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Guia Rápido de Urologia - GRU Rodolfo Borges dos Reis Jose Carlos Souza Trindade Filho Fabiano André Simões Copyright© 2012 da 1ª Edição pela Lemar – Livraria e Editora Marina Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação ou outros, sem pré- via autorização escrita da Editora. Capa: Marina Domingos Tamaribuchi Projeto Gráfico e Diagramação: Rodney Vernacci Todos os direitos para a língua portuguesa são reservados pela: Lemar – Livraria e Editora Marina Fale Conosco Fone/fax (11) 3208-6182 www.lemarlivraria.com.br livraria.marina@uol.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil 1ª Edição, São Paulo, Lemar 2012. ISBN 978858665238-2 Guia Rápido de Urologia - GRU Rodolfo Borges dos Reis, Jose Carlos Souza Trindade Filho, Fabiano André Simões EDITORES: Rodolfo Borges dos Reis Jose Carlos Souza Trindade Filho Fabiano André Simões COLABORADORES DO PROJETO GRU: Luiz Carlos Maciel Ricardo Di Migueli DIRETORIA SBU-SP BIÊNIO 2012 - 2013 Presidente: Rodolfo Borges dos Reis Vice-Presidente: Roni de Carvalho Fernandes 1° Secretário: Fabiano André Simões 2° Secretário: Hudson de Lima 1° Tesoureiro: Wagner Eduardo Matheus 2° Tesoureiro: Renato Falci Júnior Delegados: André Pereira Vanni Fábio José Nascimento Felipe de Almeida e Paula Fernando Freitas Garcia Caldas José Carlos Souza Trindade Filho Marcos Lucon Maurício Costa Bestane Miguel Zerati Filho Leonardo Eiras Messina Luiz Carlos Maciel Ricardo Di Migueli Stênio de Cássio Zequi Editor do BIU: Rogério Simonetti Alves Conselho Editorial do BIU: Alexandre Soares Grieco Deusdedit Cortez Vieira da Silva Neto Fabrício Beltrame Ferreira Hamilton de Campos Zampolli José Carlos Souza Trindade Filho Rafael Mamprin Stopiglia Sérgio Félix Ximenes Colaboradores: Alexandre Danilovic Doutor pela Faculdade de Medicina da USP, médico Assistente do Setor de Litíase e Endourologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Adalberto Andriolo Júnior Membro Titular da SBU. Adriano João Nesrallah Assistente doutor da urologia do HCFMUSP, médico do instituto do câncer do esta- do de São Paulo. Álister de Miranda Cará Membro Titular da SBU e Doutor em Cirurgia pela UNICAMP. Ana Paula Barbério Bogdan Professora Doutora pela USP de Ribeirão Preto.Responsável pelas unidades: Urodi- nâmica, Incontinência Urinária e Disfunções Miccionais da disciplina de Urologia do Depto de Especialidades Cirúrgicas, e urologista do Lucy Montoro (unidade São José do Rio Preto). André Luiz Farinhas Tomé Assistente da Disciplina de Urologia da FMABC, Assistente do Departamento de Urologia do Hospital Ana Costa – Santos/SP. André Meirelles dos Santos Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina da USP, Coordenador do Serviço de Urologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Antonio João Tomaz de Aquino Membro Titular da SBU e assistente da Disciplina de Urologia do Hospital Brigadeiro. Beatriz Helena de Paula Cabral Médica Urologista do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus - São Paulo - Mem- bro Titular da SBU. Mestrado em Urologia pela Universidade de São Paulo. Fello- wship em Urologia Pediátrica pela Universidade de Minnesotta. Caio César Cintra Professor Assistente Disciplina Urologia FMABC, Médico Urologista e responsável pelo serviço de Urodinâmica da AACD-SP, Mestre pela Faculdade de Ciências Mé- dicas da Santa Casa de SP. Carlos Alberto Monte Gobbo Prof. Assistente Dr. do Depto. de Urologia da Unesp Botucatu. Carlos Hermann Schaal Responsável pelo serviço de Disfunção Erétil do Departamento de Urologia do Hos- pital Amaral Carvalho. Celso de Oliveira Professor Assistente da Disciplina de Urologia da Santa Casa de SP e Responsável pelo Ambulatório de Urodinâmica. Celso Gromatzky Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Dis- ciplina de Urologia da FMABC. Membro do Núcleo de Urologia do Hospital Sírio Libanês. César Nardy Zillo Membro titular da SBU, Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de SP. Cláudio Bovolenta Murta Médico assistente do Instituto do Câncer do Estado de SP. Coordenador do Centro de Referência de Saúde do Homem do Hospital Euryclides de Jesus Zerbini. Dalmo de Barros e Silva Urologista da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Hospital Santa Isabel. Daniel Carlos da Silva Assistente de Urologia da UNICAMP. Deusdedit Cortêz Vieira da Silva Neto Membro Titular da SBU, Urologista do Hospital e Aeronáutica de SP, Médico Colabo- rador do Serviço de Urologia da FCMSCSP e Pós-Graduando da Fundação Antonio Prudente de Toledo, do Hospital A. C. Camargo. Edgar Yugue TSA/SBA - preceptor responsável pela residência médica do CET da PUC Campinas. Eduardo Berna Bertero Urologista-Hospital do Servidor Público Estadual de SP, Fellow Universidade de Bos- ton, EUA, Mestre Universidade de SP, Membro ISSM, SLAMS, AUA, SBU. Edwaldo Ednir Joviliano Professor Doutor do Departamento de Cirurgia e Anatomia Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. Élcio Dias Silva Mestre e Doutor em Urologia pela Unicamp, Chefe do Serviço de Urologia da Ma- ternidade de Campinas e Chefe do Departamento de Cirurgia da Maternidade de Campinas, e Coordenador de Laparoscopia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas - SMCC. Fábio Carvalho Vicentini Assistente-Doutor do Setor de Endourologia da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Chefe do Setor de Endourologia do Cen- tro de Saúde do Homem – Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo. Fábio César M. Torricelli Médico Preceptor da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Fabrício Beltrame Ferreira Doutor em Ciências pela UNIFESP, Médico Assistente do Grupo de Próstata e Disfun- ções Miccionais Masculinas da UNIFESP. Fabrízio Magaldi Mezzetti Médico Assistente da Disciplina de Urologia, Preceptor dos Residentes da Disciplina de Urologia, Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, ex-fellow no MD Anderson Can- cer Center - University of Texas. Fernando César Sala Membro Titular da SBU e urologista do Hospital Amaral Carvalho - Jaú. Fernando Nestor Fácio Júnior Prof. Adjunto Disciplina de Urologia Faculdade de Medicina de S.J. Rio Preto FAMERP. Responsavel pelo Ambulatorio de Andrologia do Hosp. Base - FUNFARME - Brasil. Research Fellow Johns Hopkins Hospital - Urology Depto - USA. Geovanne Furtado Souza Doutor em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo Unifesp, Prof. Respon- sável Urologia Fac. de Medicina de Catanduva – SP. Urologista do Instituto de Uro- logia e Nefrologia de São José do Rio Preto - SP. Gilberto Saber Membro Titular da SBU, Chefe do Serviço Urológico da Santa Casa de Ribeirão Preto. Guilherme Becker Burmeister Médico urologista assistente do serviço de urologia do Hospital e Maternidade Cel- so Pierro da Puccamp. Gustavo Cuck Mestre em Oncologia, Chefe do Serviço de Urologia do Hospital de Aeronáutica de SP. Gustavo Xavier Ebaid Médico Assistente da Disciplina de Urologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médico Assistente do Centro de Referên- cia da Saúde do Homem - Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo, Médico do Corpo Clínico do Hospital Sírio Libanês - SP. Hamilto Akihissa Yamamoto Doutor pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Hamilton de Campos Zampolli Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, Chefe da Divisão de Urologia do Departamentode Cirurgia Oncológica do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho – São Paulo - SP. Homero Gustavo de Campos Guidi Membro Titular da SBU. Hudson de Lima Médico Assistente do Grupo de Disfunções Miccionais Masculinas e HPB da Discipli- na de Urologia da UNIFESP/EPM. Isabel Cristina Albuquerque Feitosa Titular de Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia, Mestre pela UNICAMP, Urologista do Centro Médico Berrini. João Carlos Cardoso Alonso Membro Titular da SBU e Mestrando pela UNICAMP. João Paulo da Cunha Urologista da divisão de Endourologia da Disciplina de Urologia do HC -FMRP-USP; Graduação e residência pela FMRP -USP; Membro Titular da SBU. João Sérgio de Carvalho Filho Membro Titular da SBU e Urologista da Santa Casa de Ribeirão Preto. José Roberto Colombo Júnior Assistente Doutor do Instituto do Câncer do Estado de SP e Médico Assistente da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Lorena Marçalo Oliveira Médica Assistente da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Luiz Carlos Maciel Mestre e Doutor em Ciências da Cirurgia pela FCM - Unicamp. Luiz Renato Montez Guidoni Mestre em Oncologia pela Fundação Antonio Prudente (Hospital AC Camargo), Chefe do serviço de Urologia do Hospital Geral de Guarulhos (da Santa Casa de São Paulo). Marcelo de Paula Galesso Membro Titular da SBU. Marcelo Hisano Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo Marcelo Lopes de Lima Professor Assistente Doutor da Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Mé- dicas da UNICAMP. Marcelo Vieira Mestrado em Urologia pela Santa Casa de SP, Andrologista do Hospital Pérola Byington, Projeto Alfa e Beta SP. Márcio Navarro Gianello Membro Titular da SBU e Assistente da Disciplina de Urologia da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Mário Henrique Elias de Mattos Assistente do Grupo de Endourologia e Litíase Urinária da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC. Maurício Costa Bestane Membro Titular da SBU, chefe serviço de urologia do hospital Ana Costa - Santos. Maurício José Bruschini Rodrigues Netto Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Mauro Miguel de Lima Sousa Barbosa Urologista pela Unifesp, Pós Graduando a Nível Doutorado pela Unifesp. Nelson Gattás Chefe do setor de Endourologia da Escola Paulista de Medicina. Oscar Eduardo Hidetoshi Fugita Professor da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP e Assistente do Hospital Universitário da USP. Paulo Roberto Kawano Professor Assistente Doutor de Urologia da UNESP. Pedro Henrique Oliveira Cabral Chefe do serviço de Urologia do Hospital Check-Up, Manaus-AM. Rafael Bozzo Tacino Médico Assistente do Setor de Urologia Oncológica da Disciplina de Urologia do HC da FMRP - USP, Pós-Graduando em Urologia pela FMRP - USP. Rafael Ferreira Coelho Medico da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médico Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Rafael Mamprin Stopiglia Doutorando e membro do grupo de urologia Oncológica da Unicamp. Ravendra Ryan Moniz Mestre em Oncologia pela Fundação Antonio Prudente/A.C. Camargo, Coordena- dor do Serviço de Urologia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, Professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário São Camilo. Renato Careta Chambô Mestre em Bases Gerais da Cirurgia pela UNESP, Aluno de Pós-Graduação Douto- rado em Bases Gerais da Cirurgia pela UNESP, Assistente de Ensino da Disciplina de Urologia da FAMEMA. Ricardo Di Migueli Coordenador do Programa de Residência em Urologia, Chefe do Serviço de Urolo- gia e Diretor do Lithocenter do Hospital Nossa Senhora de Lourdes. Ricardo Miyaoka Fellow em Cirurgia Minimamente Invasiva - University of Minnesota - USA, Urologis- ta Assistente da UNICAMP - Endourologia e Transplante Renal. Roberto Dias Machado Médico Uro-Oncologista do Hospital de câncer de Barretos, Membro Titular da SBU, Mestrando pela USP de Ribeirão Preto. Rodrigo Guerra da Silva Médico Assistente Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Rodrigo Perrella Médico urologista formado na UNIFESP/EPM, Membro do Grupo de Endourologia e Litíase da Disciplina de Urologia da UNIFESP/EPM. Silvio da Ressurreição Pires Professor de Urologia da Santa Casa de SP. Victor Augusto Sanguinetti S. Leitão Urologista da Clínica Integra - Bauru, Doutor em Cirurgia pela UNICAMP e Fellow em Endourologia e Litíase pela Duke University, EUA. Vitor de Campos Pagotto Mestre em Urologia pela Universidade de Campinas, Professor Colaborador da Fa- culdade de Medicina de Jundiaí. Walter Antonio Melarato Júnior Membro Titular da SBU, Responsável Técnico pelo Serviço de Urologia do Hospital Guilherme Álvaro, de Santos e da Beneficência Portuguesa de Santos, e Urologista do ISO Hospital Dia. Yuri Tulio Dantas Andres Nobre Doutor em Ciências pela Unifesp, Médico Assistente da Disciplina de Urologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sumário Infecção e Inflamação Urinária • 01 - Pielonefrite Aguda Simples no Adulto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 • 02 - Pielonefrite Aguda Complicada no Adulto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23 • 03 - Infecção Febril na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 • 04 - Cistite Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 • 05 - Cistite na Gestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34 • 06 - Cistite de Repetição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 • 07 - Cistite Intersticial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40 • 08 - Infecção Fúngica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 • 09 - Prostatite Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .46 • 10 - Prostatite Crônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .50 • 11 - Gangrena de Fournier. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 • 12 - Abscesso Renal e Perinefrético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Doenças Sexualmente Transmissíveis • 13 - Uretrite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63 • 14 - Lesão Ulcerosa Genital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66 • 15 - Lesão Verrucosa Genital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69 • 16 - Molusco Contagioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72 Urologia Pediátrica • 17 - Refluxo Vésico Ureteral - Profilaxia Antimicrobiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .77 • 18 - Enurese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80 • 19 - Varicocele na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83 • 20 - Criptorquidia – Tratamento Hormonal e Cirúrgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85 •21 - Infecção Urinária na Infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89 Urgência Urológica • 22 - Priapismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95 • 23 - Escroto Agudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .98 • 24 - Cólica Renal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .101 • 25 - Retenção Urinária Aguda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104 • 26 - Trauma Renal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .107 • 27 - Trauma Vesical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .111 • 28 - Trauma Uretral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114 • 29 - Trauma Testicular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .116 • 30 - Trauma Peniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .120 • 31 - Hematúria Macroscópica Incoercível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .123 Urologia Geral • 32 - Hiperplasia Prostática Benigna - Tratamento Clínico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .129 • 33 - Hiperplasia Prostática Benigna - Cuidados com Marcapasso em Cirurgia Urológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .133 • 34 - Hiperplasia Prostática Benigna - Síndrome Pós-RTU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135 • 35 - Hiperplasia Prostática Benigna - Retenção Urinária Aguda Pós-Ablação Cirúrgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .149 • 36 - Litíase Urinária - Terapia Expulsiva Clínica no Cálculo Ureteral . . . . . . . . . . . . .143 • 37 - Litíase Urinária - Investigação Metabólica Inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .146 • 38 - Litíase Urinária - Litotripsia Extracorpórea - Preparo do Paciente e Esquema de Sedação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150 • 39 - Litíase Urinária - Duplo J Calcificado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .154 • 40 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea: Sangramento Agudo. . . . . . . .158 • 41 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea: Perfuração de Cólon . . . . . . . .161 • 42 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea: Hidrotórax . . . . . . . . . . . . . . . . . .163 • 43 - Orquialgia Crônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .166 • 44 - Tratamento Clínico da Infertilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .170 • 45 - Azoospermia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .173 • 46 - Hemospermia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .177 • 47 - Bexiga Hiperativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .181 • 48 - Líquen Escleroso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .184 Urologia Oncológica • 49 - Câncer de Próstata - Compressão Medular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .191 • 50 - Câncer de Próstata - Perfuração do Reto na Prostatectomia. . . . . . . . . . . . . . . .194 • 51 - Câncer de Próstata - Complicações do Tratamento Hormonal . . . . . . . . . . . . . .198 • 52 - Câncer Vesical não Músculo Invasivo - Indicação e Opções de Terapia Adjuvante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .201 • 53 - Complicações do Uso do BCG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .204 • 54 - Tumor Renal - Proteção da Função Renal na Nefrectomia Parcial . . . . . . . . . . .207 • 55 - Feocromocitoma - Cuidados Peri e Intraoperatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .210 • 56 - Incidentaloma Suprarenal - Análise Funcional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .213 Andrologia • 57 - Disfunção Erétil: Drogas Orais e Esquema Intracavernoso. . . . . . . . . . . . . . . . . .219 • 58 - DAEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .223 • 59 - Ejaculação Precoce. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .227 • 60 - Disfunção Orgásmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .229 • 61 - Peyronie - Tratamento Clínico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .233 Temas Gerais • 62 - Profilaxia de Trombose Venosa Profunda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .239 • 63 - Preparo para a Biópsia de Próstata. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .242 • 64 - Profilaxia Antimicrobiana em Cirurgia Urológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .245 • 65 - Cateterismo Intermitente Limpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .248 • 66 - Sonda Vesical de Demora (Complicações e estratégias de prevenção) . . . . . .251 • 67 - Terapia Antálgica de Pacientes com Câncer Terminal no Consultório . . . . . . .254 • 68 - Paciente Diabético no Perioperatório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .258 • 69 - Paciente Anticoagulado no Perioperatório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261 • 70 - Choque Anafilático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .265 • 71 - Tratamento da Cistite Actínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .268 • 72 - Ressonância Magnética - Fibrose Nefrogênica Sistêmica. . . . . . . . . . . . . . . . . . .272 • 73 - Cuidados com Estomias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .275 • 74 - Medicamentos em Urologia - Dosagem e Posologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .278 Prefácio O projeto GUIA RÁPIDO DE UROLOGIA nasceu da percepção que muitas vezes as informações mais técnicas nos escapam naquele momento em que mais precisamos delas. Qual a dose? Qual a conduta, qual o próximo passo? Ih! Complicou. E agora? Normalmente, nestes momentos estamos nos corredores das enfermarias, nas salas de prescrição ou mesmo discutindo o caso com um colega ou residente e os livros de refência à distâncias intransponíveis. Mesmo na era digital, com os smartphones e tablets, o tempo que se perde para locali- zar esta informação não pode ser negligenciado. Para responder a estas indagações confeccionamos este livro de bolso, o GRU. Ele cabe no jaleco ou na calça, sem causar desconforto. É uma evolução do MANU, que fez muito sucesso na gestão anterior. Para o GRU focamos mais a confirmação diagnóstica, as condutas, as doses e os esquemas terapêuticos, exigindo dos autores mais concisão paraesclarecer as dúvidas urológicas e as não urológicas do dia a dia. Muito obrigado ao apoio da Comunidade Urológica Paulista e aos cole- gas de Diretoria que se prontificaram e cumpriram as tarefas solicitadas com muita qualidade. Espero que você, urologista, também goste e aprecie esta obra e que ela lhe seja muito útil. Rodolfo Borges dos Reis Presidente SBU-SP Infecção e Inflamação Urinária 01 - Pielonefrite Aguda Simples no Adulto 02 - Pielonefrite Aguda Complicada no Adulto 03 - Infecção Febril na Infância 04 - Cistite Aguda 05 - Cistite na Gestação 06 - Cistite de Repetição 07 - Cistite Intersticial 08 - Infecção Fúngica 09 - Prostatite Aguda 10 - Prostatite Crônica 11 - Gangrena de Fournier 12 - Abscesso Renal e Perinefrético 19 Confirmação Diagnóstica A pielonefrite aguda é uma infecção urinária que acomete o parên- quima renal e o sistema coletor. Os agentes infecciosos mais comuns são bactérias Gram negativas, incluindo E. coli (82% em mulheres e 73% em homens), Klebsiella (2,7% em mulheres e 6,2% em homens), Proteus, En- terobacter e Pseudomonas. As bactérias Gram positivas são menos fre- quentes, incluindo E. faecalis e S. aureus. A via de infecção renal pode ser ascendente, com bactérias Gram negativas provenientes do trato urinário inferior, ou hematogênica, mais rara, geralmente associada a foco infec- cioso extrarrenal como tuberculose pulmonar ou miliar, endocardite, di- verticulite ou abscesso oral. A pielonefrite aguda não complicada é o resultado de uma infecção do trato urinário que ascendeu da bexiga para o rim e ocorre tipicamente em mulher jovem previamente saudável. Sintomas: os sintomas incluem mal-estar, febre, dor lombar e cala- frios. A urgência miccional, aumento da frequência urinária e disúria es- tão presentes em 50% dos pacientes. Náusea, vômito e diarreia são fre- quentes e geralmente são secundários a íleo paralítico. Exame Físico: a febre (≥ 37,8°C) e taquicardia são fortemente relacio- nadas ao diagnóstico de pielonefrite aguda, portanto, devemos conside- rar outros diagnósticos em pacientes sem febre. A dor a punho-percussão lombar (sinal de Giordano) é pronunciada. Exames Laboratoriais: a urina tipo I demonstra pH tendendo a al- calino, leucocitúria e hematúria. O nitrito positivo tem sensibilidade de 35% a 80%. A cultura de urina com antibiograma deve ser realizada na suspeita de pielonefrite aguda. No caso de obstrução do sistema coletor, Capítulo 1 - Pielonefrite Aguda Simples no Adulto Alexandre Danilovic 20 os exames urinários podem resultar normais. O hemograma apresenta leucocitose com predomínio de neutrófilos. A hemocultura é recomen- dada, uma vez que um terço dos pacientes tem bacteremia. Diagnóstico por Imagem: o exame de ultrassom ou de tomografia (exame de escolha) deve ser feito em pacientes com febre ou sintomas persistentes após 72 horas de tratamento com antibiótico adequado ou em caso de pielonefrite aguda complicada. A resolução tomográfica de hipodensidades pode demorar até três meses após a resolução clínica. Pacientes diabéticos devem ser submetidos a, no mínimo, radiografia de abdômen para avaliar a presença de gás na localização do rim, o que indi- ca pielonefrite enfisematosa. Diagnósticos Diferenciais Doença inflamatória pélvica; pneumonia; apendicite; diverticulite; pancreatite; colecistite; epididimite; prostatite; psoíte tropical Conduta O tratamento inicial inclui cuidados de suporte com hidratação e analgesia e início de terapia antibiótica empírica. A maioria dos pacientes pode ser tratada sem internação, após 12 horas de observação, hidrata- ção e antibiótico parenteral, com sucesso de 97%. A internação deve ser considerada em: • Suspeita de complicação • Estado geral debilitado • Impossibilidade de hidratação oral • Gravidez • Aderência ao tratamento A seleção de antibiótico empírico deve ser orientada pelo conheci- mento epidemiológico da susceptibilidade antimicrobiana local. Deve-se evitar antibiótico usado recentemente pelo paciente. Pacientes com pie- 21 lonefrite aguda não complicada que toleram antibiótico via oral podem ser tratados de modo empírico com fluoroquinolonas (Levofloxacina 500 mg/d ou Ciprofloxacina 500 mg 12/12h - nível de evidência 2B). Preferimos o uso de Ceftriaxone (2g/d IV ou IM) ou Ciprofloxacina (400 mg IV 12/12h) para o tratamento empírico inicial de pacientes hos- pitalizados (nível de evidência 2B). Os aminoglicosídeos como a Genta- micina (2 mg/Kg de peso uma vez ao dia IV ou IM) são boas alternativas. Os pacientes, inicialmente tratados com antibióticos parenterais, que me- lhoram clinicamente podem continuar o tratamento com antibióticos via oral. Os pacientes sem complicações podem ser tratados por sete dias. No entanto, se o antibiótico for beta-lactâmico, o tratamento deve durar 14 dias. Os pacientes que demoram a apresentar resposta ao tratamento (> 72h) devem ser tratados por 14 a 21 dias, mesmo sem evidência de complicação. Deve ser feita uma cultura de urina após 4 a 6 semanas do tratamento para documentar a erradicação da infecção. Aqueles pacien- tes com sintomas recorrentes em poucas semanas após o tratamento de- vem ter a cultura de urina repetida e devem ser submetidos a exame de imagem. Mesmo no caso da suscetibilidade antimicrobiana ser idêntica a inicial, deve-se trocar o antibiótico. O prognóstico da pielonefrite aguda não complicada é bom desde que o diagnóstico seja rápido e o tratamento seja adequado para evitar complicações. 22 Tabela 1 - Tratamento antibiótico para pielonefrite aguda (função renal normal) Antibiótico Tratamento oral Levofloxacina Ciprofloxacina Ciprofloxacina XR Tratamento parenteral Ceftriaxone Ciprofloxacina Gentamicina Aztreonam Piperacilina-tazobactam Imipenem Posologia Tratamento oral 500-750 mg 24/24h* 500 mg 12/12h 1000 mg 24/24h Tratamento parenteral 2 g 24/24h 400 mg 12/12h 2 mg/Kg 24/24h 1 g 8/8h 3,375 g 6/6h 500 mg 6/6h Levofloxacina 750 mg uma vez ao dia por cinco dias é adequado para tratamento de pielonefrite aguda não complicada, mas não para casos complicados. Moxifloxacina deve ser evitada devido à concentra- ção urinária não efetiva. Leitura recomendada 1. Craig WD, Wagner BJ, Travis MD. Pyelonephritis: radiologic-pathologic review. Radiographics 2008; 28: 255. 2. Nicolle LE. Uncomplicated urinary tract infection in adults including uncomplicated pyelonephritis. Urol Clin North Am 2008; 35:1. 23 Capítulo 2 - Pielonefrite Aguda Complicada no Adulto Paulo Roberto Kawano A Pielonefrite Complicada (PC) é uma infecção renal sintomática gra- ve, frequentemente associada à alterações funcionais e/ou estruturais do trato geniturinário, responsáveis pelo aumento do risco de infecção ou falha do tratamento. Caracteriza-se por um amplo espectro de apresenta- ções clínicas e de complexidade variável, podendo ser causada por diver- sos microorganismos. O manejo da PC deve ser individualizado respeitan- do-se as particularidades de cada caso e suas possíveis interferências na efetividade do tratamento antimicrobiano. As infecções urinárias complicadas apresentam maior risco de evo- luírem para complicações graves e septicemia, sendo responsáveis por cerca de 10% dos pacientes com choque séptico internados em unidades de cuidados intensivos. Dentre os vários fatores predisponentes ao de- senvolvimento da PC, destacam-se: • Patologias crônicas: diabetes, insuficiência renal, transplante renal e imunodeficiências. • Patologias Urológicas: litíase, tumores do trato urinário, hiperpla- sia prostática benigna, estenose de ureter ou uretra, estenose de junção uretero-piélica ou uretero-vesical, refluxo vésico-ureteral, anomalias con- gênitas, divertículos vesicais, cistos renais,bexiga neurogênica, rins poli- císticos, nefrocalcionose e rim espongiomedular. • Outros: uso crônico de cateteres ou sondas, instrumentação uriná- ria frequente, ampliação vesical, derivações urinárias. Diagnóstico O exame do sedimento urinário e a urocultura com antibiograma constituem importante instrumento de avaliação inicial e acompanhamen- to das infecções complicadas. Embora não seja consenso, o uso seletivo da hemocultura em pacientes com PC é apropriado onde sua positividade po- 24 deria ter significância prognóstica. A função renal deve ser avaliada e mo- nitorada para identificar o grau de comprometimento dos rins bem como orientar na correção da dose e escolha dos antibióticos (Tabela 1). Apesar da Escherichia coli apresentar-se como principal agente, ou- tros germes são isolados, tais como: Klebsiella, Enterobacter, Citrobacter, Serratia, Proteus mirabilis, Morganella morganii, Providencia stuartii, Pseu- domonas aeruginosa, maltophilia e espécies de Acinetobacter. Dentre os gram-positivos destacam-se o estreptococos do grupo B, Enterococcus e Staphylococcus coagulase-negativo. Espécies de Cândida são comuns em pacientes diabéticos, imunossuprimidos, usuários crônicos de cateteres ou recebendo antibióticoterapia de amplo espectro. Os exames de imagem, particularmente a tomografia computado- rizada (TC), são fundamentais para o diagnóstico e identificação dos fa- tores predisponentes. Este fato é de suma importância uma vez que tal associação pode exigir condutas mais agressivas, como veremos a seguir. Pionefrose: hidronefrose infectada associada à destruição supura- tiva do parênquima renal com perda parcial ou total da função renal. O diagnóstico rápido e o tratamento imediato evitam o dano permanente à função renal bem como a sépsis. O diagnóstico ultrassonográfico é feito pela demonstração de ecos (“debris”) no sistema pielocalicial dilatado. A TC é pouco específica, po- dendo revelar apenas espessamento da pelve renal, borramento da gor- dura perirrenal ou mesmo nefrograma heterogêneo. O tratamento é iniciado com drogas antimicrobianas e drenagem da pelve infectada com cateter ureteral. Em caso de insucesso, uma nefros- tomia percutânea deve ser providenciada. Quando o paciente torna-se estável hemodinamicamente, outros procedimentos podem ser necessá- rios para identificar e tratar a causa da obstrução. Abscesso renal e peri-renal A TC constitui o método preferencial para diagnosticar abscesso re- nal, caracterizando a extensão da infecção e auxiliando na identificação 25 de sua origem. Embora o US também seja útil, pode não distinguir uma massa inflamatória de um abcesso renal verdadeiro. O manejo inclui o diagnóstico precoce, instituição da terapia an- timicrobiana eficaz e drenagem, tanto para fins terapêuticos quanto diagnóstico. A cultura do fluido identifica o agente etiológico e orienta a escolha do antibiótico. Abscessos pequenos (1 a 3 cm de diâmetro) frequetemente respondem à terapia antimicrobiana sem drenagem. Entretanto, para abcessos maiores que três centímetros a drenagem é geralmente necessária. Se a drenagem for ineficaz ou mal sucedida, deve-se converter para a via aberta ou considerar a nefrectomia nos casos mais graves. A resolu- ção do abcesso deve ser monitorizada por estudos de imagem e a terapia antimicrobiana continuada até que o abcesso seja completamente resol- vido ou reduzido a uma cicatriz residual estável. Pielonefrite xantugranulomatosa Trata-se de processo supurativo grave, pouco frequente (1% - 8%), caracterizado pela destruição e substituição do parênquima renal por te- cido granulomatoso histiocitário contendo células espumosas. Não rara- mente, este processo estende-se para o espaço perirenal, músculo psoas, diafragma e baço. A TC é a modalidade diagnóstica de escolha, identificando anormali- dades em 74 % a 90% dos casos. Os achados característicos incluem: rins aumentados; substituição do parênquima por múltiplas cavidades cheias de líquido espesso e frequentemente associado à urolitíase. A ultrassono- grafia revela anormalidades inespecíficas, incluindo o alargamento renal e múltiplas massas hipoecóicas arredondadas. O diagnóstico diferencial inclui neoplasias e tuberculose renal. O tratamento clássico é a nefrectomia, em que a terapia antimicrobiana tem apenas um papel secundário. Se o diagnóstico é feito precocemen- te, quando só há acometimento renal focal, a nefrectomia parcial pode ser curativa. 26 Pielonefrite enfisematosa Infecção grave com presença de gás no sistema coletor que geral- mente poupa o parênquima renal. Os pacientes afetados frequentemen- te são diabéticos com controle glicêmico ruim. A obstrução é outro fator predisponente comum. A tomografia é considerada ideal para a confirmação do quadro e ca- racterização do grau de envolvimento. Tradicionalmente, a nefrectomia de emergência era considerada necessária para todos os casos. Atualmente, a drenagem percutânea constitui abordagem inicial recomendada, uma vez que relatos recentes sugerem menores taxas de mortalidade (13,5%) que o tratamento clínico isolado (50%) ou nefrectomia de emergência (25%). Tabela1 - Recomendações da Associação Européia de Urologia (EUA)* sobre a terapia antimicrobiana para pacientes com pielonefrite complicada GRUPO DE PACIENTES GESTANTES TRANSPLANTADOS CISTOS RENAIS INFECTADOS PATOLOGIAS UROLÓGICAS DROGAS RECOMENDADAS Cefalosporinas (2ª ou 3 ª geração) Aminopenicilina/inibidor β-lactamase Aminoglicosídeos Fluoroquinolonas empíricas Droga de escolha: fluoroquinolonas Evitar:cefalosporinas, ampicilina e gentamicina Terapêutica empírica inicial: fluoroquinolonas com excreção renal Outras opções: aminopenicilina / inibidor β-lactamases,) cefalosporina(2ª geração ou 3), aminoglicosídeos Falha na terapia inicial: fluoroquinolonas (se não usada inicial- mente), inibidor β lactamases, cefalosporina (com cobertura Pseudomonas), carbapenem; todos com ou sem aminoglicosídeos * Naber et al. Guidelines on the management of urinary and male genital tract infections. European Association of Urology; 2006. Leitura recomendada 1. Taal MW, Chertow GM, Marsden PA, Skorecki K, Yu ASL, Brenner BM. Brenner & Rector’s The Kidney , Ninth Edition. chapter 36, 2012, p.1356-82. 2. Alan J. Wein, Louis R. Kavoussi, Andrew C. Novick, Alan W. Partin, and Craig A. Peters Campbell-Walsh Urology , Tenth Edition. chapter 10, 2012; p.257-326. 27 Capítulo 3 - Infecção Febril na Infância Fabrício Beltrame Ferreira A infecção do trato urinário (ITU) na criança é a infecção sistêmica mais frequente antes dos 2 anos de idade, e em sua maioria são bacte- rianas. Somente no primeiro ano de vida são mais frequentes no sexo masculino, principalmente em meninos não postectomizados, com inci- dência de 2,7% nos meninos e 0,7% nas meninas. Na idade escolar, 3% das meninas e menos de 1% dos meninos apresentam algum episódio de ITU. As ITUs são causa comum de síndrome febril e principal causa de perda de função renal na infância, o que demanda diagnóstico precoce, tratamento adequado e investigação de fatores de risco para lesão renal, desde o primeiro episódio. Sendo assim, a Academia Americana de Pedia- tria (AAP) propôs, após revisão sistemática da literatura, uma padroniza- ção das condutas a fim de uniformizar a abordagem para os casos de ITU. Deve-se sempre pensar em ITU frente a uma criança com febre de origem indeterminada. Trata-se de uma doença sistêmica e se apresenta como quadro séptico. O quadro clínico pode variar de acordo com a fai- xa etária. Neonatos e crianças pequenas apresentam sinais inespecíficos como febre, irritabilidade, vômito, diarreia e inapetência. Crianças acima de dois anos também podem apresentar sintomas específicos do trato urinário como disúria, polaciúria, dor supra púbica, urgênciae inconti- nência urinária. O exame físico não apresenta sinais muito específicos, podendo ocorrer dor a palpação de região supra púbica ou lombar. Sempre que houver suspeita de ITU deve ser colhida amostra de urina. A coleta deve ser feita após antissepsia da genitália, a partir do jato médio nas crianças com controle esfincteriano e por cateterismo vesical ou pun- ção supra púbica nas demais. A coleta por bolsa coletora, apesar de simples e não invasiva, apresenta índice muito elevado de falsos positivos, e deve ser usada apenas como método de rastreamento em crianças não sépticas. 28 A cultura quantitativa é o principal exame diagnóstico. No entanto, como o resultado leva no mínimo 24 horas, a análise de rotina (urina I) pode ser realizada inicialmente. As principais alterações que sugerem infecção são: leucocitúria (>5 leucócitos por campo), presença de bac- térias, esterase leucocitária positiva e nitrito positivo. Em caso de pro- vável ITU, o tratamento pode ser instituído até a confirmação diagnós- tica pela urocultura. A cultura é positiva, para jato urinário médio, na presença de 100 mil unidades formadoras de colônia/mL (UFC/mL); no cateterismo vesical, acima de mil a 5 mil UFC/mL; e na punção vesical, presença de 1 UFC/mL. A Escherichia coli é o microorganismo mais frequentemente envolvi- do (de 70% a 80%) e os Staphilococcus e enterococos são os microorga- nismos Gram-positivos mais prevalentes. Diagnóstico diferencial Faz parte dos diagnósticos diferenciais, qualquer causa de síndrome febril na infância. Conduta O diagnóstico precoce e tratamento apropriado são fundamentais na prevenção de lesão renal permanente. O primeiro passo é determinar a gravidade do quadro. Crianças com toxemia, febre alta, vômitos e de- sidratação, independente da idade, devem ser hospitalizados e iniciada antibioticoterapia endovenosa. Geralmente esses pacientes apresentam melhora do quadro em até 48 horas, o que possibilita mudança para te- rapia oral. Os antibióticos mais recomendados são as cefalospirinas, amo- xacilina e as sulfas em ciclos de 10 a 14 dias. A nitrofurantoína e ácido na- lidíxico devem ser evitados nos quadros febris, visto que são de excreção urinária e não apresentam níveis séricos adequados. Após o término do tratamento as crianças devem receber profilaxia até realização dos exa- mes de imagem. A Tabela demonstra os principais antibióticos utilizados no tratamento de ITU na infância. 29 O sucesso do tratamento das ITUs na infância requer conscientiza- ção e motivação familiar, além de aderência à conduta medicamentosa e à medidas comportamentais de higiene adequada, ingesta hídrica e hábitos intestinais e miccionais regulares. A investigação é altamente recomendável já no primeiro episódio de ITU em todas as crianças abaixo de dois anos de idade independente do sexo, e em meninos em qualquer idade. Meninas com mais de dois anos de idade devem ser investigadas a partir do segundo episódio. A ultras- sonografia é um exame seguro e não invasivo que permite uma avaliação morfológica do trato urinário. A uretrocistografia investiga refluxo vesico- -ureteral e anomalias infravesicais, e deve ser realizada somente após o sétimo dia de antibioticoterapia. Cintilografia renal deve ser realizada em casos específicos, a fim de avaliar a função renal relativa e presença de ci- catrizes renais (DMSA), ou obstrução ao fluxo urinário (DTPA). Os estudos urodinâmicos devem ser indicados criteriosamente em casos com suspei- ta de disfunção miccional. 30 Tabela - Antibióticos e doses para tratamento de ITU na infância Antibiótico de uso parenteral Ceftriaxona Cefotaxima Ceftazidima Cefazolina Gentamicina Tobramicina Ticarcilina Ampicillina Antibiótico de uso oral Amoxacilina Sulfametoxazol + Trimetoprima Sulfisoxazol Cefixime Cefpodixime Cefprozil Cefalexina Loracarbef Antibiótico de uso profilático Sulfametoxazol + Trimetoprima Nitrofurantoína Sulfisoxazol Ácido Nalidíxico Mandelato Metenamina Dose 75 mg/kg 150 mg/kg/dia 150 mg/kg/dia 50 mg/kg/dia 7.5 mg/kg/dia 5 mg/kg/dia 300 mg/kg/dia 100 mg/kg/dia Dose 20–40 mg/kg/dia 6–12 + 30–60 mg/Kg/dia 120–150 mg/kg/dia 8 mg/kg/dia 10 mg/kg/dia 30 mg/kg/dia 50–100 mg/kg/dia 15–30 mg/kg/dia Dose 2 mg/Kg + 10 mg/Kg 5 mg/Kg + 25 mg/Kg 1–2 mg/kg 10–20 mg/kg/dia 30 mg/kg/dia 75 mg/kg/dia Frequência (1x/24h) (6/6 h) (6/6 h) (8/8 h) (8/8 h) (8/8 h) (6/6 h) (6/6 h) Frequência (8/8h) (12/12h) (6/6 h) (12/12h) (12/12h) (12/12h) (6/6 h) (12/12h) Frequência (DU noturna) (2x/sem) (1X/dia) (12/12h) (12/12h) (12/12h) Leitura recomendada 1. American Academy of Pediatrics - Committee on Quality Improvement. Practice Parame- ter: The diagnosis, treatment and evaluation of the initial urinary tract infection in febrile infants and young children. Pediatrics, 1999, 103 (4): 843-52. 2. Shortlife LMD. Infection and Inflamation of the Pediatric Genitourinary Tract. In: Wein AJ, editor. Campbell-Walsh Urology. 9th ed. Philadelphia: Saunders Elsivier; 2007. p. 3232. 31 Capítulo 4 - Cistite Aguda Renato Careta Chambô A cistite aguda é a inflamação superficial da mucosa vesical cau- sada por infecção decorrente da penetração de bactérias. Febre, cala- frios e outros sinais de disseminação não estão presentes. Cada ano, cerca de 10% das mulheres relatam um episódio de cistite e mais de 50% de todas as mulheres têm pelo menos uma infecção durante a sua vida. E. coli é o organismo causador em 75% a 90% dos casos de cistite aguda em mulheres jovens. S. saprophyticus, um organismo comen- sal da pele, é a segunda causa mais comum, sendo responsável por 10% a 20%. Outros organismos geralmente menos envolvidos incluem Klebsiella, Proteus e Enterococcus. Os sintomas de cistite são variáveis, mas geralmente incluem disúria, polaciúria, urgência, dor supra pú- bica, hematúria e mau cheiro na urina. A probabilidade de cistite em uma mulher com estes sintomas, isoladamente ou em combinação é de 50% a 90%, respectivamente. Diagnóstico Na maioria dos casos de cistite aguda em mulheres adultas o sim- ples exame clínico pode autorizar o início do tratamento sem a necessi- dade de coleta de exames complementares. O EAS mostra leucocitúria ou piúria em 94% das cistites, mais de 10 leucócitos por campo de gran- de aumento ou oito piócitos por milímetro cúbico de urina. A cultura de urina continua a ser o teste definitivo, a presença de 102 ufc/ml ou mais geralmente indica infecção. As culturas de urina de rotina muitas vezes não são necessárias, porque as decisões de tratamento são feitas muitas vezes antes do resultado da cultura. Esta posição foi sustentada por um estudo de custo-eficácia, no qual foi estimado que a utilização de rotina de culturas de urina pré-terapêutico para cistite aumenta os custos de 40%, mas diminui a duração total de sintomas de apenas 10%. 32 Diagnóstico Diferencial Cistite deve ser diferenciada de outras condições inflamatórias infec- ciosas em que disúria pode ser o sintoma mais proeminente, incluindo vaginite, infecções uretrais causadas por patógenos sexualmente trans- missíveis e diversas causas não-inflamatórias de desconforto uretral, tal como um divertículo. Outros diagnósticos diferenciais: pielonefrite, pros- tatite, doença inflamatória pélvica, cálculo renal ou ureteral, carcinoma de bexiga, cistite intersticial, bexiga hiperativa, disfunção psicogênica e bacteriúria assintomática. Tratamento Medidas gerais como boa hidratação e esvaziamento adequado da bexiga podem ser orientados e analgésicos podem ser utilizados para o alí- vio da dor e dos sintomas irritativos. É opção para o tratamento da infecção do trato urinário baixo em mulheres adultas o esquema com antibioticote- rapia oral com dose única oucom duração de três a sete dias. O esquema de tratamento com duração de três dias é mais eficaz do que com dose única; tem o mesmo efeito e menos evento adverso do que o tratamento com sete dias. Antibióticos Orais para o tratamento da cistite aguda não complicada estão listados na Tabela 1. As Diretrizes da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas e as da União Europeia recomendam a TMP-SMX por três dias como o tratamento de primeira linha para cistite, caso a prevalência de resistência na região seja menor do que 20%. Atualmente tem se observado, em certas regiões, um aumento de cepas de Escherichia coli resistentes ao TMP-SMX, o que tem limitado a utilização desta droga como primeira escolha no tratamen- to da ITU nestas regiões. A nitrofurantoína manteve um nível excelente de eficácia ao longo de 4 décadas e é bem tolerada. As fluoroquinolonas ofe- recem uma excelente eficácia e são bem toleradas. Resistência as fluoroqui- nolonas permanece abaixo de 5% na maioria dos locais, no entanto, está aumentando em determinadas áreas, no Brasil devido ao seu uso indiscri- minado a resistência vem aumentado nos últimos anos. Aproximadamente 90% das mulheres ficam assintomáticas dentro de 72 horas após o início 33 da terapia antimicrobiana. Cultura de urina não é necessária em mulheres jovens que são assintomáticas após a terapia. Análise de urina e cultura de urina são recomendadas em mulheres mais velhas ou com fatores de risco potenciais e nos homens. Tabela 1 - Antibióticos Orais para o tratamento da cistite aguda não complicada Antibiótico fosfomicina/trometamol Norfloxacina Ciprofloxacina Levofloxacina TMP- SMX Cefuroxima Nitrofurantoína Norfloxacina Ciprofloxacina Levofloxacina TMP- SMX Cefuroxima Nitrofurantoína Amoxacilina Cefalexina Nitrofurantoína Norfloxacina Ciprofloxacina Levofloxacina TMP- SMX Cefuroxima Nitrofurantoína Circunstâncias Mulheres Saudável Sintomas mais que 7 dias, ITU recente, idade maior que 65 anos, diabetes, uso de diafragma Gravidez Homens Saudável e idade menor que 50 anos Dosagem 3g 400 mg 500 mg 500 mg 160 – 800 mg 250 mg 100 mg 400 mg 500 mg 500 mg 160 – 800 mg 250 mg 100 mg 500 mg 500 mg 100 mg 400 mg 500 mg 500 mg 160 – 800 mg 250 mg 100 mg Frequência 3g Dose única 2x/dia 2x/dia 1x/dia 2x/dia 3x/dia 4x/dia 2x/dia 2x/dia 1x/dia 2x/dia 3x/dia 4x/dia 3x/dia 4x/dia 4x/dia 2x/dia 2x/dia 1x/dia 2x/dia 3x/dia 4x/dia Duração (dias) 1 3 5 7 7 7 Leitura recomendada 1. Campbell-Walsh Urology. W. Scott McDougal, Alan J. Wein, Louis R. Kavoussi, Andrew C. Novick, Alan W. Partin, Craig A. Peters, Parvati Ramchandani, Saunders, 10ª edição – 2011. 2. Gupta K, Hooton TM, Naber KG, Wullt B, Colgan R, Miller LG, Moran GJ, Nicolle LE, Raz R, Schaeffer AJ, Soper DE. International clinical practice guidelines for the treatment of acute uncomplicated cystitis and pyelonephritis in women: A 2010 update by the Infectious Diseases Society of America and the European Society for Microbiology and Infectious Diseases. Clin Infect Dis. 2011 Mar 1;52(5):e103-20. 