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TBL 3 – DOENÇA DE PARKINSON DANIELA FRANCO DEFINIÇÃO A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum, acometendo entre 2% e 3% da população acima dos 65 anos. Manifesta-se com caráter predominantemente motor, é progressiva e ligeiramente mais comum no sexo masculino. Anormalidades não motoras como distúrbios cognitivos, psiquiátricos e autonômicos, hiposmia, fadiga e dor também podem ocorrer, e algumas delas podem preceder as alterações motoras. FISIOPATOLOGIA - Entender a fisiopatologia da Doença de Parkinson A expressão motora da DP é decorrente de uma deficiência na transmissão dopaminérgica na via nigroestriatal decorrente do processo degenerativo acometendo os neurônios mesencefálicos nigrais. Depósitos anormais da alfassinucleína, proteína de ação pré-sináptica. Admite-se que, sob a influência dos fatores etiológicos, ocorram alterações estruturais na molécula desta proteína que favorecem a sua agregação e o acúmulo em populações neuronais mais suscetíveis, tais como substância negra, locus ceruleus entre outras, levando à disfunção de organelas e sistemas celulares que acarretam a morte neuronal. Portanto a DP é considerada uma proteinopatia da classe das sinucleinopatias, juntamente com demência com corpos de Lewy e a atrofia de múltiplos sistemas. As manifestações pré-motoras da DP estão relacionadas com o acometimento de estruturas do bulbo e da ponte no tronco cerebral, além do sistema olfatório. Portanto, o processo degenerativo na DP parece ter uma progressão caudocranial iniciando-se no tronco cerebral baixo (fase pré-motora), evoluindo de forma ascendente, passando pelo mesencéfalo (fase motora) até atingir estruturas corticais que integram funções cognitivas (fase avançada). O acúmulo de alfassinucleína pode iniciar-se no sistema nervoso entérico, com progressão ascendente pelo sistema vagal até o núcleo dorsal do nervo vago, e posteriormente atingir estruturas mais rostrais. Há ainda indícios de que essa proteinopatia possa propagar-se entre os neurônios por mecanismo semelhante ao das doenças priônicas. Do ponto de vista anatomopatológico, há a ocorrência de perda neuronal em diversas regiões do encéfalo com o aparecimento à microscopia de corpúsculos de Lewy, corpos de inclusão eosinofílicos no corpo dos neurônios, expressando o acúmulo de alfassinucleína. As manifestações motoras da DP decorrem principalmente da perda progressiva de neurônios da parte compacta da substância negra. A degeneração nesses neurônios é irreversível e resulta na diminuição da produção de dopamina. Manifestações não motoras da doença tais como hiposmia, constipação intestinal, depressão e transtorno comportamental da fase REM sono, podem estar presentes anos antes do surgimento das alterações motoras. QUADRO CLÍNICO - Estudar o quadro clínico apresentado pelo paciente com Doença de Parkinson. MANIFESTAÇÕES MOTORAS Na DP a principal manifestação clínica é a síndrome parkinsoniana, decorrente do comprometimento da via dopaminérgica nigroestriatal. O parkinsonismo ou síndrome: bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. A bradicinesia ou acinesia é caracterizada essencialmente por lentidão e redução da amplitude de movimentos voluntários e automáticos. Esse tipo de transtorno motor pode englobar ainda incapacidade de sustentar movimentos repetitivos, fatigabilidade anormal e dificuldade para realizar atos motores simultâneos. A bradicinesia manifesta-se na área cranial por redução da expressividade facial (hipomimia). A bradicinesia associada à rigidez acometendo a região oral, faríngea e laríngea acarreta a redução da deglutição automática da saliva, levando a acúmulo da mesma na cavidade bucal e perda pela comissura labial (sialorreia), disfagia e disartrofonia. Esta última é caracterizada por comprometimento da fonação e da articulação das palavras, configurando um tipo de disartrofonia denominada hipocinética na qual sobressaem: redução do volume da fala, que pode tornar-se apenas um sussurro; perda da capacidade de inflexão da voz, que se torna monótona; e distúrbios do ritmo, que podem consistir em episódios de hesitação inicial e cadência lenta, pontuada por pausas inadequadas, hesitações ou acelerações involuntárias (fenômeno semelhante à aceleração involuntária