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1 Saliva Profa. Dra. Ana Carolina Magalhães A cavidade bucal é banhada por um filme de um fluído chamado saliva. A saliva é um complexo fluído produzido por glândulas salivares com a função principal de manter a saúde bucal. Indivíduos com deficiência de secreção salivar experimentam dificuldade para comer, falar e deglutir, tornando-se propensos a infecções de mucosa e lesões de cárie rampante. Com base na importância da saliva para a manutenção da saúde bucal, serão descritos a seguir os tipos de glândulas salivares, a maneira como a saliva é produzida e seu papel na saúde bucal. 1. Anatomia e Fisiologia das Glândulas Salivares (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008) 1.1 Glândulas Maiores As glândulas maiores são responsáveis por 90% da saliva total, sendo compostas pelas glândulas parótida, submandibular e sublingual. A parótida é a maior glândula salivar localizada na frente da orelha, abaixo do processo zigomático e atrás do ramos da mandíbula bilateralmente. Seu ducto (ducto de Stensen/ Parótida), com 5 cm de comprimento, emerge na borda anterior da glândula sobre a superfície do masseter, sendo que sua abertura localiza-se na altura do 2º molar superior. A secreção desta glândula é do tipo serosa. A glândula submandibular tem metade do tamanho da parótida. É localizada entre o corpo da mandíbula e o músculo mileóide, no assoalho da boca. A abertura de seus ductos (Ducto de Wharton/ Submandibular) se localiza no assoalho bucal abaixo da parte anterior da língua sobre o cume da papila sublingual lateralmente ao freio lingual. Sua secreção é serosa e mucosa. A glândula sublingual tem 1/5 do tamanho da submandibular, sendo situada no assoalho de boca abaixo da dobra da membrana mucosa sublingual. O ducto principal (ducto de Bartholin) e numerosos ductos pequenos (Ductos de Rivinus/ Sublingual) emergem no cume da dobra sublingual (sulco lingual). Esta glândula é predominantemente do tipo mucosa. 1.2 Glândulas Menores As glândulas menores se localizam na borda lateral da língua, parte posterior do palato e mucosa labial e bucal. Secretam basicamente saliva mucosa, exceto as glândulas serosas linguais (glândulas de Ebner). São responsáveis por aproximadamente 10% da saliva total. Além da secreção das glândulas maiores e menores, a saliva total é composta por fluído gengival e células descamadas. 2 1.3 Estrutura das glândulas salivares As glândulas são formadas por ácinos (80%) e um sistema de ductos ramificados (20%). Os ácinos podem conter células serosas ou mucosas ou ambas. Nas glândulas mistas, as células mucosas são cercadas por células serosas. As células serosas são arranjadas em forma esférica, já as células mucosas tendem a apresentar uma configuração tubular com um largo lúmen central. Em ambos os tipos de ácinos, as células se organizam de tal forma que um lúmen é formado. As células serosas liberam principalmente íons e glicoproteínas com funções enzimáticas, antimicrobianas, quelantes de cálcio entre outras. Glicoproteínas serosas apresentam os sítios da cadeia oligossacarídea ligadas à porção N terminal. Já as células mucosas são ricas em mucina. A mucina também é uma glicoproteína, mas difere da glicoproteína serosa na estrutura do centro da proteína, na natureza e extensão da glicolisação e na função. Mucina tem funções de lubrificação e agregação de microorganismos. A distinção entre células serosas e mucosas tem se tornado difícil, já que agora se sabe que algumas células serosas produzem certas mucinas assim como células mucosas produzem certas proteínas não glicosiladas. Adicionalmente, avanços no procedimento de preservação de tecido têm demonstrado que as estruturas das células serosas e mucosas são similares em análises histológicas. Há três tipos de ductos: intercalado, estriado e excretório. O fluído produzido pelas células dos ácinos passa pelo ducto intercalado que apresenta um epitélio cuboidal e um pequeno espaço no lúmen. Na sequência, o fluído entra no ducto estriado que é cercado por células colunares com muitas mitocôndrias. Por fim, a saliva passa pelo ducto excretório, no qual as células são cuboidais, até chegar à parte terminal que é cercada por epitélio escamoso estratificado. Os três ductos nas glândulas parótida e submandibular são grandes, já nas glândulas sublinguais e glândulas menores são esparsamente distribuídos ou ausentes, com diâmetro curto e pequeno. As células mioepiteliais ao redor dos ácinos, entre células dos ácinos e lâmina basal, auxiliam na propagação do líquido pelos ductos. Além disso, as células mioepiteliais provêm força isométrica e suportam o parênquima glandular durante a resposta secretória. Acredita-se que estas células provêm sinais a células acinares que são necessários para a manutenção de polaridade das células e estrutura organizacional. Evidências sugerem ainda que estas células produzam um número de proteínas que têm atividade supressora de tumor (inibidores de proteinases) e fatores anti-angiogênese e que provem uma barreira contra invasão de neoplasias epiteliais A glândula mais o suprimento sanguíneo e nervoso são sustentados por um estroma de tecido conjuntivo. Este tecido conjuntivo apresenta cápsulas e septos que se estendem internamente dividindo a glândula em lobos e lóbulos e levando vasos sanguíneos e nervos ao parênquima da glândula. O tecido conjuntivo apresenta várias células (fibroblastos, macrófagos, células dendríticas, plasmáticas, granulócitos e linfócitos). O colágeno e as fibras elásticas associadas às glicoproteínas e proteoglicanas constituem a matriz extracelular deste tecido. 3 Há uma maior concentração de capilares especialmente nos ductos estriados onde há trocas iônicas e uma menor concentração na porção secretória terminal. A secreção salivar é principalmente controlada por impulsos nervosos parassimpáticos, mas também por simpáticos. 