34 Capítulo 5 - Cistite na Gestação Ricardo Miyaoka Confirmação diagnóstica A infecção do trato urinário (ITU) no período gestacional requer atenção especial, pois implica em risco no prognóstico materno e perina- tal. Isoladamente, as alterações anatômicas e fisiológicas da gestação não aumentam a incidência de ITU na gestante, mas naquelas que apresen- tam bacteriúria assintomática (BA) com incidência de 2% a 10%, o risco de evolução para um quadro de pielonefrite é maior e pode ocorrer em 30% dos casos. Tendo em vista que uma ITU complicada é definida como aquela que ocorre em indivíduos com alterações funcionais ou estruturais do trato urinário, qualquer ITU durante a gravidez deve ser considerada complica- da e, portanto, conduzida como tal. A cistite incide em 1% a 1,5% das gestantes. O diagnóstico baseia-se na confirmação laboratorial e deve ser suspeitado em qualquer gestante com sintomas irritativos do trato urinário inferior (disúria, polaciúria, ur- gência miccional, dor suprapúbica, hematúria macroscópica e urina con- centrada e/ou de odor desagradável). Alguns sintomas de infecção são difíceis de caracterizar, a exemplo da disúria e polacíuria, que podem es- tar presentes na gestante sem infecção. A triagem de BA é recomendada no pré-natal com a urocultura de duas amostras urinárias em momentos distintos. Amostra única pode implicar em resultado falso-positivo em até 40% das vezes. O teste do nitrito tem sensibilidade de 50% e especificidade de 97% a 100%. Pode ser falso positivo quando há urina contaminada por germes vaginais ou concentrada, pois se baseia em princípios colorimétricos. O teste da esterase de leucócitos tem sensibilidade e especificidade próxi- 35 mas de 25% e não deve ser usado de forma isolada para o diagnóstico. Alterações menos específicas como leucocitúria, hematúria, proteinúria e cilindros no sedimento urinário também sugerem o diagnóstico, mas podem representar somente a existência de inflamação do trato urinário. A urocultura é o padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial. Em casos sintomáticos, são consideradas positivas culturas com até 102 colônias/ ml. Em casos assintomáticos, são necessárias 105 colônias/ml. Valores entre 104 e 105 correspondem à infecção em 50% dos casos. Quando colhida por cateterismo vesical, valores acima de 103 indicam infecção; se por punção suprapúbica, a infecção é confirmada por qualquer nú- mero de bactérias. A Escherichia coli responde por 80% dos casos sendo o patógeno mais incidente. Em casos de infecção de repetição, falha de resposta ao tratamento após 72 horas e identificação de germes inco- muns neste tipo de infecção recomenda-se a realização de exame ultras- sonográfico, seguro para o binômio mãe-feto, capaz de identificar dilata- ções patológicas do trato urinário além de outros fatores complicadores, como doença calculosa. Diagnóstico Diferencial O diagnóstico diferencial da cistite na gestação inclui poucas condições e incluem: sintomas fisiológicos da gestação, na ausência de infecção; bacteriúria assintomática, na qual apesar dos sintomas ausentes, há confirmação laboratorial de bactérias na urina em quan- tidade anormal; disfunções miccionais que compartilham os mesmos sintomas, como a síndrome da bexiga hiperativa, síndrome da bexiga dolorosa e cistite intersticial; uretrites; e outras infecções vulvo-vaginais (candidíase, vaginose etc.). Conduta O tratamento deve ser iniciado imediatamente após a confirmação diagnóstica da infecção. Em casos de dúvida, ou quando não é possível a confirmação laboratorial, recomenda-se o tratamento empírico baseado na presença de sinais e sintomas sugestivos do quadro, na expectativa 36 de reduzir a morbidade que pode decorrer de um diagnóstico tardio ou ignorado. O tratamento deve ser feito preferencialmente por via oral e com duração de sete dias no mínimo. A urocultura com antibiograma fa- cilita a escolha do antibiótico mais adequado. Os antimicrobianos mais utilizados são: - Cefuroxima 250 mg 8/8 horas; - Norfloxacin 400 mg 12/12 horas; - Nitrofurantoína 100 mg 6/6 horas; - Sulfametoxazol/ trimetoprima 320/ 1600 mg uma vez ao dia. As preocupações com o uso da norfloxacina para tratamento da ITU em gestantes têm se mostrado infundadas. O uso de ampicilina 500 mg 6/6 horas e cefalexina 500 mg 6/6 horas é desaconselhado pela alta taxa de resistência bacteriana. O tratamento com dose única ou de curta du- ração (três dias) relaciona-se a altos índices de falhas e não é indicado para gestantes. Em casos de suspeita de pielonefrite, a terapêutica é pre- ferencialmente por via parenteral, passandopara via oral após remissão do quadro agudo. Cefuroxima 750 mg 8/8 horas e ceftriaxona 1g uma vez ao dia são boas opções. O tratamento deve estender-se por 14 dias. Leitura recomendada 1. Vazquez JC, Villar J. Treatments for symptomatic urinary tract infections during pregnancy. [update of Cochrane Database Syst Rev. 2000; (3): CD002256; PMID: 10908537]. Cochrane Database Syst Rev 2003;(4):CD00256. 2. Duarte G, MarcolinAC, Quintana SM, Cavalli RC. Infecção urinária na gravidez. Rev Bras Ginecol Obstet 2008; 30(2): 93-100. 37 Capítulo 6 - Cistite de Repetição Isabel Cristina Albuquerque Feitosa As infecções do trato urinário inferior são muito comuns, ocorrendo em no mínimo 60% das mulheres, em algum momento de suas vidas. Por ser muito frequente, merece destaque os cuidados com o tratamento. Cerca de 95% dos casos de infecção recorrente em mulheres são resul- tantes de reinfecções e não estão relacionadas a anormalidades anatô- micas do trato urinário. Nos tecidos do trato urinário de mulheres com predisposição a infecções recorrentes foram identificados carboidratos complementares a proteínas expostas na superfície bacteriana. Esta ca- racterística é responsável por facilitar a adesão bacteriana à mucosa vesi- cal, através de fímbrias e filamentos presentes na superfície das bactérias. Para o diagnóstico mais adequado as reinfecções devem ser di- ferenciadas das persistências bacterianas, para que o tratamento seja estabelecido. Diagnóstico 1) Clínico: estão relacionados aos fatores de risco, como início da ati- vidade sexual, menopausa, genética, alterações do trato gastrointestinal e gravidez. 2) Laboratorial: urocultura com antibiograma no início dos sinto- mas e uma semana após o término do tratamento, para confirmar a cura. O agente que mais frequentemente provoca as infecções é a Es- cherichia Coli. 3) Imagem: ultrassonografia dos rins e vias urinárias pode avaliar al- terações relacionadas a cálculos, hematúria e alterações anatômicas. 4) Cistoscopia: auxilia no diagnóstico dos casos suspeitos de tumo- res e fístulas do trato urinário inferior. 38 Conduta O tratamento da cistite recorrente consiste em tratar a infecção vi- gente e iniciar imediatamente a profilaxia para as reincidências. Durante a gravidez, ocorre um aumento na frequência de bacteriúria assintomática, que em até 40% dos casos leva a pielonefrite aguda grave, sendo responsável por desencadear trabalho de parto prematuro, baixo peso ao nascer e aumento da taxa de mortalidade neonatal. O antibiótico de escolha continua sendo a família das fluorquino- lonas, apesar do aumento da resistência bacteriana ao longo dos anos, decorrente do uso indiscriminado. Com a terapia profilática é possível reduzir a recorrência em mais de 90% das mulheres com esta predisposição. Os antibióticos mais utilizados são nitrofurantoína, cefalosporinas de primeira geração e fluorquinolonas, por terem menor efeito sobre a flora intestinal. A prevenção pode ser iniciada com antimicrobianos com metade ou um quarto da dose habitual, preferencialmente à noite por 6 a 12 meses. Nos casos em que o intercurso sexual é o principal causador das re- corrências, pode ser estabelecida uma dose de antimicrobiano pós-coito. Antimicrobiano Nitrofurantoína Sulfametoxazol-Trimetoprim Cefalexina Norfloxacin Fosfomicina Dosagem 100mg 160mg/80mg 250mg 400mg 3g Frequência Noite Noite Noite Noite A cada 10 dias 39 Situações especiais: em pacientes idosos o uso da nitrofurantoína pode causar alterações hepáticas e pulmonares, e as funções destes ór- gãos devem ser monitoradas. Nas gestantes, as fluorquinolonas não de- vem ser utilizadas e a nitrofurantoína pode ser utilizada até no máximo 34 semanas de gestação, por estar relacionada ao aumento do risco de hipoglicemia neonatal. Nesta situação podemos substituí-la por fosfomi- cina, com posologia de fácil aceitação. Nas crianças, o uso da sulfameto- xazol-trimetropim é o mais frequente, apesar de haver um risco maior de alteração da flora intestinal. Além dos antimicrobianos, outras opções terapêuticas têm surgido, principalmente nas situações onde há resistência ou dificuldade de uso dos antibióticos por parte dos pacientes. Em 2008, uma Revisão Sistemática pelo banco de dados Cochrane, com 10 trabalhos randomizados, com um total de 1.049 pacientes con- cluiu que o uso do suco do Cranberry diminui a incidência de infecções recorrentes. Substâncias existentes no Cranberry impediriam a adesão das fimbrias e filamentos das bactérias na mucosa da bexiga, evitando as infecções. Outros vários trabalhos foram realizados com Cranberry na forma de suco, cápsulas e placebo, demonstrando que o uso de cápsulas na dose de 1.200mg diários demonstram os melhores resultados quanto à profilaxia. Leitura recomendada 1. Dům zdraví Marty Hartlové, Brno. Urinary tract infections in pregnancy: when to treat, how to treat, and what to treat with. Ceska Gynekol. 2012 Apr;77(2):167-71. 2. Hisano M, Bruschini H, Nicodemo AC, Srougi M. Cranberries and lower urinary tract infection prevention. Clinics. 2012;67(6):661-667. 40 Capítulo 7 - Cistite Intersticial Maurício J. Bruschini Rodrigues Netto Cistite intersticial, atualmente também conhecida como Síndrome da Bexiga Dolorosa, é uma doença de definição e diagnóstico difícil. A definição mais usada é a da SUFU (the Society for Urodynamics and Female Urology): “Uma sensação desagradável (dor, pressão, desconforto) rela- cionada com a bexiga, associada com sintomas do trato urinário inferior com mais de seis semanas de duração, na ausência de infecção ou outras causas identificáveis”. Ocorre com frequência nove vezes maior em mu- lheres do que em homens. A caracterização da doença se baseia na sinto- matologia clínica, não existem marcadores específicos. Por isso devemos realizar uma história detalhada sobre os sintomas que mais comumente se apresentam como frequência aumentada (diurna e noturna), urgência e dor suprapúbica ou perineal geralmente relacionada com enchimento vesical. Caracterizar com detalhes início, duração, periodicidade das cri- ses, tentar associar o aparecimento da dor com algum alimento, bebida ou atividade específica. Fazer exame físico detalhado, além dos exames laboratoriais de urina e citologia urinária, descartando infecção urinária e tumor de bexiga. A cistoscopia e a urodinâmica devem ser utilizadas apenas nos casos mais complexos e não são necessárias nas apresentações mais simples. A quantificação inicial dos sintomas urinários e níveis de dor devem ser anotados para podermos acompanhar o resultado dos tratamentos realizados. Diagnóstico diferencial Entre os principais diagnósticos diferenciais precisamos excluir: in- fecção urinária, tumor de bexiga, hiperatividade do detrusor, tuberculose urinária , cálculo vesical e divertículo uretral. 41 Conduta Existem vários tratamentos que podem ser oferecidos, divididos em grupos considerando o balanço entre os potenciais riscos e benefícios para o paciente, severidade dos efeitos colaterais e reversibilidade do tra- tamento. A escolha do tratamento depende do nível de sintomas, julga- mento do médico assistente e preferências do paciente. Primeira linha – explicar o funcionamento normal da bexiga, a do- ença com suas possíveis causas e sua apresentação insidiosa e crônica. Orientar sobre a possibilidade de que vários tratamentos precisam ser re- alizados antes de se conseguir o controle adequado do problema. Na me- dida do possível, tentar reduzir o stress que costuma piorar os sintomas, além da modificação de hábitos e comportamentos que podem melhorar o quadro clínico. Segunda linha – evitar exercícios de fortalecimento do assoalho pél- vico, como Kegel. Usar medicamentos sistêmicos como: 1) amitriptilinaem doses de 25 mg a 100 mg ao dia preferencialmente a noite, pois os prin- cipais efeitos colaterais são sonolência e náuseas; 2) cimetidina na dose de 400 mg duas vezes ao dia com poucos efeitos colaterais; 3) hidroxizina na dose de 10 mg a 75 mg uma vez ao dia com poucos efeitos colaterais como fraqueza e discreta sonolência; 4) pentosan polissulfato na dose de 100 mg três vezes ao dia com baixa incidência de efeitos colaterais. Usar medicamentos intravesicais como: 1) DMSO (RIMSO) o esque- ma mais usado é a instilação vesical quinzenal de 50 ml na concentração de 50% com retenção na bexiga por 15 minutos. Depois de quatro aplica- ções, espaçar o tratamento; 2) Heparina com alguns esquemas descritos variando de 10 mil a 40 mil UI diluídos em 10 ml de água destilada até três vezes por semana; 3) Lidocaína vários esquemas utilizados inclusive associado com heparina e triancinolona. Terceira linha – cistoscopia sob anestesia realizando hidrodistensão de curta duração (10 minutos) e com baixa pressão (60 cm a 80 cm de H2O). Se for encontrada úlcera de Hunner, realizar a cauterização do local (laser ou eletrocautério) ou injeção de triancinolona. 42 Quarta linha – neuromodulação realizar o teste de neuroestimula- ção, se houver melhora, implante definitivo do estimulador. Quinta linha – ciclosporina A ou toxina botulínica tipo A, podem ser administradas se outros tratamentos não foram eficientes e o paciente aceitar, lembrando a possibilidade do paciente precisar de cateterismo intermitente após injeção da toxina. Sexta linha – tratamento cirúrgico como cistoplastia ou derivação urinária. Tratamentos que não devem ser utilizados: antibioticoterapia de longa duração, BCG intravesical, hidrodistensão de longa duração com alta pressão e resinferatoxina, corticoide oral de longa duração. Leitura recomendada 1. Philip M. Hanno e cols. Diagnosis and treatment of Interstitial Cystitis/Bladder Pain Syndrome, American Urological Association (AUA) Guidelines 2011. 43 Capítulo 8 - Infecção Fúngica do Trato Urinário Caio Cesar Cintra Candidúria: diagnóstico bastante controverso. Embora a maioria dos estudos se baseie em cultura de urina, a visualização do fungo também é utilizada para este fim. Não existe consenso sobre a melhor técnica de coleta, nem do critério diagnóstico baseado em cultura. Em adultos, eles variam de 103 a105 UFC/ml de urina, podendo ser diferentes entre os sexos. Estudos clínicos têm usado 103 UFC/ml de urina como critério de inclusão. Os meios de cultura normalmente utilizados para a identificação de infecções bacterianas não apresentam a mesma sensibilidade para identificar espécies de Candida sp. Estudos que utilizam meios de cul- tura específicos para a identificação de espécies de Candida (Sabaroud destrose-agar) têm maior sensibilidade. Diagnóstico diferencial / Considerações gerais Infecções fúngicas invasivas, outrora raras, têm se tornado cada vez mais frequentes. O principal diagnóstico diferencial da candidúria é a in- fecção urinária bacteriana. Estudo prospectivo identificou um aumento de cinco vezes na inci- dência de infecções fúngicas em pacientes internados, nos EUA entre as décadas de 80 e 90. Envolvimento do trato urinário foi identificado em 46% das vezes, classificando-o como o principal sítio desta infecção. No Brasil, relatos de fungemia em hospitais terciários têm sido publi- cados assim como o acometimento crescente do trato urinário por fun- gos em pacientes críticos. O resultado final da infestação fúngica depende de uma série de fatores, sendo a condição do hospedeiro e o seu status imunológico os mais importantes deles. 44 Imunodeficiência, senilidade, permanência em UTI, uso de cateteres ve- sicais, antibioticoterapia de amplo espectro, prematuridade com baixo peso e pós-operatório de grandes cirurgias são seus principais fatores de risco. A C. albicans é o agente mais comum. Sua transmissão se dá, habitu- almente, por contato sexual. Atualmente, infecções por espécies não albicans têm se tornado mais frequentes. Estas espécies se relacionam a quadros mais complexos disseminados e a uma maior mortalidade. C. glabrata e C. krusei são espe- cialmente importantes, uma vez que apresentam resistência conhecida ao fluconazol. Alguns autores demonstraram que esta realidade também é encontrada no Brasil. A candidúria pode se manifestar de maneira diversa. A simples pre- sença de Candida sp. na urina não significa, necessariamente, infecção. Contaminações são frequentes. Na maioria das vezes, ela é assintomática e ocorre tardiamente durante a internação. Leucocitúria normalmente não é evidenciada e, na maioria dos ca- sos, não se observa evolução para septicemia. Apenas 1% a 8% dos pa- cientes com candidúria evoluem para candidemia. A diferenciação entre acometimento dos tratos urinários superior e inferior é difícil, podendo haver acometimento renal em até 50% dos casos, mesmo sem sintomas. A presença de cilindros fúngicos pode ser importante nesta diferenciação. Prostatite e epididimite fúngica também podem se associar à can- didúria. Pneumatúria pode indicar invasão tissular e/ou a formação de abcesso peri renal. Mesmo na ausência de sintomas, a candidúria é um fator de risco para mortalidade. Conduta Os esquemas utilizados compreendem a anfotericina B tópica ou sistêmica e o fluconazol oral ou endovenoso. O itraconazol não deve ser 45 utilizado para este fim devido suas características farmacocinéticas e à experiência limitada com seu uso para tal. A dose preconizada do fluconazol varia de 100 mg a 400 mg/dia por 7 a 14 dias, a depender do estado do paciente, do sítio da infecção e do agente isolado, assim como da sua sensibilidade a esse fármaco. Em casos mais críticos, recomenda-se dose máxima, por 14 dias. As infecções resistentes devem ser tratadas com anfotericina B. Qua- dros sistêmicos podem ser conduzidos por meio da prescrição de 0,5 mg a 1 mg por kg/dia, por pelo menos 2 semanas, e as cistites fúngicas po- dem ser controladas por meio da instilação vesical de 50 mg/dia diluída em água destilada por 48 a 72 horas. A fim de definir a melhor estratégia terapêutica, é necessário definir o grupo de risco: - Em pacientes sãos, sem fatores de risco: solicitar nova coleta, afastar contaminação por mucosite fúngica e não utilizar antifúngicos sistêmicos. - Em pacientes assintomáticos, mas com fatores de risco e candidemia improvável: retirar fatores de risco (incluindo cateter vesical) e reavaliar. Na persistência do fungo considerar instilação vesical de anfotericina B. - Em pacientes sintomáticos, recém-nascidos de baixo peso, trans- plantados, neutropênicos ou naqueles assintomáticos mas com neces- sidade de instrumentação urológica: prescrever antifúngicos sistêmicos. Leitura recomendada Ackar JM, Fries BC.Candida Infections os the Genitouri nary Tract. Clin Microbiol Reviews 2010:253-73. 46 Capítulo 9 - Prostatite Aguda Roberto Dias Machado Introdução • Doença aguda e infecciosa da próstata, geralmente afeta os ho- mens dos 20 aos 40 anos de idade, com segundo pico após os 60 anos. Vias de infecção • Ascensão dos micro-organismos pela uretra • Refluxo de urina infectada para os ductos prostáticos • Transrretal, devido à biópsia prostática • Linfática e hematogênica são raras Confirmação diagnóstica É clínica por meio da história e do exame físico. Dor abdominoperi- neal e sintomas do trato urinário inferior como disúria e urgência, associa- dos à febre com calafrios geralmente estão presentes. O toque retal é doloroso e mostra flutuações prostáticas em mais de 90% dos casos, devendo ser feito com a máxima cautela. A massagem e a biópsia da próstata são contraindicadas na fase aguda, devido ao risco de disseminação bacteriana.Os exames de sangue e urina I com urocultura (jato médio) auxiliam na confirmação diagnóstica. O hemograma mostra leucocitose (células imaturas). O PSA geralmente está elevado, retornando ao basal de 4 a 8 sema- nas após o tratamento. O exame de urina tipo I mostra piúria, nitritos positivos e hematúria. 47 A coloração de Gram pode guiar o tratamento empírico até a confir- mação microbiológica pela urocultura. A hemocultura pode ser solicitada em pacientes internados com infecção sistêmica grave, porém apresenta apenas 21% de positividade. Diagnótico diferencial Etiológico Bactérias enterococus gram negativas respondem por 85% dos ca- sos. A E. coli é a mais comum, seguida por Proteus, Pseudomonas e Kle- bsiella ssp. Em pacientes jovens e sexualmente ativos deve-se considerar a Neis- seria gonorreia e a Clamydia spp. Pacientes com imunodeficiência são susceptíveis a agentes atípicos (Fungos e M.tuberculosis etc.). Fatores de risco Intercurso sexual sem proteção, fimose, instrumentação cirúrgica do trato urinário inferior, cateterismo vesical, estenose de uretra, HPB e biópsia de próstata. O risco de prostatite aguda é de 0,6% a 2,1% na primeira biópsia e de 4,1% na segunda biópsia. Causas de confusão diagnóstica Pielonefrite e epididimite aguda podem ocorrer isoladamente ou como consequência da prostatite aguda. Patologias orificiais e diverticulite aguda. Condutas Tratamento ambulatorial É uma opção em pacientes sem complicações e capazes de tolerar a ingestão oral das drogas. 48 As fluoroquinolonas têm a preferência inicial pelo seu espectro de ação contra gram negativos e positivos e alguns patógenos atípicos como Clamydia e Mycoplasma. As mais usadas são: ciprofloxacino 500 mg duas vezes ao dia, levofloxacino 500 mg uma vez ao dia e gatifloxaci- no 400 mg uma vez ao dia. A associação de sulfametoxazol 400/800 mg + trimetoprima 80/160 mg duas vezes ao dia é usada em casos de reações adversas às quinolonas. O mínimo de 10 dias de tratamento é necessário para casos leves, variando de 2 a 4 semanas. Tratamento hospitalar Em casos graves e complicados, a antibioticoterapia parenteral deve ser iniciada com o paciente internado logo após a coleta dos exames. Lembrar que o padrão de resistência bacteriana aos antibióticos va- ria de acordo com as regiões geográficas. Altas doses de antibióticos de largo espectro como cefalosporinas de segunda e terceira gerações (ex: cefuroxima 50 mg -100 mg/kg/dia de 8/8h com máximo de 6g/d, cefoxitina 1-2g de 4/4h ou 6/6h, ceftriaxona 1g de 12/12h) associados ou não aos aminoglicosídeos (ex.: amicacina e gentamicina) são recomendados. Os aminoglicosídeos associados a um beta lactâmico (ampicilina e penicilina) ou a uma fluoroquinolona têm sua eficácia aumentada. Uma vez o paciente estável e afebril o antibiótico oral é iniciado ba- seado nos exames de sangue e na cultura de urina. Conduta nas complicações A bacteremia é uma complicação grave, nestes casos a hemocultura pode auxiliar no diagnóstico microbiológico. Os abscessos prostáticos devem ser investigados se houver piora clí- nica ou falha terapêutica, mesmo com o antibiótico apropriado. 49 O ultrassom transrretal e a tomografia computadorizada auxiliam na confirmação diagnóstica e na terapêutica dos abscessos. Retenção urinária ocorre devido à dor, espasmo do colo vesical e/ou edema prostático. O cateterismo uretral prolongado deve ser evitado na presença de abscessos e a cistostomia torna-se imperativa. Prognóstico Geralmente é bom com o tratamento rápido e adequado. Assim, a maioria dos pacientes não desenvolverá prostatite crônica. Leitura recomendada 1. Brede.C.M e col. The etiology and management of acute prostatitis. Nat.Rev.Urol. 2011,8:223-45. 2. Etienne. M e col. Acute bacterial prostatitis. BMC Infect Dis.2008,30:8-12. 50 Capítulo 10 - Prostatite Crônica Cláudio Bovolenta Murta Prostatite é a patologia prostática mais comum em homens com menos de 50 anos e sua incidência chega a 12%. Sua gênese é pouco compreen- dida e multifatorial, mas parece seguir a seguinte sequência: fator iniciador (infecção, trauma, toxinas e estresse), uma resposta exacerbada (inflamação ou neurológica), facilitação (mecanismos neuroendócrinos) e propagação (mediadores imunológicos e neurogênicos), resultando em dor neuropática. Cerca de apenas 10% dos casos de prostatite crônica tem cultura positiva, o restante deve ser classificado como síndrome da dor pélvica crônica. Confirmação diagnóstica As prostatites foram inicialmente classificadas em quatro categorias: bacteriana aguda, bacteriana crônica, não bacteriana e prostatodinia. Em 1999, o National Institutes of Health (NIH) reclassificou as prostatites e, atualmente, é a mais utilizada (Tabela 1). O diagnóstico é feito por meio de história e exame físico, e é definida como sintomas persistentes ou recorrentes de dor perineal (na região da próstata) por pelo menos três meses nos últimos seis meses. Na prostatite tipo II deve haver confirmação de um uropatógeno, enquanto nas cate- gorias IIIA e IIIB as culturas são negativas. Na avaliação deve-se incluir o tipo de dor e a localização. A dor pode ser referida em outras áreas como períneo, reto, pênis, testículos e abdômen inferior. Podem estar presentes sintomas do trato urinário inferior, alterações sexuais, em outros órgãos (sd. miofascial, sd. do intestino irritável) e psicológicos. Diagnóstico diferencial A avaliação dos sintomas pode ser realizada por meio do índice de sintomas de prostatite crônica do NIH, que abrange as principais quei- 51 xas do paciente: dor, função urinária e qualidade de vida. O exame di- gital da próstata deve ser realizado após coleta da urina pré-massagem prostática e é limitado quanto ao diagnóstico definitivo de prostatite ou sua classificação. Diagnóstico laboratorial tem sido classicamente baseado no teste dos quatro frascos. São colhidas as urinas do primeiro jato, urina do jato médio, expressão da secreção prostática e urina pós-massagem prostá- tica. As amostras são analisadas quanto à contagem de leucócitos após centrifugação e cultura. Entretanto, este teste é de difícil realização na prática clínica e foi substituído pelo teste dos dois frascos. Neste, a urina pré-massagem prostática e pós-massagem são analisadas. Na prostatite tipo II, encontram-se bactérias na urina pós-massagem. Na do tipo IIIA, encontram-se apenas leucócitos e na IIIB todas as amostras são normais. As bactérias mais comumente encontradas são a Escherichia coli (80%), outras bactérias gram-negativas como Pseudomonas, Serratia, Klebsiella (15%) e enterococos (5%). Infecções por Corynebacteria, clamídia, urea- plasma e outras infecções não cultiváveis têm sido implicadas na prosta- tite crônica não bacteriana. Outros testes como PSA, citologia urinária, estudo urodinâmico, cis- toscopia, ultrassonografia transrretal e biópsia devem ser reservados para situações específicas. Conduta Os estudos clínicos permitem concluir que os tratamentos para pros- tatite crônica devem ser multidisciplinares, principalmente nos casos de prostatites tipo III. O tratamento inicial é feito com antibioticoterapia. Os antibióticos mais utilizados são as fluoroquinolonas por 4 a 6 semanas. A utilização de trimetropim é uma alternativa, mas deve ser feita por tempo maior (3 meses). O uso de alfa-bloqueador tem benefício naqueles pa- cientes com menos de um ano de sintomas. Anti-inflamatórios, relaxan- tes musculares, polissulfato de pentosam e fitoterápicos também podem ser utilizados no tratamento desses pacientes. Além dos tratamentos tra- dicionais, terapia comportamental cognitiva para dor, massagem prostá- 52 tica, biofeedback, acupuntura e terapia extracorpórea por ondas de cho-que perineal mostraram resultados em alguns estudos. Um novo conceito na avaliação e tratamento da síndrome da dor pélvica crônica baseada no fenótipo surgiu em 2009. De acordo com essa nova classificação os sintomas são encaixados no sistema de seis domí- nios UPOINT, que é o acrônimo para as palavras inglesas: sintomas uri- nários (Urinary), problemas psicossociais (Psychosocial), órgão específica (Organ-specific), infecção (Infection), sistema neurológico (Neurologic/ systemic) e dor muscular (Tenderness – muscle). O tratamento é direcio- nado aos domínios predominantes da síndrome do paciente. Tabela 1 - Classificação das Prostatites Descrição Infecção aguda da próstata Infecção crônica da próstata Dor genitourinária crônica na ausên- cia de bactéria uropatogênica Presença de leucócitos na secreção prostática, urina pós-massagem prostática ou sêmen Ausência de leucócitos na secreção prostática, urina pós-massagem prostática ou sêmen Leucócitos ou bactérias na secreção prostática, urina pós-massagem prostática, sêmen ou biópsia NIH Categoria I Categoria II Categoria III Sd. da dor pélvica crônica Categoria IIIA Sd. da dor pélvica crônica inflamatória Categoria IIIB Sd. da dor pélvica crônica não inflamatória Prostatite Inflamatória Assintomática Tradicional Prostatite aguda bacteriana Prostatite crônica bacteriana Prostatite não bacteriana Prostatodinia Leitura recomendada 1. Litwin MS e cols. The NIH Chronic Prostatitis Symptom Index (NIH-CPSI): development and validation of a new outcome measure. J Urol 1999;162:369-375. 2. Fall M e cols. EAU Guidelines on Chronic Pelvic Pain. Eur Urol 2010;57:35-48. 53 Capítulo 11 - Gangrena de Fournier Oscar Eduardo Hidetoshi Fugita Grangrena de Fournier (ou Síndrome de Fournier) é uma fasciíte ne- crotizante (FN) que acomete a região perineal e/ou a região púbica e que, rapidamente, pode progredir para gangrena de pênis e escroto. A região genital está propensa a este tipo de infecção, pois o tecido subcutâneo desta área, pobre em irrigação sanguínea, e a estrutura em multicamadas da região, favorecem a disseminação da infecção. Acomete todas as faixas etárias, mas principalmente pacientes com mais de 50 anos de idade e raramente as mulheres, numa proporção de 3:1. A infecção pode ser causada por agentes aeróbios (principalmente Gram negativos) e anaeróbios, sendo comum a infecção mista por bac- térias diversas como Escherichia coli, Staphilococcus aureus, Streptococ- cus spp., Pseudomonas aeruginosa, Bacteroides spp., Enterococcus spp., Klebsiella spp., Clostridium spp., and Candida spp. Muitas vezes, agentes anaeróbios podem estar presentes, mas não são isolados em culturas por dificuldades no processamento do material coletado ou meios de cultu- ra inadequados. Comumente, a infecção é iniciada por agentes aeróbios que diminuem a concentração de oxigênio local, o que estimula a pro- liferação dos agentes anaeróbios. Estes, devido ao menor potencial de oxi-redução produzem gases como hidrogênio, nitrogênio e metano que se acumulam nos tecidos moles. Segue-se a endarterite obliterante que estimula agregação plaquetária levando a trombose de vasos perfurantes do subcutâneo e finalmente a necrose da pele, do tecido celular subcutâ- neo e da fáscia da área acometida. Os fatores de risco mais comuns para a Gangrena de Fournier são diabetes mellitus (o mais importante), alcoolismo crônico, imu- nodeficiência (pacientes transplantados, por exemplo), insuficiência vascular, trauma local, tumores malignos, infecções de trato gênito- 54 -urinário, pós operatório (de cirurgias urológicas, proctológicas ou ginecológicas), úlceras de pressão em pacientes acamados cronica- mente e procedimentos diagnósticos (como biópsias de próstata). Desproporção entre a dor referida pelo paciente e o trauma ou o pro- cedimento realizados devem chamar a atenção do médico assistente. Nos casos de a invasão bacteriana ocorrer por via perineal, o curso da doença tende a ser mais grave pois as bactérias penetram por meio do septo urogenital, alcançando direta e rapidamente a área da bexi- ga e a cavidade retroperitoneal. O diagnóstico da FN pode ser difícil. O desenvolvimmento de esco- res clínicos como o APACHE II (The Acute Physiology and Chronic Health Evaluation) e o LRINEC (The Laboratory Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis) foram tentativas de se desenvolver métodos científicos e rá- pidos de diagnosticar precocemente a FN. Apesar de não serem espe- cíficos para FN, ambos os escores são preditores confiáveis de mortali- dade para a maioria dos casos de FN. Os sintomas iniciais da Gangrena de Fournier são febre, hiperemia, edema e dor do escroto, períneo ou pênis, evoluindo gradualmente para endurecimento, escurecimento e odor fétido da região. Algumas vezes, a pele se desprende dos tecidos profundos e se observam coleções. Nos casos de infecção por agentes produtores de gás, podem-se observar crepitação local e ar no exame radiológico simples. Nos casos avançados, o paciente pode evoluir para choque séptico, coagulação intra-vascular disseminada (CIVD) e Síndro- me da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) culminando, em muitos casos, com óbito do paciente (taxa de mortalidade varia de 11% a 45%) por Falência de Múltiplos Orgãos e Sistemas (FMOS). Por isso, a FN deve ser encarada como uma emergência clínica e cirúrgica e cuidados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são recomendáveis, assim como uma abordagem multidisciplinar envolvendo clínicos gerais, cirurgiões gerais, urologistas, cirurgiões plásticos, infectologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e enfermagem especializada. Sinais de SIRS e descompensação metabólica como desidratação, leucocitose, plaquetopenia, anemia, acidose metabólica e hiperglice- 55 mia devem ser identificados e corrigidos. Para direcionar o tratamento com agentes antimicrobianos, é essencial obter culturas dos tecidos e das secreções tanto para agentes aeróbios quanto anaeróbios. Antibió- ticoterapia empírica deve ser instituída precocemente, até os resultados das culturas dos materiais coletados e da hemocultura estarem dispo- níveis, com cobertura antibiótica para agentes Gram positivos, Gram negativos e anaeróbios. O desbridamento dos tecidos desvitalizados e infectados deve ser realizado na urgência e englobar uma área am- pla, até se observar tecido com boa perfusão sanguínea. Nos casos em que houver risco de contaminação da cavidade peritoneal ou da região desbridada, o desbridamento deve ser acompanhado de colostomia de proteção. Derivação urinária temporária, com sondagem vesical de de- mora (SVD) ou cistostomia, também deve ser realizada quando houver risco ou presença de comprometimento de vias urinárias como bexiga ou uretra pela infecção e para proteção de áreas enxertadas ou com retalho. As feridas cirúrgicas devem ser lavadas em profusão com soro fisiológico (SF 0,9%) e cobertas com curativos com solução de iodopo- vidine a 1%. Os curativos devem ser trocados ao menos duas vezes ao dia e monitorados quanto a tecidos desvitalizados que necessitem de desbridamentos adicionais. Terapia adjuvante com oxigênio hiperbári- co deve ser instituída nos locais que dispuserem de Câmara Hiperbárica (CH). O tratamento definitivo das feridas só deve ser instituído após o controle das infecções e formação de tecido de granulação e envolve ci- rurgias reconstrutivas, muitas vezes complexas com enxertos, retalhos e curativos com pressões negativas. De maneira geral, um algoritmo de atendimento de pacientes com FN deve seguir a seguinte sequência: • Estabilização hemodinâmica. • Instituição de antibioticoterapia de amplo espectro para cobertura polimicrobiana. • Desbridamento cirúrgico e coleta de tecidos e secreções paraculturas. 56 • Novos desbridamentos de áreas evoluindo para necrose a cada 24-48 horas. • Ajuste da antibioticoterapia de acordo com os resultados das cul- turas obtidas. • Câmara hiperbárica (se disponível). • Tratamento definitivo com curativos, enxertos e/ou retalhos cutâneos. Leitura recomendada 1. Zdravko Roje e cols. Necrotizing fasciitis: literature review of contemporary strategies for diagnosing and management with three case reports: torso, abdominal wall, upper and lower limbs. World J Emerg Surg 2011, 6: 46-63. 2. Morpurgo E, Galandiuk S. Fournier’s gangrene. Surg Clin North Am 2002, 82: 1213-24. 57 Capítulo 12 - Abscesso Renal e Perinefrético João Sérgio de Carvalho Filho Abscesso ou carbúnculo renal é uma coleção de material purulento dentro do parênquima renal que geralmente acontece como evolução de uma pielonefrite aguda complicada, ou seja, de uma infecção urinária ascendente por bactéria gram-negativa associada a condições anatômi- cas ou funcionais do rim ou a fatores do paciente que comprometem o controle da infecção ou resposta ao tratamento (Tabela 1). Abscesso perinefrético é uma coleção de material purulento locali- zado entre a cápsula renal e a fáscia de Gerota. Usualmente resulta da ruptura de um abscesso renal dentro do espaço perinefrético. Pacientes com pionefrose, principalmente quando associado à calculo, são suscep- tíveis a formação de abscesso perinefrético. Menos frequentemente esses abscessos podem acontecer por bac- térias gram-positivas, que caem na corrente sanguínea provenientes de foco infeccioso de qualquer parte do corpo como pele, boca, pulmão ou ainda por uso abusivo de drogas injetáveis. O quadro cínico inicial se assemelha ao de uma pielonefrite agu- da, com dor abdominal ou lombar, febre, calafrios, mal-estar, anorexia e eventualmente perda de peso. A palpação profunda e a punho-percussão são dolorosas. Também pode haver sintomas de cistite ou de outro foco infeccioso extra trato urinário antecedendo esse quadro. A evolução des- favorável do quadro clínico, apesar do tratamento antibioticoterápico adequado, bacteremia e piora da função renal, levantam à suspeita clíni- ca destas complicações. O quadro laboratorial revela leucocitose, exame de urina infeccioso e a creatinina elevada. Hemocultura e urocultura devem ser solicitadas sempre que possível antes do início da antibioticoterapia em virtude da 58 maior variedade de bactérias envolvidas nestes processos. A Escherichia coli é o patógeno mais comum, mas também são isolados com frequên- cia Pseudomonas, Klebisiella, Streptococus faecali e Proteus. Quando a infecção é por germe gram-positivo o exame de urina pode estar normal e a urocultura negativa. O exame de urina também pode estar normal quando houver quadro obstrutivo da via urinária. O ultrassom é o método mais rápido e barato de demonstrar o absces- so renal e perirrenal, porém a tomografia computadorizada com contraste é o método de escolha para o diagnóstico. A tomografia (ou ressonância magnética em casos de alergia ao contraste iodado, gravidez) define o abs- cesso, mostra sua extensão, comunicação com o parênquima renal, septa- ções, densidade da secreção, grau de comprometimento da função renal que são informações importantes para o planejamento terapêutico. O tratamento na maioria dos casos requer internação hospitalar, an- tibioticoterapia endovenosa, correto manuseio das condições clínicas e urológicas associadas, além de seguimento cuidadoso. Os antibióticos uti- lizados são as fluoroquinolonas, cefalosporinas de 3ª e 4ª gerações, peni- cilinas sintéticas com inibidores da betalactamase e os aminoglicosídeos. Nos abscessos renais pequenos, menores que três centímetros, a res- posta ao tratamento clínico é favorável na maioria dos casos. Abscessos entre 3 cm e 5 cm , podem ou não responder ao tratamento clínico e de- vem ser seguidos atentamente. Já nos abscessos maiores que cinco cen- tímetros o tratamento de escolha é a drenagem percutânea ou cirúrgica ou ainda nefrectomia, conforme o grau de comprometimento infeccioso e funcional do rim. O abscesso perirrenal via de regra não responde bem ao tratamento clínico exclusivo, havendo necessidade de drenagem que também pode ser percutânea ou cirúrgica. Algumas vezes essa drenagem é o passo inicial de uma nefrectomia a posteriori, em melhores condições locais e clínicas. Essas infecções urinárias complicadas, mesmo quando tratadas ade- quadamente, apresentam taxas elevadas de recorrência e portanto os pa- cientes devem ser bem orientados e seguidos pelo seu urologista. 59 Tabela 1 - Fatores de risco para infecção urinária complicada Outros fatores Instrum. cirúrgica Derivações urinárias Biópsia Doenças associadas Diabetes melitus Insuficiência renal Transplante renal Rim esponja medular AIDS Alcoolismo Corticoterapia Imunossupressão Fatores Obstrutivos Litíase Tumores HPB Estenose de uretra Estenose de ureter Obstrução da JUP Obstrução da JUV Anomalias congênitas Divertículos Cisto renal Corpo estranho Cateteres sondas Leitura recomendada 1. Campbell-Walsh UROLOGY tenth edition. 2. Projeto diretrizes ( AMB e CFM) SBU. Doenças Sexualmente Transmissíveis 13 - Uretrite 14 - Lesão Ulcerosa Genital 15 - Lesão Verrucosa Genital 16 - Molusco Contagioso 63 Confirmação Diagnóstica As uretrites são inflamações da uretra decorrentes de processos infla- matórios ou infecciosos. As uretrites infecciosas são divididas em gonocóci- cas, causadas pela Neisseria gonorrhoeae, e não-gonocócicas, cujos agen- tes etiológicos mais comuns são: Chlamydia trachomatis (30% a 50% dos casos), Ureaplasma urealyticum e Mycoplasma hominis. Eventualmente, Trichomonas vaginalis, Herpes simplex virus e Adenovírus também podem estar envolvidos. O diagnóstico de uretrite deve ser suspeitado na presença de corrimento uretral, disúria, prurido e irritação peniana. Na infecção go- nocócica a secreção uretral é, geralmente, mais abundante e espessa (pu- rulenta), porém somente esse achado não permite a distinção etiológica. O diagnóstico deve ser sempre confirmado, quando possível, pela de- monstração de leucócitos polimorfonucleares (PMN) na secreção uretral (5 leucócitos PMN por campo de grande aumento) ou no jato inicial de urina (10 leucócitos PMN por campo de grande aumento). Se houver disponibi- lidade de microscopia, deve-se realizar o exame bacterioscópico à procura de diplococos gram-negativos intracelulares para se confirmar a gonor- réia. Esse exame tem sensibilidade superior a 90% em bons laboratórios. Outros exames que podem ajudar na pesquisa do agente etiológico são: cultura de N. gonorrhoeae (meio de Thayer-Martin) na secreção ou raspa- do uretral, cultura de Ureaplasma e Mycoplasma no primeiro jato de urina, pesquisa por técnicas de PCR (N. gonorrhoeae, C. trachomatis, Ureaplasma e Mycoplasma) e culturas para T. vaginalis e Herpes simplex virus. Diagnóstico Diferencial Pacientes com história de disúria e/ou secreção uretral podem apre- sentar outras patologias que se confundem com as uretrites infecciosas. Capítulo 13 - Uretrites Fábio César Miranda Torricelli 64 Estas incluem: uso de produtos químicos em contato com a uretra (uretri- te inflamatória), cálculos ureterais distais ou cálculos uretrais e divertícu- los uretrais, que quando infeccionados podem apresentar secreção puru- lenta. Mais raramente, prostatite bacteriana aguda, abscesso prostático, prostatite crônica, síndrome da dor pélvica crônica, estenose de uretra e câncer de uretra podem apresentar manifestações comuns à uretrite. Na distinção destas doenças é fundamental uma boa anamnese e um atento exame físico. Em casos mais complexos, exames laboratoriais e de imagem são necessários para a confirmação diagnóstica.Conduta A abordagem dos pacientes com diagnóstico de uretrite pode ser sindrômica, quando exames para confirmação do agente etiológico não estão disponíveis. Neste caso, os pacientes devem ser tratados para N. gonorrhoeae e C. trachomatis, uma vez que nos casos de gonorréia, a co- -infecção por clamídia está presente em aproximadamente metade dos casos. O Ministério da Saúde recomenda o tratamento sindrômico da ure- trite com Ciprofloxacina 500 mg VO dose única, associado a Azitromicina 1g VO dose única ou Doxiciclina 100 mg VO de 12 em 12 horas por 7 dias. Quando a confirmação do agente etiológico é possível, o tratamen- to deve ser direcionado. No caso de uretrites gonocócicas são opções: Ciprofloxacina 500 mg VO dose única, Ceftriaxone 250 mg IM dose úni- ca, Levofloxacina 250 mg VO dose única, Ofloxacina 400 mg VO dose única, dentre outros. Já no caso de uretrites não-gonocócicas: Azitro- micina 1g VO dose única, Doxiciclina 100 mg VO de 12/12h por 7 dias, Eritromicina 500 mg VO 6/6h por 7 dias, Tetraciclina 500 mg VO 6/6h por 7 dias, dentre outros. Em pacientes com uretrite persistente ou recorrente, deve-se inves- tigar T. vaginalis, sendo o tratamento recomendado metronidazol 2g VO dose única. Outras possibilidades são herpes ou HPV uretral. É importante ressaltar que a uretrite é uma doença sexualmente transmissível (DST), sendo verdadeira a premissa que não existe indiví- 65 duo com DST, mas sim o casal com DST, devendo todas(os) parceiras(os) serem avaliadas(os) e tratadas(os). É fundamental para o sucesso do tra- tamento que as relações sexuais sejam abolidas até que ambos estejam curados da doença. Além disso, a associação entre agentes infecciosos é praticamente uma regra, devendo os pacientes com uretrite serem pes- quisados para HIV, Hepatites B e C e Sífilis. Finalmente, orientações sobre sexo seguro devem ser discutidas e os pacientes devem ser reavaliados 2 semanas após o início do tratamento para avaliar a eficácia do tratamento e a notificação das(os) parceiras(os). A única forma segura de se evitar o contágio é o uso de preservativo durante o ato sexual. Leitura recomendada 1. Horner PJ. European guideline for the management of urethritis. Int J STD AIDS 2001;12 Suppl 3:63. 2. Manual de Controle de Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST. 4a Ed. Brasília: Minis- tério da Saúde do Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília, DF: Programa Nacional de DST e AIDS; 2006. 66 Capítulo 14 - Lesão Ulcerosa Genital Hamilto Akihissa Yamamoto As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) são consideradas um problema de saúde pública em todo o mundo e são causadas por diferen- tes agentes etiológicos e transmitidas principalmente por contato sexual desprotegido com um indivíduo infectado. Geralmente se manifestam por meio de úlceras, corrimentos, bolhas ou verrugas genital (principal- mente) ou extragenital. Em alguns casos o portador é assintomático. Es- sas doenças quando não diagnosticadas e não tratadas a tempo, podem evoluir para complicações graves como doenças congênitas, aborto, in- fertilidade, estenose de uretra, câncer e até a morte. As DSTs são de notifi- cação compulsória, a ausência de notificação dificulta: o reconhecimento da situação atual na região; o início de ações preventivas e checagem da eficiência do controle. Para facilitar o diagnóstico as DSTs podem ser ca- racterizadas como: síndromes verrucosa, úlceras, corrimento uretral ou vaginal e dor pélvica na mulher. Isso auxilia na triagem, rapidez de aten- dimento, no tratamento e na notificação da doença. Entre as DSTs as que cursam com lesões ulcerosas genitais são a sífilis primária, herpes simples, cancro mole, linfogranuloma venéreo e donovanose. As úlceras genitais, essencialmente transmitidas por contágio sexu- al, são a sífilis, o cancro mole e o linfogranuloma venéreo, e as frequente- mente transmitidas por contágio sexual são o herpes genital e a donova- nose. Entre as doenças ulcerosas de genital a única que não tem cura é a herpes simples de etiologia viral. No período gestacional o tratamento materno para a donovanose e linfogranuloma venéreo deve ser a eritromicina 500 mg, VO, 6/6h por três semanas ou até a cicatrização completa das lesões. Para herpes simples a gestante pode-se beneficiar com a terapia supressiva realizada da 36a 67 semana gestacional até o parto com o aciclovir 400 mg três vezes ao dia ou valaciclovir 250 mg duas vezes ao dia. Para o tratamento materno na sífilis primária utliza-se penicilina benzatina 2.400.000 UI, IM, repetindo- -se a dose uma semana após, mas existe controvérsia no esquema de tratamento e dose nas pacientes alérgicas à penicilina. O tratamento das DSTs deve ser imediato, caso seja possível a coleta de material para o diagnóstico deve ser realizada. O diagnóstico diferen- cial deve ser com outras lesões genitais. São importantes no diagnóstico diferencial das úlceras genitais o pioderma gangrenoso, ectima, condilo- ma acuminado, aftas, Doença de Behçet, Síndrome de Reiter, neoplasias e eritema pigmentado fixo, deve suspeitar também de associação com outras DSTs. Nas DSTs os melhores tratamentos são as orientações e a preven- ção com uso de preservativos nas relações sexuais, não esquecendo dos parceiros sexuais que devem ser examinados e tratados de acordo com o diagnóstico. Leitura recomendada 1. Caravlho JJM e Guidi HGC. PROTEUS 2a ed. Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST. Editora Planmark; 2009, 225-236. 2. Belda Jr Wlater, Doenças Sexualmente Transmissíveis 2a ed, Editora Atheneu; 2009. 