da marcha). Nos membros, a bradicinesia manifesta-se claramente e pode ser testada por meio de movimentos repetitivos dos dedos (finger tapping), das mãos e dos pés. Em tarefas do cotidiano compromete a destreza dos movimentos necessários para vestir-se e cuidados com higiene. Outra alteração típica do parkinsonismo determinada pela bradicinesia é a redução do tamanho da letra (micrografia), podendo desfigurar a assinatura. A repercussão da bradicinesia sobre a marcha determina a redução da amplitude dos passos e/ou arrastar os pés e a perda dos movimentos associados dos membros superiores caracterizando a marcha “em bloco”. Outras alterações da marcha eventualmente presentes na síndrome parkinsoniana são a festinação, o bloqueio da marcha (freezing), e a cinesia paradoxal. A festinação, é caracterizada por uma aceleração involuntária da marcha, com inclinação para a frente, como se o paciente estivesse buscando seu centro de gravidade, às vezes levando a quedas. O bloqueio de marcha (freezing) caracteriza-se pela perda abrupta da capacidade de iniciar ou sustentar a marcha, caracterizando-se como uma hesitação no seu início ou de uma frenação súbita da marcha, às vezes levando à queda, já que a inércia tende a manter o corpo em movimento. Esse tipo de alteração da marcha é incomum nos primeiros anos de evolução da DP mas tende a surgir com a progressão da mesma, podendo agravar consideravelmente a incapacidade motora. O bloqueio de marcha não costuma responder bem à reposição dopaminérgica o que sugere a participação de outros circuitos e neurotransmissores na gênese deste fenômeno. Fenômeno inverso ao bloqueio da marcha pode ocorrer na DP, ou seja, melhora abrupta e de curta duração do desempenho motor na marcha, quando sob forte emoção. Este fenômeno é conhecido como cinesia paradoxal. O bloqueio da marcha e a cinesia paradoxal, diversamente da bradicinesia, que é consequente ao déficit dopaminérgico, podem estar relacionadas com as oscilações de atividade noradrenérgica e/ou colinérgica. A rigidez trata-se da hipertonia denominada plástica. A resistência à movimentação do membro afetado pode ser contínua ou intermitente, sendo que esta configura o fenômeno da “roda denteada”. Outra característica da hipertonia plástica é o acometimento preferencial da musculatura flexora, determinando alterações típicas da postura, com anteroflexão do tronco e semiflexão dos membros (postura simiesca). Outro aspecto semiológico relacionado com a hipertonia plástica é a exacerbação dos reflexos tônicos segmentares (reflexo local de postura). Esse fenômeno pode ser mais facilmente observado quando o examinador faz a flexão dorsal do pé do paciente. Essa movimentação passiva desencadeia uma contração prolongada dos músculos envolvidos levando à persistência dessa postura por algum tempo. O tremor parkinsoniano é de repouso, exacerbando-se durante a marcha, no esforço mental e em situações de tensão emocional e diminuindo com a movimentação voluntária do segmento afetado e desaparecendo com o sono. A frequência varia de quatro a seis ciclos por segundo e costuma envolver preferencialmente as mãos, configurando a alternância entre pronação e supinação ou flexão e extensão dos dedos. Na fisiopatologia do tremor parkinsoniano além da participação da disfunção da via dopaminérgica nigroestriatal parece haver também o envolvimento do circuito cerebelo-tálamo-cortical.A instabilidade postural é decorrente da perda de reflexos de readaptação postural, evidenciando-se em mudanças bruscas de direção durante a marcha. Esse distúrbio que não é comum em fases iniciais de evolução da DP, posteriormente pode agravar-se e determinar quedas frequentes. A presença de instabilidade postural em fase precoce da DP é um elemento contra o diagnóstico da DP e sugere uma das formas de parkinsonismo atípico (paralisia supranuclear progressiva). Pode ser avaliada pelo pull test que o examinador puxa pelos ombros o paciente bruscamente para trás. A resposta é anormal se o paciente dá mais que duas passadas para trás para reequilibrar-se. Instabilidade postural na DP esteja relacionada com as alterações na circuitaria envolvendo núcleos da base e o núcleo pedunculopontino na transição pontomesencefálica. Esse núcleo essencialmente colinérgico tem sido também implicado em transtornos