2. Mecanismos de Secreção Salivar (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Nanci, 2007) 2.1 Estimulação e controle neural da salivação O principal estímulo salivar é de ordem química (sabor), através de quimioceptores presentes nos botões gustativos, mas também poder ser provocado mecanicamente (mastigação), através de mecanoceptores presentes no ligamento periodontal. O impulso aferente é direcionado ao núcleo solitário da medula via nervo facial (VII) e glossofaríngeo (IX). A informação é transmitida por nervos autônomos que são fibras parassimpáticas do nervo facial e glossofaríngeo e fibras simpáticas que seguem os vasos sanguíneos. A estimulação parassimpática produz uma saliva mais aquosa (água e eletrólitos), com alto fluxo e baixa concentração protéica; já a estimulação simpática produz uma saliva com baixo fluxo, altamente viscosa e rica em mucina. As fibras eferentes que retornam a mensagem do sistema nervoso para as glândulas submandibular e sublingual são originadas no nervo facial/ lingual, já para as glândulas parótidas são do nervo glossofaríngeo/ auriculotemporal. Estes nervos liberam neurotransmissores nas superfícies dos ácinos, como acetilcolina, noradrenalina e peptídeos (substância P, polipeptídio intestinal vasoativo). A acetilcolina (neurotransmissores parassimpáticos) regula a secreção do fluído; já a noradrenalina (simpático), a secreção de macromoléculas. Isto ocorre pela ligação da acetilcolina a receptores muscarínicos presentes nas membranas das células dos ácinos, já a noradrenalina se liga a receptores adrenérgicos. A ligação a estes receptores causa a ativação da proteína G pela substituição de GDP por GTP. A ativação da subunidade α da proteína G ativa a enzima alvo, sendo esta a fosfolipase C para a secreção do fluído/eletrólitos (estimulação parassimpática) e a adenilato-ciclase para a secreção das macromoléculas (simpática). Além da ação dainervação simpática e parassimpática sobre as células dos ácinos, estes nervos também controlam o fluxo sanguíneo que é o maior fator na regulação da taxa de fluxo salivar. A subunidade α da proteína G é inativada por ela mesma por causa de sua atividade GTPase intrínseca. Quando o GTP é hidrolisado a GDP, tanto a proteína como a enzima são inativadas. No entanto, este processo é lento o que significa que a enzima pode processar muitas moléculas de substrato antes de ser inativada. 2.2 Adenilato ciclase e AMP cíclico 4 A adenilato ciclase converte o ATP em AMPc (2º mensageiro). Todas as atividades do AMPc são mediadas através da proteína quinase A. A proteína quinase A (PKA) se torna ativada e fosforila proteínas celulares responsáveis pela síntese e secreção de saliva. 2.3 Fosfolipase C (PLC) e inositol 1,4,5 trifosfato e cálcio (IP3) O IP3 é produto da hidrólise ocasionada pela fosfolipase C (PLC). O IP3 se liga aos receptores no endossomo (retículo endoplasmático) e libera cálcio guardado nele. Os receptores de IP3 são canais de cálcio que se abrem quando ligados ao IP3. O sinal de cálcio pode ser ainda amplificado pela liberação de cálcio através de receptores rianodine (2º canal de cálcio). Além da mobilização do cálcio armazenado, o processo secretório pode também utilizar cálcio extracelular que é estimulado quando há depleção dos reservatórios de cálcio intracelular. 2.4 Macromoléculas As macromoléculas são produzidas dentro dos ribossomos, translocadas no lúmen do retículo endoplasmático onde sofrem modificações (glicosilação, fosforilação, sulfonação, proteólise); transferidas para pequenas vesículas do complexo de Golgi, onde sofrem mais modificações; seguidas pela condensação e empacotamento em grânulos secretórios. Estas fases são reguladas pela fosforilação de proteínas ativadas por AMPc dependente de PKA. Um aumento no AMPc estimula a transcrição de genes para proteínas salivares, modificação pós-tradução, maturação, translocação de vesículas secretórias à membrana e exocitose. As vesículas permanecem armazenadas no citoplasma apical até receberem apropriado estímulo secretório (norepinefrina). Para que as proteínas sejam liberadas, os endossomos ou vesículas devem se fundir com a membrana plasmática em processo de exocitose. A proporção de proteínas de um individuo independe do estímulo, porém entre indivíduos, diferenças existem em função de que várias proteínas apresentam polimorfismo genético. Recentes avanços na técnica Proteoma têm permitido a identificação de um amplo número de proteínas. Primeiramente separam-se as proteínas por eletroforese ou cromatografia; na sequência, isolam-se pequenos grupos de proteínas ou seus peptídeos e identificam-se os peptídeos por espectrometria de massa. A partir de uma base de dados de peptídeos de proteínas conhecidas, as proteínas da saliva podem ser identificadas. Mais de 309 proteínas foram identificadas na saliva e 130 na película adquirida (Siqueira et al., 2007) 2.5 Fluídos e eletrólitos O processo de absorção e secreção dos eletrólitos envolve transporte ativo a partir do suprimento sanguíneo, através de uma única camada de célula (ácinos), até o lúmen. Os sistemas de transporte ativo são: Na+/K+ ATPase; sistema de co-transporte Na+/K+/Cl-; secreção de bicarbonato 5 dirigida por bomba de Na+/H+; secreção de Cl- dirigida por bombas paralelas Na+/H+ e Cl-/HCO3-; canais de Cl- e K+ regulados por Ca+2; fluxo osmótico de água; bombas K+/H+; transporte paralelo de Na+ e água. As células dos ácinos usam transporte ativo para aumentar a concentração intracelular de cloro que por sua vez ativa o canal de cloro na membrana permitindo a liberação deste íon no lúmen. O transporte de cloro é regulado pelo aumento na concentração de cálcio que ativa o canal de potássio o qual mantém o potencial de membrana com valor negativo, preservando a força que dirige o fluxo de cloro. Os canais de cloro permitem também a passagem de bicarbonato. Como consequência do potencial negativo criado pelo cloro e bicarbonato, o sódio atravessa as células para manter a eletroneutralidade. A concentração de sódio é aumentada pelo influxo de sódio via ativação das bombas Na+/H+ e Na+/K+/2Cl- co-transportador. O aumento do sódio acinar ativa o mecanismo de transporte bomba Na+/K+ (ATPase), pela saída ativa de sódio e influxo de potássio, restabelecendo os gradientes iônicos originais da célula. O movimento de sódio e cloro cria um gradiente osmótico que faz com que a água se mova através do tecido. O movimento da água, portanto, dá-se por osmose. A água pode atravessar a célula de duas maneiras, entre elas (paracelular) e através de canais (aquaporin) presentes na membrana apical e basolateral. A água é secretada até a isotonicidade ser vencida (1ª modificação). Quando a saliva passa pelos ductos estriados se torna hipotônica, uma vez que este ducto reabsorve os eletrólitos da saliva primária (sódio e cloro) por transporte ativo, assim como secreta outros íons (potássio e bicarbonato). No entanto, este ducto não é permeável à água. A saliva hipotônica (2ª modificação) é importante, porque facilita a diferenciação de sabores (paladar). Se a saliva permanecesse isotônica haveria uma dificuldade na distinção de sabores cuja concentração iônica está abaixo do plasma (Mese & Matsuo, 2007). A gustatina, um proteína salivar, auxilia este processo, já que é necessária para o crescimento e maturação das papilas gustativas. O processo secretório do fluído nas células dos ácinos tem maior capacidade que o processo reabsortivo eletrolítico nos ductos. Quando o fluxo salivar é lento (fluxo não estimulado), os ductos conseguem modificar a saliva substancialmente. Já