68 Úlcera Única, indolor, base endurada, borda nítida, fundo limpo e sem secreção “cancro duro”. Pródromo (aumen- to de sensibilida- de), vesículas que ulceram, dolorosa. Lesões vesico-pustulosas, múltiplas, dolorosa, bordas irregulares, fundo sujo e com secreção. Ulceração indolor, pequenas (2 a 3mm) e pode pas- sar despercebida - Estágio primário. Adenopatia inguinal “bubão” – Estágio secundário 2 a 6 semanas após a inoculação. Úlcero-vegetante, indolor, em espelho. Periodo de Incubação 4 dias 2 a 12 dias 4 a 15 dias 3 a 30 dias 2 a 5 semanas Doença Sífilis primária Herpes simples (primo-infecção) Cancro mole Linfogranuloma venéreo Donovanose Diagnóstico Pesquisa do Trepo- nema pallidum em campo escuro ou imunofluorescência direta. Citodiagnóstico de Tzanck (células de inclusão viral), PCR ou testes soroló- gicos. Pesquisa direta com coloração Gram (bacilos G- em fila indiana ou paliçada Cultura para Hae- mophilus. ducreyi (meios de Nairóbi, de Johannesburg ou Ágar-chocolate). Sorologia para Chlamydia trachomatis (título > 1:64) Exame direto ou histógico com coloração de Wright, Giemsa ou Leishman – pesqui- sa do corpúsculo de Donovan Tratamento Penicilina benza- tina 2,4 milhões de UI, IM, em dose única Aciclovir 200mg, VO, 5x/d/10d Famciclovir 250mg, VO, 8/8h, 7-10d Valaciclovir 1g, VO, 12/12h, 7-10d Azitromicina 1g, VO, dose única Ciprofloxacino 500 mg, VO, 12/12h, 3d Ceftriaxona 1g, IM, dose única Eritromicina 500 mg VO, 6/6h, 7 dias Tetraciclina 250 mg, VO, 6/6h, 21d Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, 21d Eritromicina 500 mg, VO, 6/6h, 21d Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, 21d ou até a cura Ciprofloxacino 750 mg, VO, 12/12h, 21d ou até a cura Tabela - Diagnóstico clínico, laboratorial e tratamento da úlcera genital 69 Capítulo 15 - Lesão Verrucosa Genital Homero Gustavo de Campos Guidi As lesões verrucosas genitais ou condiloma acuminado, na sua gran- de maioria tem origem viral (HPV) e são de transmissão sexual. Elas são polimórficas na sua apresentação clínica quanto à sua quantidade, isola- das ou múltiplas, e também na suaqueratinização e morfologia, desde mais papilomatosas e exuberantes até mais planas e achatadas. Geralmente o grau de queratinização avançado verifica-se nas lesões mais antigas e de baixa atividade viral e deve despertar no urologista a dú- vida para outros diagnósticos diferenciais, de lesões não-virais, como nevus verrucosos, molusco contagioso, queratose seborreica ou mesmo neoplasias. A cor das lesões segue uma correlação semelhante. Lesões papilo- matosas exuberantes, de crescimento rápido costumam exibir tom aver- melhado ou mesmo esbranquiçado. Lesões mais escuras geralmente têm correlação com lesões mais queratinizadas e de evolução lenta. Quando uma lesão escura apresenta evolução rápida deve-se atentar para o po- tencial oncogênico da mesma. O diagnóstico é basicamente clínico e confirmado pela histologia (biópsia da lesão). O uso de magnificação e do ácido acético melhoram a acurácia do exame clínico. A existência de múltiplas lesões em meio a al- gumas lesões verrucosas indica a necessidade de um agente tópico após o tratamento das lesões mais volumosas. Lesões pequenas não tratadas podem evoluir para verrugas maiores ou servirem de fonte para novas infecções no local (princípio da auto-reinfecção). Nestes casos deve-se in- formar ao paciente de que, muito seguramente, o seu tratamento não vai se limitar a uma ou outra cauterização. Os tratamentos físicos são os métodos mais utilizados para a ablação das verrugas genitais: cauterização elétrica (bisturi elétrico comum) ou 70 por alta frequência (CAF), crioterapia com nitrogênio líquido (ponteira ou spray) e o LASER de CO2. Geralmente esses procedimentos são realizados com anestesia local injetável (lidocaína 2% sem adrenalina) ou creme de prilocaína aplicado previamente por 20 minutos no local das lesões. A cauterização química pode ser realizada com podofilotoxina em solução a 5% – 10%, ou em creme de formulação comercial pronta, apli- cada pelo médico ou paciente. O creme pode ser útil nas lesões disse- minadas. A orientação é utilizar em períodos curtos de tempo em dias alternados, por exemplo 1 hora ao dia, removendo depois totalmente e protegendo a pele do escroto. A duração do tratamento baseia-se no controle clínico visual das lesões. A podofilotoxina é mais estável e efetiva do que a antiga podofilina. Ambas porém, são muito tóxicas e pode haver absorção vaginal se o par- ceiro estiver sendo tratado. Na mulher a toxicidade é bastante evidente e perigosa diante de possível gravidez. Outros agentes são o ATA (acido tricloroacético acima de 70% -90% de concentração) e o creme de 5-fluoruracil (5 FU), sendo esse último útil nas lesões uretrais que geralmente se restringem ao assoalho da fossa navicular, junto ao meato uretral. O ATA deve ser aplicado pelo médico. A solução é bastante doloro- sa e geralmente deve-se utilizar um creme anestésico prévio (lidocaína ou prilocaína por 15 a 20 minutos). Ele então é aplicado com cotonete, com movimentos curtos, nas lesões e o efeito deve ser visto (o tecido se esfacela e desnatura até a base da lesão). É útil para lesões de pequeno número, únicas etc. O 5FU também pode ser utilizado em lesões mais extensas e múl- tiplas e o seu efeito corrosivo associado ao bloqueio da mitose celular pode ser controlado pela exposição limitada do agente (1 ou 2 horas por dia, em dias alternados, como explicado acima). Não se deve insistir diante da presença de irritação local. A interrupção do tratamento por uma semana a 10 dias não invalida os ganhos com a medicação que pode depois de melhora local, com higiene e cremes umectantes gerais, 71 ser retomada. A proteção escrotal é fundamental. Na uretra a instilação com seringa ou cotonete também deve respeitar períodos de tempo curto, ao redor de 1hora ou 30 minutos diários, seguidos de lavagem do medicamento e micção. Na terapia tópica, isolada ou mais frequentemente complementar, também se pode utilizar o imunomodulador (imiquimode) que facilita o reconhecimento do HPV pelo sistema imune. O imiquimode, na forma de creme em blister de dose individual, é utilizado por 8 semanas com apli- cações 3 vezes na semana. Em mucosas úmidas deve-se iniciar com 2 a 3 horas cada aplicação e conforme a sensibilidade e tolerância estender para o uso durante a noite toda. Os efeitos sistêmicos (“flu like”) também podem ocorrer e são contornados com o uso de sintomáticos (AINEs, analgésicos etc.). A vacina quadrivalente tem indicação crescente no mundo intei- ro. De bula tem a indicação em homens dos 9 aos 26 anos. O uso acima dessa idade é “off label” e publicações bastante recentes tem mostrado vantagens inclusive em pacientes que já tiveram o HPV, na diminuição das reinfecções. A circuncisão também deve sempre ser proposta após o tratamento inicial. Leitura recomendada 1. Rosenblatt A, Campos Guidi HG. Human Papillomavirus – A practical guide for urologists. Springer, 2009, Heidelberg. 2. Georgousakis, M et al. Population-wide vaccination against human papillomavirus in adolescent boys: Australia as a case study. The Lancet. www.thelancet.com/infection, March 23, 2012. DOI: 10.1016/S1473-3099(12)70031-2 72 Capítulo 16 - Molusco Contagioso Márcio Navarro Gianello Introdução As lesões dermatológicas virais são muito frequentes na prática clínica. O Molusco Contagioso é uma lesão viral causada pelo Poxvirus, bastante presente na infância, mas que também pode acometer adultos, inclusive na região genital. Normalmente de comportamento benigno, as lesões poderão se tornar sintomáticas apenas quando infectadas gerando quadro doloroso. Epidemiologia A transmissão se dá por meio do contato direto com as lesões de pes- soas infectadas, mas também poderá acontecer em contato com vestimen- tas, toalhas, piscina etc. A transmissão sexual também poderá ocorrer, es- pecialmente quando do acometimento do genital. O período de incubação varia entre duas semanas e três meses e a involução espontânea poderá ocorrer em período que pode variar entre alguns meses até anos, quando o sistema imunológico possa produzir uma resposta ao vírus. A autoinocula- ção poderá ocorrer e o acometimento de outros sítios é comum. Quadro Clínico As lesões são geralmente assintomáticas, muitas vezes confundidas com verrugas e se caracterizam por pápulas, de coloração geralmente variando de brancas ao rosa-nacarado, semi-esféricas, sésseis e quase sempre apresentam em sua superfície uma umbilicação e uma pequena depressão. Habitualmente são múltiplas, podendo ser puntiformes ou atingir até 5 mm a 6 mm de diâmetro. As lesões podem acometer qual- quer local, desde tronco e membros até o genital. 73 Figura 1: lesões características com umbilicação central e/ou depressão Confirmação diagnóstica O diagnóstico se dá por meio do quadro clínico bastante típico, en- tretanto, quando houver dúvida diagnóstica o exame citológico ou a aná- lise histopatológica poderá ser realizada e a presença de inclusões virais (massa esférica eosinofílica hialina chamada de corpo moluscular) fecha o diagnóstico como elemento patognomônico. Diagnóstico diferencial O diagnóstico do molusco contagioso é quase sempre clínico, en- tretanto outras afecções dermatológicas do genital podem apresentar alguns aspectos comuns e são incluídas como diagnósticos diferenciais: • Condiloma acuminado (infecções pelo HPV) • Líquen plano • Carcinoma verrucoso • Glândulas sebáceas ectópicas • Pápulas penianas • Eritema multiforme 74 Conduta Apesar do desaparecimento espontâneo das lesões ser possível, o risco de autoinoculação ou transmissão da doença justifica o tratamento que poderá ser: • Remoção das lesões por meio de curetagem • Eletrocoagulação das lesões • Criocirugia (nitrogênio líquido) • Fotocoagulação a laser• Cauterização química (ácido tricloroacético, nitrato de prata, tintura de iodo, fenol etc.) • Imuno-moduladores (imiquimod) Leitura recomendada 1. Netchiporouk, E. e Cols. Recognizing and Managing Eczematous Id Reactions to Molluscum Contagiosum Virus in Children, Pediatrics, 2012, 129(4):1072-1075. 2. Waugh, M.A. e Cols. Molluscum Contagiosum, Dematologic Clinics, 1998, 16 (4): 839-41. Urologia Pediátrica 17 - Refluxo Vésico Ureteral - Profilaxia Antimicrobiana 18 - Enurese 19 - Varicocele na Infância 20 - Criptorquidia - Tratamento Hormonal e Cirúrgico 21 - Infecção Urinária na Infância 77 O Refluxo Vésico Ureteral (RVU) tem uma incidência baixa em crian- ças saudáveis, mas pode chegar até 40% em crianças com infecção do trato urinário (ITU). O seu manejo de forma correta, assume grande im- portância, devido a alta morbidade das ITU de repetição em crianças, po- dendo evoluir com sepses, cicatrizes renais, hipertensão e insuficiência renal crônica. Em crianças de até um ano de vida que se apresentem com ITU, a associação com RVU chega a 70%, sendo estas mais susceptíveis para lesão renal. Confirmação diagnóstica É feito com a realização de Uretrocistografia Miccional (UCM), com a qual podemos diagnosticar e graduar o RVU, além de permitir uma ava- liação anatômica da bexiga e uretra. A cistografia radioisotópica direta ou indireta pode substituir a UCM, mas com a desvantagem de não conse- guir um detalhamento anatômico do trato urinário inferior. Como é um exame invasivo, que necessita cateterização uretral, ex- posição à radiação, além de estresse para os pais, vários autores tem dis- cutido o momento ideal para sua solicitação. Assim, segundo a a Associação Americana de Pediatria (AAP) e a Associação Americana de Urologia (AUA), toda criança após o primeiro episódio de ITU febril devemos solicitar ultrassonografia de rins e vias urinárias(US) e cintilografia renal DMSA (na vigência de infecção). Com o US demonstrando dilatação ou a cintilografia com área de hipocaptação do radioisótopo, devemos realizar a UCM, feita após resolução da ITU. Nas crianças com recorrência de ITU, independente do sexo, deve- mos solicitar inicialmente a UCM. Capítulo 17 - Refluxo Vésico Ureteral - Profilaxia Antimicrobiana Geovanne Furtado Souza 78 Conduta Se o momento de solicitar a UCM é controverso, maior ainda é a es- colha da forma de tratamento, pois pode ser clínico, cirúrgico ou endos- cópico. Como o RVU G I, II, III e IV pode desaparecer espontaneamente em até 90%, 80%, 60% e 45% dos casos respectivamente, o seguimento destas crianças pode ser realizado com a manutenção de quimioprofila- xia antimicrobiana prolongada. Até a década passada era bem estabelecido a eficácia da antibiotico- profilaxia, mas trabalhos recentes demonstraram não haver superiorida- de no uso ou não do antibiótico, entretanto um estudo Sueco demons- trou que as crianças sob profilaxia foram protegidas de ITU. Com estes novos conceitos, concluímos que existe um subgrupo de crianças mais susceptíveis ao desenvolvimento de cicatrizes renais. Entretanto, como ainda não temos meios de diferenciar os pacientes de alto risco, é mais seguro manter todas as crianças que não forem tra- tadas cirurgicamente, seguindo com profilaxia, com intuito de manter a urina estéril, prevenindo assim cicatrizes renais. Após o tratamento da ITU com dose plena, iniciamos a antibiotico- profilaxia com 1/3 a 1/4 da dose usual, e administrada uma vez ao dia geralmente com um dos seguintes antibióticos: - Cefalexina (25 mg/dia) uma vez ao dia - Sulfametoxazol (10 mg/kg) + Sulfametropina (2mg/kg) uma vez ao dia - Nitrofurantoína (1 a 2 mg/kg) uma vez ao dia - Acido Nalidixico (50 mg/kg) uma vez ao dia - Amoxilina - Clavulanato (50 mg/Kg) uma vez ao dia Estes paciente devem ser seguidos com: - Realizar urocultura a cada 3 meses, ou a partir de qualquer sinal ou sintoma de ITU. 79 - Avaliar com US anualmente, e com DMSA e UCM a cada 24 meses. - Tratar constipação intestinal. - Estabelecer intervalos regulares para micções. - Tratar disfunção miccional quando presente. Leitura recomendada 1. Peters CA, Skoog SJ, Arant BS Jr, Copp HL, Elder JS, Hudson RG, Khoury AE, Lorenzo AJ, Pohl HG, Shapiro E, Snodgrass WT, Diaz M. Summary of the AUA Guideline on Management of Primary Vesicoureteral Reflux in Children. J Urol. 2010 Sep;184(3):1134-44. 2. Zerati-Filho M, Nardozza A Jr, Reis RB. Urologia Fundamental. São Paulo: Planmark: 2010 41 pag. 359-366. 80 Capítulo 18 - Enurese Noturna Monossintomática Yuri Tulio Dantas Andres Nobre A Enurese é definida como qualquer perda urinária involuntária que ocorra durante o sono em uma criança com pelo menos 5 anos de idade. Pode ser dividida em: - Enurese Noturna Monossintomática (ENM): perdas noturnas sem nenhum outro sintoma do trato urinário inferior. - Enurese Noturna Não-Monossintomática (ENNM): perdas noturnas associadas a sintomas como urgência, perdas urinárias diurnas e po- liúria. A ENM é uma doença multifatorial com uma variedade de penetra- ção dos mecanismos fisiopatológicos: poliúria noturna, hiperatividade detrusora e o aumento do limiar do despertar do sono. Confirmação diagnóstica Uma história clínica detalhada é a base no diagnóstico. Devem-se questionar os pais e a criança em relação aos hábitos miccionais, na tenta- tiva de identificar sintomas de disfunção miccional: urgência, incontinên- cia diurna, manobras de contenção urinária, micção interrrompida, jato fraco e uso da prensa abdominal para micção. Deve-se também definir o padrão de funcionamento intestinal. Nos casos de constipação, caso esta não for tratada primeiramente, dificilmente a criança ficará seca. O diário miccional permite avaliar o volume de ingesta líquida e sua distribuição ao longo do dia, caracterizando o padrão miccional da crian- ça. Avalia a ocorrência de urgência miccional, perdas urinárias diurnas e a frequência dos episódios de enurese. Na ENM o exame físico é geralmente normal. Atenção especial deve ser dada à palpação abdominal para identificação de fecaloma; 81 avaliação da genitália e da região sacral na busca por disrafismos espi- nais ocultos. O único exame complementar que obrigatoriamente deve ser realizado é o de urina. A identificação de glicosúria implica na necessidade de exclusão do diabetes melllitus e a proteinúria numa avaliação das patologias renais. A ultrassonografia vesical permite a avaliação da espessura da pa- rede vesical, o volume vesical, a ocorrência de resíduo pós-miccional e a avaliação da atividade detrusora. Diagnóstico diferencial Alterações do trato urinário como infecção urinária, disfunção mic- cional e anomalias obstrutivas do colo vesical e uretra. Alterações neurológicas como os disrafismos ocultos e bexiga neu- rogênica. Outras afecções que também podem cursar com enurese são a ap- neia do sono, o diabetes insipidus e a constipação intestinal. Conduta O tratamento inicia-se por meio da modificação de comportamentos inapropriados que podem contribuir para a persistência da enurese. O ob- jetivo fundamental é a obtenção de bons hábitos miccionais e intestinais. A criança é orientada a realizar micções diurnas programadas e antes de dormir; restrição líquida durante a noite e uma maior ingesta líquida durante a manhã e no início da tarde. As únicas terapias de primeira linha para o tratamento da ENM são a Desmopressina e o Alarme (nível de evidência 1, grau A de recomendação). Desmopressina Estima-se que 30% das crianças apresentam uma resposta completa a desmopressina e 40% uma reposta parcial. Credita-se que sua ação an- tidiurética é a responsável pelo seu efeito benéfico. 82 É mais eficiente em crianças com Poliúria Noturna, onde a produção de urinanoturna é superior a 130% da capacidade vesical; e nas bexigas com função de reservatório normal. Também deve ser indicada nas famí- lias desmotivadas para o uso do alarme, e nas crianças que apresentaram falha recente com uso correto do alarme. Os comprimidos devem ser ingeridos uma hora antes de dormir, pois seu efeito na concentração renal e diminuição da diurese é obtido após uma a duas horas. Para minimizar o risco de hiponatremia, a criança deve ser instruída a ingerir no máximo 200 ml de líquidos uma hora antes me- dicação até a manhã seguinte. A dose preconizada é de 0,2 mg a 0,4 mg, existindo maior taxa de sucesso em longo prazo para os estudos que realizaram tratamento por períodos de pelo menos três meses. Em relação ao término do tratamen- to, a interrupção súbita do tratamento está associada a maiores taxas de recidiva quando comparada a retirada gradativa da medicação. Alarme São dispositivos que emitem alarme sonoro quando ocorre a micção. Podem ser de superfície ou fixados ao pijama da criança. Baseiam-se no princípio do aprendizado gradual de despertar na eminente eliminação de urina, condicionando a criança a responder prontamente à sensação de bexiga cheia durante o sono. A taxa de sucesso varia de 60% a 70%, e depende de grande motivação e participação dos pais. Os casos que falham ao uso do Alarme deverão ser tratados com Desmopressina e vice-versa. Os Anticolinérgicos são considerados drogas de segunda linha para o tratamento da ENM, e os Antidepressivos tricíclicos, como a Imipramina, drogas de terceira linha devido ao risco de cardiotoxicidade. Leitura recomendada T. Neveus, P. Eggert, J. Evans, A. Macedo, S. Rittig, S. Tekgul, J. Vande Walle, C. K. Yeung and L. Robson. Evaluation of and treatment for monosymptomatic enuresis: a standardization document from the International Children’s Continence Society: J Urol 2010; 183: 441-447. 83 Capítulo 19 - Varicocele na Infância Beatriz Helena de Paula Cabral Varicocele é a dilatação e tortuosidade anormais das veias espermá- ticas internas do plexo pampiniforme do cordão espermático. A preva- lência na adolescência é similar a da vida adulta: 8% a 16%. É um achado comum no sexo masculino, que parece contribuir para o risco de infertili- dade na vida adulta e não se sabe muito bem a história natural da doença. Parece haver predisposição genética e a dor aparece em menos de 10% dos casos. Confirmação diagnóstica Ao exame físico deve-se fazer a palpação escrotal com paciente deitado e em pé, sem esforço e sob a manobra de Valsalva. Desta forma pode-se diagnosticar os graus da varicocele. Grau 1 – varicocele palpável somente durante a manobra de Valsalva. Grau 2 – palpável sem manobra de esforço. Grau 3 – varicocele visível. Varicoceles subclínicas, Grau 0, são diagnosticadas por meio de Ul- trassom Escrotal com Doppler Colorido, porém é questionável o diagnós- tico e tratamento destas varicoceles. São consideradas veias dilatadas aquelas com diâmetro superior a dois milímetros ao exame ultrassonográfico. Diagnóstico diferencial Deve-se pesquisar tumor abdominal quando a varicocele não diminuir de tamanho com o paciente deitado, em repouso, especialmente do lado direito. O diagnóstico diferencial pode ser feito com hidrocele, cisto de cor- dão e hérnia inguino escrotal, sendo muito difícil confundir estes diag- nósticos com varicocele. 84 Conduta A indicação cirúrgica na infância é permeada de controvérsias, pois 85% dos adultos com varicocele não apresentam infertilidade. Para basear o tratamento na presença de fatores de risco preditivos de subfertilidade leva-se em consideração se há hipotrofia testicular ou alterações do sêmen. A hipotrofia deve ser maior ou igual a 20%, pois valores inferiores a estes se recuperam espontaneamente em 55% a 70% dos adolescentes. A medida da hipotrofia pode ser feita por orquidômetro, porém a ultrassonografia é o melhor método para determinar discrepâncias de volume entre os testículos. Para o cálculo do volume testicular usa-se a fórmula de Lambert = comprimento x altura x profundidade x 0,71. Não existem estudos prospectivos randomizados que estabeleçam que a hipotrofia uni ou bilaterais ou que o crescimento compensatório pós-operatório sejam preditivos do potencial de fertilidade no adoles- cente com varicocele, assim como a qualidade do sêmen pode não ser preditiva da função testicular em meninos com varicocele, antes do tér- mino do crescimento testicular. As principais indicações para intervenção cirúrgica continuam a ser hipotrofia testicular significante à esquerda (> ou = a 20 %) ou hipotrofia testicular bilateral, dor ou análise do sêmen anormal (que é mais confiável em meninos com Estágio de Tanner 5 ou pelo menos 18 anos). Dor é uma indicação rara de cirurgia (2% a 11%) pois só desaparece em 68% a 88% dos pacientes operados. Referente às técnicas cirúrgicas empregadas as técnicas laparoscó- picas ou subinguinais microscópicas, que poupam artérias e linfáticos, estão associadas aos menores índices de recorrência e hidrocele. Leitura recomendada 1. Barthold, JS – Varicocele. in Urology, Campbell-Walsh, Tenth Edition, Elsevier & Saunders, 3574-3582, 2012 85 Capítulo 20 - Criptorquidia Tratamento Hormonal e Cirúrgico Dalmo de Barros e Silva Definição Ausência do testículo no escroto como consequência da falha da mi- gração normal a partir da sua posição intra-abdominal, podendo ser uni ou bilateral. A criptorquidia acomete cerca de 1% da população masculina. Entre os testículos que descem ao escroto no primeiro ano de vida, 70% a 77% o fazem até o terceiro mês de vida. Os fatores responsáveis por este processo não são totalmente escla- recidos e parecem envolver a presença de andrôgenios e gonadotropi- nas, assim como a integridade do eixo hipotálomo-hipofisário-gonadal. Classificação Palpáveis (80% a 90%): intracanalicular; extracanalicular; ectópico; retrátil; deslizante; escondido ou “peeping” e reascendido. Impalpáveis (10% a 20%): intra-abdominal; atrófico e ausente. Repercussões: infertilidade (> 2 anos); risco de malignização; risco de torção de testículo; estético. Diagnóstico - História: antecedentes familiares de criptorquidia. Referência da lo- calização do testículo ao nascimento. - Exame Físico: examinar o paciente em posição de relaxamento da musculatura abdominal. Imagem A ultrassografia (US), a tomografia (TC) e a ressonância magnética (RM) podem ser utilizadas nos pacientes criptorquídicos, porém apresen- tam uma acurácia geral menor que 50%. 86 A US é o método mais acessível e não envolve radiação ionizante. Como aproximadamente 80% dos testículos impalpáveis estão localiza- dos em situação intracanalicular, sua utilização se torna opção interes- sante, principalmente em obesos. Para investigação de testículo intra- -abdominal tem baixa acurácia. A TC é pouco mais sensível na pesquisa de testículo intra-abdominal, requer preparo, comparativamente é mais cara e envolve radiação. A RM dispõe de melhor resolução de contraste para partes moles, quando comparada à tomografia. Não utiliza radiação ionizante e tem boa resolução para região inguinal. E para testículos intra-abdominais sua acurácia também se mostra baixa. Relativamente a TC, se mostra de custo mais elevado e muitas vezes requer o emprego de anestesia geral. Laparoscopia Tem indicação precisa nos casos do testículo impalpável para diag- nóstico e as vezes no tratamento. É um método efetivo com acurácia pró- xima de 100% na localização do testículo intra-abdominal. Laboratorial - FSH: aumentado sugere anorquia. - Testosterona: pré e pós administração de HCG (Gonadotrofina Co- riônica). Se aumentado após estímulo com HCG sugere presença de tes- tículos. Resposta negativa não exclui presençade testículos displásicos. - Inibina B positiva sugere presença de testículo. - MIS (substância inibidora das estruturas mullerianas) positivo suge- re presença de testículo. - Cariótipo: nos testículos impalpáveis bilateralmente. Tendo em vista que os exames de imagem e de laboratório não são 100% conclusivos, recomenda-se que os pacientes criptorquídicos im- 87 palpáveis sejam submetidos à exploração cirúrgica independente dos achados de exames. Tratamento Recomenda-se iniciar o tratamento a partir do sexto mês de vida e completado até os dois anos de idade. Hormonal Indicado para pacientes com testículo critorquidico baixo (até dois centímetros de canal inguinal interno), para testículos retráteis e pacien- tes com criptorquidia bilateral. É contraindicado em pacientes recém- -nascidos, pacientes pós-puberais e para testículo ectópico. No mercado existem as opções: gonatrofina coriônica (HCG) e o hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH). A HCG atua estimulando a produção de testosterona diretamente das células de Leydig e o GnRH promove a produção de hormônio luteinizante (LH) e por consequência estimula a produção testicular de testosterona. O GnRH é administrado por via nasal e não está disponível rotineira- mente no Brasil. O HCG encontrado para uso no país, é aplicado por via intramuscular, na dosagem 1500 UI/m2, uma vez/semana por três sema- nas, dose máxima não deve ultrapassar 15000 UI. Complicações possíveis são edema e pigmentação escrotal, aumento da pilificação, ganho de peso e apetite e mudança do humor. No caso de su- perdosagem pode ocorer fechamento da placa epifisária e alteração da his- tologia testicular. Os resultados não são encorajadores, variam de 14% a 58%. Cirúrgico Considerado padrão ouro. Usado após falha no tratamento hormo- nal ou em associação com o mesmo é a única opção para testículo alto ou impalpável e oferece oportunidade do tratamento de hérnia quan- do presente. Todo paciente deve ser re-examinado sob anestesia para orientar o cirurgião. 88 Nos casos de testículos baixos, a inguinotomia oferece boa exposi- ção do campo operatório. Os vasos espermáticos e o deferente devem ser dissecados para obter o máximo de mobilidade do testículo e então fixado no escroto. Deve-se evitar torção ou tração excessiva. Nos testículos intra-abdominais, recomenda-se a técnica de Fowler- -Stephens, que consiste na ligadura dos vasos espermáticos e mobiliza- ção do testículo (nutridos pela circulação deferencial). Pode ser em tem- po único ou em dois tempos. No primeiro tempo, ligadura e secção dos vasos espermáticos. No segundo (6 meses depois), orquipexia. Bons resultados para testículos baixos são de 82% a 92%. Principais complicações são falha em levar o testículo ao escroto e lesão vascular. Nos testículos intra-abdominais os resultados são em dois tempos de 88% e de 74% em tempo único. Leitura recomendada www.projetodiretrizes.org.br 89 Capítulo 21 - Infecção Urinária na Infância Ana Paula Barbério Bogdan Diagnóstico Quadro clínico: crianças menores que dois anos apresentam sinto- mas inespecíficos como febre, irritabilidade, perda de apetite, vômitos e diarreia. Crianças maiores podem queixar-se de dor suprapúbica, disúria, disfunção miccional, incontinência urinária ou dor abdominal. Exame físico: dor abdominal suprapúbica ou em flancos, massa palpável (pielonefrite xantogranulomatosa ou hidronefrose severa), ec- topias em região perineal e malformações sacrais que sugiram Bexiga Neurogênica. Exame de Urina: bolsa de plástico perineal, jato médio, cateteriza- ção ou punção suprapúbica são as formas de coleta da urina, sendo as duas últimas mais seguras. Possui sensibilidade de 82% e indica ITU com número de leucócitos maior ou igual a 10/mm³ e 50.000 UFC/mL na urocultura (qualquer valor para punção suprapúbica). Nitrito positivo associado à leucocitúria eleva a sensibilidade do teste para 100%. A urinálise não substitui a urocultura (“gold standard”), mas a microscopia negativa para células brancas e bac- térias com nitrito negativo, pode evitar a sua realização. E. Coli está presente em 80% dos casos, seguida de outros gram ne- gativos (Klebsiella, Proteus, Enterobacter e Citrobacter) e gram positivos (Enterococcus, Staphylococcus saprophyticus e aureus). Observação: a presença de ITU com febre (>2 dias) e PCR > 66,4ng/L ou ITU com febre (< 2dias) e PCR > 27,3ng/L, sugerem Pielonefrite. Imagem: identificam anormalidades genitourinárias anatômicas e funcionais. 90 US – para crianças menores de dois anos com ITU febril ou recorrente com história familiar de doença renal, hipertensão ou baixo crescimento. A AAP (The American Academy of Pediatrics) recomenda US para crianças de dois à 24 meses após a primeira ITU febril. O NICE (The United Kindom´s National Institute for Health and Clinical Excellence), para crianças menores que três anos com ITU recorrente (dois ou mais episódios de ITU alta, um episódio de ITU alta e um de ITU baixa ou três episódios de ITU baixa) ou atípica (diminuição do fluxo, massa abdominal, aumento de creatinina, baixa resposta ao tratamento, sepsis ou infecção por patógeno não E.Coli). UCM – Evidencia o grau de RVU, presente em 40% das crianças com ITU febril. Indicado em crianças de qualquer idade, com 2 ou mais episódios de ITU, ou ITU febril com história familiar de doença renal ou ITU atípica. A AAP preconiza sua realização ao final do tratamento clínico em crianças de dois à 24 meses após a primeira ITU febril, ou após a segunda quando não existir alterações ao US. Indica-se profilaxia para RVU grau III ou maior, mas há controvérsias. Cintilografia Renal – Evidencia pielonefrites e cicatrizes renais. Os “guidelines” da AAP e NICE recomendam que se faça após 6 a 12 meses da infecção em casos especiais. Diagnóstico diferencial: outras causas de febre em crianças meno- res de 2 anos, muitas vezes, o único sinal. Tratamento Iniciado empiricamente imediatamente após coleta de urina com urinálise positiva com cobertura para E.Coli. A terapia definitiva é base- ada no antibiograma e nova cultura somente será necessária caso não haja resposta clínica. Deve durar 10 dias em caso de febre ou 3 a 5 dias em crianças afebris e imunocompetentes. Necessitam internação, as crianças menores que dois meses, ou com sepsis, vômitos e intolerância a medicações orais. 91 Tratamento Parenteral: até melhora clínica ou tolerância a medica- ções orais com Cefalosporinas de 3ª geração e aminoglicosídeos: Ampicilina (100 mg/Kg/dia IV, 4 doses); Gentamicina (7,5 mg/Kg/dia IV, 3 doses); Cefotaxime (150 mg/Kg/dia IV, 3 doses); Ceftriaxona (75 mg/Kg/dia IV); Cefepime (100 mg/Kg/dia IV, 2 doses). Gentamicina ou Ceftriaxona em regime hospital/dia podem evitar internação em crianças hidratadas, não prostradas, sem anormalidades genitourinárias. Deve-se associar amoxacilina ou ampicilina na suspeita de Enterococcus e monitorar a função renal ao usar aminoglicosídeos. Tratamento Oral: Cefalosporinas de 3ª geração em crianças maiores que dois anos: Cefixima (16 mg/kg/dia VO, 1° dia e 8 mg/kg /dia após); Cefdinir (14 mg/kg/dia VO); Ceftibuteno (9 mg/kg/dia VO). O contato com a família é imprescindível nos primeiros dias de trata- mento bem como sua orientação quanto à possibilidade de hipertensão, proteinúira e nefropatia. O uso de Fluoroquinolonas deve ser indicado para Pseudomonas aeruginosa ou bactérias multiresistentes por ter segurança duvidosa em crianças. Ácido nalidíxico e Nitrofurantoína são ineficazes para tratar Pie- lonefrite e sepsis urinária. Terapia Adjuvante: o uso de corticoides pode reduzir a inflamação renal e previnir formação de cicatrizes. Leitura recomendada 1. Linda M.D.S. MD. Infection and inflammation of the PediatricGenitourinary Tract. Campbel (116:3085-3122). 2. Kjell T. What do the latest Guidelines tell us about UTIs in children under 2 year of age. Pediatric Nephrol, 2012 (27:509-5011). Urgência Urológica 22 - Priapismo 23 - Escroto Agudo 24 - Cólica Renal 25 - Retenção Urinária Aguda 26 - Trauma Renal 27 - Trauma Vesical 28 - Trauma Uretral 29 - Trauma Testicular 30 - Trauma Peniano 31 - Hematúria Macroscópica Incoercível 95 Condição relativamente incomum, baseada numa ereção peniana persistente e prolongada, não relacionada a estímulo ou desejo sexual. Requer imediata avaliação, apesar de nem todas as formas de priapismo necessitarem de intervenção precoce, a forma mais comum (isquêmica), se não tratada em tempo hábil, leva a fibrose progressiva dos corpos ca- vernosos, que resulta em disfunção erétil permanente. Classificação do priapismo: isquêmico (baixo fluxo), não isquêmico (alto fluxo) e recorrente (intermitente). Priapismo Isquêmico: baseado na estase venosa, com acúmulo de sangue hipóxico nos tecidos cavernosos, deve ser tratado prontamente. A ereção tem como características, ser dolorosa e os corpos cavernosos estarem totalmente rígidos. A etiologia mais comum no adulto é o uso de drogas intracavernosas para disfunção erétil. Já entre as crianças a princi- pal etiologia é a anemia falciforme. Priapismo Não-Isquêmico: provocado por um fluxo sanguíneo arte- rial alterado por uma fístula artério-venosa. A ereção é suportável, não dolorosa e não completamente rígida. As fístulas normalmente são oca- sionadas por traumas pélvicos, genitais ou perineais. Não se trata de uma emergência e muitos casos se resolvem sem tratamentos específicos. Priapismo Recorrente: forma de priapismo isquêmico, com a característi- ca de ereções indesejáveis, dolorosas, com intervalos de detumescência (regri- dem espontaneamente). Podem ter como etiologia doenças hematológicas. Diagnóstico O diagnóstico do priapismo é clínico, portanto informações como tempo da ereção, grau da dor, episódios e tratamentos anteriores, uso de Capítulo 22 - Priapismo Maurício Costa Bestane 96 drogas ilícitas, uso de medicamentos intracavernosos, antecedentes de doenças hematológicas, antecedentes de traumas ou tumores malignos genitais, pélvicos e perineais, auxiliam no diagnóstico. Exames laboratoriais e radiológicos úteis no diagnóstico diferencial do priapismo: hemograma, contagem de reticulócitos, eletroforese de hemoglobina, pesquisa toxicológica na urina, gasometria do sangue ca- vernoso (Tabela 1), ultrassonografia com Collor Doppler e arteriografia peniana. Conduta Isquêmico: • Medidas gerais para manter a hidratação, oxigenação e alcaliniza- ção, além de tratar a doença de base, quando houver. Pacientes com ane- mia falciforme podem necessitar de transfusão sanguínea. • Anestesia peniana com xilocaína 2% sem vasoconstritor. • Uma ou duas punções laterais ou transglandares com escalpe 19 (grosso). • Drenagem com esvaziamento dos corpos cavernosos. A opção de lavagem com soro fisiológico pode facilitar a detumescência. • Não havendo detumescência a opção é o uso de solução de felinefri- na, na concentração de 100 a 500 mcg/ml, injetando 1 ml a cada 3 a 5 mi- nutos. Outra substância que pode ser utilizada, porém menos seletiva, é a epinefrina 1 mg diluída em 100 ml de SF 0,9%. Aplicar 1 ml a 3 ml, até o má- ximo de 10 ml. Monitorar a pressão arterial e os efeitos cardíacos adversos. • Shunts cirúrgicos devem ser considerados na falha dos procedi- mentos acima. Distal (técnica de AL-Ghorab) e ou proximal (técnica de Quackels). Não Isquêmico: • Por não se tratar de uma urgência, a recomendação inicial é a obser- vação cuidadosa e orientação da possibilidade de resolução espontânea. 97 • Discutir com o paciente o risco de disfunção erétil ocasionado pelo tratamento de embolização. • Arteriografia e embolização seletiva, com o intuito de fechar a fís- tula. Dentro do possível, manter a permeabilidade vascular, preservando a função erétil. Recorrente: • Nestes casos o objetivo do tratamento é a prevenção de novos episódios. Análogos GnRh, Antiandrogênicos, baclofeno e digoxina têm sido utilizados, porém ainda sem embasamento científico. As substâncias hormonais não devem ser utilizadas nos pacientes que não atingiram a maturidade sexual. • Autoinjeções com felinefrina podem ser opção em casos selecio- nados. Tabela 1 P o2 mm Hg < 30 >90 40 P co2 > 60 <40 50 pH < 7,25 7,40 7,35 Gasometria do Sangue Cavernoso Priapismo Isquêmico Priapismo Não Isquêmico Padrão de Sangue Venoso 98 Capítulo 23 - Escroto Agudo Gustavo Xavier Ebaid Escroto Agudo (EA) é definido como um edema doloroso do escroto e/ou estruturas de seu interior, de instalação aguda, acompanhado por outros sinais e sintomas locais, podendo ter repercussão sistêmica. Confirmação diagnóstica História e Exame Físico (EF) são importantes para o diagnóstico de EA. Podem ser suficientes para indicarem o tratamento, ou pelo menos norteiam a investigação com exames subsidiários. Dados importantes da história: idade, trauma, hérnia inguinal prévia, disúria, início dos sintomas abrupto ou insidioso, sintomas sistêmicos. Quanto ao EF: presença de he- matoma, aspecto do canal inguinal, do epidídimo e do testículo, reflexo cremastérico, sinal de Prehn (elevação do testículo melhora a dor). Das doenças que causam EA, a torção de testículo é, sem dúvida, a que precisa de diagnóstico e conduta rápida. Assim, se o quadro clínico (QC) ainda gerar dúvidas, devemos solicitar, imediatamente, um Ultras- som Doppler Colorido de Testículos (USG-DCT) - desde que o acesso a este exame seja rápido. Caso não o seja, a exploração cirúrgica deve ser considerada como primeira opção. O USG-DCT poderá nos dar informações importantes como o tama- nho do testículo e do epidídimo, se estão homogêneos ou heterogêneos, se há hiper ou hipofluxo. Estes dados, associados à História e ao EF, irão embasar uma conduta cirúrgica ou clínica. Outros exames que podem ser pedidos, mas normalmente são dei- xados para um segundo plano, já que seus resultados costumam demorar um pouco mais para serem liberados, são: - Urina tipo I (UI), Hemograma completo, Proteina C Reativa: pensan- do em epididimite e/ou orquite. 99 - Cintilografia Escrotal com Radioisótopo (CER) (Tecnécio 99m): pode ser realizada nos casos que o USG-DCT é equívoco e o QC seja pouco compatível com torção testicular. Mas se história e EF sugerirem torção, a exploração cirúrgica deve ser mandatória. Ressonância Nuclear Magnética de testículos (RNM-T): pode ser uma opção para diagnóstico de lesão da túnica albugínea testicular em casos de trauma. Diagnóstico diferencial Torção testicular: dor e edema testicular de início abrupto, normal- mente na infância ou adolescência, aumento de volume da hemibolsa, epidídimo medianizado, testículo horizontalizado e superiorizado, reflexo cremastérico abolido. USG-DCT: testículo aumentado de tamanho e fluxo sanguíneo diminuído ou abolido. Raramente há necessidade de CER. Epididimite Aguda/Orquiepididimite Aguda: normalmente adultos; quadro insidioso de dor, edema e aumento de temperatura da hemibolsa; a UI pode estar alterada. USG-DCT: epidídimo espessado, às vezes com acometimento testicular, fluxo sanguíneo normal ou aumentado. CER, quando realizada, demonstra hipercaptação do radiofármaco. Em jovens com menos de 35 anos, os agentes, em geral, são transmitidos sexual- mente, como clamídia ou gonococo. Nos pacientes com mais de 35 anos, as infecções geralmente são causadas por bacilos gram-negativos. a) Orquite aguda: geralmente acomete crianças e a causa é viral. Quadro insidioso de dor, edema e aumento de temperatura da hemibolsa é precedidopor sintomas sistêmicos de infecção viral. Sinal de Prehn nor- malmente é positivo. USG-DCT: testículo aumentado e fluxo sanguíneo normal ou aumentado. b) Hérnia Inguino-escrotal encarcerada ou estrangulada: história de hérnia inguinal prévia, dor súbita. Ao exame físico: testículo normal e canal inguinal ocupado. USG-DCT: fluxo sanguíneo testicular normal e presença de alça intestinal no escroto. 100 c) Trauma testicular: história de trauma e aumento de volume da bolsa testicular, com hematoma. USG-DCT: presença de hematoma e rup- tura da túnica albugínea. RNM-T pode ser realizada para avaliar lesão de albugínea. d) Torção de apêndices intra-escrotais: preferencialmente na infân- cia, QC mais frustro que o da torção testicular. USG-DCT: apêndice torcido visualizado e irrigação testicular normal. Conduta a) Torção testicular: exploração cirúrgica de urgência, independente do tempo de história (quanto antes melhor). Distorcer o lado acometido: orquiectomia se inviável ou fixação se viável. Fixar o lado contra-lateral b) Epididimite Aguda/Orquiepididimite Aguda: <35 anos: Ceftriaxone 250mg IM ou Ciprofloxacin 500mg VO dose única + Doxiciclina 100mg VO 12/12h por 10-14 dias; >35 anos: Ciprofloxacin 500mg VO de 12/12h por 14 dias. Associar sintomáticos (Anti-inflamatório e suspensório escrotal). c) Orquite aguda: Suspensório escrotal e Anti-inflamatório. d) Hérnia Inguino-escrotal encarcerada ou estrangulada: Correção Cirúrgica e) Trauma testicular: Trauma testicular fechado com hematocele ou hematoma escrotal grande: Exploração cirúrgica. O restante deve fazer USG-DCT e/ou RNM-T: suspeita de ruptura da albugínea: Exploração Ci- rúrgica. Se sem hematocele, hematoma pequeno e sem ruptura da albu- gínea: Tratamento Conservador. f ) Torção de apêndices intra-escrotais: Suspensório escrotal e Anti- -inflamatório. 101 Capítulo 24 - Cólica Renal César Nardy Zillo Quadro clínico Habitualmente causada pela eliminação de um cálculo podendo também ser causada pela eliminação de coágulos e compressão extrín- seca do ureter. A dor é causada pelo trauma ureteral e pela dilatação da cápsula re- nal devido o aumento de pressão no rim. O quadro mais frequente é a dor lombar em cólica, irradiada para fossa ilíaca ipsilateral e para o testículo nos homens ou grandes lábios na mulher. A dor não sofre influência da posição, esforço físico ou alimenta- ção. Podem existir enjoos e vômitos. A polaciúria ocorre quando o cálculo está nas porções mais distais do ureter. Diagnóstico A tomografia computadorizada sem contraste EV tem sensibilidade de 94% a 100% na detecção de cálculos ureterais. A sensibilidade do ul- trassom e da urografia excretora são de 37% e 80% respectivamente. O ultrassom tem sensibilidade de 74% na detecção de sinais indiretos como a hidronefrose, que está ausente em cerca de 26% dos pacientes no início dos sintomas. Atualmente o ultrassom é mais indicado em crianças e gestantes devido ao risco de exposição à radiação. A radiação pode afetar o de- senvolvimento fetal e a exposição é cumulativa. Os níveis de exposição a radiação são dez vezes maiores em uma tomografia que em uma uro- grafia excretora. A sensibilidade da radiografia de abdômen é de apenas 45%, apesar da incidência de cálculos radio transparentes ser de 72%. Os fatores que 102 contribuem para a baixa sensibilidade são o mal preparo intestinal, cálcu- los que se localizam no ureter médio sobre os ossos da bacia e a presença de calcificações pélvicas (flebólitos). Em 15% dos casos não existe hematúria e a mesma pode estar pre- sente em muitas outras patologias, por isso a urina tipo 1 não é um bom exame para confirmar o diagnóstico. Outra preocupação atual é quanto ao custo dos exames. Eles variam bastante dependendo do serviço, mas geralmente o preço de uma uro- grafia excretora é semelhante ao de uma tomografia. Os pacientes em uso de antirretrovirais (Indinavir) podem formar cál- culos radio transparentes difíceis de localizar. O diagnóstico diferencial mais comum é a lombalgia, podendo os sin- tomas serem confundidos também com apendicite e patologias gineco- lógicas ou pélvicas (cistos ovarianos, gestação ectópica, diverticulite etc.). Tratamento A grande maioria dos cálculos será eliminado espontaneamente. O principal fator prognóstico da eliminação é o tamanho do cálculo. Cálcu- los menores de quatro milímetros têm tem 90% eliminação espontânea, entre 4 mm e 7 mm 50% serão eliminados e os menos que oito milímetros dificilmente serão eliminados. Para o tratamento da cólica renal podemos optar: pelo tratamento clínico, litotripsia extracorpórea e ureterolitotripsia. Devem ser prescritos medicamentos para aliviar a dor e diminuir o edema ureteral associados à passagem do cálculo. Nesse sentido os anti- -inflamatórios não esteroidais são os mais indicados. O uso de opioides também é efetivo para alívio sintomático mas estão mais associados a efeitos colaterais. Trabalhos científicos sugerem que o uso de alfa bloqueadores (prin- cipalmente a tansulosina) leva a uma diminuição da intensidade dos sin- 103 tomas e do tempo de eliminação do cálculo, devido ao relaxamento da musculatura lisa ureteral. A hiper-hidratação e o uso de diuréticos não traz benefício, sendo contra-indicado. Na obstrução ureteral com infecção urinária e sepse, a nefrostomia está indicada. A ureteroscopia é contra-indicada, pois um aumento da pressão no sistema coletor leva a uma disseminação das bactérias. Tanto a litotripsia extracorpórea quanto a ureterolitotripsia têm alta taxa de sucesso no tratamento dos cálculos. O tamanho e localiza- ção do cálculo vão orientar na escolha do tratamento, mas o principal fator a ser levado em conta é a disponibilidade do método e a experi- ência do urologista. Pode-se ou não utilizar cateter ureteral de rotina, mas ele é sempre indicado em casos de lesões ou perfurações ureterais. O tempo de per- manência também varia conforme a lesão, devendo permanecer mais tempo em casos mais graves. Deve-se sempre avisar o paciente do uso dos cateteres e orientar a sua retirada, mantendo as orientações por escrito no prontuário. Pacien- tes com cateteres por longo período desenvolvem complicações de difícil tratamento, e essa é uma grande causa de processos judiciais movidos contra os urologistas. Outro aspecto importante no manejo da cólica renal é manter um bom relacionamento com o paciente, sempre informando o que será rea- lizado de forma clara e honesta. 