da marcha nos pacientes com DP, especialmente no freezing da marcha. Blefaroespasmo espontâneo ou provocado pela pesquisa de reflexo glabelar pode ocorrer na DP (sinal de Myerson) é comum em várias formas de parkinsonismo, notadamente no pós-encefalítico. A limitação da convergência ocular é uma anormalidade frequentemente observada na DP, assim como a paresia do olhar vertical para cima. MANIFESTAÇÕES NÃO MOTORAS As manifestações não motoras na DP podem ser agrupadas em quatro tipos: as neuropsiquiátricas, as autonômicas, os distúrbios do sono e outras. Manifestações neuropsiquiátricas as mais relevantes são a depressão e o declínio cognitivo, mas ansiedade e apatia também podem estar presentes. Fases adiantadas da evolução da doença podem instalar-se alterações cognitivas graves, configurando um quadro demencial. Critérios específicos para a caracterização da demência da DP e mesmo de transtorno cognitivo leve. A depressão é considerada o distúrbio neuropsiquiátrico mais comum na DP. Os principais fatores associados a depressão na DP são: sexo feminino, maior incapacidade motora, flutuações motoras mais intensas, presença de disfunções cognitivas e autonômicas e insônia ou sonolência diurna. Estes fatores estão associados de forma independente a escores mais elevados da escala de depressão de Beck (Beck depression inventory). Os principais sistemas de neurotransmissores envolvidos na depressão da DP são: o dopaminérgico (projeções meso- corticolímbicas), serotoninérgico (núcleos da raphe do tronco cerebral) e o noradrenérgico (locus ceruleus). A ansiedade é uma manifestação psiquiátrica comum na DP e é devida em parte à incapacidade física trazida pela doença e, em casos avançados, à imprevisibilidade de resposta à medicação. É fato bastante conhecido que a ansiedade é um fator precipitante de piora das manifestações motoras da DP. Os tipos mais comuns de transtornos de ansiedade na DP são: crises de pânico (geralmente ocorrendo em estados off), transtorno de ansiedade generalizado e fobias simples e social. Na DP, a presença de apatia é frequente e vários estudos sugerem associação entre essa condição e disfunção executiva. Entre as alterações autonômicas, as mais relevantes são: as gastrointestinais, a hipotensão postural e a disfunção vesical, mas podem estar presentes ainda seborreia, disfunção erétil e alterações da termorregulação. Neste grupo de manifestações não motoras as mais frequentes são as gastrointestinais entre as quais estão: a obstipação intestinal (a mais comum e mais precoce), a disfagia e a gastroparesia. A sialorreia, assim como a disfagia, relacionam-se com alterações do complexo mecanismo de deglutição sobre o qual interferem, a bradicinesia, a rigidez e as disfunções autonômicas. Entre as outras manifestações não motoras da DP estão a redução do olfato (hiposmia), a fadiga e a dor (esta geralmente secundária às alterações motoras). A hiposmia está presente em cerca de 80%-90% dos pacientes com DP e pode ser um dado clínico útil para, em casos de dúvida diagnóstica, distinguir a DP do tremor essencial ou de certas formas de parkinsonismo degenerativo (paralisia supranuclear progressiva e degeneração corticobasal), condições nas quais o olfato está usualmente preservado. DIAGNÓSTICO Listar diagnósticos diferenciais com Doença de Parkinson (pakinsonismo secundário induzido por fármacos, infecção, toxinas, demências...) O diagnóstico da doença na fase pré-motora ou prodrômica da DP ainda não é possível. Com base em fatores de risco para DP, na presença de manifestações não motoras (principalmente as mencionadas anteriormente) e em alguns biomarcadores (tais como cintilografia cerebral para estudo da via dopaminérgica e sonografia transcraniana) permitem delinear a probabilidade de um indivíduo desenvolver a doença. O diagnóstico da DP envolve três passos, conforme proposto por Gibb e Lees: 1) a caracterização da síndrome parkinsoniana; 2) a identificação da causa do parkinsonismo e portanto exclusão de formas secundárias decorrentes de causas específicas e de formas atípicas de parkinsonismo relacionadas com afecções neurodegenerativas da meia idade e as relacionadas com doenças degenerativas ou dismetabólicas de causa genética de início nas primeiras décadas de vida; 3) a confirmação do diagnóstico clínico