova demanda profissional não somente visa atender à necessidade do público preocupado com a estética corporal, mas também àqueles que desejam melhorar a saúde ou o desempenho físico‑esportivo. Em tal cenário, o TF surge como um grande aliado do profissional de Educação Física, pois as evidências científicas têm demonstrado cada vez mais efeitos positivos para quem pratica o TF. Desse modo, profissionais que possuam conhecimentos técnicos‑científicos atualizados e voltados para atender diferentes populações tornaram‑se uma grande necessidade do cenário atual da área da Educação Física. Assim, o propósito deste livro‑texto é reunir as mais recentes evidências científicas sobre a prescrição do TF e treinamento personalizado direcionados às diferentes populações supracitadas, adequando tais conhecimentos à realidade atual do mercado de trabalho. 11 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO Unidade I 1 FISIOLOGIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO E MECANISMOS DA CONTRAÇÃO MUSCULAR 1.1 Classificação e organização estrutural do músculo esquelético Possuímos cerca de 40% do peso corporal total constituído de músculos esqueléticos. As principais funções dos músculos são a manutenção da postura e o controle dos movimentos corporais, mas eles também têm fundamental importância na homeostasia, devido a sua capacidade de armazenar e transformar energia. Para exercer sua função durante o movimento corporal, os músculos interagem com ossos, tendões e articulações. Os músculos, usualmente, prendem‑se aos ossos por tendões constituídos por colágeno e são conectados entre si por articulações, o que permite à contração muscular movimentar o esqueleto (SILVERTHORN, 2010). Em outras palavras, quando o músculo contrai, ele transmite uma tensão ao tendão que, finalmente, puxa o osso em sua direção, gerando movimento em torno do eixo criado pela articulação envolvida em tal movimento. Esse evento que envolve a contração muscular ainda é influenciado por diversas características estruturais dos músculos. Assim, antes de compreender de fato os eventos que resultam na contração e subsequente movimento corporal, vamos entender as características estruturais dos músculos. Eles são classificados quanto a sua origem, inserção, forma e arranjo, função e ação (HALL, 2016) e serão detalhadamente descritos a seguir. Origem Durante o movimento gerado pela ação muscular, a origem será a parte fixa do músculo localizada mais próxima do tendão. Para entender melhor, considerar o exercício de flexão de cotovelo. A parte proximal (região mais próxima do ombro) do bíceps braquial permanece fixa (origem) durante o movimento. Outra maneira usada para classificar o músculo pela sua origem é através do próprio nome do músculo. Por exemplo, o bí do músculo bíceps braquial significa que esse músculo possui duas origens, e a mesma regra se aplica para o tríceps braquial e quadríceps femoral, que possuem três e quatro origens, respectivamente. Inserção Diferente da origem, a parte móvel do músculo localizada mais próxima ao tendão durante a ação muscular representa a inserção. Considere o mesmo exemplo anterior do movimento de flexão de cotovelo. É possível observar que a parte distal (região mais próxima do cotovelo) do bíceps braquial 12 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I se movimenta (inserção) durante a ação muscular. Além disso, essa classificação pode ser feita pelo número de inserções dos músculos. Por exemplo, o músculo fibular longo possui sua origem na cabeça da fíbula e duas inserções (cuneiforme medial e 1º metatarso), sendo classificado como bicaudado. Já os músculos extensores dos dedos têm origem no epicôndilo lateral do cotovelo e quatro inserções (dedo indicador, médio, anelar e mínimo), sendo assim classificados como policaudados. Forma e arranjo Outra maneira frequentemente usada para classificar o músculo é pela forma e arranjo estrutural das fibras musculares. Quando o músculo possui comprimento maior que sua largura, é chamado de músculo longo (por exemplo, bíceps braquial). Já quando há equivalência entre comprimento e largura muscular, é denominado de músculo largo (por exemplo, peitoral maior). Por fim, temos o músculo curto, que apresenta equivalência entre comprimento e largura, porém, tem tamanho reduzido, é responsável por movimentos de pouca amplitude (por exemplo, adutor do polegar). Função Embora tenhamos várias maneiras de classificação do músculo, já discutidas anteriormente, as mais usadas são em relação à função (que discutiremos agora) e à ação (discutida a seguir). Vamos ainda permanecer no mesmo exemplo dado previamente (flexão de cotovelo) para que essas informações sejam realmente apreendidas. Sabemos que qualquer ação muscular possui um músculo que é o principal responsável pelo movimento. No nosso exemplo, o músculo braquial, que fica na parte anterior do braço, realiza a flexão de cotovelo, portanto, o chamamos de agonista. Por outro lado, temos um músculo localizado na parte posterior do braço que realiza a ação oposta à flexão de cotovelo, ou seja, a extensão de cotovelo. Denominamos esse músculo de antagonista (contrário ao movimento principal). Em outras palavras, quando temos o agonista contraído, temos o antagonista do lado oposto relaxado, e essa regra se aplica a vários músculos do nosso corpo. Esse sincronismo entre agonista e antagonista garante a produção adequada de força. Além dos músculos agonistas e antagonistas, temos também o músculo sinergista. Esse músculo nada mais é do que um músculo auxiliar do agonista durante o movimento. Na flexão de cotovelo, já sabemos que o músculo braquial é o principal (agonista) responsável pelo movimento, mas será que é só ele responsável por isso? A resposta é não. O músculo braquial recebe ajuda do bíceps braquial para flexionar o cotovelo, portanto o bíceps é sinergista do braquial. Além disso, temos os músculos estabilizadores, também chamados de fixadores ou sustentadores. Eles são responsáveis por estabilizar uma articulação para que o músculo principal (agonista) realize o movimento. Durante a flexão de cotovelo, para que o músculo braquial (agonista) faça sua função, o trapézio precisa estar em isometria (contração estática), estabilizando a articulação envolvida no movimento, o que o caracteriza como um músculo estabilizador. Por último, temos os músculos que funcionam como neutralizadores. Esses músculos previnem uma ação muscular indesejada durante a ação de um determinado músculo. Melhor dizendo, quando 13 