104 Capítulo 25 - Retenção Urinária Aguda Mauro Miguel de Lima Sousa Barbosa A incapacidade súbita de esvaziamento voluntário e satisfatório da bexiga é definida como retenção urinária aguda (RUA). Os pacientes po- dem apresentar esvaziamento vesical incompleto, diurese por transbor- damento ou ausência total de micção. Confirmação diagnóstica O quadro clínico caracteriza-se por dor na região do hipogástrio as- sociada a desejo miccional importante. Outra forma de apresentação é a retenção urinária crônica agudizada que ocorre em pacientes com histó- ria prévia de dificuldade de esvaziamento vesical. Nesse grupo, em geral, o volume vesical é maior e a dor abdominal é menor, e está associada a um déficit da musculatura detrusora. O diagnóstico é realizado na maioria das vezes com base na histó- ria e no exame físico que característicamente revela uma massa doloro- sa no hipogástrio, que corresponde à bexiga distendida. Em obesos ou em caso de dúvida diagnóstica, a ultrassonografia pode ser utilizada na avaliação inicial. A investigação etiológica da retenção urinária aguda varia de acor- do com a suspeita clínica, podendo ser solicitados exames laboratoriais como urina tipo I e PSA, ultrassonografia, uretrocistografia miccional, tomografia computadorizada de pelve, uretrocistoscopiae estudo urodinâmico. Diagnóstico diferencial e tratamento Em homens com mais de 50 anos, a HPB é a principal causa de RUA. Nesse grupo deve-se realizar a pesquisa de fatores desencadeantes como infecção do trato urinário, prostatites, ingestão de álcool, constipação, 105 viagens prolongadas, uso de medicamento simpatomimético e drogas parassimpatolíticas. O tratamento visa ao alívio da dor e é obtido pelo cateterismo com son- da vesical de demora, e em algumas situações com cistostomia suprapúbica. Em caso de prostatite, o paciente deverá receber antibioticoterapia imediata. A sonda pode ser retirada após dois dias, com elevadas taxas de su- cesso. Volume drenado inferior a um litro e idade inferior a 75 anos asso- ciam-se a maior chance de sucesso. O uso de alfabloqueadores também aumenta a taxa de micção espontânea. O tratamento cirúrgico é indicado em caso de recidiva ou sintomas refratários. Hematúria macroscópica pode levar à formação de coágulos e sub- sequente RUA. Neoplasias de bexiga, doenças da próstata e mais rara- mente neoplasias do trato superior representam as causas mais comuns. O tratamento é realizado por meio de irrigação vesical contínua com soro fisiológico 0,9%, associada a evacuação de coágulos e tratamento espe- cífico de cada causa. A RUA de causa neurológica tem incidência semelhante em ambos os sexos. Embora a maior parte dos pacientes com bexiga neurogênica apresente incontinência urinária, um número significativo pode apresen- tar RUA. O tratamento consiste na sondagem vesical de demora, investi- gação e tratamento da causa primária. O cateterismo intermitente limpo é a opção de escolha em lesões neurológicas irreversíveis. A RUA no pós-operatório está relacionada a instrumentação cirúrgica, estímulo doloroso, hiperdistensão vesical e uso de drogas anestésicas que desencadeiam a inibição reflexa da contratilidade detrusora. O tratamento consiste na sondagem vesical, e a prevenção deve sempre ser realizada por meio de sondagem vesical perioperatória e analgesia adequada. Pacientes vítimas de trauma uretral podem evoluir com RUA. Ure- trografia retrograda deverá sempre ser realizada na suspeita clínica para evitar o agravamento da lesão. O tratamento definitivo varia de acordo com o grau e a topografia da lesão uretral. 106 A estenose uretral pode estar associada à RUA. A abordagem inicial é realizada por sondagem com sondas uretrais de fino calibre e cistostomia na impossibilidade de sondagem uretral. O tratamento definitivo deverá ser realizado após estudo detalhado. Na parafimose a RUA decorre da congestão linfática e venosa e da dor associada a contração esfincteriana reflexa. O tratamento consiste na redução manual da parafimose ou postectomia. Cálculos urinários podem também provocar RUA. O tratamento con- siste em deslocar o cálculo para a bexiga por meio de sondagem vesical de demora. O tratamento definitivo deverá ser realizado posteriormente. Retenções desencadeadas pelo uso de medicamentos simpatomi- méticos ou anticolinérgicos são tratadas com sucesso na maioria dos ca- sos com sondagem de alívio e suspensão da medicação. Retenções idiopáticas acometem geralmente mulheres jovens, e o tratamento consiste em sondagem de alívio. Tabela 1 - A etiologia da RUA varia de acordo com o sexo e a idade do paciente Mulher Cistites Tumores pélvicos e uretrais Hematúria Gravidez Bexiga neurogênica Medicamentosa Pós-operatória Crianças Malformações congênitas Infecções Parafimose Trauma Homem HPB Estenose e trauma uretral Parafimose Hematúria Doenças prostáticas Litíase Bexiga neurogênica Medicamentosa Pós-operatória 107 Capítulo 26 - Trauma Renal Ravendra Ryan Moniz Confirmação diagnóstica Trauma renal pode ser fatal, mas a maioria das lesões renais são le- ves e passíveis de tratamento conservador. Avanços no diagnóstico, bem como em estratégias de tratamento, reduziram a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Atualmente, as indicações para o estudo radiológico do paciente com suspeita de trauma renal são: • Hematúria macroscópica. • Hematúria microscópica associada a pressão arterial sistólica me- nor ou igual a 90 mmHg. • Mecanismo de trauma associado a lesão renal (trauma com grande desaceleração como queda de altura, trauma de alto impacto direto so- bre a região lombar ou trauma penetrante com trajeto suspeito). • Presença de lesões frequentemente associadas ao trauma renal (fratura de vértebras de coluna tóraco-lombar, fratura de processo trans- verso de L1- L2 e fratura das três últimas costelas). • Hematúria, mesmo que microscópica, em vítimas de trauma pene- trante torácico e/ou abdominal. Obs.: pacientes pediátricos com qualquer grau de hematúria inde- pendente do estado hemodinâmico, historicamente, foram examinados por tomografia computadorizada. No entanto, novos estudos sugerem ser aceitável usar diretrizes semelhantes as utilizadas para adultos. Os métodos de imagem permitem definir a dimensão da lesão; diag- nosticar doenças renais pré-existentes; avaliar o funcionamento do rim contralateral e identificar lesão de órgão associada. 108 A tomografia computadorizada (TC) é o método de imagem de es- colha para avaliação do trauma renal. Tem boa acurácia na detecção das lesões vasculares, lacerações do parênquima, extravasamento de urina e hematoma perirrenal. A urografia intravenosa tem papel mais limitado. Ainda justifica-se a sua utilização em pacientes hemodinamicamente instáveis a caminho do centro cirúrgico. Realiza-se uma única radiografia - one-shot, dez minu- tos após infusão de contraste endovenoso (2 ml/Kg de peso corpóreo). O estudo é seguro, eficiente e de boa qualidade na maioria dos casos. For- nece informação importante para a tomada de decisão em tempo crítico, sobre o rim lesionado, bem como a presença de rim contralateral com função normal. A arteriografia deve ser considerada como método diagnóstico complementar. Está indicada na suspeita de trombose da artéria renal ou lesões arteriais segmentares (lacerações ou pseudoaneurismas) em que a colocação de stent ou embolização são alternativas ao tratamento ci- rúrgico convencional. A ultrassonografia tem utilidade clínica limitada na condução do paciente com trauma renal. Sua principal aplicação é a ultrassonografia abdominal focada para traumas (FAST- Focused Assessment with Sono- graphy for Trauma), com o objetivo de detectar líquido livre em paciente instável na sala do trauma. A ressonância nuclear magnética não oferece vantagens quando comparada à tomografia computadorizada. Diagnóstico diferencial Em geral, os pacientes apresentam um evento traumático conhecido determinante para a suspeita de trauma renal. No entanto, alguns casos graves, caracterizam-se pela presença de hematoma perirenal associado a choque hipovolêmico de etiologia indeterminada, cujas principais cau- sas são: ruptura de angiomiolipoma renal, aneurisma roto de artéria renal, hematoma retroperitoneal espontâneo e sangramentos de origem adre- 109 nal (a associação de tumor da suprarrenal com o uso de anticoagulantes, gestação ou sepse aumenta a possibilidade de hemorragias da glândula). Conduta O objetivo do manejo de pacientes com lesão renal é minimizar a morbidade e preservar a função renal. Assim, a exploração renal deve ser realizada de forma seletiva. A condição hemodinâmica do paciente permanece determinante na decisão para a observação inicial ou a inter- venção cirúrgica. Instabilidade hemodinâmica devido a hemorragia renal é uma in- dicação absoluta de exploração renal, independentemente do modo de lesão. Outras indicações incluem hematoma perirrenal em expansão ou pulsátil identificado na laparotomia exploradora para lesões associadas. A classificaçãomais utilizada é a “Organ Injury Scaling for Kidney Trauma” desenvolvida pela Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST). (Tabela 1 e Figura 1). São passíveis de tratamento conservador as contusões renais (grau I) decorrentes de traumatismo fechado ou penetrante (arma branca ou projétil de arma de fogo), com lesão renal isolada e com orifício de en- trada posterior à linha axilar posterior e as lacerações renais (graus II, III e IV), mesmo com a presença de grande hematoma perirrenal, desde que o paciente permaneça hemodinamicamente estável. Na lesão de grau IV existe tendência atual ao tratamento não ope- ratório de imediato. A abordagem conservadora inicial é factível em pa- cientes estáveis com fragmentos desvitalizados. Estas lesões, no entanto, estão associadas com aumento de complicações e necessidade de abor- dagem cirúrgica tardia. Fatores de risco para o desenvolvimento destas complicações in- cluem presença de fragmentos desvitalizados e coexistência de trauma entérico ou pancreático. Um estudo com 89 pacientes com lesões graus IV e V demonstrou insuficiência renal pós-trauma em 6,4%, e hipertensão arterial em 4,5%. 110 Tratamento conservador do trauma renal grau V é possível segun- do poucos estudos retrospectivos com amostra pequena. Lesões renais grau V ainda são consideradas uma indicação absoluta para a explora- ção cirúrgica. A preservação renal por renorrafia ou nefrectomia parcial é possível na maioria dos traumatismos renais tendo relação direta com o grau da lesão e a condição hemodinâmica do paciente. Vale ressaltar que o acesso transperitoneal, para o trauma renal, com abordagem precoce do pedícu- lo vascular, reduz o índice de nefrectomias. Tabela 1- Classificação de Trauma Renal American Association for Surgery of Trauma Lesão Contusão ou hematoma subcapsular não expansivo. Sem laceração parenquimatosa. Hematoma perirrenal não expansivo. Laceração do córtex renal com profundidade inferior a 1 cm. Sem extravasamento urinário. Laceração parenquimatosa superior a 1 cm. Sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento urinário. Laceração atinge córtex, medular e sistema coletor com extravasamento urinário. Lesão da artéria ou veia renais segmentares, com hemorragia contida. Várias lacerações de grau IV. Rim completamente fragmentado. Avulsão do pedículo com desvascularização renal. Grau I II III IV V Leitura recomendada 1. Lynch TH, Martínez-Piñeiro L, Plas E, Serafetinides E, Türkeri L, Santucci RA, Hohenfellner M; European Association of Urology. EAU guidelines on urological trauma. Eur Urol. 2005 Jan;47(1):1- 15. Review. PubMed PMID: 15582243. 2. Silva, Lupércio Faria e; Teixeira, Luiz Carlos; Rezende Neto, João Baptista. Abordagem do trauma renal - artigo de revisão: review of the literature. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro, v. 36, n. 6, Dec. 2009. 111 Capítulo 27 - Trauma Vesical Guilherme Becker Burmeister É o segundo mais frequente dentre os traumatismos do sistema genitourinário. Acidentes automobilísticos respondem por 90% dos ca- sos. Os traumas fechados são mais frequentes (67%-86%), enquanto as lesões penetrantes contam com 14%-33%, entretanto trabalhos recentes no Brasil apontam para o aumento das lesões penetrantes devido ao au- mento dos ferimentos por armas de fogo. As lesões vesicais são associadas às fraturas pélvicas em até 97% dos casos. Aproximadamente 30% dos pacientes com fraturas pélvicas apresentam algum grau de lesão vesical. Lesões vesicais podem ter causa iatrogênica secundária aos diversos procedimentos cirúrgicos na região pélvica (cirurgias urológicas, gineco-obstétricas, laparoscópicas, ortopé- dicas e outras). Uma bexiga vazia raramente é acometida (exceto por feri- mentos penetrantes), ao contrário de uma bexiga distendida em que até os pequenos impactos podem causar sua ruptura. Ruptura extraperitoneal: 54%-56% dos casos. São normalmente as- sociadas às fraturas pélvicas em 89%-100% dos casos devido à perfuração por espículas ósseas. Ruptura intraperitoneal: 38%-40% dos casos. O mecanismo mais comum da lesão é o aumento abrupto da pressão intravesical resultante de um impacto direto sobre uma bexiga distendida, ou por ferimentos penetrantes. Em crianças a rotura intraperitoneal é a mais frequente devi- do ao fato da bexiga estar em uma posição mais intra-abdominal, geral- mente até o final da primeira década de vida. Rupturas mistas (intra e extra peritoneal): 5%-8% dos casos, são causadas por ferimentos penetrantes abdominais ou por grandes trau- matismos. 112 Diagnóstico Os sinais e sintomas mais frequentes são: hematúria macroscópica (98%), dor abdominal e dificuldade ou incapacidade para urinar. Outros achados tais como hematoma suprapúbico, edema escrotal, perineal e coxas são menos frequentes. A combinação de fratura pélvica e hematú- ria macroscópica constituem indicação absoluta de cistografia. Confirmação diagnóstica Presença de sangue no meato uretral é indicação de se realizar ure- trografia retrógrada para se excluir lesão uretral. Não havendo lesão ure- tral realiza-se a cistografia retrógrada. A cistografia apresenta uma acu- rácia de 85%-100% quando realizada corretamente com instilação por gravidade( aprox.75 cm acima da pélvis) de 250-400ml de solução salina com 50% de contraste iodado, nesta sequência: raio-X simples, bexiga cheia e pós-esvaziamento. Em crianças o volume instilado deve ser de 60 ml+30 ml/ano de idade até o máximo de 400 ml. Nos últimos anos, por ser a tomografia computadorizada o exame de eleição na investigação do paciente politraumatizado, a CISTO-CT ganha espaço na avaliação da lesão vesical com igual eficácia, sendo considera- do por alguns autores como exame padrão. Cistoscopia deve ser realizada em pós-operatório de cirurgias gine- cológicas e/ou cirurgias para incontinência urinária. Na lesão extraperitoneal ocorre extravasamento de contraste para o espaço de Retzius como também para o escroto, retroperitônio e parede abdominal nas lesões complexas. Pode ocorrer o deslocamento da bexiga pela formação de hema- toma perivesical assumindo desta forma um aspecto de “gota” na cis- tografia. Nas lesões intraperitoneais visualiza-se o contraste nas goteiras pa- rieto cólicas, fundo de saco e contorno das alças intestinais. As lesões mis- tas apresentam sinais de ambos os tipos. 113 Conduta Estabilização do paciente é fundamental. Roturas intraperitoneais e traumas penetrantes necessitam de cirurgia imediata. Rotura extraperito- neal: na ausência de envolvimento do colo vesical ou de outras lesões as- sociadas que poderiam requerer cirurgia, o tratamento é a sondagem ve- sical por 10 a 14 dias quando então se realiza uma cistografia de controle. Deve-se explorar a bexiga quando houver múltiplas lesões, lesão do colo vesical ou quando o paciente for levado para a cirurgia devido a pre- sença de lesões em outros órgãos. Tabela 1- De acordo com a Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST) as lesões vesicais são assim classificadas Lesão Contusão, hematoma intramural. Lesão(laceração) parcial da parede vesical. laceração extraperitoneal da parede vesical <2cm. Laceração extraperitoneal ≥ 2cm ou intraperitoneal < 2cm. Laceração extraperitoneal da parede vesical ≥2cm. Laceração intra ou extraperitoneal da parede vesical estendendo-se ao colo vesical ou orifício ureteral Grau 1 2 3 4 5 Tipo Hematoma Laceração Laceração Laceração Laceração Laceração Leitura recomendada 1. Richard A.Santucci,Jack W.Mcaninch. Bladder Injuries: Evaluation and Management,Braz J Urol.2000, 26:408-414. 2. Djakovic N, Plas E, Martínez-Piñeiro L, Lynch Th et al. Bladder Trauma, Guidelines on uro- logical trauma: European Association of Urology (EAU).2009 Mar.p.35-44.114 Capítulo 28 - Trauma Uretral Vitor de Campos Pagotto As lesões na uretra podem ser anterior ou posterior. As lesões de uretra posterior tipicamente estão relacionadas as fraturas pélvicas, ocorrendo em aproximadamente 10% desses homens. Em 10% a 20% desses pacientes há lesão de bexiga associada. A junção bulbomembranosa é mais susceptível a lesão devido a firme aderência da uretra posterior ao púbis pelos ligamentos puboprostáticos e diafragma urogenital. A lesão da uretra anterior é frequen- temente isolada e ocorre após queda a cavaleiro com lesão da uretra bulbar ou após instrumentação uretral. Lesões uretrais em mulheres são raras. Confirmação diagnóstica Clinicamente, podem sugerir lesão a presença de sangue no meato uretral, impossibilidade de urinar, próstata elevada no toque retal, bexi- ga palpável e hematoma perineal em forma de asa de borboleta. Porém, nem sempre estão todos presentes. Quando há lesão da fáscia de Buck, o hematoma fica restrito pela fáscia de Colles, estendendo-se até o escroto, períneo e parede abdominal. Caso a fáscia de Buck fique intacta, o hema- toma é do pênis. A uretrorragia é o sinal mais característico e na sua pre- sença ou em qualquer suspeita de lesão uretral, a uretrografia dever ser realizada. A chegada do contraste na bexiga indica lesão parcial. Quando optado pela correção tardia, a ressonância magnética define melhor a anatomia local e extensão do tecido fibrosado. Conduta A lesão posterior incompleta (parcial) pode ser tratada com sondagem ure- tral por 7-14 dias. Porém, existe o risco de transformá-las em lesões completas. Na lesão completa, as opções são reconstrução cirúrgica imediata, realinhamento primário ou cistostomia suprapúbica e reconstrução tar- dia. A reconstrução imediata cirúrgica está abandonada atualmente de- 115 vido as altas taxas de disfunção erétil, incontinência, estenoses e sangra- mento intraoperatório. Nos pacientes estáveis o realinhamento primário combinado da uretra diminui as taxas de estenose e incontinência e é de escolha em muitos serviços de referência. A cistostomia suprapúbica e reconstrução tardia é a conduta clássica e muitas vezes obrigatória dependendo da estabilidade clínica do pa- ciente politraumatizado. Estenose uretral é a regra nessa abordagem. Na reconstrução tardia, o tratamento endoscópico por uretrotomia interna é indicado para lesão menor que um centímetro, porém o paciente deve ser alertado sobre a necessidade de novas uretrotomias e dilatações. A uretroplastia posterior aberta por via perineal tem alta taxa de sucesso, evitando necessidade de múltiplos procedimentos em até 95% dos casos. Na uretra anterior, a lesão da uretra peniana pode ser tratada somen- te com sondagem uretral por 7-14 dias. O auxílio endoscópico pode ser necessário para tal sondagem. Quando impossível, a cistotomia supra- púbica é a opção com reconstrução tardia. O realinhamento retrógrado evita outra intervenção futura na maioria dos casos. O tratamento da lesão uretral bulbar é controverso. Lesões parciais podem ser tratadas unicamente com sondagem uretral por 7-14 dias. As lesões completas podem ser tratadas com cirurgia imediata ou cistosto- mia e correção tardia. Ambas têm alta taxa de sucesso. Complicações Disfunção erétil ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes, tem etiologia multifatorial e resultam da agressão do trauma e não do tratamento. Dos pacientes submetidos a uretroplastia posterior, 5 a 15% desenvolverão estenose recorrente e podem ser tratados com uretroto- mia interna sob visão direta. Menos de 4% dos pacientes submetidos ao tratamento ficam incontinentes. Leitura recomendada 1. Cooperberg MR, McAninch JW, Alsikafi NF, Elliot SP. Urethral reconstruction for traumatic posterior urethral disruption: outcomes of a 25 year experience. J Urol 2007;178:2006-10. 2. Santucci RA, Bartley JM. Urologic trauma guidelines: a 21st century update. Nat Rev Urol 2010 Sep;7(9):510-9. 116 Capítulo 29 - Trauma Testicular André Luiz Farinhas Tomé Confirmação diagnóstica Anamnese - História e informações do acidente (agressão, eventos esportivos, veículos motores, arma de fogo, objetos perfuro-cortantes e animais). - Mecanismo do trauma: fechado ou aberto (penetrante). - Sinais e sintomas associados: dor escrotal, náuseas/vômitos, des- maio, edema e equimose. Exame Físico - Unilateral ou bilateral. - Lesões associadas: bexiga, uretra, reto, intestino e vasos femorais. - O testículo pode ser de difícil palpação devido ao hematoma que se forma ou pela possibilidade do seu deslocamento. Exame de urina - Avaliar lesões associadas. Exames complementares: - Ultrassom (US). Avaliar a integridade dos testículos, podendo determinar a pre- sença de hematoma intra e/ou extratesticular, contusão testicular ou ruptura. O US com Doppler colorido pode proporcionar informações úteis quando utilizado para avaliar perfusão testicular. 117 US normal ou equivocado não deve retardar a exploração cirúrgica quando os achados no exame físico são sugestivos de dano testicular; o diagnóstico definitivo é sempre feito na sala cirúrgica. - Ressonância Magnética (RM) / Tomografia Computadorizada (TC). Exame opcional quando o US escrotal é inconclusivo. As suas limitações são o custo elevado e a disponibilidade limitada, além de não aumentar especificamente a detecção de ruptura testicular, bem como poder contribuir para o potencial retardo no tratamento cirúr- gico definitivo. Estão bem indicados em casos de deslocamento traumático do testí- culo ou na presença de traumas abdominais ou pélvicos associados. Diagnóstico diferencial - Hematocele sem ruptura testicular. - Torção do cordão espermático ou do apêndice. - Hidrocele reacional. - Hematoma do epidídimo ou do cordão espermático. Conduta Trauma Fechado Hematocele sem ruptura testicular: Pequenas (menores do que três vezes o tamanho do testículo con- tralateral): tratamento conservador. Grandes: tratamento cirúrgico (tratamento conservador: risco de in- fecção, dor severa e/ou orquiectomia tardia). Hematoceles significativas devem ser exploradas, apesar dos estu- dos de imagem, pois cerca de 80% se devem a ruptura testicular. Hematoma intratesticular mínimo: Tratamento conservador (gelo, elevação e analgésicos). 118 Grande hematoma intratesticular ou ruptura testicular: Tratamento cirúrgico: exploração com excisão dos túbulos necróti- cos e fechamento da túnica albugínea (incisão escrotal: preferível; sutura absorvível). Hematomas intratesticulares significativos devem ser explorados e drenados mesmo na ausência de ruptura testicular para prevenir necrose progressiva por pressão e atrofia, exploração tardia e orquiectomia. O manejo não cirúrgico da ruptura testicular é frequentemente com- plicado com infecção, atrofia, necrose e orquiectomia tardia. Deslocamento traumático dos testículos: Tratamento cirúrgico: reposicionamento cirúrgico conservador. Podem ser posicionados manualmente, porém é recomendada a or- quidopexia secundária. Caso a reposição manual primária não puder ser realizada, está indicada a orquidopexia imediata. Trauma Aberto (Penetrante) Tratamento cirúrgico com desbridamento conservador dos tecidos não-viáveis. Recomendações: - Antibiótico profilático. - Profilaxia antitetânica. Ruptura completa do cordão espermático: Realinhamento sem vasovasostomia (realizada posteriormente). Destruição extensa da túnica albugínea: Pode-se mobilizar um enxerto da túnica vaginalis para o fechamento testicular. Paciente instável ou a reconstrução não pode ser realizada: A orquiectomia está indicada. 119 Tabela 1 - Escala do trauma testicular Descrição da lesão Contusão/hematoma. Laceração subclínica da túnica albugínea. Laceraçãoda túnica albugínea com < 50% de perda de parênquima. Laceração maior da túnica albugínea com ≥ 50% de perda de parênquima. Destruição testicular total ou avulsão. Grau I II III IV V *Avançar um grau para lesões bilaterais até o grau 5 (2). Leitura recomendadas 1. Djakovic N, Plas E, Martínez-Piñeiro L, Lynch Th, Mor Y, Santucci RA, Serafetinidis E, Turkeri LN, Hohenfellner M. Genital trauma. In: Guidelines on urological trauma, EAU – European Association of Urology. 2012, 66-71 (update March 2009). 2. Moore EE, Moore FA. American Association for the Surgery of Trauma Organ Injury Scaling: 50th anniversary review article of the Journal of Trauma. J Trauma. 2010 Dec, 69(6):1600-1. 120 Capítulo 30 - Trauma Peniano Antonio João Tomaz de Aquino Confirmação diagnóstica O diagnóstico é feito normalmente apenas com história e exame físi- co. Alguns exames complementares podem ser usados para confirmação diagnóstica, diagnóstico diferencial, identificação do local e da extensão da lesão e avaliação de lesões associadas. • Exame Físico: inspeção de hematoma peniano na fratura de pênis e na ruptura da veia dorsal e “Sinal da Borboleta” no períneo (Gottenger & Wagner, 2000) quando associado à fratura de pênis houve lesão da Fáscia de Buck. Palpação do defeito na albugínea na fratura. • Uretrografia (indicações: uretrorragia, incapacidade de urinar ou hematúria macroscópica): deve ser indicada em todos doentes com ferimentos penetrantes e de arma de fogo e pode ser feita nas fraturas de pênis. • Cavernosografia (injeção percutânea intracavernosa com butter- fly de contraste hidrossolúvel a 30% – diluído com soro fisiológico e acompanhado com fluoroscopia ou radiografia. Realizar nova imagem após 10 minutos para diagnóstico de lesões pequenas ou ocluídas por coágulos. Usada em casos duvidosos e no diagnóstico diferencial da ruptura da veia dorsal em que o quadro clínico é seme- lhante, a cavernosografia é normal e a exploração cirúrgica mostra lesão da veia que é ligada. • Ultrassonografia e RNM (doentes com apresentações atípicas): identificação do local e extensão da lesão antes da cirurgia. • Tomografia e Arteriografia: para identificar lesões associadas nos casos de ferimentos penetrantes e de armas de fogo. 121 Diagnóstico diferencial Amputação de pênis: a causa mais comum é a automutilação em pacientes psicóticos como, por exemplo, na esquizofrenia. O pênis deve ser conservado em gaze e solução salina num saco plástico estéril fecha- do, dentro de outro recipiente com gelo e água. O reimplante deve ser realizado o mais breve possível, dentro de um período de 24 horas de is- quemia fria, com exceção de pacientes não psiquiátricos transexuais que estão bem decididos a ficar sem o pênis. Ferimentos penetrantes e de arma de fogo: durante a guerra os ferimentos genitais representam aproximadamente metade das lesões urológicas, provavelmente porque estas regiões ficam desprotegidas. Este tipo de ferimento na população civil é relativamente raro. Quando presente é muito grave, porque frequentemente tem lesões associadas potencialmente fatais em períneo, pelve, intra-abdominal e lesões vascu- lares, principalmente na região femoral. Após estabilização hemodinâmi- ca devemos investigar com uretrografia, tomografia e arteriografia para diagnóstico de todas as lesões e tratamento cirúrgico. Fratura de pênis: a ruptura do corpo cavernoso ocorre principalmen- te na penetração com a mulher sobre o homem e o pênis escorrega da vagina e é dobrado violentamente contra o púbis ou o períneo. Pode ocorrer ainda na masturbação ou durante o sono com ereção ao virar na cama. É raro na flacidez realizando algum esporte. Isto porque a albugí- nea tem 2,4 mm de espessura com o pênis flácido e com ereção fica com apenas 0,25 a 0,5 mm. Lesão de partes moles do pênis: uso de dispositivos a vácuo de ere- ção com perda de pele, sangramento uretral, equimose e Síndrome de Fournier. Podemos ter ainda mordidas de animais ou humanas, práticas bizarras com uso de correntes e outros dispositivos, além de acidentes como preensão do prepúcio no zíper. Conduta Reimplante peniano: sutura uretral com fio absorvível e cateter tipo Foley; mínima dissecção do feixe neurovascular para identificação das es- 122 truturas; fechamento da albugínea com ponto invertido de fio absorvível; anastomose microvascular da artéria dorsal com nylon 11-0; reparo da veia dorsal com nylon 9-0; reparo epineural do nervo dorsal com nylon 10-0; cistostomia suprapúbica. Exploração cirúrgica no ferimento penetrante ou de arma de fogo deve ser realizada sempre e após exaustiva procura por lesões associadas com exames complementares. A maioria dos autores concordam que, o tratamento cirúrgico da fratura de pênis traz recuperação mais rápida e previne deformidades. A incisão subcoronal proporciona melhor exposição que a incisão lon- gitudinal. Nas lesões de partes moles deve haver limpeza, irrigação com soro fisiológico e desbridamento. No caso de mordidas há necessidade de antibióticos de amplo espectro, principalmente na humana. Há risco de transmissão de outras doenças como HIV, Hepatite B e C, sífilis, tétano e outras. Lubrificar o zíper com óleo para tentar soltá-lo antes de usar ali- cate ortopédico. 123 Capítulo 31 - Hematúria Macroscópica Incoercível Deusdedit Cortês Vieira da Silva Neto Confirmação diagnóstica Considera-se a hematúria incoercível quando medidas como a irri- gação vesical com soro fisiológico gelado e a cauterização endoscópica não são suficientes para controlar o sangramento. Geralmente, a história pregressa do paciente é suficiente para definir o diagnóstico etiológico e topográfico do sangramento. A cistoscopia ajuda nos quadros vesicais e a angio-tomografia é opção diagnóstica de alterações no trato urinário alto. Diagnóstico diferencial A bexiga é o sítio mais frequente das hematúrias incoercíveis. As prin- cipais etiologias vesicais são: tumores pélvicos avançados (vesicais ou com invasão da bexiga), cistite actínica, cistite induzida por agentes quimiote- rápicos alquilantes, hemangiomas e, mais raramente, infecção severa. Dentre as principais etiologias do Trato Urinário (TU) alto temos: tu- mores renais avançados, fístulas arterio-venosas e hemangiomas. Conduta Os sangramentos volumosos agudos costumam cursar com instabi- lidade hemodinâmica, sendo importante a reposição volêmica adequada e o controle laboratorial dos níveis de hemoglobina/hematócrito e da coagulação, para definir a necessidade de transfusão de concentrado de hemácias e fatores de coagulação. Para as causas do TU alto, os principais tratamentos são: a emboliza- ção e, eventualmente, a retirada cirúrgica do orgão acometido. Nos sangramentos vesicais, geralmente os pacientes são idosos e/ou com condições clínicas precárias, tornando a cistectomia uma opção com 124 alta taxa de mortalidade. Frente à essa situação ameaçadora à vida, o uro- logista encontra um desafio terapêutico, pois dentre as múltiplas opções, deverá escolher aquela com maior eficácia e menores efeitos colaterais possíveis. Todos as opções a seguir são baseadas em estudos de série de casos (NE 4; GR C). Irrigação com Alumen 1% A irrigação com alumen (sulfato potássico de alumínio) é uma opção eficiente, barata, bem tolerada e não necessita de anestesia. Mecanismo de ação: precipitação de proteínas na superfície celular e no espaço intersticial, causando contração do espaço intercelular, va- soconstrição e diminuição do edema, exudato e inflamação vesical. Não ocorre alteração da histologia local. Protocolo: 50 g de alumen potássio diluídos em 5 litros de água des- tilada estéril, com velocidade infusão de 250-300 ml/h. Período de infu- são: 20 horas, podendo chegar a 72 horas.Durante a infusão, é comum a formação de precipitados em forma de colóide, que devem ser aspirados ou evitados com um pequeno aumento na velocidade de infusão. A into- xicação por alumínio (valor sérico normal: 1μmol/l e Valor tóxico: acima de 2000 nmol/l) pode ocorrer em pacientes com insuficiência renal ou área de absorção vesical muito grande. Sinais clínicos de letargia, confusão men- tal, vômitos e até convulsões devem ser observados. Pode haver também queixa de dor supra-púbica e espasmos devido ao pH ácido da solução. Irrigação com formalina Indicada para casos extremos de carcinoma vesical avançado, após a falha de opções mais conservadoras. Apresenta alta taxa de sucesso (> 90%), porém alto potencial de efeitos colaterais e complicações (fibrose e contração vesical, necrose). Protocolo: • Contraindicada na presença de RVU (proteção ureteral com Fogar- ty é opção). 125 • Anestesia geral ou loco-regional. • Evacuação de coágulos e cauterização dos principais focos de san- gramento. • Irrigação com formol a 1% a 2% ( podendo chegar a 4%) durante 10 minutos, com pressão < 15 cm H2O. • Proteger pele e mucosas com vaselina. Embolização seletiva de artérias ilíacas • Medida paliativa alternativa, apresentando 70% - 95% de controle do sangramento para todas as etiologias. • Anestesia local. • Sempre bilateral. Embolização da art. ilíaca interna com partículas inabsorvíveis, distalmente à origem da art. glútea superior. • Efeitos colaterais: a. Menores: febre, dor glútea, edema. b. Maiores: sepse, necrose de bexiga (rara). Terapia com oxigênio hiperbárico • Indicado para casos de cistite actínica hemorrágica. • Aumenta a tensão de O2 na mucosa vesical, revertendo o efeito hipóxico causado pela endarterite de arteríolas resultantes da radiação. • Efeitos colaterais da terapia hiperbárica são raros devido à baixa pressão utilizada. • 20 sessões de O2 a 100% (0,3 mPa), divididas em cinco sessões diá- rias semanais de 90 minutos cada. Radioterapia Hemostática Opção indicada para tumores vesicais avançados, para diminuição da massa tumoral, controle da dor e do sangramento. 126 Instilação de Prostaglandina intra-vesical Indicada para casos de cistite hemorrágica por ciclofosfamida (ede- ma, ulceração e necrose causadas pelo metabólico hepático Acroleína). Provável mecanismo de ação: reforço da barreira mucosa, vasocons- trição e maior agregação plaquetária. Vantagens: boa tolerância, fácil aplicação e baixa toxicidade. Desvantagens: alto custo e baixa taxa de resposta em 50%. Leitura recomendada 1. Ghahestani, S.M.; Shakhssalim N. Palliative treatmente of intractable hematuria in context of Advanced Bladder Cancer. A systematic review. Urol J. 2009;6:149-56. 2. Chong S.K.S. Choong; Walkden M.; Kirby R. The management of intractable hematuria. Review. BJU International, 2000. 86: 951-959). Urologia Geral 32 - Hiperplasia Prostática Benigna -Tratamento Clínico 33 - Hiperplasia Prostática Benigna - Cuidados com Marcapasso em Cirurgia Urológica 34 - Hiperplasia Prostática Benigna - Síndrome Pós-Rtu 35 - Hiperplasia Prostática Benigna - Retenção Urinária Aguda Pós- Ablação Cirúrgica 36 - Litíase Urinária - Terapia Expulsiva Clínica no Cálculo Ureteral 37 - Litíase Urinária - Investigação Metabolica Inicial 38 - Litíase Urinária - Litotripsia Extracorpórea - Preparo do Paciente e Esquema de Sedação 39 - Litíase Urinária - Duplo J Calcificado 40 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea - Sangramento Agudo 41 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea - Perfuração de Cólon 42 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea - Hidrotórax 43 - Orquialgia Crônica 44 - Tratamento Clinico da Infertilidade 45 - Azoospermia 46 - Hemospermia 47 - Bexiga Hiperativa 48 - Líquen Escleroso 129 A Hiperplasia Benigna da Próstata é um processo evolutivo que em determinadas situações pode levar a perda progressiva das fibras do de- trusor e sua substituição por colágeno. As complicações decorrentes desta transformação do tecido muscu- lar normal para um órgão enrijecido e sem contração adequada, fazem com que os tratamentos medicamentosos e cirúrgicos apresentem resul- tados muito ruins nesta fase. Portanto, as orientações dadas aos pacientes sobre a possibilidade desta evolução desfavorável, a escolha do tipo de tratamento e o mo- mento ideal para seu início são de grande importância. No tratamento da Hiperplasia Benigna, alguns pontos devem ser considerados: - Pacientes com baixo escore de sintomas tendem a evoluir com pio- ra da sintomatologia. - A idade é um fator importante para a progressão do IPSS e para o risco de Retenção Urinária Aguda. - O valor do PSA é fator prognóstico na evolução clínica da Hiperpla- sia Benigna da Próstata. - O Volume Prostático se relaciona com a intensidade dos sintomas e com o risco de retenção urinária aguda. Seleção de Candidatos para a terapia medicamentosa: Apesar do caráter progressivo da HBP e da necessidade de orienta- ção dos pacientes a este respeito, a terapia deve ser indicada aos pacien- tes com sintomas e com impacto na qualidade de vida. Capítulo 32 - Hiperplasia Benigna da Próstata - Tratamento Clínico Gilberto Saber 130 O tratamento medicamentoso não deve ser utilizado como preven- ção para o desenvolvimento da HBP. O uso de inibidores da 5 alfa redutase (Dutasterida e Finasterida) com o objetivo de diminuir o risco de Retenção Urinária Aguda deve ser individualizado de acordo com as comorbidades, volume prostático e idade dos pacientes. Pela heterogeneidade da história natural da HBP com diferenças importantes na intensidade dos sintomas e na sua duração, o tempo de utilização destas drogas também deve ser individualizado. O tratamento combinado com alfa bloqueador e inibidor de 5 alfa redutase apresenta melhor eficácia em relação aos sintomas, risco de re- tenção urinária, progressão para cirurgia e diminuição do volume prostá- tico quando comparado com o uso destas drogas isoladamente. Alfa Bloqueadores Seu uso se baseia no fato de que os sintomas da Hiperplasia Benigna da Próstata são causados em parte pela obstrução do colo vesical, uretra prostática e da musculatura lisa da próstata, que são mediados por recep- tores alfa adrenérgicos. A eficácia das drogas disponíveis no mercado são semelhantes mas os efeitos colaterais variam de acordo com a sua seletividade. Inibidores da 5 Alfa Redutase Bloqueiam a conversão de Testosterona em Diidrotestosterona. Promovem redução do volume prostático. Diminuem o risco de Retenção Urinária Aguda e Cirurgias relaciona- das a Hiperplasia Benigna de Próstata. O uso da medicação deve ser mais prolongado (mínimo de 6 meses) para obter-se o efeito desejado. 131 Estudos demonstram maior eficácia quando utilizados em próstatas maiores. Inibidores da 5- Fosfodiesterase Promovem melhora no Escore de Sintomas em pacientes portado- res de HBP. Não melhoram o fluxo urinário. Associação de Anticolinérgicos e Alfa Bloqueadores Risco de Retenção Urinária é baixo. Resultados a longo prazo são inconsistentes. Melhor indicado quando o paciente não apresenta melhora dos sin- tomas de armazenamento com o uso isolado do alfa bloqueador. Não deve ser utilizada em pacientes com volume residual elevado. Substância Ativa Receptor Formulação Dosagem Prazosina Alfa 1 2,0 mg 4,0 mg 2,0 a 4,0 mg/dia Alfuzosina Alfa 1 10,0 mg 10,0 mg/dia Terazosina** Alfa 1 2,0 mg 5,0 mg 1,0 a 5,0 mg/dia Doxazosina** Alfa 1 2,0 mg 4,0 mg 2,0 a 8,0 mg/dia Tansulosina* Alfa 1 A 0,4 mg 0,4 mg/dia Alfa Bloqueadores - Medicações mais utilizadas *Pacientes com programação para cirurgia de catarata devem interromper o medicamento umaa duas semanas antes do procedimento pelo risco do aparecimento da Síndrome Intra Operatória da Iris Frouxa (IFIS). ** Efeito hipotensor significante observado em pacientes hipertensos. Nem todas as formulações são de liberação prolongada. 132 Substância Ativa Receptor Formulação Dosagem Finasterida* Tipo 2 5,0 mg 5,0 mg/dia Dutasterida** Tipo 1 e 2 0,5 mg 0,5 mg/dia Retenção Urinária: 57% Diminuição de Risco Cirurgia : 55% (4 anos) Próstatas maiores de 55 cc. Retenção Urinária e Cirurgia: 70% Retenção Urinária: 57% Diminuição de Risco Cirurgia: 48% Inibidores da 5 Alfa Redutase - Medicações mais utilizadas * Estudo Pless (Finasterida) ** Clark et al, 2004 (Dutasterida) 133 Capítulo 33 - Hiperplasia Benigna da Próstata - Cuidados com Marcapasso em Cirurgia Urológica Adriano João Nesrallah As indicações absolutas de tratamento cirúrgico em hiperplasia prostática benigna são: sintomas clínicos intensos, retenção urinária, hi- dronefrose e uremia, infecção urinária recorrente, hematúria macroscó- pica refratária, incontinência urinária paradoxal. Indicações relativas in- cluem: sintomas clínicos moderados, litíase e divertículo vesical, resíduo urinário e fluxo urinário reduzido. A obstrução infravesical causada pelo crescimento prostático deve ser confirmada por meio de anamnese, índice de escore de sintomas, exa- me clínico (toque, palpação abdominal, observação do meato uretral), ul- trassom do trato urinário, exames de sangue e urina incluindo aqui urina 1 e urocultura, hemograma, ureia e creatinina, glicemia e PSA. Eventual- mente devemos realizar estudo urodinâmico para diagnóstico diferencial entre obstrução e problemas vesicais (principalmente em idosos, diabé- ticos, Doença de Parkinson e em pacientes com sintomas preponderan- temente irritativos). O tratamento cirúrgico da hiperplasia prostática, na quase totalida- de dos casos, pode ser realizado por meio de intervenções transuretrais, dependendo da experiência do cirurgião, em próstatas de até 80 a 100 gramas: ressecção transuretral com bisturí monopolar ou bipolar, evapo- ração prostática com bisturi monopolar ou bipolar, além da utilização do laser para vaporização ou enucleação. Cirurgias abertas como Millin e PTV podem ser realizadas em próstatas maiores que 100 gramas, utilizando bisturí monoplar para abertura da pa- rede abdominal, da parede vesical ou cápsula prostática e do colo vesical. Dos procedimentos minimamente invasivos como HIFU, prostato- tomia ou incisão prostática, termoterapia ou hipertermia, ablação com 134 etanol, toxina botulínica e endoproteses, só esta última e a prostatotomia têm resultados amparados na literatura sendo que os outros devem ser considerados experimentais. No paciente com marca-passo em especial, devemos considerar a possibilidade de se usar dispositivos que não alterem o funcionamento do aparelho (corrente elétrica e magnética), priorizando quando possí- vel a utilização de bisturí bipolar ou laser, além da endoprótese em pa- cientes que além do marcapasso não apresentem condições de cirurgia sob anestesia. A utilização de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários é mui- to frequente nos pacientes com marcapasso, o que aumenta o risco de sangramento nas cirurgias prostáticas convencionais (RTU, PTV e Millin). Mais uma vez, quando possível, devemos priorizar o laser ou então a ele- trovaporização, já que assim não é preciso interromper a medicação. De qualquer forma alguns trabalhos nos amparam na interrupção dos anti- -coagulantes, com risco pequeno de complicação cárdio-circulatória. Pacientes com marcapasso têm um risco aumentado de endocar- dite, em cirurgias prostáticas, já que a glândula frequentemente é con- taminada por episódios de prostatite. Isso nos obriga a fazer esquema com antibiótico preventivo para este tipo de complicação, utilizando com mais frequência ampicilina e gentamicina. Devemos ter ainda cuidados com alterações da volemia do paciente, principalmente com marcapasso com frequência pré-determinada e rit- mo cardíaco dependente do aparelho, já que o gerador não terá a capa- cidade de alterar a frequência cardíaca em resposta a alteração volêmica ou ainda ao estresse cirúrgico, o que pode produzir queda do débito car- díaco e pressão periférica. Quando da necessidade do uso do bisturí elétrico monopolar, de- veremos deixar a placa terra longe do marcapasso usar amplitudes de frequência mais baixas , usar o cautério com pulsos curtos, reprogramar o aparelho quando isso for permitido e ainda utilizar um imã que coloca o aparelho em frequência fixa. 135 Capítulo 34 - Hiperplasia Prostática Benigna - Síndrome Pós-RTU Hudson de Lima Introdução A Síndrome pós-RTU, conhecida também como Síndrome da Intoxi- cação Hídrica (SIH), é uma condição iatrogênica que ocorre após lesão ci- rúrgica inadvertida da cápsula prostática, com exposição dos lagos veno- sos subcapsulares, ocasionando hiperabsorção intravascular do líquido de irrigação. Como consequência, um aumento do volume plasmático, hiponatremia dilucional e hiposmolaridade plasmática costuma oca- sionar manifestações clínicas dos aparelhos cardiovascular, respiratório, metabólico, renal e do SNC. Ela foi descrita inicialmente após ressecções prostáticas, mas pode ocorrer durante ou após qualquer procedimento endoscópico que se utilize de líquido de irrigação para melhoria visual ci- rúrgica. Há relatos de ocorrência em RTU de tumor de bexiga, cistoscopia, ureterorrenolitotripsia e nefrolitotripsia percutânea. Incidência É uma entidade rara, com incidência ao redor de 0,8 a 1,4% e morta- lidade de 0,2 a 0,8%. Fatores de risco Os principais fatores de risco envolvidos na síndrome são: - Sangramento excessivo; - Lesão e exposição dos lagos venosos; - Tempo prolongado cirúrgico (> 90 minutos); - Próstatas volumosas; - Altura do líquido de irrigação (> 60 cm); 136 - Posição de Trendelenburg acima de 20O, que acarreta elevada pres- são intravesical (> 30 cm H2O); - Tabagismo. Fisiopatologia e quadro clínico: A fisiopatologia é complexa e frequentemente não segue um pa- drão fixo de eventos, o que torna a suspeição clínica de hiperabsorção muito importante, para iniciar as medidas gerais e o tratamento ime- diato. Na Tabela 1, estão descritos os principais sinais e sintomas da sín- drome pós-RTU. A intensidade dos sintomas é influenciadas pela quantidade de lí- quido absorvido, pela osmolaridade e tipo de líquido de irrigação e pelas comorbidades do paciente. Absorção de pequenos volumes de líquido de irrigação ocorrem em quase todas as RTUs. Aproximadamente para cada litro de líquido absorvido intravascular ocorre uma queda de 5 a 8 mEq/L nos níveis de sódio. Níveis de sódio inferiores a 120 mEq/L definem quadro de Síndrome pós-RTU intensa. Os principais sintomas da hipona- tremia são os neurológicos e secundários ao edema cerebral e incluem: náuseas, vômitos, distúrbios visuais (visão turva), espasmos musculares, convulsões, coma, herniação do tronco cerebral e parada respiratória. Do ponto de vista cardiovascular, a expansão do leito intravascular ocasiona hipertensão e taquicardia, que podem ser seguidos por arrit- mias do tipo bradicardia sinusal e hipotensão arterial, estas últimas sinais consistentes de intoxicação. Outro sinal é a distensão abdominal, secundária ao extravasamento do líquido para o espaço retroperitoneal. Cegueira transitória, com duração de até 24 horas, pode ocorrer em pacientes com hiponatremia intensa que foram operados com glicina. Diagnóstico Não existe exame específico para confirmação diagnóstica da sín- drome pós-RTU, mas frente a suspeita do problema é conveniente à reali- zação dos seguintes exames:137 - Eletrólitos: sódio, potássio, magnésio e cálcio iônico; - Hemoglobina e hematócrito; - ECG; - Raio-X de tórax; - Gasometria arterial. Conduta Quando diagnosticada no intraoperatório, a cirurgia deve ser pronta- mente interrompida logo após a realização de hemostasia rigorosa. Já den- tro da sala cirúrgica, medidas de suporte como oxigenioterapia, uso de diu- réticos e de sintomáticos estão indicados, até melhor avaliação do quadro. Pacientes com sinais de insuficiência respiratória, circulatória ou neurológica devem ser transferidos para unidade de terapia intensiva. A hiponatremia intensa (Na+ < 120 mEq/L) deve ser corrigida com solução salina hipertônica a 3% (cerca 1000 mL/12h). Nos casos muito severos (Na+ < 100 mEq/L) um aquarético antagonista da arginina vaso- pressina, chamado Conivaptan pode ser utilizado. A reposição do sódio deve ser feita de forma lenta, não elevando o sódio acima de 8 mEq/l a cada 4 horas. Quando reposto de forma rápida, uma complicação poten- cialmente fatal pode ocorrer: a Síndrome Desmielinizante Osmótica (Mie- linólise Pontina). Ela é caracterizada por tetraparesia, disartria e disfagia, que se inicia de 2 a 8 dias após a correção da hiponatremia. Pacientes alcoólatras, desnutridos e transplantados hepático apresentam maior predisposição para essa ocorrência. 