com base na resposta terapêutica à levodopa e na evolução da doença. O diagnóstico da forma da DP de início precoce apresenta peculiaridades e é mais complexo, pois envolve um maior número de afecções comparada com a forma clássica da moléstia. PASSO 1: CARACTERIZAÇÃO DA SÍNDROME PARKINSONIANA Quatro componentes básicos: bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. excluída a instabilidade postural (que não está presente em fase inicial da doença), são necessários para a caracterização da síndrome. A principal diferenciação do tremor da DP deve ser feita em relação ao tremor essencial (TE. cineticopostural simétrico. Responde bem ao tratamento com betabloqueadores e primidona.), condição muito mais frequente que a DP e de evolução benigna É relevante observar que na DP a síndrome parkinsoniana acomete inicialmente um hemicorpo, na maioria das vezes iniciando-se pelo membro superior e na evolução, após meses ou anos, estende-se para o outro lado do corpo. O acometimento bilateral, desde o início da instalação da síndrome parkinsoniana é um dado clínico que levanta suspeitas contra o diagnóstico de DP, e sugere formas secundárias de parkinsonismo ou parkinsonismo degenerativo atípico. PASSO 2: IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA DA SÍNDROME PARKINSONIANA A identificação da causa da síndrome parkinsoniana implica no reconhecimento de causas específicas (parkinsonismo secundário) ou de formas atípicas de parkinsonismo degenerativo, como a atrofia de múltiplos sistemas (AMS), paralisia supranuclear progressiva (PSP), degeneração corticobasal (DCB) e demência com corpos de Lewy (DCL) O diagnóstico diferencial da doença de Parkinson de início precoce é representado pelas afecções degenerativas ou dismetabólicas, geralmente de causa genética. PASSO 3: CONFIRMAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DE DP COM BASE NA RESPOSTA TERAPÊUTICA E EVOLUÇÃO A boa resposta às drogas de ação dopaminérgica, especialmente a levodopa, é um critério obrigatório para a confirmação do diagnóstico da DP. Entretanto, pacientes com outras doenças que se manifestam com parkinsonismo podem apresentar resposta positiva a essas drogas, ainda que inferior à observada na DP. Entre estas doenças destacam-se aquelas que são mais difíceis de serem diferenciadas da DP como a PSP e AMS. A evolução da DP é lenta e, sob tratamento, os pacientes mantêm-se independentes pelo menos nos primeiros 5 anos após a instalação das manifestações motoras da moléstia.Portanto, diante de uma evolução desfavorável, com limitações motoras graves após poucos anos do início da doença, o diagnóstico de DP deve ser colocado em dúvida. Outro aspecto a ser valorizado como confirmatório do diagnóstico de DP é o aparecimento, em longo prazo, de discinesias induzidas por levodopa. EXAMES COMPLEMENTARES Os exames de neuroimagem funcional como PET e o SPECT utilizam métodos cintilográficos com marcadores da levodopa (L-3,4 dihidroxifenilalanina) molécula precursora da dopamina ( 18F-DOPA e 11C-DOPA) ou do transportador de dopamina ( 99mTc-TRODAT, 123 I-FPCIT, 123 I-Beta-CIT e 123 I-Altropane). Na DP há uma deficiência dopaminérgica com redução da captação do radioisótopo no estriado, principalmente no putâmen. Isso ajuda a diferenciar a DP do tremor essencial e dos quadros psicogênicos e medicamentosos, em que a captação do radioisótopo é normal. Entretanto, estes exames cintilográficos não permitem diferenciar a DP de outros tipos de parkinsonismo degenerativo ou mesmo de certas formas de parkinsonismo secundário. A ultrassonografia transcraniana permite avaliar a ecogenicidade do tecido cerebral, através do osso temporal, em que pese, em alguns pacientes, a espessura excessiva da janela óssea não permitir a obtenção de imagens adequadas. A substância negra é identificada no plano mesencefálico como uma estrutura com o formato de uma borboleta de baixa ecogenicidade envolta pelas cisternas da base que são hiperecogênicas. Pacientes com DP têm redução da captação de metaiodobenzilguanidina (MIBG) na cintilografia cardíaca com 123 I-MIBG. MIBG é um análogo da guanetidina, um agente bloqueador adrenérgico cujo mecanismo de captação e armazenamento é semelhante ao da noradrenalina. Ele é ativamente captado pelas terminações nervosas pré-sinápticas dos neurônicos