quando o fluxo é rápido (fluxo estimulado), o ducto tem pouca capacidade de modificar a saliva, sendo esta liberada com a composição semelhante à saliva liberada no lúmen (menos hipotônica) com alta concentração de sódio e cloro que a saliva não estimulada. O bicarbonato (HCO3-) salivar é derivado do CO2 pela presença de anidrase carbônica nos tecidos glandulares salivares. O processo de secreção do bicarbonato é similar ao cloro, dependendo intimamente das mudanças de Na+/H+ e do gradiente de sódio. Os canais de cloro regulam a concentração de bicarbonato na saliva. O bicarbonato pode se mover livremente através do epitélio na forma de CO2. O bicarbonato pode ser reabsorvido no ducto estriado, sendo isto intimamente 6 relacionado à reabsorção de cloro. Quando o fluxo salivar é rápido, há pouca reabsorção de bicarbonato, aumentando a capacidade tampão salivar. O fluxo de saliva é sempre unidirecional devido à função da barreira (presença de junções nas membranas apicais e basolaterais) das células de ducto e ácinos em separar o fluído extracelular da saliva e também pela polarização das estruturas e funções dentro das células. Os principais eventos de secreção ocorrem na membrana apical. 3. Fatores que influenciam fluxo e composição salivar (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Dodds et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008) A composição da saliva varia conforme a glândula, sendo fortemente influenciada pelo ritmo circadiano assim como pelo fluxo (se estimulado ou não). A taxa de fluxo não estimulado (FNE) varia normalmente de 0,3-0,4 mL/min, sendo oriundo em 25% da parótida, 60% da submandibular, 7-8% da sublingual e 7-8% das glândulas menores. Somente quando a taxa é menor que 0,1 mL/min pode-se considerar o individuo com hipossalivação. No entanto, indivíduos com baixo fluxo salivar só podem ser considerados xerostômicos quando apresentam sintomas associados. A viscosidade da saliva não estimulada é 2-3x maior que a saliva estimulada. Já a saliva estimulada tem um fluxo de 1,5-2,0 mL/min, sedo formada em 50% pela saliva oriunda da parótida, 35% da submandibular, 7-8% da sublinguale 7-8% das glândulas menores. A saliva estimulada (FE) é produzida em aproximadamente 54 min por dia, sendo o restante saliva não estimulada, o que totaliza 0,5-0,6 L de saliva produzida por dia. O FNE é o mais importante que o FE, pois é o que dura mais tempo, porém o FE tem papel na limpeza da boca. Em função da localização das glândulas e do fluxo salivar, diferentes sítios da boca são expostos a saliva com diferentes composições. 3.1 Fluxo salivar não estimulado Os fatores que afetam o fluxo salivar não estimulado são o grau de hidratação, já que quanto menor o volume de água corporal, menor o fluxo. Quando o conteúdo corporal de água é reduzido em 8%, o fluxo salivar se reduz a zero aproximadamente. Já a hiper hidratação pode causar um aumento no fluxo salivar. A postura corporal, as condições de iluminação e fumo também têm influência. Pessoas em pé têm maior fluxo não estimulado, já pessoas deitadas apresentam menor fluxo em comparação às pessoas sentadas. Há uma diminuição em 30-40% quando o individuo está no escuro. Entretanto, o fluxo salivar não é menor em pessoas cegas quando comparadas às pessoas normais. É sugerido que as pessoas cegas se adaptam à falta de luz. Estimulações por olfato e fumo causam um aumento temporário de fluxo não estimulado. O uso de drogas reduz o fluxo não estimulado assim como bebidas alcoólicas. 7 Os ritmos circadianos (24 h) estão relacionados à temperatura e fluxo salivar. A temperatura e fluxo não estimulado aumentam durante a tarde, sendo que o fluxo se reduz próximo a zero durante a noite. O ritmo anual também tem influência sobre o fluxo salivar. No verão, o fluxo salivar da parótida é menor, enquanto no inverno há picos de volume de secreção. No entanto, estudos sobre a influência do ritmo anual no fluxo salivar foram realizados nos EUA, o que pode não representar o que acontece no Brasil. Quando o fluxo salivar é baixo, o paciente apresenta um quadro clínico de hiposalivação (hipoptialismo). Há também casos mais raros de hipersalivação (ptialismo ou sialorréia). A hipossalivação é de comum ocorrência em pacientes polimedicados, com doenças sistêmicas e em pacientes irradiados. Já a hipersalivação é um achado frequente durante a irrupção dentária e em pacientes com problemas mentais. 3.2 Fluxo salivar estimulado O fluxo salivar pode ser estimulado por agentes químicos (ácidos > sal ~ amargo ~ doce) e mecânicos (mastigação), especialmente o primeiro. Os picos de fluxo salivar ocorrem no horário de refeições. O olfato tem pouca influência sobre o estímulo salivar. Episódios de vômitos aumentam o fluxo salivar momentos antes e durante o vômito. A idade parece não ter interferência no fluxo salivar em indivíduos saudáveis, apesar de a glândula diminuir em tamanho com a idade. Com a idade pode haver atrofia glandular acompanhada por fibrose; troca de tecido secretório por adiposo; e alterações nos ductos incluindo depósitos. No entanto, a influência da idade sobre a função da glândula ainda é controversa. Indivíduos que usam medicamentos apresentam uma diminuição expressiva da salivação independente da idade. Pelo fato dos idosos usarem cronicamente medicamentos, é comum encontrar hipossalivação nestes pacientes. Também há diferença entre gêneros com relação ao fluxo salivar; de uma forma geral mulheres produzem um menor volume de saliva em comparação a homens. O estimulo também pode ser unilateral, quando a mastigação é mais de um lado. É importante lembrar que se há uma alteração no fluxo salivar, há também modificações na composição da saliva. 3.3 Composição salivar (Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006) A saliva é composta em 99% por água e 1% de uma variedade de eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, cloro, magnésio, bicarbonato e fosfato), proteínas (enzimas, imunoglobulinas, glicoproteínas, traços de albumina, polipeptídios e oligopeptídeos), glicose e produtos nitrogenados, como uréia e amônia. Há também células, microorganismos, leucócitos provenientes da mucosa e fluído gengival. Vários fatores podem ter influência na composição salivar como o tipo de glândula, natureza de estímulo (gustativo e mastigatório) e duração do estímulo. O tipo de glândula tem influência na composição salivar, por exemplo, a parótida secreta a maior parte da amilase, assim como substâncias provenientes do sangue e mucina vêm especialmente 8 das glândulas menores. As glândulas menores têm uma secreção altamente viscosa e com baixa capacidade tampão O tipo de fluxo também determina a composição, sendo que com o aumento do fluxo há um aumento nas concentrações