138 Tabela 1- Sinais e Sintomas da Síndrome pós RTU / Intoxicação Hídrica Metabólico e Renal Hiponatremia Hipercalemia Hipomagnesemia Hiperglicinemia Hemólise Hemoglobinúria Oligoanúria Coagulopatia Cardiovascular e Respiratório Hipotensão Bradicardia Dispneia Hipoxemia Cianose Hipertensão Taquicardia Edema pulmonar Neurológicos Agitação Cefaleia Confusão mental Convulsão Coma Visão turva Naúsea Vômito Leitura recomendada 1. Hawary A e cols. Transurethral Resection of the Prostate: Almost Gone but Not Forgotten. J Endourol. 2009, 23(12): 2013-2020. 139 Capítulo 35 - Hiperplasia Prostática Benigna - Retenção Urinária Aguda Pós- Ablação Cirúrgica Adalberto Andriolo Junior Introdução A retenção urinária aguda (RUA) pós-procedimento para ablação prostática é uma complicação imediata não tão rara quanto parece. Diversas casuísticas demonstram sua incidência entre 3,8% a 5,8% dos pacientes operados de forma convencional 1,2 e de até 8,2% quando ope- rados com laser. A identificação precoce do problema favorece sua abordagem e re- solução. A manutenção do cateter de Foley por mais de 24 horas no pós- operatório não mostrou diminuição da incidência de retenção aguda. Confirmação diagnóstica A confirmação diagnóstica é eminentemente clínica. Deve-se ava- liar as intercorrências do procedimento cirúrgico e a história clínica do paciente. No exame físico encontraremos: ausência de micção espontânea, bexigoma pálpavel na maioria dos casos, dor referida e intensa, palidez e ansiedade do paciente. O ultrassom abdmoninal pode confirmar diagnóstico por meio da vizualização de bexigoma e ainda esclarecer sob a eventual causa, se exis- tirem coágulos ou fragmentos intravesicais. A população que apresenta maior risco de aparecimento da re- tenção urinária aguda pós operatória é: idade acima de 80 anos e volume prostático acima de 45 ml. Parece não haver relação causal a presença de hipertensão arterial e diabetes do tipo 2 sem complica- ção neurogênica. 140 Diagnósticos diferenciais As causas do problema podem ser divididas, didaticamente, em fa- tores pré e pós-operatórios. Pré-operatorios: - Uso prévio de anticolinérgicos, antidepressivos, inibidores de cox-2, anfetaminas e opiáceos. - Bexiga neurogênica (doença de Parkinson, neuropatias etc.). - Falência detrusora ou hipocontratilidade vesical. - Prostatite / infecção do trato urinário previamente ao procedimento. Pós-operatórios: - Distensão vesical exagerada durante procedimento. - Bloqueio raquimedular utilizando opiáceos. - Retenção de coágulos. - Retenção de fragmentos de lítiase vesical, se cistolitotripsia asso- ciada. - Retenção de fragmentos de tecidos ressecados. - Divulsão de colo vesical. - Edema de uretra prostática/bulbar (ex. Alergia látex, manuseio ex- cessivo etc.). - Perfuração vesical. - Ressecção incompleta , inclusive “flaps”obstruindo uretra. Conduta No quadro de retenção o imperioso é a desobstrução do sistema uri- nário. O mesmo pode ser realizado por meio da reintrodução do cateter de Foley ou mesmo a realização de cistostomia por punção. 141 Nos tratamentos relacionados a causas pré-operatórias, na qual o componente vesical é o responsável pelo não esvaziamento vesical, de- vemos introduzir quando possível o cateterismo intermitente como for- ma de tratamento por vezes definitivo. O uso de agonista seletivo dos receptores muscarínicos parece não trazer beneficios práticos a este tipo de doente. Nas causas de origem medicamentosa, se possível, tentar suprimir tais medicações. Nos quadros infecciosos, o tratamento com antibioticoterapia ade- quada acompanhado de desobstrução da via urinária apresenta alta taxa de efetividade, costumamos manter quinolona no período de até 14 dias, com retirada do cateter em sete dias. No tratamento das causas pós-operatorias a nossa sugestão é: Reintrodução de cateter de Foley nas seguintes condicões: - distensão exagerada da bexiga: manter por cerca de cinco dias e de- pois retirá-lo, se necessário instituir cateterismo intermitente após. - Retenção devido a bloqueio raquimedular: manter cateter por mais três dias. - Edema de uretra: associar antialérgicos antihistaminicos, trocar sonda por de silicone ou realizar cistostomia por punção e exercícios vesicais (abrir e fechar de forma intermitente para verificar pervieda- de da uretra). - divulsão de colo vesical: repassar a sonda sob visualização direta, por meio de fio-guia introduzido por cistoscopia, manter por pelo menos sete dias. - Presença de fragmentos e coágulos: cistoscopia sob sedação para a retirada dos mesmos, manter sonda o mínimo possível após. - Perfuração vesical, se intraperitoneal, abordagem cirúrgica e sutu- ra, manter sonda por pelo menos cinco dias após, se extraperitoneal 142 avaliar terapia com sutura ou somente derivação de via urinária. - Ressecção incompleta ou “flaps”, reabordagem cirúrgica e comple- mentação do procedimento. Leitura recomendada 1. Mebust W.K., Holtgrewe H.L., Cockett A.T.K., Peters P.C.. Transurethral prostatectomy: immediate and postoperative complications. Cooperative study of 13 participanting institutions evaluating 3.885 patients. J. urol 2002;167(1):5-9. 2. Mayer E.K., Chopra S., Havranek E., Patel A. Systematic review of contemporary outcomes for TURP. Eur Urol Suppl 2008;7(3):200. 143 Capítulo 36 - Litíase Urinária - Terapia Expulsiva Medicamentosa (TEM) no Cálculo Ureteral Fábio Carvalho Vicentini Os cálculos ureterais causam grande sofrimento aos pacientes e seu tratamento implica muitas vezes em cirurgias que têm elevado custo e que necessitam de equipamento especializado, o que muitas vezes não está acessível aos médicos e pacientes. O melhor método diagnóstico para o cálculo ureteral é a tomogra- fia helicoidal de abdômen e pelve sem contraste. A tomografia fornece dados fundamentais para a escolha do tratamento: tamanho do cálculo; localização; presença de hidronefrose associada; densidade do cálculo. Após a correta identificação e categorização do cálculo, deve-se de- finir o tratamento. Pacientes com infecção renal associada, dor intratá- vel, piora da função renal ou anúria por rim único obstruído devem ser desobstruídos o quanto antes. Caso não haja estas situações associadas, deve-se oferecer como opção para o paciente o tratamento clínico para controle da dor e eliminaçãodo cálculo, além, claro, do tratamento com litotripsia extracorpórea ou com ureterolitotripsia. O paciente deve parti- cipar da decisão de tratamento. O tratamento expulsivo medicamentoso (TEM) do cálculo ureteral é uma conduta atualmente estabelecida e suportada por ampla literatu- ra, que demonstrou os benefícios em termos de aumento na chance de eliminação de fragmentos e de diminuição de dor no período de elimi- nação. O uso de medicamentos aumenta em cerca de 65% a chance de eliminação do cálculo ureteral do que quando usado apenas analgesia. Cálculos maiores que 10 mm têm baixa chance de serem eliminados mes- mo com TEM. Já os cálculos menores que 5 mm têm grande chance de eli- minação, mesmo sem TEM, mas o uso dos medicamentos traz benefícios por diminuir a dor durante o período de espera.1 144 A TEM deve ser realizada com uma medicação alfa-bloqueadora de preferência, pois todas tem efeito semelhante. A droga mais estuda- da é a tansulosina, sendo esta a primeira opção. Uma outra opção é um bloqueador de canal de cálcio, o nifedipino de absorção lenta. O uso de corticóide associado parece melhorar os efeitos, porém seu uso não é re- comendado devido aos poucos estudos referentes ao uso desta droga. Estas drogas causam um relaxamento da musculatura lisa do ureter, favo- recendo a passagem de fragmentos e diminuindo os espasmos muscu- lares que causam dores. O uso de nifedipino está associado a uma maior incidência de efeitos adversos e com um menor controle da dor, sendo, portanto, a droga de segunda escolha. O paciente deve ser orientado que durante o período de espera ele pode voltar a ter cólicas e que este tempo pode variar entre poucos dias até um mês. Analgesia adequada deve ser oferecida. As drogas de esco- lha para analgesia são anti-inflamatórios não hormonais, se não houver contraindicação, e analgésicos e antiespasmódicos (escopolamina + di- pirona) mais algum opióide para dores intensas (tramadol ou codeína). Neste período, o paciente deve ser reavaliado a cada 7 dias em relação a função renal, grau de hidronefrose, quadro infeccioso e posição do cálcu- lo, além de ser orientado a procurar o médico em caso de piora do estado geral. Na falha do tratamento medicamentoso, o tratamento cirúrgico de preferência deve ser indicado. O uso de TEM também aumenta as chances de eliminação de cálcu- los quando se realiza litotripsia extracorpórea por ondas de choque em cálculos ureterais e renais, podendo ser indicada, principalmente para cálculos maiores que 10 mm. Os alfa-bloqueadores não foram estudados em mulheres grávidas ou crianças, não sendo recomendado seu uso nestes pacientes. O uso destas drogas para o tratamento do cálculo ureteral é “off label” e deve ser explicado para os pacientes, assim como os efeitos colaterais. Os prin- cipais efeitos colaterais são hipotensão, tontura e ejaculação retrógrada, mas em geral são toleráveis e não levam a interrupção da droga. 145 Segue sugestão de receita para ser dada ao paciente após avaliação do cálculo ureteral, devendo serem consideradas as particularidades de cada paciente, tais como alergias e outras contraindicações: - Tansulosina 0,4 mg / dia por 15 dias (droga de escolha); - Doxazosina 4mg / dia; - Nifedipino Retard 20 mg / dia. - Anti-inflamatório não hormonal – Cetoprofeno/diclofenaco/cele- coxibe etc. – manter horário nos primeiros 5 dias e se necessário depois. - Escopolamina + dipirona 8/8 horas se dor. - Tramadol 50 mg 6/6 horas se dor forte. Tabela 1 Recomendações para TEM Para TEM, alfa bloqueadores ou nifedipino são recomendados. Os pacientes devem ser aconselhados sobre os riscos inerentes de TEM, incluindo os efeitos secundários, e devem ser informados de que estas drogas são administradas como o uso ‘off-label’. Os doentes que optarem por uma tentativa de passagem espontânea ou TEM, devem ter a dor bem controlada, estar sem evidência clínica de sepse e com adequada reserva renal funcional. Não se recomenda TEM em crianças pela falta de estudos específicos. Grau de Recomendação A A A 4C Leitura recomendada 1. Türk, C., Knoll, T., Petrik, A., Sarica, K., Straub, M., Seitz, C. Guidelines on urolithiasis. European urology association, 2012. In: http://www.uroweb.org/gls/pdf/20_Urolithiasis_LR%20 March%2013%202012.pdf. 2. Vicentini, F. C., Mazzucchi, E., Brito, A. H. et al.: Adjuvant tamsulosin or nifedipine after extracorporeal shock wave lithotripsy for renal stones: a double blind, randomized, placebo- controlled trial. Urology, 78: 1016, 2011. 146 Capítulo 37 - Litíase Urinária - Investigação Metabólica Inicial e Conduta Marcelo Lopes de Lima Introdução Risco de formação de litíase • Fatores dietéticos – teor protéico aumentado, aumento do sal e di- minuição da ingestão hídrica. • Fatores individuais: sexo, idade, tendência familiar – herança poli- gênica de penetrância incompleta. • Genética – cistinúria e acidose tubular renal familiar. • Pico de incidência entre a 3ª e 5ª década de vida e ocorrência maior em homens (3/1). • Dieta Habitual – um grama cálcio/dia. • 25% absorvido pelo intestino e 75% eliminado pelo suco entérico ou quelado com oxalato no íleo terminal. • 10 gramas de cálcio são filtrados em nível renal (glomerular) e 98% destes são reabsorvidos nos túbulos renais proximais e distais. • Regulação deste equilíbrio – hormônio paratireoidiano (PTH) – cál- cio sérico e mobilização do cálcio ósseo. • Pequeno número de cálculos de cálcio – decorrentes da alteração no metabolismo do ácido úrico – núcleo formador – usar dieta pobre em purinas e bloqueadores da síntese do ácido úrico – alopurinol. Hipercalciúria Reabsortiva • Hiperparatireoidismo primário – aumento da reabsorção óssea – hipercalcemia e hipercalciúria. • Hipercalciúria – associada com cálcio sérico elevado e paratormô- nio elevado no hiperparatireoidismo. 147 Hipercalciúria Absortiva • Aumento da absorção intestinal de cálcio – forma mais frequente de hipercalciúria. • Aumento do cálcio sérico – supressão da função da paratireóide – hipercalciúria – aumento da filtração do cálcio, mas com diminuição da reabsorção tubular devido à diminuição do paratormônio. • Cálcio sérico – geralmente normal • Absortiva tipo I – cálcio urinário elevado o tempo todo. • Absortiva tipo II – cálcio urinário elevado somente com sobrecarga de cálcio via oral. Hipercalciúria renal • Defeito primário no rim – deficiência na reabsorção tubular de cál- cio – diminuição do cálcio sanguíneo – estímulo para aumento do para- tormônio – mobilização cálcio ósseo e aumento da absorção intestinal – cálcio sanguíneo normal. • Cálcio sérico – geralmente normal. Hipercalciúria – exames e conduta • Dosagens séricas de cálcio, ácido úrico, uréia e creatinina. • Dosagens em urina 24h de cálcio, ácido úrico, sódio, oxalato e citrato. • Hipercalciúrias absortivas e renal – uso de diuréticos tiazídicos. • Dieta de restrição de cálcio – provoca aumento da absorção de oxalato entérico – aumento da formação de cálculos de oxalato de cálcio a longo prazo – mobilização do cálcio ósseo – osteopenia e os- teoporose. Hipocitratúria • Citrato – mais importante quelante de cálcio na urina – reduz con- centração de cálcio iônico • Reposição com citrato de potássio – 20 a 60 mEq/dia 148 Cálculos de ácido úrico • Cálculos de ácido úrico – surgem em pH urinário ácido, uricosúria e diurese diminuída. • Restringir dieta em purinas – carnes, sardinha, anchova e arenque. • Restringir grãos como ervilha, grão-de-bico, lentilha e feijão. • Hiperidratação. • Bloqueador da síntese de ácido úrico – alopurinol (uricosúria maior que 1200 mg/dia/24h ou presença de hiperuricemia). • Alcalinizar a urina – 3 a 4 colheres de chá/dia de bicarbonato de sódio– manter pH entre 6,5 e 7) - (alcalinização da urina predispõe à de- posição de oxalato de cálcio). • Utiliza-se também, o citrato de potássio e também a acetazolamida 250 mg/dia – inibidor da anidrase carbônica. Hiperoxalúria • Muito pouco absorvido pelo intestino de pessoas normais, mas au- menta em ressecções intestinais ou doenças inflamatórias. • 80% do oxalato – endógeno (40% ácido ascórbico e 40% glicina). • Em geral, hiperoxalúria – origem secundária. • Hiperoxalúria primária – origem genética, rara – oxalato aumenta- do – pelo fígado. • Hiperoxalúria leve – restrição dietética – vitamina C, espinafre, chá, chocolate e grãos oleosos. • Restrição de cálcio na dieta leva a hiperoxalúria secundária. • Hiperoxalúria moderada – restrição dietética e citrato de cálcio (quelante do oxalato em nível entérico) mais piridoxina na dose de 100 a 400 mg/dia. Cálculos de infecção • Cálculos de fosfatoamoníaco magnesiano – estruvita. • Bactérias produtoras de urease, que desdobra a uréia em amônio. 149 • Ambiente de pH maior que 7,2. • Tratamento com retirada cirúrgica do cálculo. • Antibioticoprofilaxia por três a seis meses. • Acidificação da urina. • Bloqueadores da urease – ácido acetoidroxâmico – 250 mg três vezes ao dia. Cálculos de cistina • Incidência em 1% da população – doença autossômica recessiva – excreção aumentada de cistina. • Hiperidratação. • Alcalinização com bicarbonato de sódio ou citrato de potássio (pH> 7,5). • Agentes que formam compostos solúveis quando ligados à cistina – D-penicilamina (1 a 2 g/dia), alfa – mercaptopropionilglicina (800 a 1200 mg/dia) e o captopril (150 mg/dia). Tratamento Geral • Ingestão hídrica que permita diurese de 2 a 3 litros/dia. • Atividade física. • Uso moderado de sal e de proteína animal. • Utilização de limão e laranja na rotina dietética. Leitura recomendada 1. Schade GR, Faerber GJ, Urinary tract stones. Prim Care. 2010 Sep;37(3):565-81. 2. Spernat D, Kourambas J, Urolithiasis--medical therapies. BJU Int. 2011 Nov;108 Suppl 2:9-13. 150 Capítulo 38 - Litíase Urinária - Litotripsia Extracorpórea - Preparo do Paciente e Esquema de Sedação Ricardo Di Migueli A litotripsia extracorpórea é o metodo mais utilizado para tratamen- to de cálculos urinários. Inúmeros estudos vieram permitir que possamos selecionar aqueles pacientes que podem obter os melhores benefícios, otimizando resultados e minimizando efeitos adversos. Este capítulo visa apenas que o urologista possa, por meio de rápida consulta, acessar um resumo dos melhores resultados, contraindicacões, métodos diagnósti- cos, preparo e anestesia, conforme o tamanho, localização, composição e densidade do cálculo. Diagnóstico O principal método diagnóstico é a tomografia computadoriza- da, que pode oferecer, além de tamanho e localização, dados como a densidade do cálculo e o diâmetro do infundíbulo. Cálculos com densidade menor que 900 UH fragmentam mais facilmente e infundí- bulos com com diâmetro de 4 mm mm escoam melhor os fragmen- tos, embora não raro, vejamos cálculos com densidade maior e em infundíbulos mais estreitos serem eliminados com facilidade. Outros métodos diagnósticos utilizados são: ultrassom, urografia excretora e Rx simples de abdome. Contra-indicações 1) Mulheres grávidas. O procedimento deve ser postergado para após o parto; 2) Distúrbios de coagulação. Devem ser corrigidos antes do procedimento; 3) Anticoagulantes. Devem ser suspensos em tempo hábil; 4) Portadores de marcapasso e arritmias cardíacas. Devem ser mo- nitorados e as ondas de choque sincronizadas ao ECG; 5) Infecção urinária ativa; 6) Obstrução da via excretora; 7) Hipertensão arterial. Paciente deve estar com a pressão controlada por ocasião do procedimento. 151 Tratamento Cálculos renais: melhores resultados com cálculos menores que 20 mm, localizados em cálices médios e superiores, com densidade menor que 900UH, compostos por: oxalato de cálcio diidratado estruvita, fosfato amoníaco magnesiano ou ácido úrico. Considerar uso de duplo J se: rim único; cálculo de 15 mm ou mais; cálculo maior que 10 mm e densidade maior que 900UH; cálculo maior que 10 mm composto por: oxalato de cálcio monohidratado ou de cistina. Cálculos ureterais: devem ser passíveis de localização por ultrassom ou Raio-X. Os melhores resultados ocorrem com cálculos não impacta- dos, de até 10 mm, com densidade menor que 900UH, compostos por: oxalato de cálcio diidratado ou estruvita ou fosfato amoníaco magnesia- no ou de ácido úrico, localizado em ureter proximal ou médio. Complicações A cólica renal por eliminação de fragmentos é o evento mais frequen- te. O hematoma também pode ocorrer e institui-se o acompanhamento clínico se o paciente apresentar-se com estabilidade hemodinâmica. Em caso de instabilidade, indica-se arteriografia renal seletiva e embolização ou cirurgia invasiva, não descartando-se a necessidade de nefrectomia. Na ocorrência de infecção, monitorar a febre. Lesão de órgãos adjacen- tes é rara, mas podem ser acometidos: fígado, baço, pulmões, duodeno e alças intestinais. O diagnóstico é feito por tomografia computadorizada. Anestesia Estudos mostram resultados melhores com pacientes sob aneste- sia. Os anestésicos mais utilizados são: propofol, fentanil e midazolam. A indução é feita com MIDAZOLAM 0,04 mg/kg, FENTANIL 1,4 micro- gramas/kg e PROPOFOL 300 microgramas /kg/min até perda da consci- ência e a partir daí faz-se a manutenção com 70 microgramas/kg/min. Ao final do procedimento é feita analgesia com DIPIRONA 30mg/kg e PROFENID 1,4mg/kg. 152 O emprego de creme anestésico em fina camada na região lombar correspondente ao rim em questão, pode possibilitar a diminuição das doses de anestésicos sistêmicos. Uma sugestão de creme: combinado de lidocaína 2,5% e Prilocaina 2,5%. Cada grama de creme conterá 25 mg de lidocaína e prilocaina. O paciente deve ser monitorado com ECG e OXÍMETRO e estar com CATETER NASAL DE OXIGÊNIO em tempo integral. Em nosso serviço, um anestesista acompanha o procedimento e é quem dá alta ao paciente após 60 minutos de recuperação. PREPARO: jejum de 8 horas para sólidos e de 6 horas para líquidos. Quando a localização é feita por Raio-X, orienta-se dieta pobre em resídu- os e dimeticona em três tomadas na véspera. 153 Tabela 1 - Resultados com litotripsia extracorpórea por ondas de choque em cálculos ureterais Autor Marberger et al.51(D) Park et al (C) Netto at al(C) Doublet et al (C) Evans at al (C) Kim at al (C) Localização proximal médio distal proximal médio distal proximal médio distal proximal médio distal proximal médio distal proximal médio distal Número de Cálculos Tratados 689 214 496 301 10 131 30 16 25 14 3 23 30 35 10 220 44 105 % Livre Cálculos - Após uma Sessão 84 40 74 72 70 80 96 81 88 79 66 83 80 54 30 89 86 85 % Livre Cálculos - Após três Sessões 89 71 84 89 90 91 93 100 91 Cálculos vesicais: considerar litotripsia extracorpórea apenas em casos especiais. Leitura recomendada 1. CAMPBELL-WALSH 9th edition VOL. 2. 2. Projeto Diretrizes – Sociedade Brasileira de Urologia, junho de 2006. 154 Capítulo 39 - Litíase Urinária - Duplo J Calcificado Silvio da Ressurreição Pires Introdução A utilização dos cateteres ureterais de Duplo J (DJ) tem se intensifi- cado devido ao maior número de procedimentos endourológicos realiza- dos atualmente. Consequentemente, tem se observado maior número de complicações relacionadas ao seu uso. Os benefícios proporcionados pelo DJ estão bem definidos, porém sua utilização pode gerar desde um simples desconforto até complica- ções potencialmentegraves. Cerca de 85% - 90% dos indivíduos relatam algum desconforto (disú- ria, urgência, dor lombar, hematúria) pela presença do DJ, que em geral, são resolvidos com auxílio de sintomáticos. De outra forma, complicações como migração do cateter, fragmentação e calcificação necessitam pro- cedimentos auxiliares para sua resolução. Geralmente, os DJ permanecem por curto período de tempo, mas em situações específicas podem ficar por tempo prolongado ou ainda, serem simplesmente esquecidos, culminando com incrustações e calci- ficações grosseiras. Mecanismo de calcificação A calcificação do cateter está relacionada diretamente a sua com- posição (silicone, poliuretano, polipropileno), período de permanência, presença de infecção e condições metabólicas de cada indivíduo. Ocorre maior incidência de incrustações nos formadores crônicos de cálculos, portadores de distúrbios metabólicos e gestantes. Este processo divide-se em três eventos sequenciais: - formação de“biofilm”; 155 - aderência bacteriana e colonização do cateter; - aderência de cristais na superfície do cateter. No passado, a única opção terapêutica era a cirurgia aberta. Atual- mente, diversas técnicas endourológicas podem ser aplicadas no início do tratamento. Todos os pacientes com suspeita de calcificação do cateter ou que o tenham inserido por mais de três meses, devem realizar previamente à sua remoção: - Raio-X de abdômen – suficiente para localizar calcificações grosseiras. - Tomografia – na persistência de dúvida ao Raio-X. (A TC tem maior sensibilidade comparativamente ao RX). - Cintilografia Renal (DTPA) – quando há indícios de perda da função renal, pois poderá alterar o planejamento terapêutico. Tratamento Recomenda-se antibiticoterapia previamente à manipulação cirúrgica, baseada em cultura com antibiograma. Na presença de pionefrose, preconiza- -se a realização de nefrostomia para drenagem e tratamento da infecção. Cateter sem evidências radiológicas de calcificação Retirada convencional, porém com alguns cuidados. - Tração suave - evita ruptura do cateter, pois pode se fragmentar devido à ação corrosiva da urina. - Resistência na remoção – provável calcificação não identificada ou aderência ao urotélio - proceder como cateter calcificado, levando o pa- ciente para o centro cirúrgico e realizando o procedimento sob anestesia. Cateter com evidências radiológicas de calcificação Classificação I – Incrustação simples da porção distal ou proximal do DJ. 156 II – Calcificação grosseira da porção distal ou proximal do DJ. III - Calcificação grosseira distal ou proximal do DJ e da porção ureteral. IV - Calcificação grosseira das duas extremidades do DJ. V - Calcificação grosseira das duas extremidades do DJ e da porção ureteral. No tipo I remove-se as incrustações com a própria pinça endoscópi- ca. Se houver dor ou resistência à tração, proceder como calcificação da porção proximal do DJ. Quando há calcificação grosseira (tipo II,III,IV e V) vários métodos de tratamento, isolados ou combinados, podem ser aplicados. A decisão so- bre a melhor opção terapêutica deve ser individualizada de acordo com o tamanho e localização da calcificação, disponibilidade de recursos e experiência do cirurgião para oferecer a maior chance de êxito terapêu- tico, com o menor número de procedimentos e da forma menos invasiva possível (ver tabela 1). Tabela 1 < 2,5 cm LEOC ou Cistolitotripsia endoscópica ou Cistolitotripsia percutânea ou Cistolitotomia aberta 2,5 – 5,0 cm Cistolitotripsia endoscópica ou Cistolitotripsia percutânea ou Cistolitotomia aberta < 2,5 cm LEOC ou Ureteroscopia flexível ou Nefrolitotripsia percutânea > 2,5 cm Nefrolitotripsia percutânea ou Pielolitotomia laparoscópica/aberta > 5,0cm Cistolitotomia aberta Combinação das anteriores* Ureteroscopia semi-rígida/flexível ou cirurgia aberta Calcificação distal Calcificação proximal Calcificação distal Proximal ureteral (Fig. 1) * Iniciar com remoção do cálculo da bexiga. Segue-se com ureteroscopia e fragmentação. Por últi- mo, remove-se a calcificação piélica. 157 Figura 1 Literatura recomendada 1. Murthy KVR e cols. Endourological management of forgotten encrusted ureteral stents. Int Braz J Urol 2010; 36: 420-9. 2. Weedin JW e cols. The impact of proximal stone burden on the management of encrusted and retained ureteral stents. J Urol 2011; 185(2):542-7. 158 Capítulo 40 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea: Sangramento Agudo Victor Augusto Sanguinetti S. Leitão A hemorragia aguda durante procedimento endoscópico percutâ- neo está associada principalmente à escolha do trajeto para punção e dilatação ou à manipulação intrarrenal agressiva do nefroscópio, com torque exagerado sobre o sistema coletor. Na maior parte das vezes o sangramento é pouco volumoso e resol- ve-se espontaneamente, sem interferir com o procedimento cirúrgico ou a estabilidade hemodinâmica do paciente. Os fatores de risco para complicações hemorrágicas são necessidade de múltiplas punções, perfuração da pelve renal, cirurgiões com pouca experiência, anemia pré-operatória, rim único e cálculos complexos. As coagulopatias contraindicam a realização de cirurgia percutânea. A necessidade de transfusão após nefrolitotripsia percutânea varia conforme a experiência do cirurgião, chegando a 5% em serviços com maior volume cirúrgico e equipe treinada. A necessidade de embolização é menos frequente, sendo necessária em aproximadamente 1% dos casos. Confirmação diagnóstica A hemorragia aguda é confirmada clinicamente, por meio da inspe- ção do sítio cirúrgico ou do débito hemático pela sonda de nefrostomia ou sonda vesical. O paciente poderá apresentar complicações hemodinâ- micas e deverá ser prontamente tratado. Quando necessário, a realização de arteriografia permite identificar o local exato do sangramento. Diagnóstico diferencial A hemorragia aguda é um diagnóstico clínico e raramente confundi- do com outro problema, já que o choque hipovolêmico e a presença de 159 sangramento copioso estão presentes no quadro clínico do doente. Even- tualmente, em casos extremos com sangramento retroperitoneal ou intra- peritoneal, sem exteriorização, o choque séptico pode ser um diferencial. Conduta O preparo pré-operatório e a experiência da equipe cirúrgica são essenciais para a prevenção de complicações hemorrágicas durante a ne- frolitotripsia percutânea. Nos casos de sangramento intraoperatório, a primeira medida a ser tentada é o avanço da bainha de Amplatz para comprimir a região san- grante. A bainha deverá ser deixada no local por alguns minutos, sem manipulação do trajeto ou do rim com o nefroscópio durante a espera. Em casos em que a bainha de Amplatz não consegue alcançar o lo- cal sangrante ou quando a resposta é inadequada, a passagem de uma sonda de Foley entre 18 e 22 French deverá ser feita, com enchimento do balão e leve tração da mesma. Onde houver disponibilidade, um balão especial, chamado Kaye (Cook Medical Inc., Bloomington, IN), permite tamponar o sangramento mantendo o acesso ureteral, pois este cateter balão tem um prolongamento que se insinua no ureter. Nestes casos o procedimento deverá ser abortado e realizar nova tentativa após 24 a 48 horas, quando a hematúria macroscópica já houver cessado. Lesões de vasos subcostais com sangramento intraoperatório po- dem ser tratados por meio de controle local com ampliação da incisão e ligadura do vaso. Já foi citada a cauterização do vaso sangrante intrarrenal sob visão nefroscópica, porém o risco de lesão de vasos calibrosos existe e contrain- dica o procedimento. Nos casos onde não se consegue controle da hemorragia com me- didas conservadoras, deve-se estabilizar o paciente e prontamenteenca- minhá-lo ao serviço de hemodinâmica para realização de angiografia e embolização do sítio de sangramento. 160 Nos locais onde não existe a possibilidade de embolização por an- giografia ou quando não se consegue estabilizar o paciente, recomenda- -se a exploração cirúrgica aberta. Nestes casos a nefrectomia acaba sendo a medida salvadora. Literatura recomendada 1. Lee, K. L., & Stoller, M. L.. Minimizing and managing bleeding after percutaneous nephrolithotomy. Curr Opin Urol 2007: 17(2), 120-4. 2. Rastinehad, A. R., Andonian, S. Smith A.D. and Siegel, D.N. Management of Hemorrhagic Complications. J Urol 2009: 23(10), 1763-1767. 161 Capítulo 41 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea: Perfuração de Cólon Mário Henrique Elias de Mattos A lesão intestinal em cirurgia renal percutânea ocorre em 0,35% a 1% destes procedimentos. Seu diagnóstico pode ser precoce ou tardio e o manejo terapêutico é controverso, incluindo tratamento conservador, reparo primário ou colostomia. Confirmação Diagnóstica Em cerca de 25% das vezes a lesão do cólon é detectada no intra- -operatório pela visualização de conteúdo fecalóide durante a nefros- copia ou pela opacificação do cólon durante pielografia anterógrada ou retrógrada. No entanto, em 75% das vezes o diagnóstico é realizado tar- diamente, em geral com poucos dias de pós-operatório. Neste cenário os sintomas podem variar e a suspeita se faz na presença de um ou mais dos seguintes achados: sangramento digestivo baixo, saída de conteúdo fecalóide pela nefrostomia, fecalúria, pneumatúria, íleo paralítico, náusea, vômito, febre, leucocitose, peritonite ou sepse. Tomografia abdominal com injeção de contraste via retal e pielogra- fia anterógrada pela sonda de nefrostomia são os melhores exames de imagem para se confirmar a suspeita. Diagnóstico Diferencial Deve-se diferenciar a perfuração de cólon da (1) perfuração de ou- tras vísceras abdominais, (2) de quadros infecciosos não relacionados a perfuração intestinal, (3) de íleo paralítico metabólico e (4) de sangra- mentos intestinais baixos de outras causas. Conduta A lesão do cólon em segmento intraperitoneal deve ser abordada e reparada primariamente assim que identificada, seja por via aberta ou 162 laparoscópica. Em alguns casos pode-se optar por colostomia. A lesão do cólon em segmento extraperitoneal pode ser tratada de maneira conservadora ou intervencionista. O tratamento conservador pode ser indicado nos casos de diagnóstico intra-operatório ou mesmo em casos de diagnóstico tardio (desde que o paciente não apresente fe- bre, taquicardia, hipotensão, leucocitose, peritonite ou sepse) e consiste em (1) derivação urinária com cateter “duplo J”, (2) derivação intestinal (locando-se a sonda de nefrostomia no interior do cólon), (3) dieta oral sem resíduos (considerar dieta parenteral somente em fistulas com débi- to > 500mL ao dia) e (4) antobioticoterapia de amplo espectro (por pelo menos 14 dias, interessando especialmente germes gram-negativos e anaeróbios). Havendo boa evolução a sonda intestinal deve ser trocada por calibres cada vez menores, até o fechamento do trajeto cólon-cutâ- neo, quando então o cateter “duplo J” pode ser retirado. Se o paciente não preencher critérios para o tratamento conservador ou se este falhar (piora clínica, especialmente do ponto de vista infeccioso), o tratamento intervencionista deve ser considerado, com abordagem cirúrgica por via aberta ou laparoscópica, com reparo da lesão e eventualmente colosto- mia de proteção, se necessário. Ressalte-se que, independentemente da opção escolhida, a essência do tratamento é realizar a separação do trato urinário do trato intestinal e prevenir complicações infecciosas locais (abscessos, peritonite) e/ou sistêmicas (sepse). Leitura recomendada 1. Korkes F, Lopes Neto AC, Lucio II J, Bezerra CA, Wroclawski ER. Management of colon injury after percutaneous renal surgery. J Endourol 2009;23:569-573. 163 Capítulo 42 - Litíase Urinária - Complicação de Percutânea - Hidrotórax Nelson Gattás As complicações mais frequentes da cirurgia renal percutânea são: febre e sangramento, em menor percentual, hidrotórax, perfuração de órgãos (cólon, fígado e baço) e fístula urinária. O hidrotórax pode ocorrer em até 1% de todos os procedimentos percutâneos renais. A melhor postura que devemos ter é evitá-los, porém muitas vezes em situações de cálculos em cálices superiores, cálculos co- raliformes complexos e rins em ferradura (Figura 1), somos obrigados a realizar punções supra-costais (punção em cálice superior é mais efetiva em se obter o rim livre de cálculos). Quanto mais cranial a punção maior o índice de complicações pul- monares, podendo chegar a 30% em uma punção acima da 11ª costela. Punções acima da 10ª costela devem ser evitadas, pois a chance desta ser trans-torácica é grande e com consequências muitas vezes graves. Para evitar a lesão pleural aconselha-se realizá-la na parte mais lateral da cos- tela (figura 2). Após todo procedimento onde foi realizada uma punção supra-costal deve-se fazer um raio-X no pós-operatório imediato. O diagnóstico do hidrotórax pode ser feito no intra ou no pós-ope- ratório. No primeiro caso o cirurgião é avisado pelo anestesista que refere dificuldade na ventilação bem como diminuição da saturação de oxige- nio sanguíneo, diminuição do murmúrio ventilatório. Mediante este qua- dro o líquido de irrigação renal deve ser imediatamente suspenso com interrupção do procedimento. Conforme a exuberância do quadro clínico deve-se tentar remover o Amplatz sob visão até atingir o espaço pleural e já com essa manobra esvaziar o hidrotórax ou realizar uma punção aspira- tiva e observar a evolução do quadro, no caso de melhora realizar exames de imagem para averiguação de sua resolução. 164 No caso da cirurgia ter sido realizada com sucesso e sem intercor- rências no intra-operatório e no pós-operatório o paciente apresentar desconforto respiratório, dor torácica e/ou diminuição da saturação de oxigênio e ao exame clínico diminuição do murmúrio ventilatório, deve- -se suspeitar do hidrotórax que tem como diagnóstico diferencial o trom- bo-embolismo pulmonal. Para o diagnóstico inicialmente deve-se fazer um raio-X que identi- fica a presença de líquido acima de 200 ml. Em caso de dúvida o exame sequencial é o CT de torax que pode diagnosticar pequenos derrames. Tambem nestes casos dependendo da sintomatologia do paciente deve-se proceder a punção do líquido com agulha guiada por ultrassom e acompanhado clinicamente. O hidrotórax decorrente de cirurgia renal percutânea não costuma recidivar. Nos casos de evolução desfavorável realiza-se uma drenagem pleural habitual com colocação de dreno e soli- citar avaliação da clínica especializada. Como conclusão devemos sempre evitar os acidentes com as pun- ções renais percutâneas, seguindo os preceitos de uma técnica cirúrgica apropriada. A maioria dos casos de hidrotórax são resolvidos com uma punção aspirativa. Leitura recomendada 1. British Thoracic Society Pleural Disease Guideline 2010. Thorax, Vol 65, Suppl 2. 2. Bjurlin MA, O’Grady T, Kim R, Jordan MD, Goble SM, Hollowell CM.: Is routine postoperative chest radiography needed after percutaneous nephrolithotomy? Urology. 2012. 165 Figura 2 Figura 1 166 Capítulo 43 - Orquialgia Crônica Luiz Carlos Maciel Introdução Orquialgia crônica (OC) é unilateral ou bilateral, intermitente de duração superior a três meses e que interfere nas atividades diárias do paciente. A dor pode não ser exclusiva do conteúdo escrotal, assim o entendi- mento da inervação do escroto e seu conteúdo é passo importante para a adequada investigação etiológica. A inervação da parede anterior do escroto é estabelecida pelos ner-vos genitofemural e ilioinguinal, e a parede posterior por ramos do nervo pudendo. Os testículos e epididimos são inervados por ramos somáticos dos nervos genitofemural e ilioinguinal, e ramos autonômicos parassim- páticos pré-sacrais de T10-12 (testículos) e T10-L1 (epidídimos e vasos de- ferentes), enquanto a inervação somática parietal e visceral da túnica va- ginal e cremastérica por ramos do nervo genitofemural (L1-2). Ramos do plexo pélvico laterais à próstata podem atuar como via alternativa para a sensibilidade dolorosa do escroto e testículos. Diagnóstico A OC representa um dilema para os urologistas, em que 25% a 50% dos pacientes permanecerão sem causa etiológica definida, associado a este fato há tratamentos cujos resultados são frequentemente frustrantes. Os pacientes usualmente queixam-se de dor profunda em aperto, semelhante a sensação que instala-se “no dia seguinte a um chute no escroto”, podendo alternar-se quanto a lateralidade. A presença de fato- res de melhora ou piora podem estar presentes e habitualmente relacio- nam-se à postura. 167 É importante reconhecer que dor escrotal não é sinônimo de do- ença escrotal. Assim, as causas de OC podem ser divididas em escrotais ou não escrotais. Anamnese e exame físico detalhados com o paciente nas posições supina e em pé, além do exame dígito-retal da próstata, frequentemente não apresentam alterações. Na avaliação complementar a realização de ultrassom escrotal com doppler, análise seminal e urinária compõem a avaliação mínima. Outros métodos diagnósticos poderão ser utilizados com base nas informações clínicas e complementares básicas, tais como: ultrassom de vias urinárias, tomografia abdominal e pélvica, ressonância magnética nuclear da coluna ou quadril. Na tabela 1, estão listadas as doenças escrotais e não escrotais que podem estar relacionadas a OC. Conduta É importante orientar os pacientes de que a condição é crônica, e geralmente necessitará de terapêutica multimodal, além de que o objeti- vo principal é a melhora dos sintomas, já que dificilmente se alcançará a resolução completa dos sintomas álgicos. Desta forma o aconselhamento psicoterápico será benéfico, pois ajudará o paciente a relacionar-se me- lhor com a situação na qual encontra-se. Nas situações específicas, tais como hérnia inguinal, varicocele, gra- nulomas pós-vasectomia, cálculos ureterais, entre outras, o tratamento segue a rotina estabelecida para estas doenças. O tratamento deve iniciar-se por medidas clínicas, tais como modifi- car exercícios e hábitos posturais predisponentes e uso de suspensórios escrotais. Inicia-se o uso de analgésicos e anti-inflamatórios não hormo- nais durante 30 dias, estando a associação com antibióticos (tetraciclinas ou quinolonas) indicada em casos em que a avalição clínica e laboratorial favoreça a sua utilização. 168 Há bons resultados com o uso de agentes antidepressivos como ami- triptilina 10 mg-25 mg ou nortriptilina 10 mg -150 mg ao dia. Anticonvulsi- vantes, como a gabapentina, a qual deve iniciar-se com 300 mg e titulada até 3600 mg ao dia também são úteis exceto na orquialgia pós-vasectomia. O bloqueio do cordão espermático com solução de lidocaína 1% / predinisona 40 mg é utilizada tanto para tratamento como para confir- mação da origem escrotal da dor. A estimulação elétrica transcutânea neuronal (cordão espermático) por um a três meses apresenta bons resultados, assim como a denerva- ção por radiofrequência também foi descrita como boa opção em casos refratários ao tratamento clínico. Quando há falha destas opções terapêuticas, o tratamento cirúrgico deve ser considerado, sendo a microdissecção cirúrgica inguinal a primei- ra opção. Consentimento informado deve ser obtido, pois tanto a manu- tenção da dor, quanto a possibilidade de hematomas, hidroceles, atrofia testicular e hipogonadismo podem ocorrer, principalmente em pacientes previamente vasectomizados. Nos pacientes vasectomizados, a vasovasoanastomose deve ser con- siderada, não obstante deve-se considerar o custo deste procedimento, assim como a manutenção de nova opção contraceptiva. A denervação testicular laparoscópica é uma opção descrita na lite- ratura. A orquiectomia inguinal, por tratar-se de método permanente, de resposta incerta, além dos aspectos emocionais quanto a perda do testí- culo e o hipogonadismo, é uma opção terapêutica que deve ser evitada. 169 Tabela 1 - Possíveis causas de orquialgia crônica ESCROTAIS Epididimites Tumores testiculares Hidrocele, espermatocele Varicocele clínica Traumas escrotais Granulomas pós-vasectomia Testículos retráteis Torção intermitente NÃO ESCROTAIS / REFERIDA Herniorrafia inguinal Neuropatias lombares ou periféricas Tendinite na inserção pubiana do ligamento inguinal Encarceramento dos nervos genitofemural e/ou ilioinguinal Doenças: renais ou vésico-prostáticas Litíase reno-ureteral Aneurismas aorto-ilíaco Orquite por automanipulação Leitura recomendada 1. Masarani M, Cox R. The aetiology, pathophysiology and management of chronic orchialgia, BJU Int. 2003, 91:435-437. 2. Levine L. Chronic orchialgia: evaluation and discussion of treatment options, Ther Adv Urol. 2010, 2(5-6):209-214. 170 Capítulo 44 - Tratamento Clínico da Infertilidade Masculina Marcelo Vieira Introdução O tratamento clínico do fator masculino resume-se ao tratamento de causas específicas e inespecíficas. Tratamento de causas específicas Infecção do trato genital As infecções do trato genital causam aumento dos leucócitos no sê- men e consequente aumento dos radicais livres de oxigênio que causam alterações funcionais nos espermatozóides. Confirmação diagnóstica: cultura fracionada de primeiro jato de uri- na, jato médio, sêmen e urina após ejaculação. Diagnóstico diferencial: uretrite e prostatite. Conduta Uretrite: azitromicina (1,0 g dose única); tetraciclina (2,0 g fraciona- das durante 7 dias); doxiciclina (200 mg fracionadas durante 7 dias). Prostatites: fluorquinolona (1,0 g fracionada ao dia por 28 dias). Ejaculação Retrógrada Causada por alterações neurológicas, droga, manipulação cirúrgica ou idiopática. Confirmação diagnóstica: presença de espermatozóides na urina após ejaculação na presença de azoospermia com volume ejaculado abaixo de 1,5 ml e pH normal na análise seminal. Diagnóstico diferencial: obstrução do ducto ejaculatório (baixo vo- lume ejaculado, pH ácido e dosagem baixa de frutose no sêmen); aneja- 171 culação (ausência de ejaculado e ausência de espermatozóides na urina após a ejaculação). Conduta: no uso de alfa bloqueadores, suspensão da droga. A litera- tura avaliando o uso de simpatomiméticos, anticolinérgicos e associação de ambos é limitada e com casuística reduzida. A medicação é usada na tentativa de causar ejaculação anterógrada e utilização da amostra para Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides (ICSI). Na prática, usamos a apresentação comercial da associação de Loratadine e pseudo efedrina xarope cinco mL a cada oito horas por três dias e avaliamos a ejaculação. Hipogonadismo Hipogonadotrófico(HH) Prevalência de 1:10.000 homens podendo ser congênita ou adquirida. Confirmação diagnóstica: azoospermia ou oligozoospermia grave com avaliação hormonal mostrando dosagem baixa de FSH, LH e Tes- tosterona. Diagnóstico diferencial: somente entre as causas de HH. Conduta: FSH (urinário ou recombinante) 75 UI SC três vezes por se- mana associado ao HCG 1000 UI SC duas vezes por semana. Avaliar a do- sagem de testosterona após 30 dias, e caso apresente elevação, manter o tratamento por 90 dias e colher nova análise seminal. Manter o tratamen- to até a gestação ou a opção por técnica de reprodução assistida (TRA) com espermatozóide ejaculado. HiperprolactinemiaO aumento dos níveis de prolactina sem a demonstração de tumor na hipófise tem incidência entre 1% e 5% dos pacientes com oligozoospermia. Diagnóstico: elevação da prolactina e alteração na análise seminal. Diagnóstico diferencial: tumor da hipófise. Conduta: tratamento 90 dias Bromocriptina dose titulada de 2,5 a 5,0 mg ao dia. Carbegolina de 0,5 a 1,0 mg por semana, divididas em duas doses. 172 Tratamento de causas inespecíficas Para esses tratamentos não discutiremos o diagnóstico, uma vez que são utilizados para causas idiopáticas. Antioxidantes: a revisão de 34 artigos randomizados e controlados achou em três, com casuísticas pequenas, sugestão de melhor taxa de gestação para casais com subfertilidade após tratamento com TRA. Antiestrogênios: embora exista uma melhora do perfil hormonal com aumento da testosterona, não existe evidência suficiente para uti- lização da medicação. Inibidores da aromatase: usados para diminuir a conversão de an- drogênio por estrogênio no tecido adiposo pela aromatase, tem um úni- co trabalho prospectivo randomizado e com grupo-controle, mostrando a ausência de benefício no uso da testolactona no tratamento de causa idiopática. Testosterona: as formas de administração não produzem melhora na qualidade seminal ou gravidez quando comparadas ao placebo. Gonadotrofinas: os trabalhos de revisão sistemática carecem de de- senho adequado, casuística e comparação com placebo e a conclusão da revisão é que não há indicação do tratamento da causa idiopática basea- do nos dados atuais. Leitura recomendada 1. Antioxidants for male subfertility.Showell MG, Brown J, Yazdani A, Stankiewicz MT, Hart RJ.Cochrane Database Syst Rev. 2011 Jan 19;(1). 2. Clomiphene or tamoxifen for idiopathic oligo/asthenospermia. Vandekerckhove P, Lilford R, Vail A, Hughes E.Cochrane Database Syst Rev. 2007 Jul 18;(4). 173 Capítulo 45 - Azoospermia Carlos Alberto Monte Gobbo Definição Ausência de espermatozóides no líquido seminal mesmo após cen- trifugação. Necessário a análise de pelo menos duas amostras colhidas em espaço mínimo de 15 dias. Ocorre em aproximadamente 10% dos homens com infertilidade, sendo a causa mais comum a não obstrutiva. Com o desenvolvimento de técnicas de reprodução assistida, particular- mente a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), tornou-se possível a esses pacientes serem pais biológicos, desde que possam ser recuperados espermatozóides do epidídimo ou do testículo. Causas Azoospermia não obstrutiva (ANO) 1 - Pré-Testiculares: dosagens subnormais de LH, FSH, testostero- na, testículos diminuídos e pouco desenvolvimento de características sexuais masculina secundária indicam provável hipogonadismo Hipo- gonadotrófico por alterações hipofisárias ou hipotalâmicas. Podem estar relacionadas a Síndrome de Kallman, Síndrome de Prader-Willi, Síndrome de Bardet-Biedl, Ataxia cerebelar e Talassemia. Menos de 3% dos homens azoospérmicos têm como causa fatores pré- testiculares. É potencialmen- te tratável clinicamente com reposição hormonal (FSH e LH). 