pós-ganglionares. Esse método diagnóstico pode auxiliar na diferenciação da DP com tremor essencial, parkinsonismo vascular além de algumas formas de parkinsonismo atípico, como a AMS, a PSP e a DCB, mas não da DCL. A ressonância magnética do encéfalo em 3 tesla é capaz de distinguir com uma razoável nitidez o nigrossomo, área da substância negra com grande densidade de neurônios dopaminérgicos. Pacientes com parkinsonismo degenerativo costumam ter uma alteração da imagem nesta região. A neuromelanina também costuma estar alterada na DP neste exame. O exame do olfato através de testes padronizados é outro meio auxiliar no diagnóstico da DP. Está definitivamente comprovado que na maioria dos pacientes com DP, por ocasião do início das manifestações motoras, já há grave déficit olfatório, o que não ocorre em pacientes com parkinsonismo atípico ou TE. Aferição em fluídos biológicos de marcadores (proteínas) envolvidos na etiopatogenia da DP, como a alfassinucleína, com o objetivo de distinguir indivíduos normais de portadores da doença. TRATAMENTO - Estudar o tratamento da Doença de Parkinson (farmacológico e não farmacológico) A levodopa atua diretamente a deficiência dopaminérgica que é a base fisiopatológica dos sinais e sintomas motores associados à doença. É a droga mais eficaz para o controle dos sintomas motores, mas seu uso pode estar associado a problemas especialmente no longo prazo, podendo ocorrer redução do tempo de efeito (wearing-off) e movimentos involuntários (discinesias). A levodopa é considerada uma “pró-droga”, pois seu efeito é decorrente da conversão para dopamina. A dopamina, se ministrada por via oral ou parenteral, é incapaz de transpor a barreira hematoencefálica e por esta razão utiliza-se a levodopa. Na corrente sanguínea a levodopa pode ser metabolizada por duas enzimas, a descarboxilase dos aminoácidos aromáticos (DAAA) ou dopa descaboxilase (DDC) e a catecol-orto-metildopa (COMT), convertendo-a, já no sangue periférico, em dopamina e 3- metil-dopa, respectivamente. É possível bloquear a conversão da levodopa no sangue periférico utilizando-se drogas que atuam nestas enzimas. Um dos principais problemas da levodopa é sua meia-vida curta, que é de 90 minutos. Os preparados comerciais de levodopa vêm com drogas inibidoras da dopa descarboxilase (DDC) no sangue periférico para permitir uma maior entrada de levodopa no SNC e minimizar os efeitos adversos da ação direta da dopamina sobre os receptores periféricos (hipotensão postural, náuseas e vômitos). Há dois inibidores periféricos de DDC disponíveis comercialmente, a carbidopa e a benserazida. Nos últimos anos, surgiu o preparado comercial em que combina à levodopa dois inibidores enzimáticos periféricos, a carbidopa e a entacapona, esta última uma droga inibidora da catecol-orto-metil-transferase (COMT). A tripla combinação (levodopa, carbidopa e entacapona) permite uma maior biodisponibilidade de levodopa, aumentando a eficácia da estimulação dopaminérgica, mas, por outro lado, aumentando o risco de complicações relacionadas com a dose. MANEJO DA FASE INICIAL Nas fases iniciais da DP a utilização de preparados comerciais de levodopa com inibidores da DDC é muito bem-sucedida na maioria das vezes. O uso de duas a quatro doses diárias de 50 ou 100 mg de levodopa permite um efeito homogêneo e estável durante as 24 horas do dia. Nas fases iniciais ainda existem neurônios dopaminérgicos sobreviventes e com a entrada da levodopa no cérebro, parte dela é convertida em dopamina dentro do neurônio e é estocada em vesículas para ser utilizada posteriormente. Outra parte da levodopa é convertida em dopamina e é utilizada imediatamente no terminal sináptico. Com o passar do tempo, a reserva de neurônios dopaminérgicos vai escasseando e a maior parte da levodopa passa a ser convertida em dopamina fora do neurônio dopaminérgico e o tempo de efeito passa a ser quase o mesmo que o de sua meia-vida (90 minutos). Esta é uma das razões para a ocorrência de uma das complicações mais frequentes do tratamento da DP, o encurtamento do tempo de efeito (wearing-off). MANEJO DA FASE AVANÇADA Na fase avançada individualizamos a estratégia de acordo com o tipo de complicação. No encurtamento do efeito (wearing-off) ou com discinesias tendemos numa primeira etapa a fracionar o número