de proteínas, sódio, cloro e bicarbonato assim como há uma diminuição de magnésio e fosfato. Por outro lado, a concentração de flúor permanece constante. O pH varia entre 6,5-7,4, sendo mais alto em secreções estimuladas, onde a renovação metabólica do tecido granular é alta. A saliva não estimulada contém alta concentração de mucina tipo I (com alto peso molecular, MGI), enquanto saliva estimulada apresenta alta concentração de mucina tipo II (baixo peso molecular, MGII). A MGI é responsável pela lubrificação e aglutinação bacteriana, a MGII também facilita a remoção bacteriana da cavidade oral e a formação da película. A duração do estímulo também é determinante. A concentração de bicarbonato aumenta com o aumento na duração do estímulo, já a concentração de cloro diminui com o aumento da duração do estímulo. A natureza do estímulo tem efeito na composição salivar, especialmente quando o sal é usado, há uma maior liberação de proteínas em comparação aos outros estímulos por sabor. O estímulo ácido, por sua vez, leva à produção de saliva alcalina. De acordo com o ritmo circadiano, a concentração de sódio e cloro tem um pico no inicio da manhã, a concentração de potássio tem um pico no meio da tarde e a concentração de proteína no final da tarde. A atividade física altera a composição salivar, havendo um aumento nos níveis de amilase e eletrólitos (especialmente sódio). Algumas doenças, como pancreatite, diabetes, insuficiência renal, anorexia, bulimia e doença celíaca estão associadas ao aumento do nível de amilase. Outras condições como obesidade, paralisia cerebral, síndrome de Down parecem estar associadas às alterações na composição da saliva (Santos et al., 2010; Pannunzio et al., 2010; Siqueira et al., 2007). Alterações emocionais estão relacionadas a alterações na composição bioquímica da saliva assim como deficiências nutricionais podem ter impacto sobre a qualidade da saliva (Lingström & Moynihan, 2000). 4. Saliva: efeitos protetores (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007) A saliva tem importantes funções na cavidade bucal: efeito de lavagem; solubilização de substâncias (sabor); formação de bolo alimentar; limpeza; diluição de detritos; lubrificação de tecidos moles; mastigação, deglutição e fonação; capacidade tampão; manutenção da concentração de cálcio e fosfato; formação da película adquirida; defesa antimicrobiana e funções digestivas. A seguir serão descritas as funções mais importantes para a manutenção da saúde bucal. 9 4.1 Capacidade tampão da saliva A saliva tem capacidade de neutralizar o pH na presença de ácidos ou bases, pela ação de sistemas como proteínas, fosfato e bicarbonato. As proteínas apresentam baixa concentração salivar (concentração 1/3 plasma) e por isso têm pouco efeito tampão. As proteínas são mais importantes na película, por serem mais concentradas. O fosfato também está presente em baixa concentração na saliva e, além disso, seu valor de pKa é menor que o valor do pH da saliva, tendo pouco efeito tampão. A importância do fosfato está relacionada à supersaturação da apatita e manutenção da estrutura dentária. Já o bicarbonato é o sistema tampão mais importante na saliva, especialmente quando o fluxosalivar é alto, situação em que apresenta um aumento razoável de concentração (1 mM – FNE, 60 mM – FE). Portanto, o sistema bicarbonato é o mais importante tampão da saliva estimulada. Já na saliva não estimulada, tanto o sistema bicarbonato como fosfato agem na neutralização do pH. Além do bicarbonato, a presença de uréia (conversão em amônia) e sialina na saliva pode aumentar o pH salivar. O sistema tampão não age da mesma forma sobre todas as superfícies; seu efeito é maior sobre superfície livres que em regiões interproximais. 4.2 Formação da película Saliva é responsável pela formação de uma película sobre a superfície dentária rica em glicoproteínas. Esta película é responsável pela proteção da superfície dentária contra agentes químicos e mecânicos. A espessura desta película varia conforme a superfície e é proporcional ao contato com fluído salivar. Na superfície palatina dos incisivos apresenta 10 µm de espessura, já na superfície palatina dos dentes posteriores chega a 70-100 µm de espessura. Quando a espessura da película é menor que 10 µm sugere-se a presença de xerostomia, o que não necessariamente indica hipossalivação, mas sim áreas localizadas com secura. Siqueira et al. (2007) detectaram 130 proteínas (mucina, amilase, lisozima, cistatina, anidrase carbônica, PRP, estaterina) e, em 2009, 78 peptídeos, na película in vivo. Recentemente, foi demonstrada a presença de histatina intacta na película adquirida, a qual é resistente à degradação quando adsorvida à HAP, que poderia ter potencial para proteger o esmalte contra os ataques ácidos (Siqueira et al., 2010; Mc Donald et al., 2011). Por outro lado, outras proteínas sofrem mudanças conformacionais quando adsorvidas à HAP como a PRP (Elagovan et al., 2007). O entendimento da composição da película em diferentes sítios dentários será de grande valia para estratégias de modificação da película para a proteção dos dentes contra a erosão dentária e outras doenças relacionadas à colonização microbiana da película (Lussi et al., 2011; Hannig et al., 2009; Wiegand et al., 2008; Siqueira et al., 2005). A colonização bacteriana e formação do biofilme dentário podem ser alteradas em pacientes de alto risco à cárie dentária, como por exemplo, usando 10 uma cepa probiótica para alteração composição da película adquirida a qual pode inibir a adesão dos Estreptococos mutans à película (Haukioja et al., 2008). 4.3 Efeito Antimicrobiano Existem em torno de 108 a 109 microorganismos/ mL de saliva total, sendo 1-3 g deglutidos diariamente. Um importante papel da saliva é fazer esta limpeza da boca, mantendo o equilíbrio entre microorganismo e seres. Através da saliva há também a transmissão de bactérias especialmente entre a mãe e filho durante os primeiros anos de vida. A saliva tanto inibe como suporta seletivamente o crescimento de certas espécies bacterianas. A saliva provê carboidratos e aminoácidos às bactérias. Quando não há oferta de açúcar, a presença de aminoácidos na saliva seleciona bactérias não cariogênicas. A saliva além de produzir a película adquirida também tem influência na composição do biofilme dentário. O biofilme dentário é formado pela aderência de bactérias à película formando um biofilme rico em macromoléculas e íons. Várias proteínas presentes do biofilme são oriundas da saliva: mucina, amilase, lisozima, peroxidase, imunoglobulina salivar, glicotransferases bacterianas e proteínas ricas em prolinas (PRP). Estas proteínas têm função antimicrobiana, lubrificante, digestiva, tampão e na manutenção da supersaturação de cálcio e fosfato. 