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO um músculo é capaz de realizar dois movimentos, mas apenas um é desejado, um músculo neutralizador impede que o movimento indesejado aconteça. Considerando o papel do bíceps braquial na flexão de cotovelo, ele tem a função tanto de flexionar o cotovelo quanto de supinação do antebraço. Caso a flexão seja o único objetivo, o músculo pronador redondo neutraliza a supinação do antebraço para que somente a flexão de cotovelo aconteça. Para que compreender melhor todos esses músculos envolvidos em um movimento, observe a figura a seguir, em que são exemplificados os músculosagonista, antagonista, sinergista e estabilizador no exercício de flexão unilateral de cotovelo. Figura 1 – Representação das funções de diferentes músculos no exercício de flexão unilateral de cotovelo Exemplo de aplicação Antes de continuar, reveja as diferentes formas de classificação e as regras que determinam o papel dos músculos, pois isso o ajudará muito durante a prescrição de exercícios. Ação Por último, classificamos os músculos pela ação que eles realizam, tais como flexão, extensão, abdução, adução, rotação, circundução, inversão, eversão, supinação e pronação. Uma maneira bastante simples de compreender os movimentos realizados por determinado músculo é separar o corpo em partes anterior, posterior, medial e lateral. Vários músculos que atravessam a parte anterior do corpo realizam a flexão, enquanto os que se localizam na parte posterior fazem extensão, ao passo que a abdução e adução são realizadas pela parte lateral e medial, respectivamente. 14 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Como em toda regra, existem exceções. Os músculos da coxa, por exemplo, mesmo atravessando a parte anterior do corpo, realizam a extensão de joelhos. Para exemplificar, observe a figura a seguir, que representa os músculos do braço e suas respectivas ações de acordo com as regiões de localização no corpo. Posterior ‑ Tríceps braquial ‑ Cabeça longa (extensão de cotovelo) ‑ Cabeça medial (extensão de cotovelo) ‑ Cabeça lateral (extensão de cotovelo) Lateral Deltoide (abdução e flexão de ombro) Anterior (flexão de ombro) Posterior (extensão de ombro) Anterior ‑ Bíceps braquial (flexão de cotovelo, ombro e supinação) ‑ Coracobraquial (flexão de ombro) ‑ Braquial (flexão de cotovelo) Figura 2 – Representação dos músculos do braço com suas respectivas localizações e ações Observação Diferente do que muitos pensam, é o músculo braquial e não o bíceps braquial, o músculo agonista na flexão de cotovelo. Saiba mais Para mais exemplos de exercícios, consulte este livro: UCHIDA, M. C. Manual da musculação: uma abordagem teórico‑prática do treinamento de força. 7. ed. São Paulo: Phorte, 2013. Discutimos anteriormente que os músculos estão ligados aos ossos por tendões e interconectados por articulações. Essa organização permite que a contração muscular aconteça. Mas, afinal, o que ocorre dentro do músculo que determina esse processo? Antes de analisarmos os mecanismos envolvidos nesse processo, é necessário entender como é organizada a estrutura do sistema musculoesquelético. 15 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO O sistema musculoesquelético funciona em conjunto, como uma única unidade, durante o processo de contração muscular. É formado por uma organização hierárquica de várias estruturas que, juntas, determinam a sequência de eventos responsáveis pelo movimento corporal. Da organização macro para a microestrutura, podemos observar a seguinte sequência descrita por Silverthorn (2010): Musculoesquelético Macroestrutura responsável por transmitir a tensão para o tendão, este puxa o osso, movimentando o esqueleto. Fascículos Unidade formada por tecido conectivo que envolve as fibras musculares. Fibras musculares Estruturas formadas por membrana basal, sarcolema e sarcoplasma, além de estruturas intracelulares como o retículo sarcoplasmático, cisternas terminais, túbulos transversos e as miofibrilas. Além disso, as fibras musculares são constituídas por núcleos e células satélites que serão adequadamente discutidas quando forem detalhados os mecanismos da hipertrofia muscular. Enquanto isso, observe a representação da organização hierárquica do músculo esquelético até as fibras musculares (figura a seguir). Tendão Músculo esquelético Fascículo muscular: feixe de fibras Nervos e vasos sanguíneos Tecido conectivo Tecido conectivo Fibra muscular Núcleo Figura 3 – Representação hierárquica da estrutura do músculo esquelético até a fibra muscular Seguindo a sequência das estruturas do músculo, a unidade contrátil do músculo é a fibra muscular, sendo composta por retículo sarcoplasmático, cisternas terminais, túbulos transversos e miofibrilas, 16 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I estas últimas organizadas por proteínas contráteis, regulatórias e acessórias. As funções de todas essas estruturas são abordadas a seguir. Retículo sarcoplasmático Envolve cada miofibrila em uma espécie de renda e é conhecido como uma forma de retículo endoplasmático modificado. Sua função é liberar íons de cálcio (Ca2+) durante a contração muscular. Cisternas terminais Regiões alargadas nas extremidades dos retículos sarcoplasmáticos. São responsáveis por armazenar Ca2+. Túbulos transversos Rede ramificada e adjacente às cisternas terminais, conhecidos também como túbulos T. Possuem a função de conduzir o impulso elétrico do exterior para o interior da célula muscular. Miofibrilas São estruturas contráteis da fibra muscular, formadas pelas proteínas contráteis actina e miosina, as proteínas regulatórias troponina e tropomiosina e as proteínas acessórias titina e nebulina. A representação da organização hierárquica das fibras musculares até as miofibrilas é apresentada na figura a seguir. Figura 4 – Representação hierárquica da estrutura da fibra muscular até a miofibrila 17 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO Como já mencionado, as miofibrilas são estruturas contráteis formadas por diversas proteínas e organizadas em uma única unidade (sarcômero). As funções de cada estrutura são detalhadas na sequência. Miosina e actina A miosina é uma proteína composta de cadeias de proteínas que se entrelaçam, formando duas cabeças, uma cauda e uma região elástica flexível (que permite o movimento) constituindo um filamento grosso. Já a actina são proteínas globulares que, ligadas entre si, formam os filamentos finos. Cada molécula de actina possui um sítio de ligação para a miosina, enquanto uma cabeça da