de tomadas da levodopa – passamos, por exemplo de 1 comprimido três vezes ao dia para meio comprimido seis vezes ao dia. E numa segunda etapa adicionamos rasagilina 1 mg ao dia ou agonista dopaminérgico ao tratamento (pramipexol ou rotigotina). Outra opção terapêutica para controle das flutuações motoras, especialmente o wearing-off, adicionamos a entacapona 200 mg 1 comprimido a cada tomada de levodopa. As discinesias tendem a diminuir se conseguimos reduzir a dose total de levodopa do paciente, mas nem sempre isto é possível. Medidas dietéticas, visando melhorar a absorção e a entrada da levodopa no SNC podem ajudar uma parte dos pacientes. Recomendamos para que os pacientes tomem os comprimidos da levodopa longe das refeições especialmente das refeições de alto conteúdo proteico. Os aminoácidos competem com a levodopa pelos receptores celulares do intestino e da barreira hematoencefálica. Pacientes com demora em iniciar o efeito (retardo no on) podem beneficiar-se de levodopa na forma dispersível, diluída em água que costuma ter uma absorção mais rápida. Pacientes com acinesia noturna interferindo na qualidade do sono, podem beneficiar-se de apresentações de liberação gradual da levodopa (levodopa + benzerasida HBS ou levodopa + benzerasida DR – dual release). CIRURGICO A principal indicação para o tratamento cirúrgico é para os casos em que ocorrem as complicações motoras de longo prazo apesar da melhor combinação de drogas antiparkinsonianas. Deve ser evitada nos casos de declínio cognitivo, pois o procedimento pode agravar estascomplicações. O tratamento cirúrgico pode ser feito com cirurgias ablativas (talamotomia, palidotomia e subtalamotomia) queima-se o núcleo subtalâmico ou globo pálido interno, de forma unilateral, contra-lateral à lesão. A talamotomia costuma ser o alvo de escolha quando o tremor unilateral é a principal manifestação da doença. A palidotomia é a cirurgia escolhida nos casos de discinesia. estimulação cerebral profunda (deep brain stimulation – DBS). implanta-se eletrodos no núcleo subtalâmico ou no globo pálido, de forma bilateral, que faz com que ocorra um estímulo dos núcleos da base, melhorando os sintomas. O alvo para escolha do tratamento cirúrgico pode variar de acordo com a sintomatologia. MANEJO NÃO FARMACOLÓGICO A fisioterapia e a fonoterapia podem ser indicadas em qualquer fase da doença, sempre em combinação com o tratamento medicamentoso. Temos priorizado a fisioterapia nos pacientes com queixas de postura, equilíbrio e marcha, pois são sintomas mais resistentes ao tratamento farmacológico. A fonoterapia é fundamental nos pacientes com problemas com a deglutição e comunicação, haja vista a grave disartrofonia e disfagia que alguns parkinsonianos manifestam. SISTEMA EXTRAPIRAMIDAL - Relembrar a estrutura e função do sistema Extrapiramidal, núcleos da base (estruturas e vias) Este sistema engloba todos os sistemas de projeção não-piramidal envolvidos no controle motor. Suas principais estruturas não corticais são o tálamo, o cerebelo, os gânglios da base, constituídos pelo núcleo lentiforme (putâmen e globo pálido), núcleo caudado, substância negra e núcleo subtalâmico. TÁLAMO Dentro do sistema motor, o tálamo funciona básica mente como um relé, integrando diferentes estruturas do sistema extrapiramidal com o córtex motor4 . É uma estrutura localizada no diencéfalo e constituída fundamentalmente por sustância cinzenta, na qual podemos identificar vários núcleos. Podemos dividir os núcleos talâmicos em cinco grupos: Grupo anterior: integra o circuito de Papez e está relacionado ao comportamento emociona; Grupo posterior: corresponde ao pulvinar e corpos geniculados medial e lateral, estando estes últimos ligados às vias auditiva e óptica respectivamente ; Grupo lateral: é o que mais se relaciona diretamente com o sistema motor, uma vez que apresenta aferências motoras provenientes dos gânglios da base e cerebelo, particularmente globo pálido, projetando-as para o córtex motor . O grupo lateral é subdividido em dorsal e ventral. Os núcleos do subgrupo ventral estão diretamente implicados com o sistema motor extrapiramidal: - núcleo ventral anterior: tem função ligada a mo tricidade somática e recebe a maior parte de fibras provenientes do globo pálido; - núcleo ventral lateral: recebe fibras do