4.4 Papel das Proteínas Salivares (Nieuw Amerongen et al., 2004; Dodds et al., 2005; Llena Puy, 2006; Nanci, 2007) 4.4.1 Mucinas x Proteção da mucosa As mucinas são secretadas especialmente pelas glândulas menores e a lingual, apresentando uma grande heterogeneidade no padrão de glicosilação. As mucinas são moléculas assimétricas e hidrofílicas (lubrificação). Representam 20-30% das proteínas salivares. Apreendem algumas bactérias, inibem a adesão de células bacterianas a tecidos moles por bloqueio das adesinas na superfície bacteriana, protegendo a mucosa de infecção. As mucinas também interagem com tecido duro, mediando a adesão de bactérias à superfície dos dentes. São responsáveis pela lubrificação, proteção contra desidratação e manutenção da visco-elasticidade. A lubrificação tem importante função na mastigação, fala e deglutição. 4.4.2 Lisozimas x Antimicrobiano A lisozima está presente desde o nascimento através de sua secreção pelas glândulas salivares (maiores e menores), fluído gengival e leucócitos. Apresenta atividade muramidase pela hidrólise da ligação β (1-4) entre ácido N-acetilmuramico e N-acetilglucosamina na camada peptidoglicana da parede celular bacteriana. A lisozima pode ativar autolisinas bacterianas que podem destruir paredes 11 celulares. As bactérias G- são mais resistentes por apresentarem uma camada de lipopolissacarídeos. Já as bactérias G+ podem ser protegidas pela produção de polissacarídeos extracelulares. 4.4.3 Lactoferrina x antimicrobiano A lactoferrina é uma proteína não enzimática produzida por glândulas salivares (maiores e menores) e leucócitos. Tem alta afinidade por íons Fe+3, sendo que sua ligação aos íons ferro provoca a deprivação deste metal essencial de microorganismos patogênicos. O efeito antibacteriano continua até a lactoferrina se tornar saturada. A apo-lactoferrina (sem ferro) também pode ter efeito bactericida irreversível, pela ligação direta às bactérias. 4.4.4 Peroxidase x antimicrobiano A peroxidase na saliva (sialoperoxidase) é proveniente das glândulas parótida e submandibular. Já a mieloperoxidase é proveniente dos leucócitos. Ambos os tipos de peroxidase catalisam a seguinte reação: H2O2 + SCN- OSCN- + H2O (peróxido de hidrogênio) (íons tiocianato) (hipotiacianato) A atividade antimicrobiana se dá pela produção de hipotiacianato e seu derivado o ácido hipoticianico. Além disso, esta enzima protege proteínas e células da toxicidade promovida pelo peróxido de hidrogênio. 4.4.5 α Amilase e Lipase x Digestão A amilase corresponde a 40-50% das proteínas produzidas pelas glândulas salivares, sendo oriunda em 80% na parótida e 20% na submandibular. Degrada amido, produzindo maltose, maltotriose e dextrina. É responsável pela limpeza de restos alimentares, também modula a ligação de bactérias à película, sendo inativada no estômago quando deglutida. A amilase se liga aos Estreptococos gordini, S. mitis e S Oralis, o que pode contribuir para a limpeza destes microorganismos. As glândulas de Von Ebner, presentes na língua, secretam lipases que degradam parte dos lipídios ingeridos na dieta. 4.4.6 Proteínas rica em prolina (PRP) e estaterina x manutenção da estrutura dentária Estas proteínas se ligam ao cálcio, mantendo o estado supersaturado sem precipitação, prevenindo a formação de cálculo. A PRP corresponde a 25-30% das proteínas salivares. A PRP também se adere à película salivar, tem um papel importante na lubrificação e promove a adesão seletiva de algumas bactérias (S. gordini e A. viscosus). Além disso, se liga ao tanino (vinho tinto, chá, 12 morango) presente em algumas bebidas, reduzindo sua toxicidade em animais. O tanino inibe várias enzimas digestivas (tripsina) e precipita várias proteínas. A estaterina é produzida nas glândulas parótida e submandibular. Assim como a PRP esta proteína também inibe a precipitação de sais de cálcio e promove a adesão seletiva da bactéria A. viscosus à película. Participa na formação da película, interferindo na adesão de S. mutans (Shimotoydome et al., 2006). 4.4.7 Cistatina x antimicrobiano É uma fosfoproteína com cisteína. Inibe a proteólise pela ação bacterianae de leucócitos. Está presente tanto na saliva como na película. Apresenta atividade antibacteriana e antiviral (controle da proteólise) e também afeta a precipitação de fosfato de cálcio. 4.4.8 Histatina x antimicrobiano Pertence a uma família de peptídeos ricos em histidina com atividade antimicrobiana (antifúngica), especialmente sobre a Cândida albicans e Estreptococos mutans. Participam na formação da película, interferindo na adesão de S. mutans (Shimotoydome et al., 2006) e inibem a liberação de histamina dos mastócitos, sugerindo papel na inflamação. 4.4.9 Fatores de crescimento x reparo Estes fatores são encontrados na saliva, especialmente proveniente da glândula submandibular, e promovem crescimento e diferenciação tecidual e cicatrização. 4.4.10 Imunoglobulinas salivares x antimicrobiano (imunidade adaptativa) As imunoglobulinas correspondem a 5-15% do total de proteínas salivares. A IgA é a principal imunoglobulina na saliva, seguida pela IgG e IgM que são secretadas a partir do fluído gengival. A produção de IgA ocorre em células plasmáticas subepiteliais no tecido conjuntivo ao redor de ácinos e ductos. Estas proteínas agem principalmente na inibição da aderência e colonização bacteriana. Não há evidências quanto ao seu efeito anti-cariogênico. Em geral as proteínas têm mais efeito em bactérias transitórias. 4.5 Lipídios São produzidos por glândulas salivares. Em torno de 75% dos lipídios estão na forma de ácido graxo, colesterol e mono, di e triglicérides, 20-30% são glicolipídios e 2-5% fosfolipídios. Os lipídios ligados à mucina modificam a aderência bacteriana. 4.6 Uréia 13 A uréia se encontra em uma concentração de 2-4 mM, dependendo da quantidade de proteína ingerida. Nas glândulas menores pode chegar a 5 mM. A uréia pode ser quebrada pela urease bacteriana formando amônia e CO2, aumentando o pH do biofilme. 