miosina possui um sítio de ligação com a actina e, na outra cabeça, um sítio de ligação com a molécula de adenosina trifosfato (ATP). Tropomiosina e troponina Os filamentos finos são compostos por essas proteínas que regulam a ligação entre actina e miosina. Cada tropomiosina é constituída de troponina C (que se liga a um íon de Ca2+), troponina I (possui capacidade de inibir a interação actina‑miosina) e troponina T (ligada à tropomiosina, troponina I e C). Essas proteínas se entrelaçam em torno da actina. Titina e nebulina São proteínas responsáveis pelo alinhamento adequado dos sarcômeros (estrutura explicada a seguir). A titina é uma proteína elástica que estabiliza os filamentos contráteis, principalmente os filamentos grossos, e permite que o músculo estirado retorne ao seu comprimento de repouso. Já a nebulina, proteína não elástica, além de auxiliar a titina, assegura o alinhamento dos filamentos finos formados por actina. Sarcômero Cada repetição seriada de unidades estruturais formadas por arranjo dos filamentos finos e grossos da miofibrila é denominado sarcômero. Quando examinado microscopicamente, cada sarcômero é constituído por banda I (formado somente por filamentos finos), banda A (somente filamentos grossos no centro e filamentos finos e grossos nas bordas externas), zona H (formado somente por filamentos grossos), linha M (formado por filamentos grossosunidos pelas proteínas acessórias) e linha Z (estruturas proteicas em zigue‑zague que fixam os filamentos finos). Cada estrutura que fica entre duas linhas Z é denominada um sarcômero. Para compreender melhor a organização das miofibrilas, observe a organização hierárquica das miofibrilas até as proteínas que formam o sarcômero (figura a seguir). 18 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Figura 5 – Representação hierárquica da estrutura da miofibrila até as proteínas que compõem o sarcômero Agora que já vimos como os músculos são classificados e revisamos as macroestruturas e microestruturas do sistema musculoesquelético, vamos finalmente compreender como ocorre o processo de contração muscular. 1.2 Controle neuromuscular do movimento Antes de entender os eventos dentro do músculo que determinam a contração muscular, devemos saber onde tudo se inicia. Para a contração muscular acontecer, é preciso que um impulso elétrico chegue até o músculo. Esse impulso elétrico, proveniente do sistema nervoso central (SNC), representa a comunicação entre o SNC e o músculo e chega ao seu destino pelo neurônio motor. O neurônio motor e as fibras musculares por ele inervadas formam o que chamamos de unidade motora. Cada unidade motora pode inervar várias fibras musculares. Por exemplo, o músculo gastrocnêmio medial possui aproximadamente 580 unidades motoras e estas inervam cerca de 1.030.000 fibras musculares (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). 19 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO As ações conjuntas ou individuais das unidades motoras resultam em contração muscular. Para tal, o impulso elétrico se inicia no SNC. Este o propaga, ele viaja até a medula espinhal e chega ao neurônio motor, que, por sua vez, libera na junção neuromuscular (espaço entre o neurônio motor e o músculo) um neurotransmissor conhecido como acetilcolina. A acetilcolina combina‑se, então, com um receptor presente na membrana do músculo esquelético, ocasionando a propagação do impulso elétrico do neurônio motor para a membrana do músculo (sarcolema). Ou seja, esse neurotransmissor forma um elo entre o neurônio motor e o músculo. Após sua chegada ao músculo, o impulso elétrico percorre todo o comprimento do sarcolema até encontrar os túbulos transversos, que permitirão que o impulso elétrico se propague pelas estruturas internas do músculo. 1.3 Sequência de eventos da contração muscular Até o momento, vimos que o impulso elétrico saiu do SNC, passou pela medula, foi até o neurônio motor e, finalmente, chegou à membrana do músculo e encontrou o túbulo transverso. Feito isso, o impulso elétrico atravessa toda a extensão do túbulo transverso, ocasionando a despolarização do canal de Ca2+ (DHP) e ativando o receptor rianodina (RyR) do retículo sarcoplasmático. Esse processo basicamente permite que o impulso elétrico avise (despolarização de DHP) o retículo sarcoplasmático (ativação de RyR) que chegou o momento de liberar Ca2+. Isso gera como consequência a abertura do receptor RyR e liberação de Ca2+ da cisterna terminal do retículo sarcoplasmático. Dessa maneira, o impulso elétrico cumpre a sua função. Na sequência, o protagonista é o Ca2+, pois ele vai em direção aos filamentos finos de actina e se fixa na proteína troponina. Ou seja, o Ca2+ está comunicando às proteínas que será preciso contrair o músculo logo em seguida. Assim, com a presença do Ca2+, a troponina desloca a tropomiosina de posição, expondo os sítios de ligação da miosina presente na actina. Em outras palavras, as proteínas troponina e tropomiosina, que antes estavam bloqueando a ligação de actina com miosina (estavam em volta da actina), com essa mudança de posição, permitem que as duas proteínas (actina e miosina) consigam enfim se ligar. Especificamente essa posição permite a ligação da cabeça da miosina no seu sitio de ligação localizado na actina, formando uma conexão chamada ponte cruzada. Assim feito, agora, essas proteínas se ligam para que, na sequência, ocorra a contração muscular (figura a seguir). 20 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Figura 6 – Interação do Ca2+ com a troponina e a liberação das pontes cruzadas Em relação à figura anterior, (1) liberação do neurotransmissor acetilcolina e sua ligação nos receptores da membrana do músculo; (2) impulso elétrico (potencial de ação) se propagando pela membrana e entra pelo túbulo T; (3) despolarização do canal de Ca2+ (DHP) causada pelo impulso elétrico presente no túbulo T, ativando o receptor RyR do retículo sarcoplasmático; (4) liberação do Ca2+ pela abertura do receptor RyR da cisterna terminal do retículo sarcoplasmático; (5) ligação do Ca2+ na proteína troponina, que puxa a tropomiosina, liberando a ligação de actina com miosina; (6) ligação da cabeça da miosina na proteína actina (formação da ponte cruzada) (SILVERTHORN, 2010). Com as proteínas actina e miosina ligadas, elas estarão prontas para iniciar a contração, mas isso precisará de energia. Assim, uma molécula de ATP se liga à cabeça da miosina, o que diminui a afinidade da ligação actina‑miosina, ou seja, resulta no desligamento dessas proteínas. 