2 - Testiculares: podem estar associadas a dosagens elevadas de FSH. Testículos normais ou atróficos. As causas mais frequentes são: - Aberrações cromossômicas: sua incidência pode chegar a 16% nos ho- mens azoospérmicos. A Síndrome de Klinefelter (47,XXY) é a mais frequente das aberrações, atingindo 7% a 13% dos azoospérmicos, podendo haver indi- víduos com esta síndrome e cariótipo em mosaico (46, XY/47,XXY e outros). 174 - Mutações Genéticas: sua incidência em homens inférteis é de cerca de 5% a 10% e compreende translocações equilibradas. - Microdeleções do cromossomo Y: quando comparadas com outras causas conhecidas de infertilidade, as microdeleções do cromossomo Y são relativamente frequentes, chegando a 16% em azoospérmicos e sendo considerada uma causa comum na falência da espermatogênese. Três regiões do braço longo do cromossomo Y determinadas AZFa, AZFb e AZFc têm sido propostas como associadas à aplasia de células germi- nativas, parada da maturação e hipoespermatogênese respectivamente. Espermatozóides maduros são encontrados em biópsias testiculares em mais de 50% dos pacientes azoospérmicos com microdeleção na re- gião AZFc. Deve-se pesquisar microdeleções de cromossomo Y em todo homem com concentração espermática inferior a 5 milhões de esperma- tozóides/ml. - Criptorquidias de longa duração, neoplasias testiculares, exposição à radiação, exposição a fármacos e síndrome células de Sertoli são outras causas relacionadas a disfunções testiculares e azoospermia. Azoospermia obstrutiva (AO) Pós-testiculares: menos frequente que as causas não obstrutivas, cursa em geral com FSH, LH e Testosterona normais. Na palpação do cor- dão espermático, testículos e epidídimos, podemos constatar alterações como: agenesia ou granulomas de deferentes, cistos e fibroses no epidí- dimo. Os testículos são em geral de tamanhos normais. Causas mais frequentes: vasectomia; Iatrogênicas (cirurgias de her- niorrafias e oquidopexias); infecções genitais (prostatites e orquiepididi- mites); agenesia congênita dos deferentes; fibrose cística. Tratamento Azoospermia não obstrutiva (ANO): causas pré-testiculares: inicial- mente pode se tentar tratamento clínico com reposição de FSH E LH e se não houver resposta satisfatória utilizar técnica de reprodução assistida. 175 Causa Testicular (ANO): os procedimentos são mais complexos e realizados após uma rotina diagnóstica que inclui avaliação hormonal e genética. O objetivo é predizer quais os pacientes terão mais chances de ter espermatozóides encontrados por meio de uma biópsia testicular (TESE- Testicular sperm extraction)ou Aspiração testicular (TESA- Testicular sperm aspiration). As taxas de dosagens de FSH são pouco específicas e a inibina mostrou limitações no uso clínico. O melhor fator preditivo é o achado de microdeleção AZFa e AZFb que estão relacionados à ausência de espermatozóides nas biópsias. Nestes casos é fundamental que estas biópsias sejam feitas em serviço de reprodução humana e de preferência no momento da coleta dos gametas femininos para posterior utilização em técnicas de fertilização in vitro. Em virtude do alto risco de não se obter espermatozóides, nestes casos é aconselhável a obtenção prévia de auto- rização do casal para utilização de espermatozóides de banco de sêmen. Causa pós-testiculares (AO): nos casos de vasectomia e alguns ca- sos favoráveis, a proposta cirúrgica tem demonstrado bons índices de sucesso, sobretudo quando o tempo de vasectomia é inferior a 10 anos. Nos demais casos, a obtenção de espermatozóides por meio de técnicas de aspiração de espermatozóides no epidídimo ou no testículo (MESA e TESA) ou técnicas de Percutâneous sperm aspiration (PESA) ou testicular sperm extraction (TESE) para utilização em técnica de ICSI tem demons- trado ser a melhor opção. Leitura recomendada Alan J. Wein at al. Azoospermia, Campbel-Walsh urology 9th ed. 2007, 611-716. Sandro C. Esteves at al. An update on the clinical assessment of the infertile male. International. 176 Fluxograma FIGURA 1. Algoritmo avaliação de pacientes com azoospermia. AID - Inseminação artificial usan- do doador de esperma; FSH – Hormônio folículo estimulante; IVF – Fertilização in-vitro; LH – Hor- mônio Luteinizante; MESA – Microcirúrgico aspiração de esperma o epedidimal; TESA – Extração testicular de esperma ZOOSPERMIA - 2 amostras centrifugadas BILATERAL AGENESIA DEFERENTE AVALIAÇÃO GENETICA FIBROSE CISTICA TESE/IVF AID - ADOÇÃO TAMANHO DO TESTÍCULO FSH FSH OBSTRUÇÃO HIPOGONADISMO HIPOGONODOTROFICO BIÓPSIA TESTICULAR FALÊNCIA TESTICULAR PRIMÁRIA FALÊNCIA TESTICULAR PRIMÁRIA AID/MESA OU MESE/IVF ADOÇÃO EPIDIDINOVASOAMOSTOSE OU VASOVASONASTOMOSETESE/IVF AID - ADOÇÃO TESE/IVF AID - ADOÇÃO LH, PROLACTINA CT/RN CRANIO GONADOTROFINAS DEFERENTE PRESENTE AUSÊNTE ATROFIA NORMAL OU UNILATERAL ATROFIA BILATERAL ALTOBAIXO NORMAL NORMAL ANORMAL ANORMAL 177 Capítulo 46 - Hemospermia Rodrigo Perrella Introdução A hemospermia, também chamada de hemoespermia, hematos- permia ou hematoespermia, é definida como presença macroscópica de sangue no sêmen. É uma condição relativamente rara, com incidência indefinida, es- timada em 0,5% na população geral, ocorrendo na maior parte em pa- cientes jovens (menores que 37 anos) e geralmente autolimitada. Porém, representa fonte de extrema ansiedade por parte de médicos e pacientes. Diagnóstico Diferencial Com o avanço das técnicas diagnósticas, principalmente dos exames de imagem, a etiologia pode ser definida em 85% dos casos. Diversas patologias e condições estão associadas e podem ser dividi- das nas seguintes categorias (Tabela 1). Conduta História clínica: a abordagem deve ser sistemática e a investigação detalhada. Deve-se questionar coloração, duração dos sintomas, frequên- cia, recorrência, patologias associadas, associação com sintomas urinários, perda de peso, sintomas sexuais, histórico da atividade sexual, anteceden- tes cirúrgicos, medicações, contato e epidemiologia para tuberculose. É primordial acalmar o paciente e orientá-lo sobre a possibilidade de resolução espontânea, que pode ocorrer em até 61% dos pacientes jovens (menores que 40 anos). A associação com malignidade não é ele- vada, sendo 3,1% em pacientes acima de 50 anos. 178 Exame físico: da mesma maneira que a história clínica, o exame físico do paciente deve ser minucioso. Deve-se avaliar pressão arterial, tempe- ratura e inspeção abdominal, pesquisando linfonodomegalias, massas palpáveis, hepatomegalia ou esplenomegalia. O exame genital pormenorizado e o toque retal são mandatórios, podendo direcionar a avaliação complementar. Investigação complementar e conduta: pacientes com idade inferior a 40 anos, com episódio único, sem alterações significativas na história clínica e exame físico, podem ser somente orientados ou tratados em- píricamente com antibiótico. Na recorrência ou em idades avançadas, a investigação se impõe (Fluxograma 1). Inicialmente, a avaliação laboratorial com hemograma, análise da urina e espermograma podem direcionar o tratamento nos casos menos complexos. A espermocultura não deve ser solicitada, pois o elevado ín- dice de contaminação na coleta pode prejudicar a avaliação. Na suspeita de infecção seminal, com presença de leucocitoespermia, deve-se realizar antibioticoterapia empírica. Em algumas situações exames complementares adicionais são ne- cessários. Exemplos são a coleta de PSA em pacientes acima de 40 anos, a análise específica do sêmen e da urina quando a epidemiologia for positi- va para tuberculose e avaliação hematológica na suspeita de coagulopa- tia, uso de anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários. Quando o diagnóstico não é estabelecido, deve-se partir para inves- tigação por imagem. Dentre os exames se destacam a Ultrassonografia Transretal (USTR) e a Ressonância Magnética (RNM). Destes, a Ultrassonografia Transretal tem uma acurácia que varia en- tre 74% e 95% nos casos de alterações anatômicas e deve ser a primeira escolha. A Ressonânica Magnética permanece como padrão ouro, deven- do ser realizada quando a ultrassonografia for inconclusiva. A técnica en- volve utilização de contraste endovenoso (gadolíneo), bobina endoretal e avaliação das imagens em T2. 179 Nos casos inconclusivos ou de alto risco a uretrocistoscopia rígida e/ou flexível tem importância, possibilitando avaliação direta e até trata- mento no mesmo tempo. Massagem prostática durante o procedimento ou promoção de ereção fármaco induzida podem causar sangramento e conclusão diagnóstica durante o exame. Conclusão: a hemospermia é uma patologia com incidência baixa e curso autolimitado na maioria dos homens, porém os múltiplos diagnós- ticos diferenciais e a ansiedade do paciente podem prejudicar a avaliação e tratamento. Tabela 1 Inflamação e Infecção Alterações e Mal Formações Ductais Tumores Fatores Sistêmicos Trauma e Lesões Iatrogênicas Alterações Vasculares Idiopática Prostatite, Uretrite, Orquiepididimite, Inflamação das Vesículas Seminais, Cálculo em uretra, próstata, bexiga, Tuberculose Doenças Sexualmente Transmissíveis, Infecção urinária Divertículo de Vesícula Seminal, Cálculo no Ducto Ejaculatório ou Vesícula Seminal, Cistos do Ducto Ejaculatório, Cistos Prostáticos, Obstrução do Ducto Ejaculatório Benignos, Granulomas, Condiloma, Leiomioma, Hiperplasia Prostática Benigna Malignos, Vesícula Seminal, Próstata, Sarcomas, Melanoma, Carcinoma Intraductal, Bexiga, Uretra Hipertensão Arterial Intensa, Hemofilia, Leucemia, Linfoma, Amiloidose das Vesículas Seminais, Plaquetopenia, Lupus Eritematoso Sistêmico, Granulomatose de Wegener Biópsia Prostática, Vasectomia, Orquiectomia, Braquiterapia, Radioterapia, Cirurgia Prostática, Trauma Genitourinário Varizes Prostáticas, Mal Formação Artério Venosa, Teleangiec- tasias, Hemangioma Masturbação, Atividade Sexual Exagerada, menstruação da Parceira Leitura recomendada 1. Jones DJ. Hemospermia: A prospective study. Br J Urol. 1991; 67:88. 2. Leocárdio DE, Stein BS. Hematospermia: Etiological and manegement considerations. Int. Urol Nephrol. 2009; 41 (1): 77-83. 180 Fluxograma HEMOSPERMIA HISTÓRIA CLÍNICA Infecção, Trauma, DST, Distúrbio coagulação, Comorbidades, Avaliação da parceira Exames Complementares • Urina tipo I + Urocultura • Hemograma • Espermograma Exames Complementares Adicionais • Idade > 40 anos → PSA • Histórico sangramento ou Uso ACO → Coagulograma • Suspeita Tuberculose → Avaliação urina e sêmen • Alteração parceira → Teste com preservativo Hemograma e Espermograma EXAME FÍSICO PA, Exame genital, Toque retal, Avaliação meato uretral ITU DST USTR NormalAlterado RNM Normal Diagnóstico Uretrocistoscopia Ausência Diagnóstico Leococitoespermia < 40 anos e Episódio ocasional Tratamento Específico Resolução Sem resolução Alta ou Seguimento Tratamento Específico Tratamento baseado e cultura Tratamento Empírico com antibiótico > 40 anos e/ou Recorrência 181 Capítulo 47 - Bexiga Hiperativa Celso de Oliveira A bexiga hiperativa (BH) é uma síndrome caracterizada por alteração na frequência miccional, principalmente urgência, com ou sem incontinên- cia e sem causa local ou metabólica. Afeta ambos os sexos, em qualquer faixa etária e a incidência aumenta com a idade (30% acima dos 75 anos). A incontinência de urgência, observada em 1/3 dos casos, prevalece no sexo feminino (BH úmida). Nos homens predomina a BH seca (sem perdas). O quadro clínico caracteriza-se por alterações na frequência urinária com polaciúria, noctúria, urgência miccional e incontinência por urgên- cia, sem outras enfermidades como: obstrução infravesical, pós-operató- rio de correção de incontinência urinária de esforço, Ca “in situ” da bexiga, litíase vesical, infecção do trato urinário (ITU) e bexiga neurogênica. Diagnóstico É feito clinicamente, baseado na anamnese, auxiliada pela realização do diário miccional. É importante afastar causas locais (vide quadro clí- nico). O sintoma de urgência miccional é o mais frequente e relevante, caracterizado como desejo miccional repentino de difícil controle. É im- portante a utilização de questionários - KHQ (King’s Health Questinnaire) ou o ICQ-S (International Consultation on Incontinence Questionnaire). O exame físico geralmente normal é importante para afastar pos- síveis alterações que proporcionem disfunção miccional (Ex. bexigomacom incontinência urinária paradoxal). O exame ginecológico sempre deve ser realizado, pois distopias genitais, vulvovaginites e incontinên- cia urinária de esforço podem levar a sintomas confundidos com BH. No exame neurológico, mesmo que sumário, observar a marcha, equilíbrio, tremores, reflexos perineais alterados, que podem evidenciar patologias neurológicas que levam à disfunção miccional. 182 Exames complementares: O exame de urina tipo I com cultura e an- tibiograma para todos os casos, pois a presença de ITU, mesmo que não seja a causa da BH, vai interferir na evolução da mesma. Outros exames laboratoriais ficam na dependência das condições clínicas do paciente. A ultrassonografia do abdômen deve ser realizada sempre, pois é de sim- ples execução e traz dados valiosos como: volume prostático (homem), esvaziamento vesical (volume residual), morfologia (hipertrofia), litíase vesical entre outros. A avaliação urodinâmica, embora não seja reco- mendada de rotina, acredito que deve ser realizada sempre que possível. Detecta alterações na complacência, a capacidade vesical, disfunções es- fincterianas (relaxamento perineal deficiente) e outras situações impor- tantes no diagnóstico, tratamento e prognóstico da BH. Lembrar que em 30% não ocorre contrações involuntárias (urgência miccional sensitiva). A uretrocistoscopia tem sua indicação limitada aos casos de hematúria e suspeita de Ca “in situ” da bexiga. Tratamento Comportamental: ingerir menor quantidade de líquidos, principal- mente à noite, para evitar a noctúria; atividade física, para diminuir a obe- sidade e o sedentarismo; abolir o uso do tabaco; corrigir disfunções intesti- nais (constipação); evitar ingestão de bebidas alcoólicas, gasosas e cafeína. Micção programada (a cada 1 ou 2 horas), sempre antes que o volume intravesical desencadeie a contração involuntária. Aumentar o intervalo progressivamente até atingir um período confortável entre cada micção. Reabilitação do assoalho pélvico. Tratamento fisioterápico baseado em exercícios de contração e relaxamento da musculatura perineal, com uso de cones, eletroestimulação e “biofeedback”. Os resultados são obti- dos através da inibição reflexa da contração detrusora condicionado pela contração perineal. Estimulação do nervo tibial posterior por gerador monopolar, atra- vés de agulha usada para acupuntura. O resultado esperado é a neuromo- dulação retrograda do arco reflexo sacral inibindo a contração detrusora. 183 Farmacoterapia Oral: Consiste no uso de antimuscarinicos, com bons resultados em 70% dos casos, porém com baixa adesão a longo prazo devido aos efeitos colaterais: boca seca, obstipação intestinal e distúrbios de conduta. As formulações com absorção lenta trazem melhores resulta- dos. Estão contraindicados em pacientes com glaucoma. a) Oxibutinina: Ação nos receptores M1; M3 e M4, além de ter ativi- dade antiespasmódica e anestésica. Seu principal inconveniente são os efeitos colaterais. b) Tolterodina: ação mais seletiva na bexiga e menor efeito colateral que a oxibutinina. c) Darifenacina: atua predominante- mente nos receptores M3, por isso consegue apresentar menos efeitos colaterais. d) Solifenacina: Age nos receptores M2 e M3, e parece ter o mesmo espectro de ação que a darifenacina. Farmacoterapia Intravesical: Aplicação de toxina botulínica tipo A di- retamente no músculo detrusor por cistoscopia, com injeção de 100 a 300 U, em 20 ou 30 pontos da bexiga. Tem indicação nos pacientes refratários ao tratamento com antimuscarínico, e sua ação é reversível após cerca de 6 meses, necessitando de nova aplicação. Neuromodulação: Implante de eletrodo junto à raiz nervosa S3, que estimulado por gerador elétrico (marca passo vesical), abole ou diminue as contrações involuntárias do detrusor. Método de custo elevado, fican- do limitado a casos bem selecionados. Cirurgia: Tratamento de última escolha, quando os demais falharam, e consiste em ampliação da capacidade vesical com segmento de intes- tino delgado. Leitura recomendada 1. Abrams P, Cardozo L, Fall M et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function: Neurourol Urodyn 2002; 21(20:167-78. 2. Simonetti R. Bexiga Hiperativa, In Urologia Fundamental. Planmark 2010; 28:252-57. 184 Capítulo 48 - Líquen Escleroso / Balanite Xerótica Obliterante Marcelo Hisano A balanite xerótica obliterante é uma dermatose inflamatória, pro- gressiva e esclerosante da glande e prepúcio, de etiologia incerta. Esta doença foi inicialmente descrita por Hallopeau em 1887. O termo balani- te xerótica obliterante foi definido em 1928 por Stuhmer e o nome deriva de três componentes da doença: balanite (inflamação crônica da glande), xerótica (aparência seca da lesão) e obliterante (associação ocasional de endarterite). Em 1976, adotou-se oficialmente o termo líquen escleroso como sinônimo de balanite xerótica obliterante, a nomenclatura prefe- rencialmente utilizada. Confirmação Diagnóstica O diagnóstico de líquen escleroso é habitualmente clínico. A apre- sentação clínica é variável, podendo ser assintomática. Os sintomas ini- ciais podem ser máculas pálidas ou eritematosas, com branqueamento ou vermelhidão da glande, prepúcio e sulco coronal, e espessamento da glande e prepúcio. Pode surgir um anel esclerótico na ponta do prepúcio, o que pode provocar ou impedir a retração do mesmo, levando a fimose e ereções dolorosas. Com a progressão da doença, a glande pode ficar aderida ao prepú- cio, com substituição fibrosa do sulco coronal e freio. Além disso, pode ocorrer estenose de meato, fossa navicular e uretra peniana, com sinto- mas de dificuldade miccional, jato fraco e até retenção urinária. O diagnóstico histológico pode ser feito por meio de biópsia, que deve ser considerada para excluir outras doenças genitais ou excluir a pre- sença de carcinoma de células escamosas, presente em 4% a 8% dos casos. Os achados habituais são: hiperqueratose do epitélio, degeneração hidrófica das células basais, esclerose do colágeno subepitelial, infiltração 185 linfocítica da derme, atrofia epidérmica e homogeneização do colágeno do terço superior da derme. Arteríolas da derme superior e média podem apresentar evidências de endarterite obliterante. Diagnóstico Diferencial Os diagnósticos diferenciais de líquen escleroso são: balanites (fún- gica ou bacteriana); carcinoma in situ e carcinoma de células escamosa; balanite de Zoon, eritroplasia de Queyrat; líquen plano; leucoplaquia; psoríase; balanite circinata (síndrome de Reiter); dermatite de contato; pênfigo cicatricial; esclerodermia e reações medicamentosas. A biópsia é útil na confirmação diagnóstica destes casos. Conduta Os objetivos do tratamento são: aliviar sintomas e desconforto, evi- tar alterações anatômicas como estenoses e prevenir transformação ma- ligna. Um resumo dos tratamentos disponíveis é apresentado na Tabela 1. Os tratamentos existentes para líquen escloroso podem ser clínicos ou cirúrgicos. O tratamento clínico é feito com o uso de corticoide tópico, em geral para casos de envolvimento prepucial ou glandar leve ou mode- rado. Não há um tratamento tópico universalmente recomendado e con- sagrado. Uma das alternativas mais utilizadas é o creme de proprionato de clobetasol a 0,05% uma a duas vezes ao dia por 6 a 8 semanas. Após este período, pode-se realizar uma manutenção a cada dois dias por mais 12 a 16 semanas. Outras formulações com diproprionato de betametaso- na a 0,05% ou aceponato de mometasona a 0,1% podem ser utilizadas como alternativa ao clobetasol. Efeitos colaterais de corticoides tópicos são: atrofia cutânea, supressão adrenal, hipopigmentação e sensibilidade de contato (queimação, coceira, maceração). O uso de corticoides sistêmicos deve ser reservado para casos severos, não-responsivosou em pacientes intolerantes à terapia tópica. O tratamento cirúrgico depende da apresentação clínica. Nos casos em que o envolvimento da doença ocorre no prepúcio ou glande, a cir- 186 cuncisão pode ser o tratamento único e o mais eficiente; deve-se sempre enviá-lo para análise histológica. Isto se deve à eliminação do ambiente úmido sobre a glande, permitindo que o epitélio glandar seque, evitan- do a progressão da doença. O sucesso deste tipo de tratamento, quando bem indicado, varia de 92% a 96%. Nos casos de falha terapêutica ou reci- diva, pode-se iniciar o tratamento tópico com corticoide. Em casos severos da doença, com perda da diferenciação da coroa glandar por aderências, há necessidade de ressecção do revestimento glandar e prepúcio, associado a enxerto de pele. O meato uretral e a uretra podem estar envolvidos. O tratamento de- pende da extensão da lesão. Nos casos de envolvimento apenas meatal, o tratamento pode ser feito com aplicação tópica de corticoides e dilata- ção, ou por meio de uma meatoplastia. Nos casos de envolvimento uretral, podem-se realizar dilatações ure- trais periódicas, uretrotomia ou reconstruções uretrais preferencialmente com excisão dos tecidos doentes e substituição com enxertos de mucosa em 1 ou 2 tempos, uma vez que o uso de enxertos ou retalho de pele local associa-se a recidiva da estenose. 187 Tabela 1 – Tratamento do líquen escleroso de acordo com o local da doença Localização do Líquen Escleroso Limitado ao Prepúcio Glande Meatal Uretral Tratamento - Circuncisão ± liberação de aderências - Histologia - Corticoide tópico se leve/assintomático - Leve/moderado: circuncisão e observação (± corticoide tópico) - Severo: ressecção da epiderme e enxerto - Carcinoma: ressecção da glande/penectomia e reconstrução - Recente: dilatação ± corticoide tópico - Crônico: meatotomia/meatoplastia e uretroscopia - Excisão do líquen e substituição com mucosa oral - 1 ou 2 tempos Leitura recomendada 1. Depasquale I et cols. The treatment of balanitis xerotica obliterans, Br J Urol Int. 2000, 86:459-65. 2. Clouston D et cols. Penile lichen sclerosus (balanitis xerotica obliterans), Br J Urol Int. 2011, 108 (suppl 2):14-19. Urologia Oncológica 49 - Câncer de Próstata - Compressão Medular 50 - Câncer de Próstata - Perfuração do Reto na Prostatectomia 51 - Complicações do Tratamento Hormonal no Câncer de Próstata 52 - Câncer Vesical não Músculo Invasivo - Indicação e Opções de Terapia Adjuvante (BCG, Mitomicina) 53 - Complicações do Uso do BCG 54 - Tumor Renal - Proteção aa Função Renal na Nefrectomia Parcial 55 - Feocromocitoma - Cuidados Peri e Intraoperatórios 56 - Incidentaloma Suprarrenal - Análise Funcional 191 Confirmação diagnóstica Dor lombar é o sintoma mais comum de compressão medular, ocorrendo em 75 a 100% dos pacientes; a dor é geralmente gradual no início e progressiva dentro de dias a meses, podendo ser focal, radicular ou referida. Fraqueza muscular pode ocorrer em dias a semanas após o início da dor e afeta, em geral, a musculatura proximal das extremidades inferiores, podendo ou não ser acompanhada de perda sensorial e dis- função autonômica (retenção ou incontinência urinária e fecal). Exame neurológico normal não exclui a possibilidade de compressão da medula espinhal iminente. Em 80 a 90% dos pacientes com compressão medular a radiografia simples da coluna detecta alterações como colapso ou ero- são do corpo verteberal ou pedículo, embora tais alterações não sejam específicas. A tomografia computadorizada também pode ser utilizada não apenas para diagnóstico e detecção da extensão da destruição ós- sea mas também para planejamento cirúrgico se necessário. Entretanto, a ressonância magnética é hoje o procedimento radiológico de escolha em pacientes com suspeita de compressão medular, apresentando sensibili- dade e especificidade similares às de uma mileografia para detecção de massas extradurais além de elevada acurácia no diagnóstico de metás- tases intradurais e massas paravertebrais. É importante lembrar que até 27% dos pacientes apresentam lesões compressivas múltiplas, de modo que exame de imagem de toda a coluna é recomendado. Diagnóstico diferencial Mielite aguda transversa, hematoma subdural, abcesso epidural, mal formação arterio-venosa, esclerose lateral amiotrófica, síndrome da cau- da equína, discopatias intervertebrais (hérnia discal), esclerose múltipla, estenose de canal medular, polineuropatias, lesões do plexo pélvico Capítulo 49 - Câncer de Próstata - Compressão Medular Rafael Ferreira Coelho 192 Conduta O tratamento deve ser iniciado assim que o diagnóstico é realiza- do. O objetivo do tratamento é o controle da dor e evitar deterioração neurológica. Com o tratamento adequado, 89 a 100% dos pacientes tem a capacidade de deambulação preservada se não houver déficit motor evidente ao diagnóstico; essa taxa cai para 39 a 83% em pacientes já com dificuldade de deambulação ao diagnóstico. Corticoesteróides intra- venosos devem ser iniciados imediatamente após o diagnóstico com o objetivo de reduzir a dor, edema e manter a função motora. A dexameta- sona é a droga de escolha, embora a dose ideal seja alvo de controvérsia. Dependendo da severidade da lesão alguns autores recomendam um bolus variável de 10 a 100mg seguido por 4 a 24 mg 4 vezes por dia por 3 dias. Entretanto, alguns estudos demonstram que os esquemas com doses elevadas não parecem trazer benefício adicional. A dose deve ser reduzida gradativamente em um terço a cada 3 dias. Outra medida im- portante é o controle adequado da dor que deve ser feito com opiáceos como morfina, hidromorfina ou oxycodona associados a outros analgé- sicos, conforme recomendações da OMS para controle de dor oncoló- gica. O bloqueio hormonal é outro pilar do tratamento da compressão medular. O maior benefício é observado em pacientes virgens de trata- mento, os quais apresentam uma sobrevida mediana de 16 a 42 meses, enquanto pacientes que desenvolvem compressão medular na vigência de bloqueio hormonal têm sobrevida média de apenas 6 a 8 meses. O tratamento local das metástases na coluna é realizado com radioterapia e/ou descompressão cirúrgica. A radioterapia é um tratamento efetivo, apresentando taxa de sucesso na preservação da capacidade de deam- bulação de 90 a 100% nos pacientes sem déficit motor prévio, 50 a 67% nos pacientes paréticos ao diagnóstico e 20 a 25% nos pacientes que já apresentam paraplegia antes do tratamento. A descompressão cirúrgica é geralmente reservada para pacientes com lesões solitárias na coluna e em pacientes com expectativa de vida superior a 6 meses que apresentam piora do quadro clínico na vigência de radioterapia ou com história de tratamento prévio radioterápico no 193 mesmo sítio. Finalmente, vale lembrar que existe um risco de cerca de 45% de um novo episódio de compressão medular em 2 anos, de modo que estes pacientes devem ser cuidadosamente seguidos afim de evitar lesões neurológicas irreversíveis. Leitura recomendada 1. Tazi H, Manunta A, Rodriguez A, Patard JJ, Lobel B, Guillé F. Spinal cord compression in metastatic prostate cancer. Eur Urol. 2003 Nov;44(5):527-32. 2. Benjamin R. Neurologic complications of prostate cancer. Am Fam Physician. 2002 May 1;65(9):1834-40 194 Capítulo 50 - Câncer de Próstata - Perfuração do Reto na Prostatectomia Fernando César Sala A lesão do reto é uma possível complicação da prostatectomia radi- cal, seja ela realizada por qualquer técnica disponível até o momento. Há uma década sua incidência oscilava entre 0,5% a 9%, porém dados mais recentes têm demonstrando importante queda nesta incidência, que foi relacionada à superação da curva de aprendizado e maior experiência dos cirurgiões (Tabela 1).Diagnóstico O diagnóstico das lesões retais ocorre entre 54% a 88% no intra-ope- ratório por meio de visualização direta da lesão. A localização desta variável com a técnica empregada: • Perineal: durante a dissecção do plano entre o reto e a fáscia de Denonvilliers. • Retropúbica: na dissecção apical. • Laparoscópica e robótica assistida: na região póstero-apical duran- te a dissecção da banda neuro-vascular. Quanto ao diagnóstico tardio, este é feito com a constatação de fístula reto-urinária por meio de descarga urinária anal, Pneumatúria e Fecalúria. O diagnóstico diferencial para esse quadro seriam os abscessos pél- vicos e lesões de outras alças intestinais. Conduta (Perfuração do Reto) Atualmente a padronização do pré-operatório da prostatectomia ra- dical inclui o preparo mecânico intestinal (enema) e antibiótico profilaxia (cefalosporina: 1ª ou 2ª geração) medidas estas fundamentais quando da futura lesão de reto. 195 Lesão retal diagnosticada no intra-operatório: A) Proceder ao reparo primário da lesão sem colostomia. • Sutura em duas camadas com fio absorvível (3-0): - 1ª camada = sutura contínua da mucosa - 2ª camada = pontos separados sero-muscular • Lavar a região pélvica exaustivamente com soro fisiológico (se hou- ver dúvida quanto à qualidade da sutura realizar manobra do borracheiro). • Realizar a anastomose vésico-ureteral mais hermética possível, para evitar extravasamento de urina na região, minimizando o risco de fístula. Se necessário testar a anastomose instilada 200 ml de SF 0,9% por meio da sonda uretral. • Se possível interpor flap de omento pediculado entre o reto sutura- do e a anastomose vésico-uretral (para tal, abrir pequena janela no peri- tônio em caso de cirurgia extraperitoneal). • Drenagem do espaço de Retzius e fundo de saco de Douglas. • Antibioticoterapia de amplo espectro (cobertura para anaeróbios, aeróbios e gram - ) durante 7 dias. • Dieta de absorção alta sem resíduo, iniciando no primeiro pós-ope- ratório até o quinto pós-operatório. Após, instituir dieta regular. • Sondagem uretral por 10 a 21 dias. • Acompanhamento clínico, laboratorial e imaginológico de possível quadro infeccioso (abscesso, peritonite, fístula etc.) B) Proceder o reparo primário da lesão com colostomia protetora em casos de: • Irradiação prévia do reto. • Lesões extensas com grandes defeitos e grande extravasamento de conteúdo retal. 196 Obs.: entendem-se como grandes defeitos: lesões em que o reparo do reto venha a comprometer o calibre normal de seu lúmen, ocasionan- do estreitamento de sua luz ou tensão na sutura. Lesão retal diagnosticada no pós-operatório (fístula reto-urinária) Deve ser baseado nos sintomas e sinais apresentados: A) Descarga urinária anal e pneumatúria: - Tratamento conservador • Sondagem uretral ou supra púbica • Dieta de absorção alta sem resíduo por 4 semanas Índice de sucesso: 14% a 54% B) Fecalúria, infecção sistêmica, peritonite ou falha de tratamento conservador: • Colostomia e sondagem uretral ou supra púbica (mantida por 2-3 meses) C) Persistência da fístula por 2 a 3 meses após item B. • Correção cirúrgica da fístula: abordagem transanal (técnica de York- -Manson ou Latzko) ou abordagem perineal (acesso de Young). Em ambas as abordagens os tecidos urinário e retal que compõem a fístula são separados e suturados separadamente com fios absorvíveis (2-0 ou 3-0), sendo a urinária com pontos separados em um único plano e o retal em dois planos: mucoso com sutura contínua e sero-muscular com pontos separados. A interposição de tecidos entre o tecido retal e urinário é opcional (exemplo: tecido subdártico, túnica vaginalis, músculos). O índice de sucesso deste procedimento oscila entre 90% a 100% segundo Youssef et al. 197 Tabela 1 % lesão de reto 1,3% 0,6% 1,0% 0,17% Técnica Laparoscopia transperitoneal Retropúbica Perineal Robótica resistida Autores Guillonneau et al Scardino et al Costa et al Lee et al Descarga urinária via anal Pneumatúria Fecaluria (sepsis) peritonite infecção sistemica Colostomia+sonda uretral ou cistostomia Correção cirúrgica da fístula Fechamento da colostomia Falha Sucesso Falha 2-3 meses Sintomas Clínicos Sondagem uretral ou cistomia supra púbica+dieta de absor- ção alta sem resíduo (4 semanas) Algoritmo: tratamento de fístula reto-urinária pós-prostatectomia radical Leitura recomendada 1. Christian T. cols. Incidence, Clinical Symptons and management of rectourethral fistulas after radical prostatectomy. J Urol 2010-183, 608-612. 2. Lee DI e Cols: Rectal Injury During Robot-assisted Radical prostatectomy: Incidence and management. J Urol 2011-186, 1928-1933. 198 Capítulo 51 - Câncer de Próstata - Complicações do Tratamento Hormonal Hamilton de Campos Zampolli A terapia de privação androgênica (ADT) como modalidade de tra- tamento do câncer de próstata (CaP) metastático e localmente avança- do está bem estabelecida e tem sido cada vez mais utilizada, entretanto, mesmo por curto período, a ADT pode ocasionar complicações que au- mentam o risco do desenvolvimento de condições clínicas de alta morbi- dade. Doença cardiovascular, dislipidemias, HAS, resistência a insulina e diabetes tipo II, diminuição da densidade mineral óssea (DMO), fraturas e síndrome metabólica podem comprometer a expectativa de vida. Perda de libido, disfunção erétil, fogachos, anemia, fadiga, sarcopenia, ganho de peso, alterações de apetite, ginecomastia e depressão relacionam-se a perda de qualidade de vida. Apesar destas complicações, a ADT é fre- quentemente utilizada em situações clínicas onde não há clara evidência de ganho na sobrevida global. É fundamental que o urologista esteja fa- miliarizado com estes efeitos indesejáveis e apto a imprimir estratégias de prevenção, tratamento e controle destas complicações. Figura 1: Complicações da Terapia Hormonal no Tratamento de Câncer de Próstata 199 Cerca de 50% a 80% dos pacientes experimentam algum grau de ins- tabilidade vasomotora, traduzida por fogachos, ondas de calor, sudorese profusa e rubor facial, que podem ser precedidos de cefaléia e palpitação. São mais comuns nas primeiras semanas de tratamento e mais frequen- tes após castração medicamentosa. As opções de tratamento incluem estrógenos, acetato de megestrol, clonidina, progestágenos, antidepres- sivos, neuromoduladores e acupuntura. A testosterona é necessária para um desejo sexual normal, ereção espontânea e ejaculação, e a diminuição ocasionada pela ADT induz a dis- função sexual pelos mesmos fatores de risco associados a doença cardio- vascular. Farmacologicamente, os inibidores de fosfodiesterase represen- tam a primeira linha de tratamento, seguidos de drogas intracavernosas, dispositivos de vácuo e implante de prótese peniana. Psicoterapia cola- bora para melhorar a função sexual e qualidade de vida destes pacien- tes. A monoterapia com antiandrogênicos é uma alternativa associada a menor disfunção sexual, entretanto não representa uma ADT adequada, pois não induz a níveis de testosterona compatíveis aos de castração. O bloqueio androgênico intermitente melhora o desempenho sexual nos intervalos de tratamento. Os andrógenos estimulam a eritropoese, portanto, a diminuição de testosterona pode produzir anemia resultando em fadiga e impactando na qualidade de vida. Uma das mais sérias complicações da terapia de privação androgê- nica é a síndrome metabólica (SM). Esta condição, que inclue resistência a insulina, aumento da gordura visceral abdominal, dislipidemia (eleva- ção de triglicérides e diminuição de colesterol HDL) e hipertensão, é res- ponsável pelo aumento do risco de desenvolver diabetes tipo II, doença cardiovascular e disfunção erétil (DE).O aumento da mortalidade cardio- vascular é da ordem de 17% e do risco de desenvolver diabetes, entre 36% e 49%. É fundamental a monitorização da glicemia, perfil lipídico e estimular mudanças comportamentais para reduzir tais riscos. A ADT resulta em significativa perda de densidade mineral óssea (DMO), com aumento do risco de fraturas em 21% a 45%. Comorbidades, 200 idade avançada e a ADT prolongada aumentam este risco. A densitometria óssea de quadril total para avaliação da DMO deve ser realizada previamente a ADT. O tratamento com bisfosfonados, associado a suplementação de Cálcio e vitamina D, reduz eventos ósseos em quadros de osteopenia e osteoporose. Estrogenoterapia diminue a osteoporose, entretanto, associa-se a significativos efeitos colaterais. Toremifeno e denosumab são opções recentes de tratamento. Deve-se induzir a prática de exercícios e evitar o tabagismo. O hipogonadismo resulta em mudanças físicas significativas, com gi- necomastia, diminuição do volume testicular, diminuição do tamanho do pênis, ganho de peso, aumento do índice de massa corpórea (IMC) e perda de massa muscular magra. O aumento da gordura corporal poderia ser um evento inicial para o desenvolvimento da SM, e a sarcopenia, com conse- quente diminuição do consumo de glicose pelas fibras musculares, resulta- ria em resistência a insulina, favorecendo o desenvolvimento de diabetes. A ADT influencia a cognição, levando a perda de memória, prejuí- zo na atenção e funções executivas. Altera o humor e induz a quadros depressivos em 13% dos pacientes, especialmente se há histórico de de- pressão prévia, devendo-se considerar o uso de antidepressivos e terapia comportamental associados à ADT. Considerando as complicações da ADT, é importante discutir estes dados com o paciente e familiares antes de iniciar a terapia, tentar modifi- car fatores de risco, incentivar o controle do diabetes, do IMC e monitorar a DMO. Acima de tudo, individualizar o tratamento, avaliando criteriosa- mente os benefícios potenciais da ADT, contrapondo às complicações associadas. Leitura recomendada 1. Fernandez-Castro, G., Side Effects and Complications of Androgen Deprivation in Prostate Cancer Patients, The Open Prostate Cancer Journal, 2010, 3: 29-38. 2. Isbarn H, Boccon-Gibod L, Carroll PR, Montorsi F, Schulman C, Smith MR, Sternberg CN, Studer UE.Androgen deprivation therapy for the treatment of prostate cancer: consider both benefits and risks. Eur Urol. 2009 Jan;55(1):62-75. 201 Capítulo 52 - Câncer Vesical Não- Músculo Invasivo - Indicação e Opções de Terapia Adjuvante Rafael Bozzo Tacino O diagnóstico do tumor vesical pode ser confirmado com cistosco- pia, associada a biópsia e citologia urinária. Todos os pacientes com sus- peita de neoplasia vesical devem ser submetidos ao exame cistoscópico sob anestesia, acompanhado de palpação bimanual da bexiga, biópsia das lesões suspeitas e citologia. A citologia tem alta especificidade, bai- xa sensibilidade para tumores de baixo grau, porém alta sensibilidade (>80%) em tumores de alto grau. Até o presente momento os marcadores moleculares urinários não melhoraram os resultados da associação de ci- toscopia e citologia. A Ressecção Transuretral (RTU) é o procedimento padrão ouro para o estadiamento patológico e tratamento inicial dos tumores uroteliais não- -músculo invasivos (TUNMI). A lesão propriamente dita deve ser resseca- da inicialmente, com ressecção posterior da camada muscular e envio das amostras separadamente. Biópsias aleatórias não são necessárias, apenas de eventuais áreas suspeitas. Pacientes com lesões de alto grau e/ou com estadiamento patológi- co pT1 devem ser submetidas a Re-RTU após 4 a 6 semanas, bem como aqueles em que a ressecção não foi completa ou quando não há amostra da camada muscular. Os pacientes são então estratificados conforme o risco: Alto Risco >3 cm Tumor múltiplo Alto grau pT1 Presença de CIS Recorrência frequente Risco Intermediário >3 cm Tumor único ou múltiplo Baixo grau pTa Ausência de CIS Recorrência intermediária Baixo Risco < 3 cm Tumor único Baixo grau pTa Ausência de CIS Sem recorrência 202 Diagnóstico Diferencial Algumas lesões proliferativas benignas podem se assemelhar ma- croscopicamente ao tumor vesical papilífero (Ninhos de Von Brünn, cistite glandular) ou in situ (metaplasia escamosa). Normalmente a biópsia pode levar ao diagnóstico definitivo. Conduta A terapia adjuvante à RTU consiste em quimioterapia ou imunotera- pia intravesical. Ambas reduzem o risco de recidiva. A imunoterapia intra- vesical com Bacilo de Camette-Guérin (BCG) é superior à quimioterapia quanto à redução das recidivas, porém é mais tóxico. Além disso, o BCG é o único agente que, além do risco de recidiva, reduz o risco de progressão da doença. Estudos fase II demonstram benefício adicional na associação do BCG e interferon α-2b, com respostas mais duradouras. No pós-operatório imediato, várias drogas podem ser utilizadas com o objetivo de diminuir a recorrência dos TUNMI como Mitomicina C, Adriamicina, Epirrubicina. A Mitomicina C se mostrou mais efetiva, po- dendo reduzir o risco de recorrência em 39% em pacientes de baixo risco e em 56% em pacientes de moderado/alto risco. AUA e EAU recomendam o uso de dose única de QT intravesical em até 6 horas após a RTU em todos os pacientes, exceto em casos de san- gramento ou suspeita de perfuração vesical. A Mitomicina C é utilizada preferencialmente (com doses entre 20mg e 80mg, normalmente 40mg) por ser mais eficaz e por seu alto peso molecular (334kD) reduz a proba- bilidade de absorção sistêmica e mielossupressão. BCG nunca deve ser utilizado no perioperatório devido ao risco de sepse, podendo levar ao óbito. TUNMI de baixo risco: RTU + QT adjuvante em dose única é suficiente. TUNMI de risco intermediário: recomenda-se, após o tratamento ini- cial (RTU + QT em dose única) e Re-RTU (se indicada), terapia adjuvante complementar de indução e manutenção. Porém, não existe consenso 203 quanto à melhor droga ou ao esquema indicado. O BCG é mais eficaz em reduzir a recidiva e a progressão. TUNMI de alto risco: recomenda-se, após o tratamento inicial (RTU + QT em dose única) e Re-RTU, terapia adjuvante com BCG com esquemas de indução e manutenção. O BCG é utilizado na dose de 40mg a 120mg, devendo permanecer por 2 horas na bexiga. Deve-se evitar a ingesta hídrica excessiva ou uso de diuréticos antes da instilação. O esquema utilizado permanece incerto, podendo ser realizada indução com 6 doses semanais seguidas de 3 do- ses semanais no 3º e 6º mês, e então 3 doses semanais a cada 6 meses até o 36º mês. Deve ser iniciado entre 4 e 6 semanas após a Re-RTU. A cistoscopia e citologia de controle devem ser realizadas a cada 3 meses e em caso de recidiva ou progressão, nova ressecção programada. Em casos de alto risco (T1 de alto grau) ou persistência de CIS, cistectomia radical pode ser indicada. Leitura recomendada 1. American Urological Association. Clinical Guidelines, Guideline for the Management of Non-Muscle Invasive Bladder Cancer (Stages Ta, T1 and TIS): Update, 2007. 2. Donald Lamm and coworkers. Clinical Practice Recommendations for Management of Non-Muscle Invasive Bladder Cancer, European Urology Supplements. 2008, 7: 651-666. 204 Capítulo 53 - Complicações do Uso do BCG intravesical Fabrízio Magaldi Mezzetti A imunoterapia intravesical com o bacilo de Calmette-Guerin (BCG) foi introduzida por Morales e cols. e desde então tem demonstrado uma boa eficácia na profilaxia para recorrência de tumores pTa e pT1 de be- xiga. Os efeitos adversos locais são bastante comuns levando a suspen- são do tratamento ou resultados abaixo do esperado por tratamento in- completo. Os efeitos colaterais do BCG geralmente podem ser tratados,mesmo naqueles que apresentam quadros graves de efeitos adversos. A maioria dos efeitos colaterais é identificada durante a indução ou os pri- meiros seis meses de manutenção da droga. Efeitos colaterais locais Cistite após a utilização do BCG intravesical atinge até 80% dos pa- cientes e é a maior causa de adiamento no tratamento. Na maioria das vezes é a resposta inflamatória a BCG sem bactéria ativa identificada na urocultura, no entanto o tratamento com antibiótico sistêmico pode diminuir os sintomas que geralmente são polaciuria, disuria, nicturia e urgência miccional. Entre as terapêuticas disponíveis para a cistite pos- -BCG damos destaque para oxibutinina e a ofloxacina. Nos pacientes sintomáticos, 200 mg de ofloxacina são ofertadas 6 e 18 horas após a utilização do BCG. Hematuria é o sintoma mais comum associado (ate 90% dos pa- cientes) e muitas vezes está associada à cistite e à extensão da ressecção prévia do tumor vesical. Geralmente é autolimitada, no entanto deve- -se colher cultura par afastar cistite bacteriana. A instilação do BCG deve aguardar o término da hematuria. Na persistência do sangramento uriná- rio é feita cistoscopia para afastar tumor residual. Não há necessidade de irrigação vesical para evitar a formação de coágulos intravesicais. 205 A retração vesical, apesar de rara, é um grave efeito colateral local que está associada ao grande número de RTUs prévia e a manutenção da terapia com BCG. Geralmente se apresenta com polaciuria e urgeincon- tinência associada à baixa capacidade vesical. A terapia intravesical deve ser interrompida e o paciente submetido à hidrodistensão sob anestesia. Em casos graves a ampliação vesical ou cistectomia (preferencial pelo ris- co de recidiva de tumor urotelial) devem ser consideradas. A prostatite granulomatosa é efeito adverso comum em pacientes tratados com BCG. É geralmente assintomática com sintomas locais em até 3% dos pacientes. O principal sinal é o endurecimento prostático identificado no exame digitoretal sendo que pode apresentar elevação de PSA e heterogeneidade ao USG prostático. Na suspeita diagnóstica a terapia deve ser suspensa e o paciente será submetido a tratamento me- dicamentoso com isoniazida e rinfampicina por 3 meses associado a altas doses de quinolonas e corticoides para melhora dos sintomas. O trata- mento deve ser acompanhado com PSA e USG. [7]. A orquiepididimite pós BCG pode atingir até 10% dos homens sub- metidos à terapia adjuvante e é causada pela contaminação urinária por bacilo Gram negativo. Quando esta se apresenta após o término das aplicações geralmente está ligada a micobacteria. Os pacientes com sintomas de orqui/epididimite devem ser tratados com altas doses de quinolona (ciprofloxacino ou orfloxacino) por 14 dias associado a corti- coide. A utilização do BCG deve ser suspensa até o término dos sinto- mas e do antibiótico. Efeitos Colaterais Sistêmicos Apesar de rara, a infecção sistêmica secundária a BCG é causada pela exposição sanguínea a droga e geralmente está associada a um intervalo curto entre a RTU e a primeira dose da medicação, ocorrendo logo após sua utilização apresentando febre alta, e gradual perda de função de di- versos órgãos. O exame físico é inespecífico, mas pode apresentar hepa- tomegalia e crepitação pulmonar bilateral. 206 O tratamento para infecção sistêmica grave necessita de suspensão imediata do BCG e o tratamento com isoniazida, rinfampicina e etambu- tol por 6 meses associado a altas doses de fluorquinolona e corticoide no início do tratamento [7]. Tabela - Recomendações para prevenção de efeitos adversos do BCG intravesical Fonte: Internacional Bladder Cancer Group Introduzir a BCG intravesical após pelo menos 2 semanas da RTU. Ensinar a técnica adequada de cateterismo aos profissionais que aplicam a medicação. Suspender a medicação por 1 semana em caso de cateterismo traumático. Na presença de hematuria macroscópica suspender a medicação até clareamento da urina. Se o paciente apresentar ITU, adiar a medicação até resolução do quadro com antibiótico. Considerar o uso de ofloxacina 200mg duas vezes após cada utilização do BCG. Na suspeita de reação sistêmica iniciar tratamento polimedicamentoso e solicitar avaliação do infectologista. Considerar redução da dose até um terço se o paciente for intolerante à dose padrão do BCG. Leitura recomendada 1. J. Alfred Witjes , Joan Palou, Mark Soloway , Donald Lamm, Maurizio Brausi , J. Roan Spermon , Raj Persad, Roger Buckley, Hideyuki Akaza, Marc Colombel, Andreas Bohle -Clinical Practice Recommendations for the Prevention and Management of Intravesical Therapy– Associated Adverse Events – European Urology 2008- 7- 667–674. 