4.7 Cálcio, fosfato e flúor x Manutenção de integridade dos dentes O cálcio e fosfato são importantes íons presentes na saliva e são responsáveis pela manutenção da estrutura dentária assim como pela formação de cálculo. A saliva tem menor concentração de cálcio e maior concentração de fosfato inorgânico que o plasma, sendo que a parótida apresenta menor concentração de cálcio e maior de fosfato que a submandibular. A concentração de cálcio varia entre 1-3 mmol/L, sendo fortemente influenciada pelo fluxo salivar. É mais concentrada nas glândulas submandibular e sublingual (2 x mais que a parótida). Também é influenciada pelos ritmos circadianos. O cálcio salivar pode estar ionizado ou estar ligado, dependendo do pH. Quanto menor o pH, mais cálcio iônico está presente, sendo este responsável pelo equilíbrio des-remineralização. O cálcio não ionizado está ligado a íons inorgânicos, tais como fosfato e bicarbonato (10-20%), citrato (<10%) e macromoléculas (10-30%). O cálcio pode se ligar à estaterina, histidina e proteínas ricas em prolina inibindo a precipitação de fosfato de cálcio. O cálcio também atua como co-fator para a amilase. A concentração de cálcio é maior na placa que na saliva, devido à maior concentração de sítios de ligação para cálcio, mas também pela precipitação de sais de cálcio. O fosfato inorgânico pode estar presente na saliva na forma de ácido fosfórico (H3PO4), íons fosfato inorgânico primário (H2PO4-), secundário (HPO4-2) e terciário (PO4-3). A concentração de fosfato inorgânico total diminui com o aumento no fluxo, com exceção do terciário. A concentração de fosfato terciário diminui com a redução do pH. A concentração de fosfato na glândula submandibular é apenas 1/3 da saliva da parótida, mas é cerca de 6x mais alta que nas glândulas mucosas menores. Para o fosfato, o ritmo circadiano não é importante. Cerca de 10-25% de fosfato inorgânico está complexado ao cálcio ou aderidos a proteínas. Cerca de 10% está na forma dimérica, ácido pirofosfórico (H4P2O7), o qual inibe a precipitação e formação de cálculo. O fosfato tem um importante papel na manutenção dos dentes e como nutriente da microbiota bucal. O flúor é secretado pelas glândulas e fluído gengival em uma concentração basal de 0,02 ppm. Também pode estar presente pela contaminação com aplicações tópicas (água, dentifrício), sendo este último determinante para sua concentração. O flúor se complexa com o cálcio, formando fluoreto de cálcio e também com magnésio, evitando que a enzima enolase participe da via glicolítica das bactérias. 5. Saliva: Limpeza bucal e controle de pH (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Nanci, 2007; Dawes, 2008) 14 A saliva faz a auto-limpeza bucal, reduzindo a concentração de substâncias exógenas. Há dois modelos para explicar a limpeza salivar: o modelo de Swenander Lanke e o modelo de Dawes. Segundo Dawes quando se ingere alguma substância, a saliva é estimulada até vencer um volume máximo (1,1 mL) no qual ela é deglutida. O restante da substância permanece na saliva residual (0,8 mL) até alcançar um volume e ser deglutida novamente. Dessa maneira o processo continua até que toda a substância seja eliminada. Se o individuo apresenta um FSNE de 0,3 mL/minuto levará em torno de 2,2 min para a limpeza, o que significa que a substância levará este tempo para ser reduzida em metade de sua concentração na boca pela limpeza salivar. 5.1 Fatores que afetam a limpeza bucal Há vários fatores que afetam a capacidade de limpeza bucal pela saliva como o fluxo salivar e o volume de saliva na boca antes e após a deglutição. O volume de saliva deixada na boca após deglutição (saliva residual) varia de 0,4-1,4 mL, sendo que quanto menor o volume de saliva residual, melhor o individuo deglutiu a substância e por isso sua limpeza é mais rápida. O volume de saliva anteriormente à deglutição (volume máximo = 0,5 – 2,1 mL) também é importante. Indivíduos que têm menor volume de saliva antes da deglutição apresentam capacidade de limpar mais rapidamente as substâncias. O fluxo salivar tanto estimulado quanto não estimulado quando abaixo dos valores normais reduzem a taxa de limpeza das substâncias na boca. A limpeza pela saliva varia conforme o tipo de substância e os sítios localizados. A limpeza é mais rápida na superfície lingual que bucal, exceto na vestibular dos 2os molares superiores. A limpeza do açúcar de uma bebida é mais rápida que de uma bolacha, pelo fato da última se aderir à superfície dentária dificultando sua remoção. A limpeza de açúcar e ácidos da placa determina uma menor desmineralização da superfície dentária e por isso regiões onde a limpeza é mais rápida apresentam menor incidência de cárie dentária. Quando se ingere o açúcar, há uma queda do pH salivar por alguns minutos e depois este pH retorna à normalidade. Para se avaliar se o efeito da saliva em neutralizar o pH é devido ao fluxo salivar ou à capacidade tampão, testou-se o efeito de um bochecho com água após o consumo de sacarose sobre a curva de Stephan (pH da placa x tempo, após a ingestão de açúcar). O bochecho com água não reduziu a queda de pH. Estes resultados sugerem que o efeito benéfico da limpeza salivar tem mais relação com um aumento na concentração de bicarbonato que pelo aumento do fluxo salivar. Diferentemente do açúcar, a limpeza do flúor tem interferência no seu efeito cariostático. O flúor como a clorexidina tem a capacidade de se ligar às estruturas bucais, prolongando o tempo de limpeza bucal. Por isso, é interessante reduzir a velocidade de limpeza salivar após a aplicação de um agente fluoretado, para prolongar seu efeito. 15 5.2 Controle de pH (Llena Puy, 2006) A saliva é responsável pela formação de uma película adquirida rica em glicoproteínas sobre a superfície dentária. As bactérias iniciam a colonização sobre a película adquirida com o auxilio de adesinas e de proteínas salivares (proteínas rica em prolina). A primeiracolonização ocorre nas primeiras 24 h, com microorganismos aeróbios. Já a segunda colonização ocorre em um prazo de 1 a 14 dias, com a agregação de múltiplas bactérias. As características do biofilme dentário são determinantes para a susceptibilidade do individuo à formação de lesões dentárias cariosas. O fluxo salivar, o pH e capacidade de limpeza salivar podem ser determinantes da qualidade e quantidade de biofilme dentário como será visto a seguir. 5.2.1 Curva de Stephan Esta curva mostra a mudança de pH da placa no decorrer do tempo, após a ingestão de açúcar. Esta curva pode variar entre diferentes sítios na boca assim como entre indivíduos. A queda de pH alcança um mínimo após 5-20 minutos da ingestão do açúcar, retornando ao valor normal após 30-60 minutos. Esta queda de pH se deve ao metabolismo microbiano pelo biofilme dentário que é depositado sobre a superfície dentária, a qual é rico em bactérias, polissacarídeos, íons entre outros constituintes. Portanto, quando se considera cárie dentária, mais importante que o pH salivar é o pH do biofilme. No entanto, a limpeza do açúcar proporcionada pela saliva tem um relação direta com o pH do biofilme dentário. Cada superfície dentária tem uma curva de Stephan, sendo esta determinada pela capacidade da saliva em banhar a superfície. Quando a superfície tem pouco contato com a saliva, o pH permanece por mais tempo baixo. 