21 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO Mas, afinal, por que o ATP desliga a actina da miosina se o objetivo é contrair o músculo? Isso ocorre devido à contração ser ocasionada pela quebra do ATP, e não, simplesmente, por sua ligação na miosina. Ou seja, o processo seguinte que ocasionará de fato a contração muscular. Vamos entender isso: com o ATP ligado à cabeça da miosina, agora, ocorre a hidrólise (quebra) desse ATP pela ação de uma enzima chamada ATPase, formando, com esse processo, o ADP e o fosfato inorgânico (Pi), os quais permanecem ligados à miosina. Isso fornece energia novamente para, assim, a cabeça da miosina ligar‑se à actina. Lembre‑se de que a ligação do ATP desliga a miosina da actina, e a quebra do ATP liga novamente essas proteínas. Uma vez ligadas novamente (cabeça da miosina ligada à actina), ocorre a liberação do Pi, o que resulta na inclinação da cabeça da miosina (devido a sua região flexível) em direção a linha M (região central do sarcômero). Como a cabeça da miosina está ligada à actina, naturalmente, isso puxa o filamento de actina para a mesma direção. No final desse movimento, a miosina libera o ADP que ainda estava ligado em sua cabeça e, com isso, a cabeça da miosina se liga novamente a outra parte da actina, para que um novo ciclo seja iniciado quando um novo ATP se ligar à miosina. Mas, ao final da contração, as proteínas actina e miosina ficarão ligadas? Não. Porque agora que a contração terminou para que o músculo relaxe, o Ca2+ se desliga da troponina e retorna ao seu ponto de origem, ou seja, na cisterna terminal no retículo sarcoplasmático. Com a saída do Ca2+, a tropomiosina volta a sua posição inicial de bloqueio parcial dos sítios de ligação da miosina, ocorrendo assim o relaxamento muscular (figura a seguir). Figura 7 – Representação do ciclo das pontes cruzadas na contração muscular 22 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Todos esses eventos destacados sobre a contração muscular culminam no deslizamento da actina sobre a miosina, aproximando assim as duas linhas Z que compõem um sarcômero. Como vimos, isso só ocorre quando as pontes cruzadas de miosina puxam para o centro do sarcômero os filamentos deactina. Esse processo ocorre após cada cabeça de miosina liberar a actina e se ligar novamente a outra actina, iniciando um novo ciclo, gerando, como consequência, a aproximação cada vez maior dos filamentos finos em direção ao centro do sarcômero. Fazendo uma analogia, seria como puxar com as mãos uma corda em nossa direção com um objeto preso ao final desta. As mãos representariam a cabeça da miosina, a corda seria a actina, e o objeto seria a posição dos filamentos finos em relação ao sarcômero. Assim, cada vez que puxássemos com nossas mãos (cabeça da miosina) a corda (actina), o objeto ficaria cada vez mais próximo (centro do sarcômero). Cabe ressaltar que o ciclo de “ligar” e “desligar” entre miosina e actina ocorre em momentos diferentes entre as várias cabeças das miosinas, pois senão o sarcômero retornaria imediatamente a sua posição inicial caso todas as cabeças de miosina se desprendessem simultaneamente das actinas. Esse processo de encurtamento do sarcômero é representado na figura a seguir. Figura 8 – Representação esquemática e por microfotografia de um sarcômero relaxado e contraído (encurtado) durante o processo de contração muscular Como observado anteriormente, o processo de contração muscular ocorre nas estruturas menores do músculo esquelético (sarcômeros) dentro de cada fibra muscular. Mas será que esse processo ocorre igualmente em todos os músculos do nosso corpo? A resposta é não, pois, dependendo do tipo de fibra muscular de cada músculo, a velocidade de contração e a de relaxamento do músculo é diferente. Vamos entender melhor isso nos tópicos seguintes. 23 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO 1.4 Classificação dos tipos de fibras musculares As fibras musculares são classificadas com base na velocidade de contração e na resistência à fadiga (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011; SILVERTHORN, 2010). A velocidade de contração é determinada pela enzima ATPase, que realiza a hidrólise do ATP na contração do músculo. A velocidade de reação dessa enzima determina a velocidade de contração, caracterizando o tipo de fibra muscular, enquanto a resistência à fadiga é determinada por vários fatores, como o caráter metabólico predominante, densidade mitocondrial e capilar, atividade das enzimas oxidativas e conteúdo energético da fibra muscular. Nesse contexto, as fibras musculares são classificadas como fibras de contração lenta (também denominadas fibras do tipo I) e fibras de contração rápida (subdivididas em IIA e IIX). As fibras musculares de contração lenta utilizam predominantemente ATP mitocondrial proveniente do sistema aeróbio. Possuem como características centrais a baixa atividade de miosina ATPase (enzima que determina a velocidade de hidrólise de ATP), liberação lenta do CA2+, velocidade lenta de encurtamento muscular e baixa capacidade glicolítica (fornecimento de energia pelo glicogênio muscular). Por outro lado, diferentemente das fibras de contração rápida, as fibras de contração lenta possuem maior resistência à fadiga. Isso ocorre porque essas fibras possuem uma maior quantidade de disponibilidade de ATP, uma vez que, pela maior presença de oxigênio resultante da densidade capilar alta, associada à maior quantidade de mioglobina e atividade das enzimas oxidativas, resultarão em atividade elevada das mitocôndrias e, consequentemente, muitos ATPs disponibilizados para a contração muscular. Além disso, as unidades motoras que recrutam esse tipo de fibra fazem isso em atividades predominantemente aeróbias. Por outro lado, as fibras de contração rápida exibem outras características. Possuem alta velocidade da miosina ATPase, liberação e captação rápidas de CA2+, além de alta velocidade de transmissão do impulso elétrico do neurônio motor para a fibra muscular. Essas características são ainda complementadas pela maior quantidade de glicogênio muscular e fosfocreatina, além da atividade acentuada de enzimas glicolíticas, possibilitando, coletivamente, rápida disponibilidade de ATP. Esses fatores proporcionam à fibra de contração rápida uma alta geração de força, bem como a alta velocidade de contração muscular, especialmente em atividades que utilizem a via anaeróbia. Como dito anteriormente, as fibras do tipo II são subdivididas em IIA e IIX. As fibras do tipo IIA exibem velocidade rápida