2. Rischmann P, Desgrandchamps F, Malavaud B, Chopin DK. BCG intravesical instillations: recommendations for side-effects management. Eur Urol 2000;37(Suppl 1):33–6. 207 Capítulo 54 - Tumor Renal - Proteção da Função Renal na Nefrectomia Parcial Élcio Dias SIlva A nefrectomia parcial tem sido cada vez mais indicada para o trata- mento de tumores renais menores do que sete centímetros (até T1b), com o objetivo da preservação de néfrons (nephron-sparing surgery) e com resul- tados oncológicos semelhantes à nefrectomia radical (Fergany et al, 2000; Russo et al, 2002; Dash et al, 2006; Pahernik et al, 2008). As metas principais desta cirurgia são: excisão completa do tumor, margens cirúrgicas negati- vas, menor sangramento possível e menor tempo de isquemia quente. A primeira nefrectomia parcial laparoscópica foi reportada por Win- field et al, em 1993, transperitoneal. Em 1994, Gill et al relataram o aces- so retroperitoneal para a nefrectomia parcial laparoscópica. Gill et al, em 2008, e Aron et al, em 2009, relataram os primeiros casos de nefrectomia parcial por LESS (single-port). Mais recentemente, essas cirurgias também têm sido realizadas com assistência do robô, inclusive com orifício único, chamadas de R-LESS (R de robótica) (Kaouk et al, 2009). Os pontos principais a serem considerados na nefrectomia parcial com o objetivo da proteção da função renal são tratados a seguir, tanto na cirurgia aberta quanto laparoscópica: Clampear ou não o pedículo renal: o clampeamento do pedículo renal promove menor perda de sangue, menor tempo cirúrgico, com me- lhor performance da cirurgia (Guillonneau et al, 2003). Uma opção para este clampeamento é a compressão do parênquima renal, que pode ser manual, para pequenos tumores exofíticos (na cirurgia aberta ou laparos- cópica hand assisted), ou com clampes próprios para parênquima renal, com opção de adaptação para pinças Satinsky grandes (na cirurgia aber- ta). O controle hilar pode ser de todo o pedículo em bloco, apenas da artéria, ou da artéria e da veia separadamente, com utilização de pinças Buldogue ou Santinsky, tanto na cirurgia aberta quanto laparoscópica. 208 Não há evidências convincentes na literatura para se fazer obrigatoria- mente o campleamento apenas da artéria renal. O controle do pedículo de forma intermitente é controverso. Tumores exofíticos não infiltrativos podem ser retirados sem clampeamento do pedículo renal. Tempo de isquemia: o tempo de isquemia deve ser o menor pos- sível. Há o conceito tradicional de que o tempo ideal é menor do que 30 minutos, embora alguns autores defendam que este tempo possa ser maior (Orvieto et al, 2005). O tempo de 30 minutos é suficiente na grande maioria das nefrectomias parciais. Hipotermia: é usada para proteger o rim pela isquemia temporária. Gelo moído, de soro fisiológico ou Ringer Lactato, é utilizado para envol- ver o rim durante a cirurgia, podendo protegê-lo por até três horas (de lesão renal permanente pela isquemia). O gelo deve cobrir o rim, imedia- tamente após a oclusão da artéria renal, por cerca de 10 minutos, antes da incisãorenal, o que mantém o rim com temperatura de aproximadamen- te 20 graus Celsius (Novik, 2007). Na cirurgia laparoscópica foram descritas três técnicas para resfria- mento renal: a) cobertura da superfície do rim com gelo fragmentado; b) instilação de soro fisiológico gelado através de um cateter ureteral, retro- gradamente; c) perfusão intra-arterial com soro fisiológico ou Ringer Lac- tato gelados (Gill et al, 2003; Landman et al, 2003; Janetschek et al, 2004). Pela complexidade de tais técnicas e por não se exigirem longos períodos de isquemia renal na maioria das nefrectomias parciais laparoscópicas, elas não são muito utilizadas. Manitol: deve-se fazer manitol intravenoso cerca de 5 a 10 minutos antes da oclusão temporária da artéria, com a finalidade de promover a diurese e diminuir o risco de necrose tubular aguda. Anticoagulação: Anticoagulação para prevenir trombose vascular intrarrenal não é necessária (Novick, 2007). Com as medidas descritas consegue-se uma proteção adequada da função renal na nefrectomia parcial. 209 Figura 1 - Resultados após nefrectomia parcial laparoscópica realizada em nos- so serviço, em que pode-se ver que a preservação da função renal foi adequada 210 Capítulo 55 - Feocromocitoma - Cuidados Peri e Intraoperatórios André Meirelles dos Santos Confirmação diagnóstica O diagnóstico de feocromocitoma deve ser considerado a partir de início súbito de hipertensão arterial de difícil controle, associada à ce- faleia, sudorese excessiva, palpitações, tonturas, vômitos e rubor facial. O achado incidental de massa em adrenal encontrado em 1% a 4% dos exames de imagem abdominais também obriga a investigação diagnós- tica por meio da dosagem laboratorial de metanefrinas urinárias, acido vanilmandélico urinário e catecolaminas (plasmáticas). O tratamento correto depende da localização do tumor que pode ser avaliado por meio de Tomografia Computadorizada (TC), Ressonância Magnética (RM) e cintilografia com 131I metaiodobenzilguanidina (131I-MIBG). A TC geralmente é o exame inicial devido ao seu custo moderado e alta sensibilidade na detecção de massas adrenais (93% a 100%). A RM se aplica bem nos casos próximos aos grandes vasos, devido a sua superio- ridade em definir as relações anatômicas e eventual invasão vascular. A cintilografia com 131I-MIBG está bem indicada nos casos de evidência bioquímica de Feocromocitoma não identificado na TC ou RM, ou no se- guimento de casos suspeitos de recorrência ou metástases. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial é feito com outras patologias em adrenal tais como: Cushing, Tumores virilizantes, Tumores mistos, Hiperaldostero- noma, Neuroblastoma, Ganglioneuroma, Ganglioneuroblastoma, Tumo- res de estroma, vasos e nervos, Cistos, Pseudocistos, infecções, abscessos e tumores metastáticos. Cada qual com suas particularidades radiológi- cas e laboratoriais. 211 Conduta O tratamento é essencialmente cirúrgico sendo que o tratamento quimioterápico do feocromocitoma maligno (15% dos casos), onde se detecta invasão de órgãos adjacentes ou a presença de metástases, é pouco eficaz. A ressecção geralmente é feita por laparoscopia, embora em lesões maiores que seis centímetros de diâmetro, sugestivo de ma- lignidade, a via aberta é recomendada. Em casos de doenças familiares com maior chance de bilateralidade a adrenalectomia parcial é a opção preferencial, a fim de evitar a morbidade da corticoterapia contínua e eventuais crises de Addison. No pré-operatório é fundamental um adequado preparo hidro-ele- trolítico e bloqueio alfa-adrenérgico, geralmente obtido com o emprego de fenoxibenzamina, um bloqueador não seletivo de longa duração, ini- ciado na dose de 10 mg em duas tomadas diárias, não podendo exceder a dose de 2 mg/kg/dia. A dose é ajustada gradualmente, duas ou três se- manas antes do procedimento, até atingir o bloqueio ideal, clinicamente confirmado pela presença de hipotensão postural. Eventualmente, o uso de alfa-bloqueador alfa 1 seletivo tais como: prazosin e terazosin, tam- bém pode ser empregado com o benefício de não interferir na auto-regu- lação dos receptores alfa 2. Em casos refratários com crises hipertensivas de difícil controle pode-se utilizar a metirosina na dose de 750 mg cada seis horas. Além disso, os pacientes com feocromocitoma, em virtude de vasoconstricção prolongada, costumam apresentar redução do volume intra-vascular. Assim, devem ser encorajados a beber líquido e consumir bastante sódio nos dias que antecedem a cirurgia. Antes da padronização do bloqueio alfa-adrenérgico a mortalidade cirúrgica oscilava entre 24% a 50%, em virtude de acidentes vasculares cerebrais, arritmias, crises hi- pertensivas ou infarto. Na sala de cirurgia é mandatório garantir acesso venoso central, bons acessos periféricos e monitorização de pressão arterial periférica em artéria radial, em virtude da possibilidade de instabilidade hemodi- nâmica. Nitroprussiato de sódio, epinefrina e norepinefrina devem estar disponíveis para serem utilizados a qualquer momento. 212 No intra-operatório, após mobilização do fígado e exposição de veia cava inferior a direita, ou mobilização de baço e cauda do pâncreas a es- querda, o tumor deve ser ressecado com a menor manipulação possível evitando ruptura e possível implante de células tumorais. Deve-se ainda retirar o tecido adiposo com o peritônio parietal diminuindo as chances de recidiva local. Classicamente, recomenda-se a ligadura da veia adrenal principal antes da manipulação direta da glândula. Certamente, este pro- cedimento é muito mais seguro quando realizado por equipes cirúrgicas e anestésicas experientes e entrosadas. Leitura recomendada 1. Mittendorf EA e cols. Pheochromocytoma:Advances in Genetics, Diagnosis, Localization, and Treatment, Hematol Oncol Clin N Am 21 (2007) 509–525. 213 Capítulo 56 - Incidentaloma de Suprarrenal - Análise funcional José Roberto Colombo Júnior Confirmação diagnóstica A investigação das lesões sólidas na glândula adrenal deve abran- ger, além da história clínica, uma avaliação radiológica e funcional para podermos estabelecer a conduta mais adequada. A incidência dos ade- nomas aumenta com a idade, chegando a 7% dos indivíduos na sétima década de vida. Devemos atentar para antecedente de neoplasia, pois comumente a adrenal é sítio de acometimento secundário (principalmente pulmão, melanoma, rim, mama, carcinoma medular de tireoide, lesão adrenal contra-lateral e pâncreas). Em pacientes com histórico de outras lesões neoplásicas primárias, 50% das lesões diagnosticadas nas adrenais são metastáticas. A avaliação radiológica é normalmente realizada com tomografia computadorizada, sendo importante a fase sem contraste, fase com contraste e wash-out do contraste. Lesões menores que quatro cen- tímetros que apresentam na fase sem contraste abaixo de 10 HU são compatíveis com adenomas, assim como lesões com wash-out de con- traste superiores a 40% a 60%. Lesões maiores que quatro centímetros ou com características diferentes das descritas acima devem ser inter- pretadas com cautela e conduzidas como leões primárias da glândula. A avaliação funcional deve ser sempre realizada independente do quadro clínico. Aproximadamente 5% a 7% dos adenomas são funcio- nalmente ativos. Os adenomas inativos têm pouca chance de se torna- rem ativos no seguimento (1% a 2%). Sugerimos a investigação funcio- nal (ver quadro) para os pacientes sem queixa clínica compatível com hipersecreção metabólica. 214 Diagnóstico diferencial De maneira prática, as lesões em adrenal devem ser diferenciadas en- tre funcionantes e não-funcionantes. Uma vez descartado que a lesão seja metabolicamente funcionante, o aspecto radiológico será fundamental para definirmos a conduta, sendo que o tamanho dalesão, característica de imagem e padrão de crescimento serão fundamentais. O diagnóstico diferencial das lesões em adrenal inclui: adenoma, mielolipoma, metásta- se, feocromocitoma, oncocitoma, carcinoma adrenocortical etc. Conduta Todas as lesões sólidas em adrenal metabolicamente funcionantes devem ser idealmente tratadas com a adrenalectomia. Em casos excep- cionais a adrenalectomia bilateral pode ser realizada (indivíduos em que o tecido produtor de ACTH não pode ser identificado – até 35% dos casos). As lesões não funcionantes características de adenoma com menos de três centímetros podem ser seguidas. A literatura não é consensual ao tamanho máximo em que o seguimento é aconselhavel, sendo pos- sível encontrarmos limites de 3, 4 e 6 cm de diâmetro. Pacientes em seguimento devem realizar a investigação funcional por pelo menos quatro anos para afastar transformação metabólica. Pacientes com le- sões com caracteristicas distintas de adenoma e mielolipoma também devem ser submetidos ao tratamento cirúrgico. Em pacientes com metástase exclusiva para a glândula adrenal deri- vadas de lesões primárias de rim e adrenal contralateral são normalmente submetidos a adrenalectomia, de acordo com a situação clínica e comor- bidades. Metástases únicas procedentes de lesões primárias não uroló- gicas normalmente também são tratadas com a adrenalectomia, mas o urologista deve sempre atuar em conjunto com o oncologista clínico para analisar os benefícios da ressecção cirúrgica nestes casos. 215 INVESTIGAÇÃO FUNCIONAL • Cortisol urinaio de 24h • Teste de supressão com dexametasona • DHEAS • 17-OH-progesterona • Androstenediona • Testosterona • 17β-estradiol (homens e mulheres após menopausa) • Metanefrinas sérica e urinária • Relação Aldosterona/renina (pacientes com hipertensão ou hipercalemia) SECREÇÃO ADRENAL Corticoide Esteróides Sexuais Catecolaminas Mineralocorticoides Quadro 1 - Investigação Funcional 217 Andrologia 57 - Disfunção Erétil - Drogas Orais e Esquema Intracavernoso 58 - DAEM 59 - Ejaculação Precoce 60 - Disfunção Orgásmica 61 - Peyronie - Tratamento Clínico 219 Confirmação Diagnóstica Após a introdução dos inibidores das fosfodiesterases, diminuiu con- sideravelmente a investigação diagnóstica da Disfunção Erétil (DE). Na maioria das vezes, o tratamento é prescrito sem uma avaliação mínima. Se o paciente apresenta os fatores de risco mais comuns para DE, pode- mos partir para o tratamento, entretanto, é aconselhável uma avaliação laboratorial mínima, principalmente em pacientes mais jovens. Fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, taba- gismo, obesidade/sedentarismo, tratamento de neoplasias pélvicas, HPB, medicamentos (anti-hipertensivos, antidepressivos, anticonvulsivantes, antipsicóticos). Avaliação laboratorial mínima: glicemia, perfil lipídico, testosterona total e livre (ver DAEM). No caso de pacientes que queiram uma confir- mação diagnóstica, nos que tenham doença de Peyronie ou ainda nos que sofreram trauma pélvico, é recomendável fazer um teste de ereção fármaco-induzido (TEFI) juntamente com um ultrassom doopler. A ereção normal no TEFI não descarta uma patologia vascular. Um pico de fluxo das artérias cavernosas acima de 30 cm/s e um índice de resistência maior que 0,8 são considerados normais. A droga mais usada para o TEFI é o Tri- -mix, na dose de 1,0 ml, para que se tenha certeza do relaxamento com- pleto da musculatura lisa cavernosa. Exames que hoje em dia são raramente utilizados por terem indi- cação muito específica: arteriografia seletiva; tumescência peniana no- turna (TPN) com Rigiscan; propedêutica neurológica: biotensiometria peniana, potencial evocado gênito-cortical, e neurocondução do nervo dorsal do pênis. Capítulo 57 - Disfunção Erétil - Drogas Orais e Esquema Intracavernoso Carlos Hermann Schaal 220 Exames sem indicação formal: cavernosometria e cavernosografia. Exame recomendável em pacientes jovens sem fatores de risco: per- fil psicológico com psicólogo especializado na área. Diagnóstico Diferencial Em pacientes mais jovens e com poucos fatores de risco, é recomen- dável que se investigue mais profundamente, buscando dar um diagnós- tico preciso e um prognóstico em relação ao tratamento. Nestes casos, devemos fazer um TEFI com doopler e perfil laboratorial. O estudo da tumescência peniana noturna também pode ser realizado. Se estes exa- mes estiverem normais, o paciente até pode fazer uso de medicação oral, porém é recomendável que ele seja enviado a um psicoterapeuta. Conduta Drogas orais: os amplamente utilizados inbidores da fosfoidestera- ses. No Brasil dispomos de quatro drogas: concentração plasmática máxima Meia vida Sildenafila 50/100mg: 1 hora 3 a 5 horas Tadalafila 20mg: 2 horas 18 horas Vardenafila 5/10/20mg: 40 min 6 horas Lodenafila 80mg: 1 hora 3 a 4 horas Contraindicações absolutas: uso de Nitratos, retinite pigmentosa. Cuidados especiais: patologias que predisponham ao priapismo (anemia falciforme, leucemia, mieloma múltiplo), cardiopatia grave, re- tinopatia grave, incluindo a diabética, uso concomitante de drogas que inibam o citocromo P4503A4 (Cetoconazol, Itraconazol, Indinavir e Rito- navir) e hepatopatias graves. Apresentações especiais Vardenafila 10mg Orodispersível (Levitra ODT®): não sofre influência da alimentação e possui uma C.p.max. mais rápida (cerca de 30 minutos). 221 Tadalafila 2,5/5,0mg (Cialis Diário®): permite níveis séricos estáveis, equivalentes a 8mg, sendo útil em pacientes com quadros mais leves e que não tenham relações sexuais previsíveis, além disso, apresenta pou- cos efeitos colaterais. Outras drogas Ioimbina: alcaloide com pouca eficácia. Pode ser empregada por cur- tos períodos: 30 a 90 dias, em doses de 10 a 16 mg/dia ou 15 mg 30 minu- tos antes do coito. Parece ter efeito sinérgico com a Trazodona. Necessita cuidado com hipertensos e cardiopatas. Trazodona: antidepressivo com efeito discreto sobre a ereção. Usado em doses de 50 a 100 mg/dia. Funciona melhor em pacientes ansiosos, inclusive com ejaculação rápida. Esquemas Intracavernosos As drogas intracavernosas possuem a mais alta eficácia no tratamen- to da DE, sem efeitos colaterais sistêmicos. Vários são os princípios ativos e associações utilizadas. São indicados nos casos de não-resposta aos medicamentos orais, ou quando estes estão contraindicados ou ainda por escolha do paciente. Possuem maior risco de priapismo e fibrose do corpo cavernoso. Contraindicação absoluta: discrasias sanguíneas. Drogas mais utilizadas - Monoterapia: menos utilizada por maior incidência de dor e maior custo. Alprostadil (Caverjet®): única comercialmente disponível, apresenta- ção de 10 e 20 µg com 1 ml. - Associações: necessitam manipulação, mas são mais eficientes, têm custo mais baixo e menor incidência de dor. As dosagens po- dem variar (dose por ml): Fentolamina 2 mg + Atropina 0,2 mg + Papaverina 18 mg: menos 222 eficiente, mas tem baixo custo, não necessita refrigerar e a presença de dor é rara. Prostin 10 mcg + Fentolamina 1 mg (Bimix): muito utilizada para ca- sos menos graves. Prostin 10 mcg + Fentolamina 1 mg + Papaverina 30 mg (Trimix): também muito utilizada, principalmente nos casos mais graves. Leitura recomendada 1. Glina S e col. Disfunção Sexual Masculina. Instituto H. Ellis, 2002. 2. European Association of Urology: Guidelines on Male Sexual Dysfunction, EUA Guidelines Office, 2011. 223 Capítulo 58 - DAEM - Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino Fernando Nestor Facio Junior Introdução A longevidade tornou-se uma busca incessante do homem e trou- xe à tona uma realidade preocupante; apesar de estar vivendo mais, ohomem não tem tradição de cuidado com sua saúde, cuidado esse que necessita de orientação e tratamento para que ele possa viver com quali- dade de vida o envelhecimento. O envelhecimento nos homens se acom- panha de progressivo, mas variável, declínio na produção de testostero- na, o que pode resultar na ocorrência de sintomas como: • diminuição da libido; • disfunção erétil; • sudorese; • mudança no humor, depressão e fadiga; • diminuição da atividade intelectual; • alteração da orientação espacial; • diminuição da massa muscular; • diminuição dos pêlos corporais e alterações cutâneas; • modificações do padrão do sono; • aumento da gordura visceral. A testosterona sérica apresenta um declínio gradual e progressivo com o envelhecimento. Aproximadamente 8% dos homens entre 40 e 49 anos têm níveis de testosterona abaixo do normal, aumentando para 12% entre 50 e 59 anos, 19% entre 60 e 69 anos, 26% entre 70 e 79 anos e 49% dos homens acima de 80 anos. (SBU-SP) 224 Diagnóstico Para o diagnóstico de DAEM, é necessário, além dos critérios clínicos, a avaliação laboratorial da testosterona, realizando a dosagem da testos- terona plasmática. A testosterona encontra-se ligada à globulina carrea- dora de hormônio sexual (SHBG) ou ligada à albumina e na forma livre. A forma ativa que irá desempenhar seu papel nos tecidos é chamada de testosterona biodisponível, que é composta pela testosterona ligada à albumina e a forma livre. Durante o envelhecimento, além da diminuição dos níveis sanguí- neos de testosterona, temos um aumento da SHBG, o que irá causar uma diminuição da testosterona biodisponível. Os valores de referência podem variar entre os laboratórios devido ao tipo de teste que cada um utiliza para a quantificação. Os valores nor- mais da testosterona total variam entre 350 ng/dl e 1.000 ng/dl. Hoje em dia, para termos um resultado mais fidedigno e melhorar nossa avaliação, fazemos a dosagem da testosterona total, e do SHBG e por meio do cálcu- lo criado por Vermeulen e cols., (www.issam.ch/freetesto.htm) determina- mos a testosterona biodisponível. Essa fórmula é mais fidedigna do que o uso da testosterona livre como parâmetro, pois a forma de identificá-la usada nos laboratórios apresenta grande chances de erros na dosagem. Para o diagnóstico de DAEM, foram desenvolvidos e validados três questionários: Questionário ADAM da Universidade de St. Louis; Aging Male Survey; MMAS (Massachusetts Male Aging Study). Os dois primeiros abordam os sintomas e o último mescla sintomas com dados epidemio- lógicos. Estes questionários são úteis como ferramenta de triagem, mas apresentam limitações como método diagnóstico. Diagnóstico diferencial Os sinais e sintomas decorrentes de DAEM são considerados ines- pecíficos e podem estar presentes em outras condições clínicas como as síndromes depressivas e algumas doenças neurológicas. 225 Fatores de Risco Vida sedentária; obesidade; tabagismo; alcoolismo; síndrome meta- bólica (hiperlipidêmia + diabetes). Condutas O objetivo da reposição hormonal é restabelecer os níveis séricos fisiológicos (Eugonadal) da testosterona atenuando os sintomas relacio- nados ao hipogonadismo. Andrógenos orais A fluoximetazona e a metiltestosterona são preparados 17a-alquila- dos que são modificados para diminuir o rápido metabolismo hepático, no entanto conferem a esses preparados uma grave hepatotoxicidade, não sendo, portanto, indicados para o tratamento de reposição. Não é aconselhável o uso dessas medicações devido ao potencial de toxicidade que elas apresentam. Andrógenos transdérmicos A via transdérmica oferece uma reposição mais fisiológica. Está dis- ponível amplamente pelo mundo em adesivos escrotais, não escrotais e géis. Os adesivos transdérmicos são de fácil utilização e, após uma aplica- ção noturna, proporcionam níveis fisiológicos de testosterona, mimeti- zando a variação circadiana dos adultos jovens; ao mesmo tempo, permi- tem a interrupção imediata do tratamento quando necessário. A principal desvantagem dos adesivos é a associação com irritação local da pele em cerca de 1/3 dos pacientes, proporcionando uma taxa de abandono do tratamento de cerca de 10% a 15%. Os géis de testosterona são prepara- ções hidroalcoólicas capazes de elevar rápida e eficientemente os níveis de testosterona dentro dos limites da normalidade. Geralmente são bem tolerados e podem ser aplicados diariamente no mesmo local sem desen- cadear qualquer reação dermatológica. Os efeitos clínicos atingidos com doses de 50 mg, 75 mg e 100 mg por dia são semelhantes, concluindo 226 que, uma vez atingidos os limites inferiores da normalidade dos níveis de testosterona, os efeitos clínicos desejáveis são evidentes. A principal vantagem desse gel é o fato de não ter efeito estrogênico. Por não ser um andrógeno aromatizável, não produz ginecomastia, nem hiperplasia da próstata. Proporciona efeitos androgênicos esperados e é seguro a curto prazo, tornando-se uma alternativa interessante para o tratamento do hi- pogonadismo de homens idosos. Andrógenos subcutâneos Os implantes subcutâneos proporcionam níveis estáveis e fisiológi- cos de testosterona. São utilizados na dose de seis vezes 100 mg a cada quatro ou seis meses. Não estão indicados para uso em idosos, pois a ex- trusão e a infecção local ocorrem em cerca de 5% a 10% dos casos. 227 Capítulo 59 - Ejaculação Precoce Eduardo Berna Bertero Definição e confirmação diagnóstica International Society for Sexual Medicine (ISSM) concluiu pela se- guinte definição de ejaculação precoce (EP): “Disfunção sexual masculina caracterizada pela ejaculação que ocorre sempre ou quase sempre antes da penetração ou em até um minuto após a penetração. Esta disfunção é acompanhada de consequências pessoais negativas, como frustração pessoal desconforto no relacionamento e inibição à intimidade sexual.” Classificação EP pode ser dividido em duas categorias distintas: primária (toda vida sexual presente) e adquirida. Conduta De acordo com revisão sistemática recente há forte evidência de que Inibidores da Recaptação Seletiva da Serotonina (ISRS- Paroxetina, Sertra- lina, Citalopram, Fluoxetina) são primeira opção de tratamento medica- mentoso para EP, assim como Dapoxetina, ainda não disponível no Brasil (NE 1a). Evidência para utilização de inibidores da fosfodiesterase tipo 5, antagonista alfa-1 ou tramadol para tratar EP ainda é muito fraca (NE 4d). Na literatura há evidência modesta que suporte intervenção psicológica ou comportamental no tratamento de EP (NE 2b). Quando o tratamento psicológico é associado a terapia medicamentosa os resultados são mais consistentes (NE 2a). Com respeito ao tratamento tópico com anestésicos existe forte evidência científica de sua eficácia, embora não tenhamos ne- nhum produto disponível no Brasil (NE 1b). 228 Leitura recomendada 1. Althof SE, Abdo CHN, Dean J, Hackett G, McCabe M, McMahon CG, Rosen RC, Sadovsky R, Waldinger M, Becher E, Broderick GA, Buvat J, Goldstein I, El-Meliegy AI, Giuliano F, Hellstrom WJG, Incrocci L, Jannini EA, Park K, Parish S, Porst H, Rowland D, Segraves R, Sharlip I, Simonelli C, and Tan HM. International Society for Sexual Medicine’s guidelines for the diagnosis and treatment of premature ejaculation. J Sex Med 2010;7:2947–2969. 2. McMahon CG and Porst H. Oral agents for the treatment of premature ejaculation: Review of efficacy and safety in the context of the recent international society for sexual medicine criteria for lifelong premature ejaculation. J Sex Med 2011;8:2707–2725. 229 Capítulo 60 - Disfunção Orgásmica Celso Gromatzky Confirmação diagnóstica “Orgasmo” está definido no MESH do PubMed como “O momento crítico da excitação sexual tanto em humanos como em animais”. A mes- ma fontedefine “Ejaculação” como “A emissão de sêmen para o exterior, resultante da contração dos músculos que envolvem os ductos uroge- nitais masculinos”. Fisiologicamente o orgasmo e a ejaculação ocorrem de forma simultânea, o que motiva com frequência a confusão entre os termos quando pacientes formulam suas queixas sexuais. As disfunções orgásmicas englobam situações clínicas diversas. A ejaculação precoce é tema de outro capítulo. Vamos aqui relacionar as outras disfunções do orgasmo. Anorgasmia Clínica: Paciente não consegue obter orgasmo na relação sexual. Aqui a ejaculação pode ou não ocorrer. Etiologia: Psicogênica fundamentalmente. O hipogonadismo pode ser fator etiológico. Doses elevadas de antidepressivos também podem provocar o distúrbio. Anejaculação Clínica: Paciente obtém orgasmo, mas não há saída de sêmen (or- gasmo seco). Etiologia: Diabetes, lesões raquimedulares, prostatovesiculectomia radical, outras cirurgias pélvicas extensas, esclerose múltipla, obstrução de ductos ejaculadores. 230 Ejaculação retrógrada Clínica: Orgasmo presente com ausência de expulsão do sêmen (or- gasmo seco). Etiologias mais comuns: Diabetes, RTU de próstata e outras interven- ções sobre o colo vesical, cirurgias pélvicas extensas, lesão raquimedular, medicamentosa (alfa bloqueadores, neurolépticos). Ejaculação dolorosa Clínica: O paciente apresenta dor perineal, genital e/ou pélvica no momento do orgasmo. Etiologia: A origem psicogênica é predominante. A literatura reporta causas orgânicas como prostatite crônica e outras infecções urogenitais, pós cirurgia de reparo de hérnia inguinal e prostatectomia radical. Ejaculação retardada Clínica: Dificuldade e demora em obter o orgasmo em uma relação sexual, provocando sofrimento ao paciente e sua parceira. Parte dos pacientes pode apresentar em concomitância um estilo masturbatório idiossincrático (padrão personalizado de masturbação que leva ao orgas- mo, mas difícil de ser reproduzido numa atividade sexual com a parceira). Etiologia: À semelhança da anorgasmia, as causas psicogênicas têm prevalência elevada. O uso de antidepressivos também é frequentemen- te relacionado com a ejaculação retardada. A ação de depressores do sis- tema nervoso central pode retardar o orgasmo, como álcool e drogas. O hipogonadismo também pode contribuir como fator etiológico. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial entre as disfunções orgásmicas nem sem- pre é muito fácil. Os pacientes utilizam, com frequência, terminologia confusa para definir o seu desconforto sexual e muitas vezes não sabem distinguir orgasmo de ejaculação com clareza. 231 Essencialmente a anamnese detalhada é fundamental para um cor- reto diagnóstico, e deve incluir os fatores sociais, familiares, religiosos, psicodinâmicos e ligados ao relacionamento afetivo e sexual do casal. Os exames complementares podem ser úteis em algumas situações: - Pesquisa de espermatozóides na urina após a masturbação: Pode permitir o diagnóstico diferencial entre anejaculação e ejaculação re- trógrada. - Dosagem de Testosterona total, livre calculada, SHBG, Prolactina: permite avaliar possibilidade de envolvimento de hipogonadismo e pato- logias associadas na etiologia de alguns distúrbios orgásmicos. - Exames de imagem como ultrassonografia transretal de próstata e vesículas seminais, tomografia computadorizada e ressonância magnéti- ca destas estruturas para avaliar possibilidade de processos inflamatórios, obstrutivos ou alterações constitucionais que possa interferir com a pro- dução de sêmen. Conduta Anorgasmia Nos casos psicogênicos está indicada psicoterapia. A reposição de testosterona tem indicação nos casos confirmados de hipogonadismo. Nas situações causadas por doses elevadas de antidepressivos pode-se conversar com o psiquiatra do paciente avaliando possibilidade de dimi- nuir a dosagem. Anejaculação Nos pacientes com obstrução dos ductos ejaculadores, a cirurgia pode corrigir o problema. Nas outras etiologias não há tratamento possí- vel para restaurar a ejaculação. Ejaculação retrógrada A ejaculação pode ser obtida com administração de drogas alfa adrenérgicas porém o sucesso terapêutico é baixo com efeitos colaterais 232 significativos. Pacientes que planejam gravidez da parceira, pode-se co- lher espermatozoides da urina após o ejaculado. Ejaculação dolorosa O tratamento é baseado na etiologia. Nos casos de infecção, a tera- pêutica antibiótica habitualmente é resolutiva. Nos outros casos, o uso de analgésicos, relaxantes musculares e outras medicações utilizadas em tratamento de dor neuropática podem ser úteis. Fisioterapia pélvica e psi- coterapia também podem estar indicados. Ejaculação retardada Nos casos decorrentes do uso de antidepressivos, a diminuição da dosagem (em acordo com o psiquiatra), ou “drug holiday” (suspender o uso por 3 dias para atividade sexual) podem melhorar o sintoma. Algu- mas drogas são relatadas na literatura como passíveis de melhorar o re- tardo ejaculatório: Bupropiona, Yohimbina, Oxitocina, dentre outras. 233 Capítulo 61 - Peyronie - Tratamento Clínico Álister de Miranda Cará Definição A doença de Peyronie (DP) é uma doença benigna, adquirida que resul- ta na formação de nódulos ou placas fibrosas na túnica albugínea do pênis. Confirmação diagnóstica O diagnóstico é realizado por meio da história clínica e do exame físico. Na fase aguda (inflamatória) a DP é caracterizada por dor, normal- mente durante a ereção, com a formação de um ou mais nódulos com ou sem curvatura peniana. Os exames de imagem não contribuem de forma significativa para a decisão terapêutica, mas podem ser úteis na evolução do tratamento e em protocolos clínicos. A ecografia peniana pode ser utilizada na aná- lise objetiva da placa fibrótica (tamanho e localização), entretanto, para quantificar a curvatura peniana usamos frequentemente a autofotogra- fia, o penograma e o teste de ereção fármaco-induzido. O Doppler dos corpos cavernosos auxilia na avaliação da permeabilidade vascular e da função erétil peniana e o Raio X peniano pode demonstrar a presença de calcificação. Diagnóstico diferencial Estenose de uretra, trombose e fibrose pós-traumática do corpo ca- vernoso, tumores penianos. Conduta O tratamento clínico pode ser indicado na fase aguda da doença e estão classificadas em terapias: oral ou local (intralesional ou tópica). 234 A maioria dos estudos clínicos é de natureza não-controlada e sem pa- dronização metodológica. Entretanto, os medicamentos mais utilizados tem sido vitamina E (Tocoferol 400 a 600 UI/dia), colchicina (1,5 mg/dia/ em 2 a 3 doses) e para-aminobenzoato de potássio (Potaba 12 g/dia/ em 4 a 6 doses). A monoterapia com vitamina E, colchicina e potaba não demons- trou diferença significativa quando comparada com placebo no que se refere a dor, curvatura e tamanho da placa peniana. Porém, uma análise comparativa entre ibuprofeno (400 mg/dia) ou tocoferol mais colchicina demonstrou diminuição do tamanho da placa e da curvatura do pênis apesar da indiferença na melhora da dor. O tocoferol é desprovido de efeitos colaterais, entretanto a colchici- na apresenta como principais efeitos colaterais diarreia, náuseas, aumen- to das enzimas hepáticas e leucopenia. O tamoxifeno, inibidor da TGF-B pelos fibroblastos, com efeito, an- tiinflamatório e a pentoxifilina que previne e suprime a produção de co- lágeno foram sugeridos como possível opção terapêutica no tratamento clinico da DP, entretanto os resultados não demonstraram evidências que supere o placebo. Recomendo o uso da associação de tocoferol (600 mg/dia) e col- chicina (1,5 mg/dia) durante a fase aguda da doença de Peyronie e até o momento, frente aos poucos estudos com maior evidência científica, podemosafirmar que o uso isolado de vitamina E, colchicina ou para- -aminobenzoato de potássio não tem indicação na fase inicial da doença. Tratamento intralesional O tratamento intralesional pode ser realizado com a injeção de Vera- pamil, interferon e mais recentemente de colagenase. O verapamil, bloqueador de canais de cálcio, foi popularizado por Levine et al. em 1994. Uma revisão com 156 pacientes em estudo não- -randomizado, demonstrou que a administração intralesional de 10 mg 235 de verapamil, promoveu melhora da dor, redução da curvatura e da placa peniana em 97%, 62% e 34%, respectivamente. O interferon alfa-2B também tem sido sugerido e estudado na tera- pia intralesional da doença de Peyronie, entretanto, estudos recentes de- monstraram que o interferon isolado ou em associação com o Tocoferol não proporcionou melhora significativa quando comparada com placebo. Mais recentemente, estudos randomizados não controlados mostra- ram uma melhora em mais de 50% dos pacientes tratados com a injeção intralesional de colagenase, fazendo com que este método seja aprovado pelo FDA já neste ano. Outros métodos menos invasivos como a LECO e a tração peniana foram utilizados no tratamento dos pacientes com DP. Entretanto, a maio- ria dos estudos é limitado não controlado, sem seguimento longo e sem padronização metodológica. Embora existam inúmeras opções terapêuticas não há um tratamen- to clínico padrão para a DP. Faltam estudos randomizados, controlados, prospectivos e duplos-cegos, com casuísticas adequadas. Assim, a terapia oral e local deverá ser oferecida ao paciente com doença instável e não candidato a terapia cirúrgica. Leitura recomendada 1. Lawrence L e cols. La Peyronie’s Disease, penile trauma and gender reassignment surgery. In Montorsi e col, Sexual Medicine, 2010. 2. Levine LA, Estrada CR. Intralesional verapamil for the treatment of Peyronie´s disease: A review. Int J Impot Res 2002;14:324-8. Temas Gerais 62 - Profilaxia de Trombose Venosa Profunda 63 - Preparo para a Biópsia de Próstata 64 - Profilaxia Antimicrobiana em Cirurgia Urológica 65 - Cateterismo Intermitente Limpo 66 - Sonda Vesical de Demora (Complicações e Estratégias de Pre- venção) 67 - Terapia Antálgica de Pacientes com Câncer Terminal no Con- sultório 68 - Paciente Diabético no Perioperatório 69 - Paciente Anticoagulado no Perioperatório 70 - Choque Anafilático 71 - Tratamento da Cistite Actínica 72 - Ressonancia Magnética - Fibrose Nefrogênica Sistêmica 73 - Cuidados com Estomias 74 - Medicamentos em Urologia - Dosagem e Posologia 239 A Trombose Venosa Profunda (TVP) é assintomática em até 50% das vezes. O Tromboembolismo Pulmonar (TEP) é a causa de morte evitável mais frequente em pacientes internados. O termo Tromboembolismo Ve- noso (TEV) abrange estas duas patologias. Nossa função como cirurgiões é encontrar um ponto de equilíbrio entre a diminuição da incidência de TEV e evitar o uso desnecessário de anticoagulantes e assim de complicações como sangramento além de gasto desnecessário. O risco de desenvolvimento de TEV envolvem o paciente, o procedi- mento e a recuperação. São considerados fatores de risco para TEV: idade; história prévia de TVP, AVC, IAM, abortamento recorrente; Doenças Ativas: ICC, DPOC, Doença Inflamatória Intestinal, câncer, doença reumática ativa, insuficiência arterial periférica, traumatismos graves, infecção, paralisia, obesidade, síndrome nefrótica, varizes e insuficiência venosa; Medica- ções/substâncias: tabagismo, anticoncepcionais, terapia de reposição hor- monal e quimioterapia; Intrínsecas da cirurgia: cirurgias de grande porte; cirurgias pélvicas, cirurgias oncológicas, posição de litotomia prolongada, imobilização prolongada no pós operatório; gravidez e puerpério. Para adotarmos a melhor conduta, podemos caracterizar os pacien- tes conforme o risco. As condutas serão dadas conforme a tabela 1. Esquema 1: - heparina não fracionada (HNF) 5000 UI subcutânea (SC) 12/12 hs; - enoxaparina 20 mg SC uma vez ao dia; - fondaparinux 2,5 mg SC uma vez ao dia; Capítulo 62 - Profilaxia de Trombose Venosa Profunda João Paulo da Cunha 240 - delteparina 2500 UI SC uma vez ao dia; - nadroparina 1900*UI SC uma vez ao dia. Esquema 2: - HNF 5000 UI SC 8/8 hs; - enoxaparina 40 mg SC uma vez ao dia; - fondaparinux 2,5 mg SC uma vez ao dia; - delteparina 5000 UI SC uma vez ao dia; - nandroparina 2850* UI SC uma vez ao dia. *ou corrigido pelo peso. A duração da profilaxia poderá durar até a alta hospitalar se o pa- ciente estiver deambulando. Em pacientes com história de TEV, cirurgias oncológicas extensivas ou dificuldade de mobilização o risco deve ser in- dividualizado e a duração poderá durar de 1 a 4 semanas. Contraindicações absolutas: sangramento ativo e hipersensibilida- de às drogas usadas. Contraindicações relativas: punção para coleta de LCR há menos de 24h; alteração das plaquetas ou provas de coagulação; cirurgia craniana ou ocular recente; HAS descontrolada. Quando contraindicada a profilaxia medicamentosa deve ser realiza- da profilaxia mecânica. Podemos iniciar com profilaxia mecânica quando houver risco de sangramento e transicionar para farmacológica quando houver diminui- ção do risco ou vice versa. Podemos associar profilaxia medicamentosa e mecânica no mesmo paciente. Paciente com risco muito elevado para TEV que serão submetidos às cirurgias grandes os mecanismos farmaco- lógicos e mecânicos devem ser associados. A profilaxia mecânica é contraindicada quando: infecções ou lesões de pele graves em membros inferiores; fratura exposta; ICC grave ou obs- trução arterial em membros inferiores. 241 Em profilaxia farmacológica o controle das plaquetas deverá ser rea- lizado a cada dois dias. Quando houver queda plaquetária (queda maior de 50% da inicial), deverá ser suspensa a prescrição do anticoagulante. Não deverá ser utilizado HBPM quando houver insuficiência renal. O AAS não deverá ser usado com objetivo de prevenção de TEV. Tabela 1 Baixo risco: - cirurgias em pacientes menores de 40 anos sem fatores de risco. - cirurgias de pequeno porte, sem necessidade de repouso prolongado. - procedimentos laparoscópicos com duração até uma hora. - RTU de próstata. Risco moderado: - cirurgias de médio e grande porte em pacientes 40-60 anos sem fatores de risco. - cirurgias de médio e grande porte em pacientes com menos de 40 anos tomando estrógeno. Risco elevado: - cirurgias de médio e grande porte em pacientes com mais de 60 anos. - cirurgias de médio e grande porte em pacientes 40-60 anos com fatores de risco. - cirurgias oncológicas extensivas. - cirurgias de médio e grande porte em pacientes com hipercoagulabilidade ou história de TEV. Início O mais rápido possível. -2 hs antes se anestesia geral. -2 hs após se houver raquianestesia ou peridural. -2 hs antes (HNF) ou 12h(HBPM) se anestesia geral. -2 hs após se houver raquianestesia ou peridu- ral.** Farmacológico ø Esquema 1 Esquema 2 Mecânico Deambulação Meia elástica*/ deambulação Botas de compres- são pneumática/ deambulação Baixo risco Médio risco Alto risco *A meia elástica deve ser de compressão gradual (30-40 mmHg), ajustada adequadamente pelo tamanho do membro inferior do paciente. **A retirada de um cateter de peridural deverá ser realizado 12 hs após a a última dose da medicação. Leitura recomendada 1. Geerts WH e cols. Prevention of venous thromboembolism. ACCP Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest 2008; 133:381S-453S. 2. Diretrizes TVP. Normas de orientação clínica para prevenção, o diagnóstico e o tratamento da trombose venosa profunda. J Vasc Br2005;4(Supl.3):S205-S220. 242 Capítulo 63 - Preparo para a Biópsia de Próstata João Carlos Cardoso AlonsoApesar de ser considerada procedimento seguro, a biópsia prostáti- ca transretal (BPTR) pode ser acompanhada de complicações infecciosas e hemorrágicas. Embora as infecciosas sejam bem conhecidas, não há padronização sobre o melhor esquema antibiótico. Diversos estudos comprovaram que a profilaxia é eficaz na prevenção de complicações infecciosas. Entre as classes de antibióticos que podem ser usadas, as quinolonas (destacando-se a ciprofloxacina) é a melhor, com o maior número de es- tudos. Não há dados definitivos para confirmar que o uso de antibióticos por três dias seja superior aos tratamentos por um dia. A opção preferida na maioria dos trabalhos é por três dias. Outras drogas que podem ser utilizadas para esse fim são as cefalos- porinas de 1ª, 2ª e 3ª geração, os aminoglicosídeos associados a metroni- dazol ou clindamicina, e ainda aztreonam associado a metronidazol ou clindamicina. Essas opções podem ser utilizadas em comunidades onde a resistência às fluoroquinolonas é alta, ou em situações em que o paciente não pode usar esta medicação (alergia). A via de administração (oral ou parenteral) não interfere na ação do antibiótico como profilaxia. Isoladamente, a Escherichia coli é o germe mais frequentemente encontrado nos casos de infecção após biópsia. O uso de enema intestinal, associado ao antibiótico em esquema profilático, diminui a incidência de episódios de bacteremia. Orientações gerais O paciente deverá vir acompanhado, trazer o pedido de biópsia do médico e exames de PSA ou biópsias anteriores, caso já tenha feito. 243 Não é necessário jejum, se exame apenas sob anestesia local. Medicações de uso habitual: Tomar os medicamentos de rotina para hipertensão arterial. Suspender, caso faça uso, os seguintes medicamentos: - antiagregantes plaquetários: sete dias antes do exame - anticoagulantes: 15 dias antes do exame Hipoglicemiantes orais: suspender 12 horas antes do exame Profilaxia antibiótica (programar dose uma hora antes do exame) Ciprofloxacina 500 mg - 6 comprimidos. Início no dia anterior e manter de 12 em 12 horas. Levofloxacina 500 mg - 3 comprimidos. Início no dia anterior e manter uma vez ao dia. Preparo intestinal: (retal ou oral + retal) Fleet enema® ou Phospoenema®: Dois frascos por via retal, duas horas antes do procedimento. Dulcolax®: dois comprimidos por via oral na noite anterior e suposi- tório de glicerina três horas antes do procedimento. Posicionamento do Paciente Geralmente posicionado em decúbito lateral esquerdo, com os joe- lhos e quadris flexionados a 90 graus e um travesseiro entre os joelhos. As nádegas devem ser alinhadas com o fim da maca para permitir a manipu- lação do transdutor. Se necessário, decúbito lateral direito ou posição de litotomia pode ser usado. Anestesia (local ou sedação) Anestesia local: Infusão de 20 ml de lidocaína geléia no reto, com seringa, seguida de punção com agulha 22 G (7 polegadas), periapical e peribasal prostática, 244 bilateralmente, guiado pelo ultrassom, por meio de guia ao longo do trans- dutor. Injeta-se lidocaína 2% sem vasoconstritor sendo 2,5 ml para cada punção, num total de 10 ml. A anestesia de infiltração em torno dos feixes nervosos com anestésico local proporciona excelente controle da dor. Sedação: Técnica, drogas e jejum, à critério do anestesista. Complicações Habituais: Sangramento: - nas fezes, geralmente temporário, em pequena quantidade. - hematúria macroscópica, por até duas semanas. - hematospermia, por até 60 dias. Disúria, normalmente por até 7 dias. Procurar pronto-socorro: Febre (> 37,8 ºC) ou calafrios. Em caso de prostatite, pode ser ne- cessária internação e uso de antibióticos parenterais, com cobertura para gram negativos e anaeróbios. Orientações após o exame: - Orientar sobre as possíveis complicações. - Alimentação: habitual. Atividade física: evitar por dois dias. Atividade sexual: manter abstinência por 3 dias. Medicação: manter o uso das medicações habituais e do antibiótico. Leitura recomendada 1. European Association of Urology (EUA) 25th Anual Congress: Abstract 171. Apresentado em 17/04/2010: www.auanet.org/eforms/hpbrief/view.cfm?i=867&a=220. 2. Trabulsi EJ, Halpern EJ, Gomella LG. Ultrasonography and Biopsy of the Prostate, Chapter 97. In: Campbell’s Walsh Urology 10a Edição, Elsevier – Saunders, Philadelphia, USA, 2011. 