cerebelo e parte das fibras do globo pálido, as quais também se projetam para o córtex motor. - núcleo ventral póstero-lateral: recebe fibras do leminisco medial (informações de tato epicrítico e propriocepção) e do leminisco espinhal (informações de temperatura, dor, pressão e tato protopático), sendo, portanto, um relé de vias sensitivas que se projetam ao córtex; - núcleo ventral póstero-medial: recebe fibras do leminisco trigeminal (sensibilidade somática geral de parte da cabeça), projetando-as para o córtex (giro pós-central). Grupo mediano: promove conexões com o hipotálamo; Grupo medial: tem importante papel de ativador do córtex cerebral, uma vez que recebe fibras do sistema reticular ativador ascendente. Entretanto, um dos núcleos, o centro-mediano, parece não ter conexões corticais, mas apenas com gânglios da base CEREBELO É a porção do sistema extrapiramidal responsável pela cronometragem das atividades motoras, controle da intensidade da carga muscular e interação entre grupos agonistas e antagonistas, para a execução dos movimentos5 . O cerebelo seqüencia, monitora, refina, faz ajustes das atividades motoras e termina os movimentos, mas não os inicia diretamente GÂNGLIOS DA BASE Estas estruturas são responsáveis pela execução de padrões da atividade motora, controle cognitivo das seqüências de padrões motores e auxiliam na alteração da cronologia e gradação da intensidade de movimentos. Seus principais componentes já foram citados. Devemos observar ainda, que o putâmen e o núcleo caudado podem ser considerados no aspecto funcional como uma unidade: o neostriado ou striatum. Já o globo pálido e substância negra dividem-se em duas porções cada: o primeiro em medial e lateral enquanto a segunda em pars compacta e pars reticulata. O neostriado representa a via de entrada do circuito dos gânglios da base, tendo como principal aferência o córtex motor e áreas associativas. O núcleo caudado recebe um maior número de aferências de áreas associativas e parece estar relacionado a atividades cognitivas como a aprendizagem motora24. Já as aferências do putâmen são provenientes do córtex motor, parecendo estar envolvido apenas no controle da motricidade. O neostriado recebe ainda aferências da substância negra pars compacta, tendo como neurotransmissor a dopamina. Esta, ao atuar sobre receptores do tipo D2, inibe neurônios estriatais que se projetam para o pálido lateral. Por outro lado, ao atuar sobre receptores do tipo D1, excita os neurônios estriatais que se dirigem ao pálido medial e substância negra pars reticulata O pálido medial e a substância negra pars reticulata constituem um complexo, o qual representa a via de saída do circuito dos gânglios da base, com projeções para os núcleos ventral-lateral e ventral- anterior do tálamo, de onde partem fibras para o córtex motor, córtex pré-motor e área motora suplementar. As vias que partem do complexo pálido interno/subtância negra pars reticulata para o tálamo têm como neurotransmissor o ácido gama-aminobutírico (GABA) e exercem atividade inibitória. As fibras que se projetam do tálamo para o córtex são excitatórias, tendo como neurotransmissor o glutamato. A integração do neostriado com o complexo pálido medial/substância negra pars reticulata pode ocorre de duas formas: Via direta: tem como neurotransmissor o GABA e a substância P, exercendo, por tanto, uma atividade inibitória; Via indireta: ocorre através de conexões com o pálido lateral e o núcleo subtalâmico. As projeções do neostriado para o pálido lateral têm como neurotransmissor o GABA e encefalinas, promovendo ação inibitória. As projeções do pálido lateral para o núcleo subtalâmico são inibitórias e seu neurotransmissor também é o GABA. Já as projeções do núcleo subtalâmico para o complexo pálido medial/substância negra pars reticulata são excitatórias e o neurotransmissor é o glutamato. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: → Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neurologia / [organizadores] Rubens Gagliardi, Osvaldo M. Takayanagui; [ilustração Margareth Baldissara]. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2019 → Medicina de Emergência: abordagem prática / Irineu Tadeu Velascos et al.]. -- 15. ed. -- Barueri, SP: Manole, 2021.
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