de encurtamento muscular e moderada capacidade de transferir energia, tanto aeróbia quanto anaeróbia, além de moderada resistência à fadiga. São consideradas fibras mistas, pois participam de atividades que envolvem tanto a via oxidativa quanto a glicolítica. Já as fibras IIX possuem alta velocidade de encurtamento muscular e baixa resistência à fadiga, e são especificamente utilizadas em atividade de curta duração e alta velocidade. Cabe ressaltar que o músculo não é só composto de um determinado tipo de fibra, e sim por todas elas em maior ou menor quantidade, dependendo da distribuição específica de cada músculo. Por exemplo, o músculo sóleo possui predominantemente fibras do tipo I, ao passo que o gastrocnêmio é formado em sua maioria pelas fibras do tipo II (IIA e IIX). Adicionalmente, as fibras musculares alteram suas características de acordo com os estímulos aos quais são submetidas e também pela ausência desses estímulos, que ocorre em períodos prolongados de inatividade, imobilidade ou desnervação. 24 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Os estímulos ou a falta deles desencadeiam alterações em várias estruturas, como número de mitocôndrias dentro do músculo, velocidade das enzimas, número de capilares e quantidade de proteínas dentro dos sarcômeros (SILVERTHORN, 2010). Essa capacidade adaptativa do músculo esquelético é denominada de plasticidade muscular (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). A classificação dos tipos de fibras pode ser feita considerando diversos fatores, como as características funcionais, estruturais, enzimáticas, energéticas e neurais (IDE; LOPES, 2008), (quadro a seguir). Quadro 1 – Aspectos funcionais, estruturais, enzimáticos, energéticos e neurais das fibras musculares Aspectos funcionais Fibras tipo I Fibras tipo IIA Fibras tipo IIX Produção de força Baixa Alta Alta Velocidade de contração Lenta Rápida Rápida Velocidade de relaxamento Lenta Rápida Rápida Resistência à fadiga Alta Média Baixa Caráter metabólico predominante Oxidativo Oxidativo/glicolítico Glicolítico Aspectos estruturais Densidade capilar Alta Média Baixa Densidade mitocondrial Alta Média Baixa Conteúdo de mioglobina Alta Média Baixa Aspectos enzimáticos Atividade de enzimas glicolíticas Baixa Alta Alta Atividade de enzimas oxidativas Alta Alta Baixa Atividade da ATPase da miosina Baixa Alta Alta Aspectos energéticos Conteúdo de glicogênio Baixo Alto Alto Conteúdo de triglicerídeos Alto Médio Baixo Conteúdo de fosfocreatina Baixo Alto Alto Aspectos neurais Tamanho do neurônio motor Pequeno Grande Grande Frequência de recrutamento Baixa Média Alta Adaptado de: Ide e Lopes (2008). Nesse momento, é possível que surja a indagação de como se lembrar de todas as características das fibras musculares, mas isso ficará cada vez mais claro quando forem discutidos alguns exemplos práticos da musculação. Por exemplo, você já tentou utilizar um peso próximo do seu máximo na musculação e fazer várias repetições? Se a resposta foi sim, com certeza, conseguiu fazer pouquíssimas repetições. Isso é explicado pelo fato da alta intensidade necessitar de um alto recrutamento de fibras do tipo IIX, que, apesar de produzirem muita força por todos os motivos discutidos anteriormente, não resistem muito 25 Re vi sã o: A lin e - Diag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO tempo à fadiga. Outro exemplo, tente realizar a máxima velocidade de movimento com um peso moderado na musculação. Você perceberá que será possível fazer apenas algumas repetições em alta velocidade e, rapidamente, a velocidade será reduzida. Novamente, isso é explicado pelo fato de fibras do tipo IIX, apesar de fornecerem condição de realizar muito rápido o movimento, proporcionarem energia apenas para poucas repetições. Por fim, se você utilizar um peso muito leve na musculação, perceberá que é possível fazer muitas repetições antes de atingir a fadiga total. Isso acontece porque fibras do tipo IIA e do tipo I estão sendo predominantemente recrutadas em menor intensidade. Como essas fibras possuem maior resistência à fadiga (veja os motivos discutidos no quadro anterior), você conseguirá fazer muitas vezes o movimento de contração muscular. Portanto, quando tentar entender as características das fibras musculares, pense sobre os exemplos que discutimos, pois ficará muito mais fácil sua compreensão. Seguindo adiante, além das diferenças das fibras musculares já discutidas, é importante destacar que as características das fibras musculares são fortemente determinadas pelas unidades motoras que as inervam. Unidades motoras seguem uma lei denominada tudo‑ou‑nada, que significa que ou o estímulo é suficiente para despolarizar o neurônio gerando a propagação do impulso elétrico, ou nada acontece. Isso quer dizer que não existe potencial de ação mais forte ou mais fraca, pois eles são similares, independentemente da intensidade do estímulo (SILVERTHORN, 2010). Cabe destacar, no entanto, que, mesmo seguindo essa lei, o músculo pode gerar contrações graduadas e variáveis devido aos diferentes tipos de unidades motoras presentes em cada músculo, que se diferenciam quanto ao tamanho do neurônio motor e frequência de recrutamento (quadro anterior). Neurônios motores maiores (fibras do tipo II) são capazes de receber maiores estímulos, consequentemente, resultar em maior recrutamento muscular em comparação aos neurônios motores menores das fibras do tipo I. Além disso, quando o músculo é estimulado repetidamente, ocorre a soma desses estímulos, ocasionando um recrutamento adicional do músculo (SILVERTHORN, 2010; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). Em outras palavras, se a frequência de estímulos elétrico for alta, estes se somarão e produzirão maior recrutamento muscular, razão pela qual fibras de contração rápida geram mais força que as fibras lentas. Se você resgatar os exemplos que discutimos da musculação, é possível entender como esse processo de recrutamento das fibras musculares estará acontecendo. Além disso, fibras musculares possuem limiares excitatórios diferentes. Por exemplo, o potencial de repouso (diferença eletroquímica entre face interna e externa da membrana do músculo em repouso) da fibra do tipo I é de aproximadamente ‑85 miliVolts (mV), ao passo que nas fibras do tipo IIA e IIX representam ‑92,7 mV e ‑94,6 mV, respectivamente (BOTTINELLI; REGGIANI, 2000). Isso quer dizer que, dentro do músculo, a condição eletroquímica é negativa. Do ponto de vista aplicado, quando um estímulo elétrico chega ao músculo, ele precisa mudar provisoriamente a polaridade (de negativo para positivo) até um determinado limiar excitatório. Ou seja, o estímulo elétrico tem que ser suficiente para reverter a polaridade e quanto maior o valor do potencial de repouso do músculo, maior quantidade de estímulos é necessária para que isso aconteça. 