245 Capítulo 64 - Profilaxia Antimicrobiana em Cirurgia Urológica Pedro Henrique Oliveira Cabral Princípios fundamentais e aspectos relevantes Conceito: administrar um agente com ação antimicrobiana antes da incisão e por um tempo limitado, para reduzir a contagem bacteriana no sítio cirúrgico abordado, prevenindo assim infecções após procedimen- tos terapêuticos ou diagnósticos. A administração da primeira dose mais de duas horas antes ou após a incisão é conceitualmente incorreta e associada clinicamente à perda de eficácia da profilaxia. Deste modo, para a maioria das cirurgias, a pri- meira dose deve ser administrada entre 30 e 120 minutos antes do início. Por outro lado, o uso pós-operatório prolongado é desvantajoso: além de associado à maior frequência de efeitos adversos, custos hospitalares elevados e ao surgimento de cepas resistentes, não traz ganho de eficácia na prevenção de infecções. O intervalo de repetição da droga é diferente do utilizado quando o antibiótico é prescrito com intenção terapêutica, o que em geral causa alguma confusão. A repetição da dose deve ocorrer no intervalo de 2x a meia-vida da droga, permitindo assim que os níveis de concentração do antimicrobiano no sangue e no sítio cirúrgico permaneçam elevados e acima da concentração inibitória mínima durante todo o período de maior susceptibilidade ao contágio que o ato operatório representa. O antibiótico escolhido deve ter ação direcionada à flora particular do sítio cirúrgico, com menor espectro, porém meia-vida mais longa. O conceito atual é que drogas de amplo espectro como fluoroquinolonas devem ser utilizadas com cautela e reservadas para o tratamento de in- fecções. Tradicionalmente, as quinolonas eram os agentes mais usados, gerando taxas de resistência preocupantes e medidas com o intuito de 246 limitar este fenômeno. Nas últimas diretrizes da Associação Europeia (EAU), as quinolonas não são mais a primeira opção em nenhum proce- dimento endourológico, sendo substituídas por cefalosporinas ou ami- nopenicilinas com inibidores de beta-lactamase. A diretriz da Associação Americana (AUA) é mais antiga (2008) e ainda inclui quinolonas entre as drogas preconizadas na endourologia, mas não para cirurgias abertas. A classificação tradicional das cirurgias em limpas, potencialmente contaminadas, contaminadas e infectadas foi idealizada há 30 anos para cirurgias abertas e não se aplica àquelas mais frequentemente realizadas hoje: as endourológicas. Além disso, ainda existe discussão se cirurgias abertas que abrem o trato urinário devem ser classificadas como lim- pas ou potencialmente contaminadas quando a urocultura é negativa. Recentemente, tais procedimentos foram considerados potencialmente contaminados porque o trato genitourinário é colonizado por microflora, mesmo na presença de urina estéril. São sete os principais fatores de risco para infecções pós-operató- rias: status de saúde geral comprometido segundo escore da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), desnutrição, idade avançada, imu- nossupressão de qualquer etiologia (corticoides, doença imunológica e diabetes descompensado), presença de corpo estranho infectado, infec- ção à distância e contaminação grosseira do campo cirúrgico. Em deter- minados procedimentos, é a presença destes fatores de risco que indica a necessidade de antibioticoprofilaxia. Outros fatores são mencionadosde modo menos consistente na literatura e devem ser considerados apenas em situações especiais. Não existe bom nível de evidência para profilaxia antimicrobiana em diversos procedimentos, gerando discordâncias. Considerando as duas principais e mais recentes diretrizes, existem três diferenças principais. Na RTU de bexiga por tumor e nas ureteroscopias, a AUA indica profilaxia para todos os pacientes, enquanto a EAU não recomenda profilaxia de rotina. Para litotripsia extracorpórea, a AUA preconiza administração de antibióticos para todos os casos, enquanto a EAU só em pacientes com cateter duplo J ou sonda de nefrostomia. 247 Qual a melhor: Norfloxacina ou Ciprofloxacina? Ambas têm basica- mente o mesmo espectro, porém apenas a Ciprofloxacina tem atividade anti-pseudomônica. Assim, para infecções comunitárias, na ausência de hospitalização recente prévia, cateteres ou uso anterior de antimicrobia- nos, a Norfloxacina é a droga de eleição, devendo-se reservar a Cipro- floxacina para as situações de risco para infecção por Pseudomonas ou quando há necessidade de uso endovenoso (a Norfloxacina possui ape- nas formulação VO). A Levofloxacina não tem maior eficácia antimicro- biana para patógenos urinários em relação às duas outras quinolonas e não cobre Pseudomonas, possuindo apenas a vantagem da comodidade posológica de administração em apenas uma dose diária. É essencial a intervenção da CCIH do hospital no sentido de moni- torizar e limitar o fenômeno de resistência no hospital, disponibilizando antibióticos exclusivamente para uso profilático e elaborando diretrizes de acordo com o perfil de sensibilidade local. Leitura recomendada 1. Classen DC e cols. The timing of prophylactic administration of antibiotics and the risk of surgical-wound infection. N Engl J Med. 1992, 326:281–286. 2. Grabe M e cols. European Association Guidelines on Urological Infections, 2012. 248 Capítulo 65 - Cateterismo Intermitente Limpo Daniel Carlos da Silva A cateterização urinária tem por objetivo o adequado esvaziamento vesical quando não é possível realizá-lo de forma adequada devido desor- dens na contratilidade detrusora ou fatores infravesicais. A quantidade exata do resíduo pós-miccional (RPM) no qual a drenagem vesical passa a ser indicada ainda não é consenso. Em geral, utiliza-se para pacientes com RPM superior a 150 ml, uma vez que a partir desse volume verificou-se maior incidência de infecções do trato urinário (ITU). O Cateterismo Intermitente Limpo (CIL) pode proporcionar indepen- dência aos pacientes e minimizar ou evitar os riscos associados à cateteri- zação contínua. As principais vantagens são: - Permite reestabelecer a função de armazenamento vesical, uma vez que o ciclo enchimento-esvaziamento pode ser mantido mesmo em vi- gência de alterações da dinâmica miccional; - Apresenta menores taxas de complicações, tais como lesão/erosão uretral, uretrite, litíase vesical, cistite, ITU repetição, incompetência do colo e câncer vesical. Principais indicações - Pacientes com desordens neurológicas (trauma raquimedular, mie- lomeningocele, neuropatia diabética) que resultam em: a) retenção crô- nica com impossibilidade total de esvaziamento vesical ou esvaziamento vesical incompleto; b) dissinergia detrusor-esfincteriana e elevadas pres- sões miccionais com risco de deterioração do trato urinário alto; - Hipocontratilidade detrusora associada a elevado resíduo pós-mic- cional e ITU, secundária à falência detrusora (obstrução prostática crônica); - Pacientes com dificuldade de esvaziamento vesical após procedi- mentos cirúrgicos, seja no pós-operatório imediato (retenção pós-anesté- 249 sica ou pós-sling) ou em longo prazo (denervação secundária a cirurgias pélvicas extensas); - Esvaziamento vesical em derivações urinárias continentes (conduto de Monti ou Mitrofanoff); Aspectos técnicos Pode ser realizado por um cuidador ou pelo próprio paciente (auto- -CIL). Homens e mulheres de todas as idades estão aptas a relizar o auto- -CIL , desde que haja destreza manual e capacidade cognitiva suficientes. É sempre importante a orientação inicial por um profissional qualificado. Dentre os aspectos técnicos destacam-se: a) Número de vezes de utilização do mesmo cateter: Não existe na literatura estudos com bons níveis de evidência mos- trando superioridade do uso de novo cateter para cada cateterização sobre limpeza e reutilização do mesmo cateter. Não está determinado o tempo máximo que um catater pode ser reutilizado, mas recomenda-se a troca mínima semanal. Recomenda-se ferver o cateter antes de ser reutilizado. b) Tipos e tamanhos de cateter: Podem ser de látex, plástico ou silicone. Estudos mostram preferên- cia dos pacientes na utilização de cateter hidrofílico devido menor grau de desconforto relacionado à introdução do cateter, manuseio, tempo gasto, satisfação geral e adequação à rotina. No entanto, não existem evidências para menor taxa de morbidades relacionadas ao uso desse tipo de cateter. Os tamanhos utilizados em adultos variam de 10 a 14F, sendo 12F o calibre mais frequentemente indicado. Crianças utilizarão cateteres com menor diâmetro, de acordo com a faixa etária. c) Lubrificação do cateter: Recomenda-se lubrificação para minimizar risco de lesão uretral. Pode ser realizada diretamente sobre o cateter ou com instilação ure- 250 tral. Em geral, nos pacientes com sensibilidade preservada, é dado pre- ferência por gel anestésico. d) Frequência de cateterização: Dependente de inúmeros fatores, como capacidade vesical, ingesta hídrica, RPM, complacência vesical. Pacientes com impossibilidade total de esvaziamento: iniciar quatro a seis vezes por dia e adequarde acordo com os achados de diário miccional de 24 horas. Pacientes com esvazia- mento incompleto: ajustar de acordo com diário miccional e RPM, sendo essencial a cateterização após primeira e última micções do dia. e) Terapias adjuvantes: Utilizadas em associação com CIL para controle de elevadas pressões de armazenamento (hiperatividade detrusora ou baixa complacência ve- sical). Dentre as opções temos os antimuscarínicos, toxina botulínica in- travesical, neuromodulação sacral, ampliação vesical e rizotomia sacral. Complicações Complicações são infrequentes e estão, na sua maioria, relacionadas à técnica inadequada. A mais comum é a lesão uretral. Fatores de proteção são o auto-CIL e utilização de sondas com calibre igual ou superior a 12F. Em casos de lesões uretrais ou persistência dos episódios de infec- ção sintomática a técnica do CIL deve ser revista. As infecções em pacien- tes em CIL devem ser tratadas apenas quando sintomáticas Qualidade de vida Comparados a indivíduos com adequada função vesical, pacientes em CIL apresentam pior desempenho em todos os domínios de qualidade de vida estudados. No entanto, mostram-se superiores quando comparados com indivíduos com cateterização uretral ou supra-púbica contínua. Leitura Recomendada (disponível em: www.icsoffice.org) 1. Wyndaele JJ e cols. Neurologic Urinary and Faecal Incontinence. Em: Incontinence – 4th International Consultation on Incontinence. Abrams P e cols. 2009: 815-17. 2. Cottenden A e cols. Management with Continence Products. Em: Incontinence – 3th International Consultation on Incontinence. Abrams P e cols. 2005: 192-3. 251 Capítulo 66 - Sondagem Vesical de Demora (complicações e estratégias de prevenção) Gustavo Cuck A sondagem vesical de demora (SVD) é utilizada em homens e mu- lheres para a drenagem de urina da bexiga e é um dos procedimentos mais realizados na prática médica. Normalmente é realizada por meio da uretra; no entanto, em caso da impossibilidade de utilização dessa via a SVD é realizada por meio de cistostomia suprapúbica. Possui inúmeras indicações comoretenção urinária aguda, pós-ope- ratórios entre outras. No entanto, inúmeras complicacões têm sido relata- das com esse procedimento. As complicacões podem ser didaticamente divididas em agudas e crônicas. Complicações agudas Dor: as principais causas são: lubrificação e analgesia insuficientes; calibre muito grosso da sonda vesical (SV); falso trajeto; insuflação do ba- lão na uretra; obstrução por coágulo ou xilocaína. Traumáticas: os traumas durante a SVD geralmente tem como con- sequências: hematúria; dor; lesão do reto (principalmente com a utiliza- ção inadequada do guia aramado de SV). Infecciosas: as principais são, infecção do trato urinário, orquiepidi- dimite, Síndrome de Fournier: principalmente em pacientes diabéticos, obesos e imunodeprimidos. Pós-cistostomia por punção: lesão intestinal e retal com necessida- de de colostomia; infecção no local da punção. Complicações Tardias Infecção urinária de repetição; estenose de uretra e meato uretral; erosão da uretra e meato uretral; bacteriúria assintomática; incrustação 252 da sonda vesical (associada à infecção por Proteus mirabilis que levam à cristalização dos biofilmes da SV impedindo o esvaziamento do balão da SV); formação de cálculos vesicais; alterações funcionais da bexiga; indu- ção à formação de tumores vesicais. Para que essas complicacões possam ser evitadas ou pelo menos di- minuídas alguns aspectos da SVD devem ser ressaltados. Estratégias de prevenção: 1. Indicação: somente deve ser indicada a SVD após uma orientação médica. 2. Passagem da sonda (via uretral): deve ser realizada por profissio- nal de enfermagem treinado. Em situações de dificuldade um médico, de preferência urologista, deverá realizar o procedimento. 3. Passagem da sonda em situações especiais (com guia de sonda- gem ou realização de cistostomia suprapúbica): deve ser realizada so- mente por urologista em ambiente hospitalar. 4. Cuidados com a sonda vesical: - testar o balão antes do procedimento. - insuflar somente o volume recomendado pelo fabricante. - o ideal é que o líquido insuflado seja água destilada. Evitar uso de líquidos formadores de cristais ou que possam destruir o latex/silicone do balão da SV. - sistema coletor: deve ser fechado. 5. Técnica de Assepsia: asséptica 6. Analgesia: - deve ser realizada utilizando-se em torno de 10 ml (mulheres) a 20 ml (homens) de xilocaína gel intrauretral. - a passagem da sonda deve ser realizada de preferência 5 a 10 mi- 253 nutos após. Nesse intervalo, no caso masculino, o meato uretral deverá ser pressionado para evitar a saída do gel. Isso proporciona lubrificação e analgesia suficientes para uma SVD sem traumas. 7. Esvaziamento vesical: deve ser lento, principalmente no caso de grande quantidade de urina na bexiga. Isso evita a ocorrência de fenôme- nos vasovagais além de sinéquia das paredes da bexiga levando à hema- túria macroscópica. 8. Antibioticoterapia profilática: principalmente no uso de SV por curto e médio períodos de tempo. Os antibióticos mais utilizados são: quinolona, sulfametoxazol+tripetropim ou cefalosporinas de primeira geração em dose única diária. 9. Troca da sonda vesical e sistema coletor fechado: deve ser realiza- da a cada 4-6 semanas. 10. Cuidados com a assepsia do meato uretral: lavar diariamente com sabonete ou antissépticos. 11. Retirar a SV assim que possível ou introduzir esquema de catete- rismo intermitente limpo. 254 Capítulo 67 - Terapia Antálgica de Pacien- tes com Câncer Terminal em Consultório Walter Antonio Melarato Júnior As neoplasias urinárias desenvolvem metástases com frequência nos ossos (por exemplo, coluna vertebral, pelve ou crânio) e estas me- tástases ósseas se associam a dor, fraturas patológicas, hipercalcemia e déficites neurológicos, o que ocasiona uma queda importante da qua- lidade de vida. A dor nos pacientes oncológicos pode ser secundária à evolução da própria patologia, infiltração tumoral, metástases ósseas, aos proce- dimentos terapêuticos e de diagnóstico, e a aspectos psicoafetivos asso- ciados a uma doença debilitante, progressiva e muitas vezes, terminal. Hierarquia dos princípios gerais do tratamento da dor em câncer: • Tratamento individualizado para cada paciente. • Tratamento causal é preferível ao tratamento sintomático. • Tratamento local é preferível ao tratamento sistêmico. • Tratamento sistêmico com grau crescente de invasividade: escada da Organização Mundial de Saúde (OMS). • Adesão com diretrizes paliativas. • Orientação psicológica e fisioterapia desde o princípio. A farmacoterapia com analgésicos é a base do tratamento da dor em câncer. As drogas analgésicas podem ser divididas em três grupos: Anal- gésicos não opióides; Analgésicos opióides; Analgésicos adjuvantes. Os analgésicos adjuvantes são drogas com outras indicações primárias que 255 podem ser analgésicos eficazes em circunstâncias específicas. Existem três grupos de analgésicos adjuvantes: Corticosteróides; Neurolépticos; Benzodiazepínicos. A OMS propôs uma abordagem útil para a seleção de drogas para dor no câncer, conhecida como “escada analgésica (Figura 1). Fase 1 Analgésicos não opioides +analgésicos adjuvantes Fase 3 Analgésicos não opioides +opioides fortes + analgésicos adjuvantes Fase 2 Analgésicos não opioides +opioides fracos +analgésicos adjuvantes Figura 1- ”Escada analgésica” da Organização Mundial de Saúde O “primeiro degrau” propõe que analgésicos comuns e anti-infla- matórios não-hormonais devam ser inicialmente empregados no com- bate de dores de leve a moderada intensidade. Outros tipos de medica- ções, chamadas de “drogas adjuvantes podem ser utilizadas a qualquer momento. O “segundo degrau” é atingido quando a dor persistir ou aumentar, e nessa situação deve-se adicionar (e não substituir) ao esquema medi- camentoso prévio drogas opiáceas fracas, tais como a codeína (30-60 mg 4x ao dia, associado a paracetamol) e o tramadol (oral 50-100mg 4-6 x/ dia) entre outras. Havendo persistência ou aumento da dor, o “terceiro degrau” é atin- gido, com a introdução de opiáceos fortes ao esquema prévio, em subs- tituição aos opiáceos fracos. Os medicamentos deste grupo são o sulfato de morfina e a metadona, contudo, há situações onde se faz necessário o uso de drogas mais potentes. 256 Nos pacientes com dores neuropáticas, em decorrência de infiltra- ção ou compressão nervosa tumoral podemos usar amitriptilina ou nor- triptilina (25-75 mg uma vez ao dia ,gabapentina (dose alvo, 600-1200mg três vezes ao dia) ou pregabalina ( 75mg duas vezes ao dia). O tratamento multimodal da dor deve ser empregado sempre que possível, pois ajuda a aumentar a eficácia enquanto minimiza os efeitos adversos. A cirurgia pode ser indicada nas situações em que o tumor está infil- trando estruturas vizinhas ou plexos nervosos, mas deverá ser individua- lizada de acordo com as condições do paciente. A quimioterapia poderá apresentar resultados na diminuição da dor devido a diminuição do tumor primário e diminuição da compressão e infiltração tumoral. Podemos utilizar técnicas físicas para otimizar a função nos pacien- tes com dor oncológica e potencializar a analgesia mediante a aplicação de modalidades tais como estimulação elétrica, calor ou crioterapia. O apoio psicológico forma parte integral da assistência dos pacien- tes oncológicos com dor. Tratamento álgico das metástases ósseas • Radioterapia externa: a radioterapia é um excelente tratamento paliativo para metástases ósseas sintomáticas isoladas, resultando em alí- vio de dor completo ou parcial na maioria dos pacientes . • Radio Isótopos: em pacientes com dor devido a metástases ósseas disseminadas podemos realizar aplicações endovenosas de radioisóto- pos (estrôncio -89 ou samário-153).• Tratamento hormonal primário (próstata). • Bifosfonatos: ácido zoledrônico. O objetivo do tratamento analgésico nos pacientes oncológicos con- siste em realizar analgesia com menores efeitos colaterais. As possibilida- 257 des terapêuticas disponíveis na atualidade produzem um alívio suficiente na imensa maioria dos casos. Os pacientes com dor intratável devem ser acompanhados por especialistas em tratamento de dor ou de cuidados paliativos para oferecer uma abordagem multidisciplinar. Por último, alguns pacientes com câncer avançado cujo objetivo assistencial principal é o conforto podemos optar por uma sedação pro- funda. Leitura recomendada 1. Diretrizes da Associação Européia de Urologia- 2010. 258 Capítulo 68 - Paciente Diabético no Perioperatório Marcelo de Paula Galesso Mais de 50% dos pacientes diabéticos têm chance de serem subme- tidos a alguma cirurgia pelo menos uma vez na vida. O trauma cirúrgico, que se inicia na indução anestésica, acarreta um aumento dos hormônios da contrarregulação insulínica (catecolaminas, cortisol, glucagon e hor- mônio do crescimento) que são responsáveis pelo intenso catabolismo observado no período pós-operatório. O estresse cirúrgico pode ainda desencadear cetose e cetoacidose, que por sua vez podem ocasionar ou- tras condições, como desequilíbrio hidroeletrolítico e distensão abdomi- nal. Além disso, o diabetes mal controlado predispõe a uma pior resposta à infecção, aumenta o risco de coagulopatia e prejudica os processos in- flamatório e de cicatrização. Por outro lado, o risco de hipoglicemia, em consequência do jejum prolongado ou mesmo como complicação da insulinização intensiva, é outra complicação possível. Assim, as metas gerais a serem observadas no paciente diabético du- rante a cirurgia são: prevenir hipoglicemia, cetoacidose e distúrbio hidro- eletrolítico (grau de recomendação A), controlar hiperglicemia mantendo a glicemia idealmente entre 100 mg a 140 mg/dl (grau de recomendação B), agendar cirurgias eletivas pela manhã (grau de recomendação B) e reintroduzir alimentação por via oral tão logo seja possível (grau de re- comendação B). Pacientes insulinodependentes O controle glicêmico com insulina venosa durante a cirurgia deve ser feito para todos os diabéticos insulinodependentes a serem subme- tidos a procedimentos de grande porte (grau de recomendação A) e que necessitem de anestesia geral (grau de recomendação B) ou em cirurgias 259 pequenas na presença de hiperglicemia ou cetose (grau de recomenda- ção B). Deve-se realizar a monitorização horária da glicemia e corrigi-la com uma solução obtida pela diluição de 100 unidades de insulina re- gular em 100ml de soro fisiológico 0,9% (1 ml da solução corresponde a uma unidade de insulina) conforme a tabela 1. Quando se instituir insu- linização venosa, deve-se dar atenção especial ao potássio, pelo risco de hipocalemia. Recomenda-se a avaliação do potássio a cada duas a quatro horas. Quando necessário repor, fazê-lo com solução de até 20 mEq de cloreto de potássio 19,1% em 1000 ml soro glicosado 5%, à razão de 100 ml/hora, desde que a função renal seja normal (Tabela 1). Para os procedimentos de pequena duração ou que não necessitem de anestesia geral, usar um terço ou metade da dose habitual de insuli- na de depósito utilizada. Monitorar glicemia capilar a cada duas a quatro horas, com reposição de insulina regular subcutânea ou análogo ultrarrá- pido, conforme tabela 2. Pacientes diabéticos tipo 2 Para os pacientes diabéticos tipo 2 é necessário suspender hipogli- cemiantes orais 48-72 horas antes do procedimento (grau de recomen- dação B), monitorar a glicemia capilar (grau de recomendação A) e, se necessário, aplicar insulina de depósito (grau de recomendação A) ou insulina regular via intravenosa ou subcutânea dependendo da glicemia no periperatório (grau de recomendação B - Tabela 2). No dia da cirurgia poderá ser feito um terço ou metade da dose de insulina de depósito, caso tenha sido utilizada previamente. No pós-operatório se recomenda a monitorizacão da glicemia a cada três a quatro horas, com reposição de insulina regular ou análogo ultrar- rápido via subcutânea conforme a tabela 3. Assim, uma criteriosa avaliação pré-operatória aliada à monitoriza- cão da glicemia e reposição de insulina no perioperatório acabam redu- zindo a morbimortalidade dos procedimentos cirúrgicos realizados em pacientes diabéticos. 260 Tabela 1 - Esquema de insulinização venosa para correção da glicemia em pacien- tes diabéticos insulinodependentes no perioperatório Tabela 2 - Protocolo para correção com insulina regular ou ultrarrápida subcutâ- nea no perioperatório em diabéticos insulinodependentes submetidos a procedi- mentos de pequena duração ou diabéticos tipo 2 Tabela 3 - Protocolo para correção com insulina regular ou ultrarrápida subcutâ- nea no pós-operatório em pacientes diabéticos tipo 2 GLICEMIA < 70 70 a 100 101 a 150 151 a 200 201 a 250 251 a 300 301 a 350 > 401 GLICEMIA < 120 120 a 160 161 a 200 201 a 250 251 a 300 > 300 GLICEMIA < 120 120 a 160 161 a 200 201 a 250 251 a 300 > 300 INSULINA (Unidades/hora) 20 ml glicose 50% 0 1 2 4 6 8 Bolus de 0,1 U/kg INSULINA Não aplicar 1 unidade 2 unidades 4 unidades 6 unidades Rever Insulinização Venosa INSULINA Não aplicar 2 unidades 4 unidades 6 unidades 8 unidades Rever Insulinização Venosa Leitura recomendada Preparo pré e pós-operatório do paciente com Diabetes Mellitus, Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2011, 190-194. 261 Capítulo 69 - Paciente Anticoagulado no Perioperatório Edwaldo Edner Joviliano O manuseio perioperatório de pacientes que recebem terapia anti- coagulante baseia-se na avaliação de risco para tromboembolismo e na avaliação de risco perioperatório para sangramento. Tratar deste assunto é determinante para decidir se a terapia anticoagulante será interrom- pida no momento da cirurgia ou procedimento e, se assim for, se a anti- coagulação ponte deve ser considerada. As recomendações a seguir são um sumário da publicação do Antithrombotic and Thrombolytic Therapy: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Gui- delines (9th Edition): - Em pacientes que necessitam de interrupção temporária de um anti vitamina K (AVK) antes da cirurgia, recomenda-se a suspensão do an- ticoagulante oral (ACO) aproximadamente 5 dias antes da cirurgia. - Em pacientes que necessitam de interrupção temporária de um AVK antes da cirurgia, recomenda-se retomar ACO cerca de 12 a 24 horas após cirurgia (à noite ou na manhã seguinte) quando há hemostasia adequada. - Em pacientes com válvula cardíaca mecânica, fibrilação atrial ou tromboembolismo venoso (TEV) com alto risco para novo tromboembo- lismo, recomenda-se anticoagulação ponte durante a interrupção do AVK. A anticoagulação ponte é realizada quando o INR atinge valores menores que 2,0 após a suspensão do AVK em pacientes com alto ris- co tromboembólico. Pode-se administrar heparina não fracionada (HNF) endovenosa ou subcutânea, mas é mais comumente realizada com hepa- rina de baixo peso molecular (HBPM) subcutânea (SC) pela comodidade posológica e não necessidade de monitorização, na dose de 1,5 mg/kg de enoxaparina ao dia (ou 1 mg/kg 12/12h). A última dose de HBPM deve ser administrada 24 horas antes da cirurgia. 262 - Em pacientes com válvula cardíaca mecânica, fibrilação atrial, ou TEV com baixo risco para novo tromboembolismo, não realizar anticoa- gulação ponte durante a suspensão do AVK. - Em pacientes com válvula cardíaca mecânica, fibrilação atrial, ou TEV de moderado risco para novo tromboembolismo, a realização de an- ticoagulação ponte ou não, deve ser baseada na avaliação de cada indiví- duo e de seusfatores de risco. A tabela 1 resume a abordagem recomendada para pacientes em uso de anticoagulantes que necessitam da realização de um procedimento. - Em pacientes de risco moderado a elevado para eventos cardiovas- culares que estão recebendo a terapia com o ácido acetil salicílico (AAS) e requerem cirurgias não cardíacas, sugere-se não suspender a medica- ção. Em pacientes com baixo risco de eventos cardiovasculares que estão recebendo o AAS, recomenda-se suspender o uso 7 a 10 dias antes da cirurgia. - Em pacientes que estão recebendo o AAS com stents coronarianos que estão recebendo terapia antiplaquetária dupla e requerem cirurgia, recomenda-se adiar a cirurgia para pelo menos seis semanas após a colo- cação de um bare-metal stent ( convencional) e para pelo menos 6 meses de um stent de eluição de medicamento (farmacológico) em vez de em- preender cirurgia dentro desses períodos de tempo . - Em pacientes que necessitam de cirurgia dentro de 6 semanas de colocação de um stent de metal ou dentro 6 meses de colocação de um stent farmacológico, recomenda-se continuar a terapia antiplaquetária dupla em torno do tempo da cirurgia em vez de parar com os antiplaque- tários 7 a 10 dias antes cirurgia. - Em pacientes que estão recebendo anticoagulação ponte com dose terapêutica de HNF endovenosa (EV), recomenda-se parar com a HNF de quatro a seis horas antes da cirurgia. - Em pacientes que estão recebendo anticoagulação ponte com dose terapêutica de HBPM SC (1,5 mg – 2,0 mg/kg dia de enoxaparina), 263 recomenda-se administrar a última dose pré operatória de HBPM aproxi- madamente 24 horas antes da cirurgia em vez de 12 horas antes da cirur- gia como no caso da dose profilática. - Em pacientes que estão recebendo anticoagulação ponte com dose terapêutica de HBPM SC e apresentam alto risco de sangramento cirúrgico, recomenda-se retornar a dose terapêutica no pós-operatório apenas com 48 a 72 horas após o término da cirurgia e não 24 horas de- pois como nos casos habituais. Pacientes em uso de varfarina e outros antitrombóticos e que reque- rem cirurgia eletiva podem se beneficiar de protocolos padronizados em cada instituição. Os novos anticoagulantes via oral disponíveis no mercado (rivaro- xabana, dabigatrana e outros a serem lançados) ainda não fazem parte da maioria dos protocolos de anticoagulação, provavelmente pelo pou- co tempo de utilização clínica, mas a sua utilização em maior escala, se consolidada, deverá facilitar o manejo da anticoagulação no periopera- tório com a suspensão da medicação 24 horas antes do procedimento e reinicio 24 horas após, quando da utilização das doses plenas para anticoagulação. Recomendações gerais Avaliação de pacientes com pelo menos 7 dias antes da cirurgia para permitir o planejamento de anticoagulante no perioperatório, especial- mente antes de cirurgia de grande porte. • Fornecer aos pacientes um calendário delineando o tempo perio- peratório de varfarina e/ou da droga antiplaquetária contendo a des- continuação e retomada, além da dose e do tempo de HBPM SC quando da utilização da anticoagulação ponte. Em anexo deve ser estabelecido o cronograma da medição do tempo de protrombina (TP) ou tempo de atividade da protrombina (TAP) e seu derivado índice internacional nor- malizado, também conhecido como razão normalizada internacional (IIN, RNI ou INR). 264 • Assegurar adequada orientação na administração das medicações com especial atenção para medicações subcutâneas. • Teste de INR um dia antes da cirurgia para identificar pacientes com INRs elevados e permitir a utilização oral de vitamina K (1,0-2,5 mg) e as- sim evitar transfusões ou adiamento de cirurgias. • Avaliar a hemostasia no pós-operatório, de preferência no dia da cirurgia e no primeiro pós-operatório para facilitar a retomada segura dos anticoagulantes. Tabela 1 - Conduta no pré-operatório de pacientes usuários de anticoagulantes orais, de acordo com o risco cirúrgico de sangramento e o risco de tromboem- bolismo do paciente Alto Não suspender o cumarínico Tromboprofilaxia com heparina necessária Tromboprofilaxia com heparina necessária Moderado Não suspender o cumarínico Considerar trombopro- filaxia com heparina Considerar trombopro- filaxia com heparina Baixo Não suspender o cumarínico Tromboprofilaxia com heparina não necessária Tromboprofilaxia com heparina não necessária Baixo Moderado Alto Risco cirúrgico de sangra- mento Risco de tromboembolismo Literatura recomendada 1. James D. Douketis, MD, FCCP. Perioperative Management of Antithrombotic Therapy. Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. CHEST 2012; 141(2)(Suppl):e326S–e350S. 2. Douketis J.D. Perioperative management in patients who are receiving oral anticoagulant therapy: a practical guide for clinicians. Thrombosis research. 2003; v. 180: p.10. 265 Capítulo 70 - Choque Anafilático Edgar Yugue Definição: anafilaxia é a forma mais grave de reação alérgica e cons- titui verdadeira emergência médica. Diagnóstico Critérios clínicos para o diagnóstico de anafilaxia A anafilaxia é altamente provável quando qualquer um dos critérios abaixo for preenchido: Doença de início agudo (minutos a várias horas) com envolvimento da pele, tecido mucoso ou ambos (ex: urticária generalizada, prurido ou rubor facial, edema de lábios, língua e úvula), e pelo menos um dos se- guintes: • Comprometimento respiratório (ex.: dispneia, sibilância, broncoes- pasmo, estridor, redução do pico de fluxo expiratório [PFE] e hipoxemia). • Redução da pressão arterial ou sintomas associados de disfunção terminal de órgão (ex.: hipotonia [colapso], síncope e incontinência). Dois ou mais dos seguintes que ocorrem rapidamente após a expo- sição a provável alergeno para um determinado paciente (minutos ou várias horas): • Envolvimento de pele-mucosa (urticária generalizada, prurido e ru- bor e edema de lábio-língua-úvula). • Comprometimento respiratório (dispneia, sibilância-broncoespas- mo, estridor e hipoxemia). • Redução da pressão sanguínea ou sintomas associados (ex.: hipoto- nia, síncope e incontinência). 266 • Sintomas gastrintestinais persistentes (ex.: cólicas abdominais, vô- mitos). Redução da pressão sanguínea após exposição à alérgeno conheci- do para determinado paciente (minutos ou várias horas): • Lactentes e crianças: pressão sistólica baixa (idade específica) ou 30% de queda na pressão sistólica basal. • Adultos: pressão sistólica abaixo de 90 mmHg ou queda maior do que 30% do seu basal. Frequência dos sinais e sintomas na reação anafilática A manifestação cutânea (rubor, urticária e angioedema) ocorre em mais de 90% dos casos. Os sintomas respiratórios são caracterizados por dispneia e sibilância (45% a 60%), estridor e disfonia (20% a 50%). Apare- lho cardiovascular: dor torácica (6%), hipotensão (15% a 30%) e síncope e tonturas (30% a 35%). Os sintomas gastrointestinais: nauseas, vômitos, diarréia e dor abdominal (20% a 25%). O início dos sinais e sintomas normalmente ocorre no prazo de 5 a 30 minutos após o contato com o agente desencadeante, porém, em alguns casos, os sintomas podem ocorrer somente com o passar de algumas horas. Entre 5% e 20% dos pacientes podem apresentar recorrência da anafilaxia entre 8 e 12 horas do início da reação anafilática. Diagnóstico Diferencial Diversas situações podem mimetizar uma reação anafilática: Hipotensão – Choque cardiogênico ou hipovolêmico; reação vaso- -vagal (não cursam com manifestações cutâneas). Rubor – Ingestão de bebida alcoólica, epilepsia, angioedema here- ditário etc. Desconforto respiratório – Asma, corpo estranho, disfunção das cordas vocais,histeria etc. 267 Tratamento - Manter vias aéreas pérvias. - Avaliar sinais vitais. - Administrar ADRENALINA – concentração de 1:1000 – Aplicar de 0,2 a 0,5 ml Via Intramuscular na face anterolateral da coxa com intervalos de 5 a 10 minutos. - Oxigenioterapia. - Afastar o agende desencadeador, se possível. Intervenções subsequentes Anti-histamínicos – Difenidramina 1mg a 1,25 mg/Kg (máximo 50 mg) Intravenosa (IV), intramuscular (IM) ou via oral (VO). Corticoesteroides (ação anti-inflamatória tardia) - Hidrocortisona 1 mg a 2 mg/kg IV ou metil-predinosolona 1 mg a 2 mg/Kg IV. Broncodilatadores – Salbutamol spray Expansores de volume em casos de hipotensão refratária a adminis- tração de adrenalina. A solução salina é a preferida na dose de 5 ml a 10 ml/Kg até o máximo de 30 ml/Kg na primeira hora. Agentes vasopressores podem ser indicados nos casos de hipoten- são persistente, a droga de escolha é a dopamina. Leitura recomendada 1. Patterson’s allergic diseases 2009, 7th ed, Lippincott Willians & Wikins, Philadelphia, pg 197 – 219. 2. Bernd LAG, e cols. Anafilaxia: guia prático para o manejo, Ver. Bras. alerg. e imunopatol., vol. 29, nº 6, 2006, pag. 283 – 291. 268 Capítulo 71 - Tratamento de Proctite e Cistite Actinica Luiz Renato Montez Guidoni A proctite e a cistite actínicas são caracterizadas pela inflamação crônica do reto e da bexiga induzida pela radiação, sendo uma compli- cação que é vista em cerca de 1% a 20% dos pacientes submetidos à ra- dioterapia da região pélvica. A mecânica dessa lesão tardia induzida por radiação é apenas parcialmente conhecida. Uma grande teoria sugere que a radiação provoque endarterite progressiva dos vasos sanguíneos pequenos, resultando em hipóxia e dano celular para os fibroblastos. Este dano inibe a capacidade do tecido irradiado para reparar-se, resultando em úlceras com difícil cicatrização. Em pacientes propensos a danos de radiação, é provável que as células estromais dos órgãos sejam incapazes de reparar os danos do DNA, resultando em um volume extremamente baixo de células-tronco e falta de cicatrização do tecido. Dentro da bacia, uma ferida radionecrótica pode progredir gradualmente para envolver o tecido circundante, frequentemente resultando em vaginite, proctite, cis- tite, úlceras perineais, além de fístulas. Proctite: Os principais sintomas são dor retal, tenesmo, urgência fecal, diarréia muco-sanguinolenta e algumas vezes incontinência fecal, além dos sintomas específicos de fístulas. O tratamento da proctite se inicia com medicamentos tópicos intra- -retais como enemas de corticóide, sucralfato e 5-ASA, que têm resposta limitada aos casos de proctite leve e moderada. É comum a persistência dos sintomas por até vários anos após o início do tratamento. Vários es- tudos demonstram uma melhora considerável dos sintomas com o uso de câmara hiperbárica. A necessidade de correção cirúrgica de fístulas relacionadas à necrose de radiação não só é tecnicamente difícil, como também de sucesso limitado por causa do suprimento sanguíneo com- prometido na pele e retalhos miocutâneos. 269 Acredita-se que 5% a 8% dos pacientes com proctite podem desen- volver forma grave da doença com sangramento retal intenso que requer tratamento imediato. Tal complicação, conhecida como proctite actínica hemorrágica ou proctite actínica grau III segundo a classificação proposta por Aeberhard em 1990, é de difícil controle clínico e, na maioria das vezes, requer várias transfusões sanguíneas. O tratamento cirúrgico com ressec- ção do segmento retal afetado tem mostrado resultados desanimadores, pois a manipulação dos tecidos submetidos à radiação bem como a con- fecção de anastomoses intestinais estão sujeitas a grande probabilidade de complicações pós-operatórias como fístula e deiscência. Com isso, hoje se acredita que o uso de soluções de formalina intra-retal deva ser a pri- meira opção no tratamento, visto que tem apresentado sucesso em parar o sangramento retal, sem complicações significativas, sendo de simples execução e de custo irrisório. Recentemente, tem sido descrito também na literatura o uso do argônio (argon plasma coagulation) com resultados iniciais animadores. No entanto, sem dúvida alguma, tanto a coagulação com laser bem como a com gás de argônio são tratamentos de alto custo que poucos centros do mundo dispõem ou poderiam dispor. Cistite: a terapia de radiação crônica pode causar danos à submuco- sa da bexiga, levando a necrose do endotélio vascular, espessamento da parede do vaso e endarterite obliterativa. Todas estas alterações resultam em hipóxia por hipovascularização e isquemia, o que pode induzir neo- vascularização, com vasos que são frágeis e propensos a hemorragia. Os principais sintomas da cistite actínica são hematúria, disúria, po- laciúria, dor retropúbica e eventualmente incontinência urinária. A tera- pia médica para casos leves é direcionada principalmente para a melhora dos sintomas. Na ausência de infecção, fenazopiridina (Pyridium) é apro- priada para disúria, a oxibutinina para urgência urinária e flavoxato para espasmo da bexiga. Porém até 15% dos casos podem seguir para cistite actínica hemor- rágica, sendo que o uso concomitante de quimioterapia aumenta o risco. O intervalo médio para o desenvolvimento de hematúria após a conclu- são da radioterapia é de três anos. A hidratação intravenosa vigorosa e 270 agentes uroprotetores, incluindo mesna (Mesnex) e amifostina, têm demonstrado eficácia no tratamento dessa complicação, embora sejam estudos iniciais e realizados principalmente em pacientes submetidos a quimioterapia. Entre outros tratamentos estão os clínicos (estrógenos, vasopressina, polissulfato de sódio de pentosan e ácido aminocapróico oral, além da realização de câmara hiperbárica), intravesicais (irrigação da bexiga com soro fisiológico contínua, evacuação do coágulo, irrigação com alumen de potássio, nitrato de prata, formolização, coagulação a la- ser endoscópica, injeção intramural de orgotein e distensão hidrostática), endovascular (embolização das artérias ilíacas), além das cirúrgicas con- vencionais (derivação cirúrgica e cistectomia). 271 Figura: Algoritmo Cistite Actínica Hemorrágica Prevenção Hidratação Mesna Cistite Hemorrágica Evacuação Coágulos Sonda calibrosa Irrigação salina contínua Antibióticos Cistoscopia Evacuação de coágulos Fulguração Manutenção irrigação Nitrato de Prata 1% Alumen de Potássio Formol Embolização endovascular Câmara hiperbárica Intervencão cirúrgica Leitura recomendada 1. Martínez-Rodríguez R, Areal Calama J, Buisan Rueda O, González Satue C, Sanchez Macias J, Arzoz Fabregas M, Gago Ramos J, Bayona Arenas S, Ibarz Servio L, Saladié Roig JM. Practical treatment approach of radiation induced cystitis, Actas Urol Esp. 2010 Jul;34(7):603-9. 2. Nhue L. Do, Deborah Nagle, and Vitaliy Y. Poylin. Radiation Proctitis: Current Strategies in Management, Gastroenterol Res Pract. 2011; 2011: 917941. PMCID: PMC3226317. 272 Capítulo 72 - Ressonância Magnética - Fibrose Nefrogênica Sistêmica Lorena Marçalo Oliveira Confirmação diagnóstica A seleção de técnicas de imagem em pacientes com insuficiência renal pode ser algo desafiador na prática clínica do Urologista. Histori- camente, as aquisições de imagens por ressonância nuclear magnética (RNM) após administração de contraste contendo gadolínio eram con- sideradas seguras em pacientes com insuficiência renal. No entanto, em 2006, a comunidade médica foi alertada sobre a provável associação do gadolínio com o desenvolvimento de uma recém-descrita doença, a Fi- brose Nefrogênica Sistêmica (FNS). Descoberta em 1997 e inicialmente considerada uma fibrose cutânea, percebeu-se que a FNS não era limita- da à pele, mas acometiatambém órgãos internos e tecidos como pulmão, miocárdio, fígado e músculos estriados. A FNS tem etiologia desconhe- cida e é descrita apenas em pacientes com insuficiência renal, com taxa de filtração glomerular menor do que 30 ml/min/1,73 m2. A incidência de FNS variou de 2% a 5% no período de 1997 a 2007, quando foram descri- tos mais de 500 pacientes acometidos, porém graças aos novos protoco- los para o uso do gadolínio em exames de RNM, praticamente não foram relatados novos casos entre 2008 e 2011. A latência entre a aplicação do gadolínio endovenoso e o desen- volvimento da FNS é variável e pode ocorrer semanas ou meses após a aplicação. A confirmação diagnóstica ocorre por meio da apresentação clínica, análise histopatológica de fragmentos de pele (biópsia) e histórico detalhado da injeção de meios de contraste contendo gadolínio. Diagnóstico diferencial A FNS apresenta-se por contratura, espessamento e endurecimento cutâneo, afetando principalmente extremidades e limitando mobilidade. 273 A doença pode progredir até atingir órgãos internos e tem caráter irrever- sível. As características histológicas da FNS a diferenciam de outras der- matopatias associadas à insuficiência renal como xeroses, hiperpigmen- tações e calcificações, pois as biópsias de pele mostram um padrão único de disposição de colágeno, mínimo processo inflamatório e depósito de íons gadolínio e mucina em áreas anormais de fibrose. Conduta A medida mais importante para evitar a FNS é a prevenção. Para re- duzir o risco, o clearance de pacientes com suspeita de perda de função renal deve ser determinado antes da realização da ressonância magnética contrastada com gadolínio. Nos pacientes com cleareance de creatinina menor do que 30 ml/min/1,73 m2, o gadolínio deve ser evitado, a não ser que a informação diagnóstica seja indispensável e não disponível por ou- tras técnicas de imagem. Existe a restrição ao uso em pacientes com insufi- ciência renal aguda (IRA) de qualquer severidade, bem como a relacionada à síndrome hepatorrenal ou no pós-operatório de transplante de fígado. Aquisições mais rápidas e com baixas doses de contraste (0,1mmol/ kg ou menos) devem ser preferenciais, lembrando que o efeito do gado- línio está relacionado à dose cumulativa administrada ao paciente e não somente à dose do presente exame. O valor da hemodiálise após a injeção do contraste paramagnético tem sido amplamente discutido. Estudos demonstram que a concentra- ção sérica de gadolínio cai significativamente após sessões de hemodi- álise (a excreção de gadolínio foi de 78%, 96% e 99% após a 1ª, 2ª e 3ª sessões de hemodiálise). Portanto, apesar de não haver dados na litera- tura determinando a utilidade deste procedimento para prevenir a FNS, quanto mais cedo iniciada a hemodiálise, em pacientes já estabelecidos em terapia renal substitutiva, menor será o acúmulo do meio de contraste depositado nos tecidos. O tipo de gadolínio utilizado parece ter influência no desenvolvi- mento da FNS. Dependendo da apresentação química do quelato, existe 274 diferença de estabilidade do gadolínio e de sua liberação tecidual. As nor- matizações europeias determinam condutas conforme o tipo do agen- te utilizado e sugerem que os seguintes contrastes à base de gadolínio - gadodiamida (Omniscan®), gadopentetato dimeglumina (Magnevist®) e gadoversetamida (Optimark®) - sejam contraindicados em pacientes com clearance de creatinina menor do que 30 ml/min/1,73 m2 e naqueles que foram ou serão submetidos a transplante de fígado. Recomenda- -se, portanto, pesar os riscos e benefícios de uma RNM contrastada nos pacientes com insuficiência renal, usar o mínimo de gadolínio possível e escolher o meio de contraste considerado mais adequado, associado ou não à diálise precoce. Tabela 1 Conduta Não recomendado uso de gadolínio. Se gadolínio for essencial, uso de míni- ma dose possível, com consentimento informado. Diálise precoce, se em regime de hemodiálise. Uso de minima dose/dose única de gadolínio. Dose única de gadolínio. Aspectos clínicos • ClCr < 30 ou em diálise • Sd. Hepatorrenal • Período perioperatório de transplante de fígado • ClCr 30-60 • ClCr > 60 Categoria de risco ALTO RISCO BAIXO RISCO RISCO INSIGNIFICANTE 275 Capítulo 73 - Cuidados com Estomias Rodrigo Guerra da Silva Na cirurgia urológica, a confecção de derivações urinárias é indicada por variados motivos clínicos, e comumente necessitamos confeccionar um estoma. Os estomas urinários, ou urostomias, podem ser decorrentes de derivações incontinentes (ex.: pielostomias, ureterostomias e vesicos- tomias cutâneas, conduto ileal – Bricker, conduto colônico – Mogg) ou continentes (ex.: apendicovesicostomia – Mitrofanoff). Algumas observações pré, trans e pós-operatórias devem ser segui- das, com objetivo de conseguir o melhor resultado, o mínimo de compli- cações e a melhor adaptação do paciente possível, após a realização do estoma, a médio e longo prazos. Fase pré-operatória O adequado esclarecimento do paciente quanto às características, vantagens e inconveniências do estoma proposto não deve ser relegado ao segundo plano, visto ser demonstrado que a falta de orientação am- pla previamente tem relação com o grau de insatisfação com a derivação, impactando negativamente na qualidade de vida após o procedimento. O paciente deve possuir grau cognitivo e destreza suficientes para que possa realizar autocateterismo pelo estoma, em casos de derivações continentes com reservatórios, como após ampliação vesical ou confec- ção de neobexiga, com condutos cateterizáveis. A falta destes requisitos pode contraindicar a realização da derivação continente. A posição do estoma no abdômen deve ser estudada com antece- dência à cirurgia, com o paciente deitado, sentado e em pé. Deve ser acessível visualmente e à manipulação pelo paciente, além de suficien- temente afastada de proeminências ósseas e dobras de pele, de modo a facilitar a fixação de bolsas coletoras à pele adjacente. 276 Técnica cirúrgica O segmento exteriorizado no abdômen, para criação do estoma, deve conseguir chegar à pele com o mínimo de tensão possível, para que sua irrigação sanguínea seja adequada e diminuir a chance de complica- ções, como a estenose do estoma. O orifício feito na parede abdominal deve ser transmuscular (ex.: por meio de divulsão do m. reto abdominal) e de tamanho compatível com o segmento a ser por ali exteriorizado, ou seja, não deve ser excessivamen- te largo a fim de evitar hérnias paraestomais. A fixação do segmento exteriorizado à parede abdominal/aponeu- rose pode diminuir a chance de prolapso do estoma. Nos estomas incontinentes, é desejável, durante a maturação junto à pele, que suas bordas sejam evertidas, de modo a ficarem mais elevadas que a pele circunjacente, com o intuito de conseguir boa adequação às bolsas coletoras. Já nos continentes, o ideal seria um estoma plano, para torná-lo mais discreto e com o mínimo de mucosa aparente, diminuindo a produção de secreção devido ao contato das roupas com o local. Fase pós-operatória e orientações ao paciente O seguimento periódico com enfermeira estomaterapeuta é impor- tante na orientação e adaptação iniciais do paciente, assim como na pre- venção de complicações locais. As bolsas coletoras devem ser adequadas ao armazenamento de urina, e seu tamanho deve ser compatível com o tamanho do estoma, com seu orifício justaposto a ele, ou no máximo 2 ou 3 mm mais largo, de modo a evitar contato excessivo de urina com a pele periestomal e sua irritação (dermatite amoniacal). Esses dispositivos coletores devem ser esvaziados frequentemente, normalmente a partir de um terço de sua capacidade preenchida, para 277 evitar que descolem da pele devido ao peso