5.2.2 pH do biofilme em repouso Biofilme dentário em repouso se refere àquele após 2-2,5 h da última ingestão de açúcar. Já o biofilme em jejum se refere àquele após 8-12 h de ingestão de açúcar. O pH de repouso varia de 6-7, já o de jejum é de 7-8. Estes dois tipos de placa contêm alta concentração de acetato comparada à de lactato, que é mais presente na placa recentemente exposta a açúcares. Isto mostra que o metabolismo bacteriano, após um período de carência de açúcar, é dirigido para a quebra de aminoácidos. 5.2.3 Redução do pH do biofilme e pH mínimo O pH do biofilme se reduz quando há ingestão de açúcar e este é então metabolizado por bactérias, o qual produz ácido lático. A permanência do pH mínimo é determinada pelo tempo em que o carboidrato permanece na boca, assim como pela capacidade tampão do biofilme e saliva. Se o pH 16 mínimo estiver abaixo do pH crítico para a hidroxiapatita, haverá subsaturação dos íons que compõem este mineral, e consequentemente a desmineralização do esmalte. Quando há um excesso no consumo de sacarose, há uma diminuição do pH mínimo e pH de repouso, uma vez que com o excesso de sacarose as bactérias produzem polissacarídeos extracelulares (glucanos – aderência e frutanos – metabolismo). 5.2.4 Aumento do pH da placa e manutenção do pH do biofilme O aumento do pH do biofilme após a ingestão de açúcar é determinado por vários fatores: difusão de ácidos para a saliva; produção de base (amônia a partir da uréia e desaminação de aminoácidos; amina a partir da descarboxilação de aminoácidos) e transformação de ácidos em outros produtos. O bicarbonato, como tampão, assim como a amônia e peptídeos são responsáveis pela manutenção do pH neutro. 5.2.5 pH e espessura da placa A idade e a localização do biofilme dentário determinam sua espessura e também composição química e microbiológica. Biofilmes dentários mais espessos têm mais microorganismos anaeróbicos, uma maior concentração de íons cálcio e fosfato, sendo que a penetração e saída de substâncias são mais difíceis. As quedas de pH são mais pronunciadas em biofilmes espessos, devido à dificuldade que os constituintes salivares têm de penetrar no biofilme e aumentar seu pH. 5.2.6 pH da placa e limpeza salivar/ estimulação salivar Há uma relação positiva entre limpeza salivar e pH da placa. Quanto maior a limpeza salivar, mais rapidamente o pH da placa aumenta após desafios cariogênicos. O estímulo salivar tem um importante papel, já que a mastigação de chicletes após a refeição leva a um aumento no fluxo salivar estimulado e consequentemente do pH e da capacidade tampão da placa. A estimulação diária com chicletes após as refeições, durante um período de 2 semanas, pode levar a um aumento no atividade das glândulas salivares, especialmente sobre o fluxo e pH de repouso, mostrando sua influência na função da glândula. Outros alimentos também podem estimular o fluxo salivar, como amendoim, alimentos fibrosos e queijos. A mastigação de queijos tem um efeito adicional pela quebra de proteínas presentes no queijo (caseína) e a alta concentração de cálcio e fosfato (Lingström & Moynihan, 2000). 5.2.7 pH da placa em pacientes renais Pacientes renais apresentam uma alta concentração de amônia e uréia na saliva. A presença destes compostos na saliva está relacionada ao pH mais alto e também à menor concentração de bactérias cariogênicas, o que leva o indivíduo a apresentar menor risco à cárie dentária. 17 5.2.8 pH da placa e susceptibilidade à cárie Quando comparados a indivíduos com alto risco à cárie, indivíduos de baixo risco à cárie tem um alto valor de pH da placa em repouso, alto valor de pH mínimo após o consumo de carboidratos, rápido retorno no pH a neutralidade, sendo que há mais produção de base (poliaminas e amônia). 6. Saliva: equilíbrio mineral (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005; Nanci, 2007) A cárie e erosão dentária são causadas por desmineralização provocadas por ácidos de origem microbiana (presentes no biofilme) e por ácidos não bacterianos como refrigerantes e suco gástrico (presentes na saliva), respectivamente. A saliva tem um importante papel nestes dois processos, porque além de banhar a superfície dentária, também determina a composição da película e consequentemente da placa dentária (fluído da placa). Portanto, baixa capacidade tampão e diferenças no grau de saturação de íons na placa dentária têm sido observadas em indivíduos com alto risco à desmineralização por cárie. Já em relação à erosão, características da saliva e da película adquirida estão relacionadas à susceptibilidade à lesão. O cálculo dentário, diferentemente da cárie e erosão dentárias, é causado pela precipitação de minerais na placa dentária, causando sua calcificação. É mais comum próximo à saída de glândulas salivares (superfície vestibular do 2º molar superior e superfície lingual dos incisivos inferiores). Há dois tipos de cálculo (supragengival e subgengival), sendo que o supragengival é formado a partir da saliva e o subgengival pelo exsudado do sulco gengival. As bactérias mortas servem como nucleadoras de precipitação. Um pré-requisito para a formação de cálculo é que a placa deve ter um pH mais alcalino que a saliva ou o fluído crevicular ao redor. Há uma alta atividade proteolítica e consequentemente um alto teor de uréia que facilita a deposição de cálcio e fosfato na placa dentária. 7. Xerostomia e hipossalivação (Avery, 2002; Edgar et al., 2004; Nauntofte et al., 2005) Há duas condições bucais comuns especialmente em idosos (30% da população com idade acima de 65 anos), em indivíduos que utilizam medicamentos cronicamente, em pacientes com Síndrome de Sjögren (100%) e irradiados (25 GY, 100%): a hipossalivação e Xerostomia (síndrome da boca seca). Estas duas condições são distintas, já que a hipossalivação é característica em indivíduos que apresentam fluxo salivar não estimulado abaixo de 0,1 mL/min e fluxo estimulado abaixo de 0,5-0,7 mL/min, com alteração na composição salivar. A hipossalivação pode ser assintomática. Já a Xerostomia, também chamada de boca seca, é caracterizada pela presença de sintomas associados e nem sempre é causada simplesmente por uma hipossalivação, mas sim pela presença de 18 áreas na boca com pouco contato com saliva, as quais se tornam ressecadas. É definida como impressão subjetiva de sensação de secura na boca o que pode significar danos às funçõesorais e qualidade de vida. 7.1 Etiologia 7.1.1 Patologia das glândulas A xerostomia e hipofunção salivar podem estar associadas a patologias da glândula salivar do tipo infecciosa, não infecciosa e neoplásica. A infecção das glândulas salivares por bactérias ou vírus não é de ocorrência tão comum, é mais presente em pacientes imunocomprometidos e envolve na maioria das vezes a glândula parótida. O citamegalovírus, por exemplo, pode acometer adultos, causando uma infecção fraca na parótida; o paramixovírus