26 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Assim, se observarmos os valores de potencial de repouso dos diferentes tipos de fibras (I é igual a ‑85 mV; IIA é igual a ‑92,7 mV e IIX é igual a ‑94,6 mV), é mais fácil despolarizar a fibra menos negativa (tipo I) do que as fibras musculares com maior eletronegatividade (IIA e IIX). Por esse mesmo motivo, se o estímulo atingir o limiar excitatório das fibras do tipo II, ele já foi previamente suficiente para recrutar também as fibras de limiar menor (tipo I). Pense novamente em um peso muito alto sendo levantado na musculação. Você já sabe que o recrutamento, nesse caso, está ocorrendo predominantemente para fibras do tipo II, mas, devido ao limiar excitatório ser maior para esse tipo de fibra, o limiar das fibras do tipo I já foram anteriormente atingidos. Essas diferenças nos limiares excitatórios entre as fibras musculares possibilitam ao músculo todo controlar a contração muscular pelo tipo e quantidade de unidades motoras ativas necessárias para uma determinada tarefa (BOTTINELLI; REGGIANI, 2000). Por exemplo, se for preciso levantar um grande peso em um exercício de musculação, são necessárias várias unidades motoras e de limiares maiores. Ou seja, se um estímulo elétrico é suficiente apenas para ativar unidades motoras de baixo limiar, serão recrutadas apenas as fibras de contração lenta (fibras do tipo I). Isso impede que seja possível levantar um peso elevado na musculação, já que este produz pouca força. Assim, é necessário aumentar o estímulo, provocando o recrutamento progressivo e adicional de unidades motoras compostas por fibras de contração rápida (fibras do tipo II). Como agora teremos mais unidades motoras e mais fibras musculares participando da contração, o peso elevado não representará um problema, já que o músculo produzirá uma maior quantidade de força. Se os estímulos continuarem aumentando (acréscimo cada vez maior de peso no exercício), as fibras de limiares mais altos (fibras do tipo IIX) serão despolarizadas, atingindo um nível de força muscular próximo do máximo. Cabe lembrar que esse potencial em produzir o máximo de força é passageiro, pois fibras do tipo IIX entram rapidamente em fadiga, sendo impossível manter o músculo produzindo o máximo de força além de alguns poucos segundos. Por exemplo, considere um peso na musculação em que você consiga levantar uma vez só (teste de 1 repetição máxima). Você conseguiria ficar quanto tempo sustentando esse mesmo peso? Você faria mais de uma repetição? Com certeza, as respostas foram não, exceto se diminuíssemos o peso do exercício. Assim, contrações sustentadas precisam de estímulos elétricos sequenciais e só são possíveis quando unidades motoras mais resistentes participam predominantemente dessas contrações. Uma das formas de evitar a fadiga em contrações sustentadas é um processo denominado revezamento das unidades motoras. Isso significa que o SNC é capaz de regular a frequência de disparo dos impulsos elétricos através do revezamento (alternância) das unidades motoras (SILVERTHORN, 2010; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). Isso significa que as unidades motoras que entram em fadiga são provisoriamente substituídas por unidades motoras “descansadas”, até que estas fatiguem também e sejam similarmente substituídas. Cabe ressaltar que esse revezamento só evita a fadiga em contrações de intensidade submáxima, pois as contrações máximas atingem a tetania (estimulação máxima e simultânea da unidade motora), gerando um ciclo entre contração e relaxamento das fibras musculares (BOTTINELLI; REGGIANI, 2000). Dessa forma, considerando essas diferenças das unidades motoras, é razoável imaginar que os treinos devam respeitar essa característica fisiológica, especialmente quando diferentes formas de manifestação 27 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO de força forem treinadas. Do ponto de vista prático, a manipulação das variáveis do treinamento (discutidas adiante) determinará como serão recrutadas as unidades motoras e consequentemente o músculo,mostrando o quão importante é entender esses mecanismos para a prescrição do treinamento. Portanto é importante que até aqui tenha sido compreendido como são estruturados os músculos, como ocorre a contração destes e quais as diferenças entre as fibras musculares, pois todas essas informações serão relevantes quando avançarmos nos assuntos seguintes deste livro‑texto. A seguir, um desafio sobre o controle do movimento. Isso vai ajudar a apreender o conteúdo. Exemplo de aplicação Supondo que você tivesse que controlar manualmente os impulsos elétricos para realizar a contração de cada músculo do seu corpo, de forma simultânea, como você acha que se sairia? Para refletir sobre isso, convido você a tentar realizar esse comando por meio do jogo QWOP, disponível na internet: GAMES BY BENNETT FODDY. QWOP. 26 out. 2010. Disponível em: <http://www.foddy.net/2010/10/ qwop/>. Acesso em: 21 set. 2018. Nesse jogo, tente percorrer a maior distância possível controlando um boneco por quatro botões do teclado de seu computador (Q, W, O e P). Isso fará com que você reflita sobre a complexidade do controle motor pelo sistema nervoso. Completado o desafio, tente responder às seguintes questões: • O que provavelmente estava acontecendo de errado com o impulso elétrico quando o boneco caiu? • Quais foram os músculos envolvidos, considerando os movimentos realizados pelo boneco? • Quais mecanismos fisiológicos seriam determinantes para que o boneco realizasse corretamente a tarefa do jogo? • Quais os tipos de fibras musculares, provavelmente, seriam predominantes nesse tipo de atividade? 2 ASPECTOS BIOMECÂNICOS RESPONSÁVEIS PELO CONTROLE DO MOVIMENTO CORPORAL 2.1 Mecânica do movimento corporal Agora que já discutimos as propriedades estruturais do músculo, os eventos que determinam a sua contração e as características das fibras musculares, bem como os fatores que determinam o recrutamento destas, vamos prosseguir compreendendo como a mecânica do movimento é determinada. 28 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Para isso, inicialmente, é fundamental entender que o músculo esquelético possui quatro características comportamentais descritas por Hall (2016): extensibilidade, elasticidade, irritabilidade e a disposição em produzir tensão. A extensibilidade é conhecida como a capacidade de o músculo se alongar e/ou aumentar de tamanho, enquanto a elasticidade caracteriza‑se como a disposição do músculo retornar ao seu comprimento inicial após ser estirado. Essa última característica permite que o osso receba uma transmissão suave da tensão muscular. Esse comportamento elástico do músculo é resultante do componente elástico em série (CES) e do componente elástico em paralelo (CEP). O CES está localizado nos tendões e atua como uma espécie de mola quando o músculo é tensionado e alongado, uma vez que armazena e libera energia elástica nessas condições. Recebe esse nome porque membranas e tendões estão posicionados em paralelo e em série (alinhado), respectivamente, com as fibras musculares (componente contrátil). Já o CEP confere resistência ao músculo quando este é alongado de forma passiva através das membranas musculares. Por estar localizado paralelamente às fibras musculares, é nomeado dessa maneira. Os CESs e CEPs possuem propriedades viscoelásticas, ou seja, quando alongados, os músculos não retornam imediatamente ao seu tamanho inicial, essa característica é ainda influenciada pelo tempo que o músculo permaneceu alongado. Poderíamos comparar a propriedade viscoelástica a um travesseiro com espuma viscoelástica (aquele popularmente conhecido como travesseiro da Nasa). Quando se coloca a cabeça nele, ao retirá‑la, o molde da cabeça permanece, somente após alguns segundos, o travesseiro retorna a seu formato inicial. O músculo se comporta de maneira similar. Quando é alongado estaticamente por um tempo, o comprimento do músculo aumenta, ampliando a ângulo articular do movimento. Contudo, após o alongamento, o músculo demora algum tempo para voltar ao seu comprimento de pré‑estiramento, tal como ocorre com o travesseiro. Essas características mecânicas do músculo permitem que ele se adapte aos estímulos constantes de alongamento e encurtamento, tanto aguda (efeito imediato) quanto cronicamente (efeito a longo prazo). Nesse sentido, sugere‑se que agudamente ocorra maior tolerância ao alongamento pela diminuição da inibição sensorial causada por receptores sensoriais. Esse processo, no entanto, seria temporário e retornaria em poucos minutos à condição de repouso. Cronicamente, por outro lado, são observadas alterações estruturas pela diminuição da rigidez músculo‑tendão (stiffness) e aumento do comprimento muscular pela adição de sarcômeros no final do músculo (aumento de sarcômeros em série). Assim, a manipulação do treino na musculação pode resultar em mudanças tanto agudas quanto crônicas na estrutura do músculo de acordo com os estímulos impostos. Esses componentes mecânicos do músculo são representados na figura a seguir. 29 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO Componente elástico em paralelo Componente elástico em série Componente contrátil Figura 9 – Representação mecânica dos componentes contráteis (fibras musculares), componente elástico em paralelo (CEP) (membranas musculares) e componente elástico em série (CES) (tendões) Outras duas características do músculo são a irritabilidade e a disposição em produzir tensão (HALL, 2016). Irritabilidade nada mais é que a capacidade do músculo em responder a um estímulo, seja ele mecânico, como um golpe externo sobre o músculo, ou eletroquímico, por meio dos potenciais de ação (impulsos elétricos) do nervo associado ao músculo. Já a capacidade de produzir tensão representa a contração do músculo em si. É importante entender que essa tensão não significa necessariamente o encurtamento do músculo (aproximação das linhas Z) como discutido anteriormente nos eventos da contração muscular. Tal como mencionado, o músculo esquelético tem como principal papel realizar o movimento. Do ponto de vista mecânico, é importante entender como os músculos combinados com as estruturas ósseas maximizam o movimento das cargas externas. Já sabemos que os músculos contraídos transmitem a tensão ao tendão, que funciona como uma “corda”, pois puxa a estrutura óssea gerando o movimento. No entanto, o músculo pode criar uma tensão sem necessariamente gerar movimento, de acordo com o tipo de ação muscular, conforme discutiremos a seguir. 2.1.1 Ações musculares Antes de mais nada, é importante entender que o conceito correto que discutiremos a seguir é ação muscular, e não contração muscular. Contração é a tensão produzida no músculo resultante dos mecanismos fisiológicos responsáveis pela formação de pontes cruzadas. Ou seja, tudo que discutimos anteriormente. Já a ação muscular é a consequência desse processo, que pode, eventualmente, causar movimento (ação excêntrica e concêntrica). No entanto, sabemos que o músculo é constantemente submetido ao encurtamento e alongamento, e isso provoca alterações em seu comprimento. Isso é facilmente observado no dia a dia, principalmente quando realizados os exercícios da musculação. Observe, por exemplo, como fica a panturrilha quando estiver na ponta do pé. O músculo aumenta consideravelmente de tamanho, ficando com aparência de inchado. Isso acontece porque houve encurtamento do músculo, modificando sua largura e comprimento. Essas alterações são influenciadas pelo tipo de ação muscular realizada (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2012), como representado na figura a seguir. 30 Re vi sã o: A line - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Figura 10 – Alterações no tamanho do músculo de acordo com o tipo de ação muscular Durante a ação muscular, quando a força interna produzida pelo músculo se iguala à resistência externa, não gerando nenhum movimento, ocorre a chamada ação isométrica. Um exemplo disso na musculação seria segurar o halter com o braço estendido à frente do seu corpo, nem o levantar, nem o abaixar. É possível ainda produzir força muscular em que exista um visível encurtamento no comprimento muscular, gerando a diminuição do ângulo articular (ação concêntrica). Essa situação pode acontecer quando é executado o movimento de levantar‑se no exercício agachamento. Por último, você pode fazer força e o músculo estar contraído, mas visivelmente alongado em relação ao seu comprimento de repouso (ação muscular excêntrica). Um bom exemplo é quando é realizada a descida da barra em direção ao peito no exercício supino reto. A ação excêntrica produzirá mais força que as outras ações musculares, devido aos componentes elásticos