acomete parótida de crianças causando a caxumba. A patologia não infecciosa é uma condição um pouco mais comum, devido à obstrução dos ductos, podendo ser aguda (Sialolitíase) e crônica (Sialodenosis). A obstrução pode causar mucocele (pequeno cisto) quando acomete glândulas menores na parte interna do lábio. Também pode levar ao aparecimento da rânula, cisto mucoso da glândula submandibular ou sublingual. Estas obstruções geralmente são causadas pela presença de sialolítos ou cálculos que se desenvolvem como resultado de desidratação e inativação da glândula. Os tumores também podem estar presentes nas glândulas salivares, especialmente na parótida. Geralmente são benignos (80% adenomas pleomórficos), unilaterais, assintomáticos, de crescimento lento, bem delineados e encapsulados. Tumores malignos quando aparecem estão associados ao aumento da idade e às glândulas submandibulares e sublinguais e glândulas menores. O carcinoma mucoepidermóide é o tumor maligno das glândulas mais comum, seguido do carcinoma adenóide cístico, carcinoma das células dos ácinos e adenocarcinoma. 7.1.2 Doenças Sistêmicas Várias doenças sistêmicas podem estar associadas à xerostomia e hipossalivação. A doença de maior interesse é a Síndrome de Sjögren, doença autoimune, que acomete com maior frequência mulheres na 4ª e 5ª década de vida. A síndrome primária envolve xerostomia e xeroftalmia. Já a síndrome secundária engloba também outras doenças do tecido conjuntivo como artrite reumatóide, esclerose múltipla, lúpus eritematoso sistêmico. Esta doença leva não somente à redução do fluxo salivar como à alteração na qualidade da saliva, com o aumento de determinadas moléculas e eletrólitos. Outras doenças também podem estar envolvidas com a xerostomia e hipossalivação como diabetes, HIV, doença de Alzheimer, de Parkinson e fibrose cística. A paralisia de Bell ocorre pelo comprometimento da inervação, reduzindo o fluxo salivar. A fibrose cística, por exemplo, é uma 19 doença hereditária caracterizada pela alteração no transporte eletrolítico em células epiteliais e secreção de uma saliva mais mucosa. Pode haver acumulo de glicoproteínas na saliva de indivíduos com fibrose cística, levando à obstrução dos ductos. O estresse também tem relação com a síndrome da boca seca, mas seu efeito está associado à inibição central e não à inibição periférica. 7.1.3 Uso de medicamentos Os medicamentos têm efeito na quantidade e qualidade da saliva, sendo estes reversíveis quando o paciente pára de usá-los. Geralmente o efeito dos medicamentos é anticolinérgico pela inibição da ligação da acetilcolina a receptores muscarínicos das células dos ácinos. Exemplos de medicamentos com este efeito são: antidepressivos tricíclicos, sedativos, tranquilizantes, anti- histamínicos, anti-hipertensivos, agentes citotóxicos e agentes anti-parkinson. Os diuréticos também têm impacto na mudança da composição da saliva pelo seu efeito inibidor do transporte eletrolítico nas glândulas salivares. 7.1.4 Radioterapia de cabeça e pescoço As glândulas são radiosensíveis, especialmente as células dos ácinos serosos (parótida), sendo que as alterações podem variar de degenerativas até a morte celular, dependendo da dose e tempo de exposição. Os danos podem estar relacionados aos vasos sanguíneos, à interferência com transmissão nervosa e à destruição do parênquima glandular. Em doses abaixo de 25 GY, as alterações são reversíveis (redução transitória do fluxo salivar); já em doses maiores que 25 GY, há destruição da glândula. A irradiação altera a composição salivar que se torna um fluído viscoso, branco, amarelo ou castanho, com baixo pH e capacidade tampão e conteúdo protéico e eletrolítico anormais. 7.2 Diagnóstico O diagnóstico é feito através de questionários e respostas subjetivas envolvendo alteração de paladar, necessidade de beber água frequentemente, dificuldade de alimentação, deglutição, de uso de próteses, sensação de queimação, halitose, intolerância a ácidos e comidas apimentadas e estomatodinia (dor na boca). Ao exame clínico é comum a constatação de lábios ressecados, candidíases (queilite angular), aumento volumétrico da glândula, superfície da mucosa seca e friável, perda de papilas linguais, língua seca e eritematosa, mucosa dorsal irritada, aumento de incidência de lesões cariosas e baixa retenção de dentadura. O diagnóstico pode ainda ser complementado por testes salivares, sendo diagnosticados com hipossalivação indivíduos que apresentam fluxo salivar não estimulado menor que 0,1 mL/min e fluxo salivar estimulado menor que 0,6 mL/min. Outros testes são histopatológico, por imagem e sorologia. 20 7.3 Implicações clínicas Em pacientes com hipossalivação, há um aumento na incidência de cárie e erosão dentárias e gengivite, também é comum constatar um aumento em infecções fungícas (candidíase), prejuízo na retenção de próteses removíveis, alteração de paladar (Disgeusia), mastigação e deglutição (Disfagia) e prejuízo da qualidade de vida. 7.4 Tratamento Para evitar os problemas decorrentes da hipossalivação, os pacientes devem receber as seguintes orientações e tratamentos preventivos: - Dieta com baixo nível de açúcar - Aplicação tópica de flúor - Bochechos com antimicrobianos - Mastigação de chicletes após refeições para aumentar o fluxo salivar - Uso de saliva artificial e lubrificantes - Restaurações com cimento de ionômero de vidro para reduzir as reincidivas de cárie - Estimulação farmacológica (Uso de pilocarpina ou cevimeline) - Substituição de medicamentos. 8. Uso de saliva para diagnóstico A saliva pode ser usada para acessar o risco à cárie dentária, pela contagem de bactérias (> 106 UFC bactérias é associada ao alto risco à cárie dentária), mensuração da capacidade tampão (CT), fluxo salivar (NE e E) e concentração de cálcio, flúor e fosfato (Quanto menores forem estes parâmetros, maior é o risco à formação de lesões cariosas). No entanto, os parâmetros salivares, por sofrerem influência de vários fatores e apresentarem grandes variações, não são os melhores preditores de risco à cárie dentária. A saliva também pode ser usada em estudos de farmacocinética, monitoramento de drogas e metabolismo (Spielmann & Wong, 2011). É usada também para estudos endocrinológicos e imunológicos. No entanto, há necessidade de validação da saliva para ser usada em substituição ao plasma. A grande vantagem do seu uso para diagnóstico é a fácil coleta, sendo um método não invasivo. Hardy et al. (2011) mostraram que a saliva não é um substituto válido para o monitoramento de oxicodona, medicamento utilizado em pacientes com câncer avançado. Portanto, há necessidade de mais estudos e validação do seu uso em substituição ao plasma.
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