presentes no músculo. Isso será detalhado posteriormente quando discutirmos a relação comprimento‑tensão do músculo. Para melhor entender as diferenças das ações musculares, observe o quadro a seguir. Quadro 2 – Características das ações musculares concêntrica, excêntrica e isométrica Estado do músculo Comprimento do músculo Ação muscular Exemplo aplicado no exercício de rosca direta Contraído Encurtado Concêntrica (dinâmica) Flexão de cotovelo Contraído Encurtado Excêntrica (dinâmica) Extensão de cotovelo Contraído Inalterado Isométrica (estática) Manter o peso parado com o cotovelo fletido a 90º Essas diferenças entre as ações musculares destacadas no quadro anterior são fundamentais quando pensarmos em prescrição do treinamento. Por exemplo, se o profissional de Educação Física prescrever o treinamento com a mesma intensidade para todas as ações musculares, provavelmente, ocasionará poucos 31 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO efeitos para o aluno devido às diferenças dessas ações. Isso significa que, ao prescrever o exercício, deve‑se pensar em qual ação muscular será utilizada e, só então, elaborar as cargas de treino, considerando a capacidade de cada ação envolvida nos exercícios. Assim, é importante entender muito bem esses conceitos, para, posteriormente, os efeitos das diferentes ações musculares nas adaptações em força e hipertrofia muscular serem mais assimiláveis. 2.1.2 Arquitetura do músculo esquelético Como descrito por McArdle, Katch e Katch (2011), a organização estrutural das fibras musculares interfere no quanto de força e velocidade o músculo pode produzir. Sob uma linha imaginária tracejada entre origem e inserção, os arranjos das fibras são organizados. Fibras fusiformes estão dispostas paralelamente ao eixo longitudinal (por exemplo, tibial anterior), enquanto fibras peniformes estão distribuídas obliquamente, formando um ângulo de penação (por exemplo, tríceps sural). Outras subcategorias das fibras, tanto fusiformes quanto peniformes, são sugeridas na literatura, embora, do ponto de vista biomecânico, as duas categorias já estabeleçam as diferenças entre elas. Sob essa perspectiva, é conhecido que o ângulo produzido entre a linha imaginária da origem até a inserção em relação à disposição das fibras musculares determina a quantidade de sarcômeros por área em corte transversal do músculo (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). Isso quer dizer que se um músculo possuir um ângulo de penação elevado (por exemplo, 30º), caberão mais fibras musculares numa mesma área; ao passo que na ausência de penação (músculos com fibras fusiformes), naturalmente, haverá menor quantidade de fibras por área muscular. Nesse contexto, em fibras fusiformes (sem ângulo de penação), ocorre maior velocidade de encurtamento da fibra muscular devido à tensão do músculo ser imediatamente transmitida ao tendão e à estrutura óssea. Por outro lado, quando ocorrer encurtamento das fibras musculares peniformes, elas girarão em torno da fixação do tendão, e isso aumenta o ângulo de penação (figura a seguir), resultando em menor transmissão de força entre músculo‑tendão e tendão‑ossos (HALL, 2016). Relaxado Com produção de tensão Figura 11 – Ângulo de penação de fibras peniformes relaxadas e contraídas 32 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 Unidade I Apesar disso, como destacado por Hall (2016), a maior quantidade de fibras musculares por área gera maior quantidade de pontes cruzadas formadas e recrutamento muscular, o que resulta em maior produção de força em fibras peniformes. Assim, o aumento do ângulo de penação em fibras peniformes é consequência da hipertrofia do músculo esquelético (maior área em corte transversal), resultando em maior produção de força muscular (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). Em contrapartida, fibras fusiformes possuem tamanho similar ao comprimento do músculo, o que facilita a transmissão rápida da contração muscular, gerando maior velocidade de encurtamento. Traduzindo em termos práticos, fibras fusiformes são mais lentas para contrair, mas são mais fortes; enquanto fibras peniformes são mais rápidas em sua velocidade contrátil, mas produzem menos força. É importante mencionar que fibras peniformes podem ser subdividas de acordo com a localização oblíqua de um conjunto de fibras musculares. Por exemplo, um conjunto de fibras dispostas obliquamente apenas em um dos lados do tendão são chamadas de unipenadas. Um exemplo é o músculo tibial posterior, que tem fibras dispostas apenas em um dos lados do tendão calcâneo. Já fibras musculares que convergem dos dois lados do tendão são chamadas de bipenados. Como exemplos temos os gastrocnêmios e o reto femoral, que estão dispostos em ambos os lados dos tendões calcâneo e tendão patelar, respectivamente. Por último, algumas fibras musculares possuem mais de dois conjuntos de fibras dispostas em diferentes ângulos de penação, se conectando em duas extremidades dos tendões. Um exemplo desse músculo é o deltoide, que se subdivide em diferentes porções, formando múltiplos ângulos de penação. Na figura a seguir, são mostrados alguns exemplos de músculos fusiformes e peniformes. Fusiforme Bíceps braquial Unipenado Tibial posterior Bipenado Formas de penação Reto femoral Multipenado Deltoide Figura 12 – Representação dos arranjos das fibras musculares de diferentes músculos 2.1.3 Músculos monoarticulares e biartiarticulares Outra consideração importante do funcionamento do músculo esquelético é quanto ao número de articulações envolvidas em conjunto com a ação de um determinado músculo (HALL, 2016). Isso é de fundamental relevância, pois a prescrição dos exercícios da musculação é fortemente dependente dessas características. 33 Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 10 /1 8 TREINAMENTO PERSONALIZADO E MUSCULAÇÃO Para compreender se um músculo é monoarticular ou biartiarticular, é preciso saber quantas articulações o músculo atravessa. Por exemplo, muitos erroneamente imaginam que os músculos que cruzam a parte anterior do braço (coracobraquial, bíceps braquial e o braquial) cruzam somente a articulação do cotovelo, o que resultaria só no movimento de flexão de cotovelo. No entanto, como mostrado previamente (figura 2), a flexão de ombro é realizada tanto pelo coracobraquial quanto pelo bíceps braquial, enquanto o braquial realiza apenas a flexão de cotovelo, auxiliado pelo bíceps braquial, sendo este último músculo também um supinador
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