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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Reumatologia ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL Definição: A artrite idiopática juvenil é a forma mais comum de artrite na infância e caracteriza-se por artrite inflamatória crônica idiopática, com duração ≥ 6 semanas e início antes dos 16 anos de idade. Epidemiologia: A artrite idiopática juvenil acomete crianças e adolescentes em todo o mundo. A prevalência mundial da doença é de 20-80 casos a cada 100.000 habitantes. Em aproximadamente 50% dos casos, a artrite que iniciou na infância ou na adolescência permanece ativa na vida adulta. Diagnóstico: O diagnóstico de artrite idiopática juvenil é de exclusão. Assim, deve-se excluir todas as possíveis causas de artrite na infância e na adolescência. Os critérios para o diagnóstico de artrite idiopática juvenil são: - Idade de início < 16 anos. - Artrite persistente na mesma articulação com duração ≥ 6 semanas. - Exclusão de outras causas de artrite na infância e na adolescência. - Presença de derrame articular ou de, no mínimo, 2 dos seguintes critérios: → Dor articular. → Dor à movimentação da articulação. → Rigidez articular com limitação de movimento da articulação. Classificação: A artrite idiopática juvenil é classificada, segundo a International League of Associations for Rheumatology (ILAR), em 8 formas clínicas diferentes: - Oligoartrite persistente. - Oligoartrite estendida. - Poliartrite com fator reumatoide positivo. - Poliartrite com fator reumatoide negativo. - Artrite sistêmica. - Artrite relacionada a entesite. - Artrite psoriásica juvenil. - Artrite indiferenciada. Oligoartrite: A oligoartrite representa a forma clínica mais frequente de artrite idiopática juvenil, correspondendo a aproximadamente 50% dos casos, acomete principalmente crianças entre 3 e 5 anos de idade e é mais comum em meninas. A oligoartrite caracteriza-se por acometimento de ≤ 4 articulações durante os primeiros 6 meses de apresentação clínica da doença. Após os primeiros 6 meses de apresentação clínica da doença, os pacientes são classificados em 2 grupos diferentes: - Forma oligoarticular persistente: permanece oligoarticular (≤ 4 articulações) ao longo da evolução da doença. - Forma oligoarticular estendida: passa a acometer > 4 articulações após os primeiros 6 meses de evolução da doença. As articulações mais acometidas na forma oligoarticular da artrite idiopática juvenil são joelhos, tornozelos e pequenas articulações das mãos e dos cotovelos. O FAN é positivo em aproximadamente 85% dos casos e associa-se a aumento do risco de uveíte anterior. A uveíte anterior crônica pode ser unilateral ou bilateral, é assintomática em aproximadamente 50% dos pacientes, evolui de forma independente da atividade e da gravidade da artrite e pode causar complicações graves, incluindo cegueira. Após 5 anos de doença, aproximadamente 50% dos casos de início oligoarticular mantêm-se persistentes e aproximadamente 50% dos casos evoluem para a forma oligoarticular estendida. A forma oligoarticular persistente apresenta melhor prognóstico, com remissão de 75% dos casos na vida adulta. A forma oligoarticular estendida geralmente acomete crianças mais jovens (entre 1 e 5 anos de idade), apresenta FAN positivo, associa-se à presença de uveíte anterior crônica em 30- 50% dos casos, apresenta pior prognóstico, com alta probabilidade de evolução até a idade adulta. Além disso, a artrite 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 oligoarticular estendida frequentemente torna-se erosiva, causando destruição articular. Os principais fatores de risco para a evolução da oligoartrite para a fase estendida são artrite de mãos, punhos ou tornozelos, artrite simétrica, artrite em > 1 articulação, aumento de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) e presença de FAN positivo. Poliartrite: A poliartrite representa a segunda forma clínica mais comum de artrite idiopática juvenil, correspondendo a aproximadamente 25-40% dos casos. Aproximadamente 75% dos casos de poliartrite na infância e na adolescência apresentam fator reumatoide (FR) negativo e aproximadamente 25% dos casos de poliartrite na infância e na adolescência apresentam fator reumatoide (FR) positivo. A poliartrite caracteriza-se por acometimento de ≥ 5 articulações durante os primeiros 6 meses de apresentação clínica da doença. A poliartrite associada ao FR negativo é mais comum em crianças entre 1 e 3 anos de idade e em adolescentes, acomete principalmente grandes articulações (joelhos, tornozelos, cotovelos e punhos), e, às vezes, pequenas articulações das mãos e dos pés, geralmente apresenta FAN negativo e associa-se à uveíte anterior crônica em 15% dos casos. A poliartrite associada ao FR positivo é mais comum em crianças, principalmente meninas, entre 8 e 16 anos de idade, é simétrica e erosiva, acomete principalmente pequenas articulações das mãos (metacarpofalangianas, interfalangianas proximais e interfalangianas distais) e dos pés (metatarsofalangianas), geralmente apresenta FAN positivo, associa-se a manifestações clínicas sistêmicas, como anorexia, desnutrição, perda de peso, fadiga, anemia, atraso de crescimento e de desenvolvimento e osteopenia, e raramente associa-se à uveíte anterior crônica. A poliartrite associada ao FR positivo é a artrite idiopática juvenil mais semelhante à artrite reumatoide do adulto. Artrite Sistêmica: A artrite sistêmica, também denominada Doença de Still, é a terceira forma clínica mais comum de artrite idiopática juvenil, correspondendo a aproximadamente 10- 20% dos casos, acomete principalmente crianças entre 1 e 6 anos de idade e apresenta frequência equivalente em ambos os sexos. A artrite sistêmica caracteriza-se por presença de artrite associada à febre ≥ 2 semanas (febre diária com picos febris alternados por períodos de temperatura corporal normal) associada a ≥ 1 dos seguintes achados clínicos extra-articulares: - Exantema maculopapular eritematoso evanescente (caracteriza-se por presença de máculas de coloração rosa-salmão, transitórias, não pruriginosas, localizadas principalmente em tronco superior e em região proximal de extremidades, que aparecem ou pioram com a febre). - Linfadenopatia. - Hepatomegalia. - Esplenomegalia. - Serosite (pericardite e/ou pleurite). OBS.: Os achados clínicos extra-articulares geralmente apresentam gravidade leve à moderada e são autolimitados. A artrite acomete principalmente punhos, joelhos e tornozelos, mas também pode acometer outras articulações. Os pacientes com acometimento de ≤ 4 articulações (oligoartrite) apresentam melhor prognóstico, com resolução completa da inflamação articular. Os pacientes com acometimento de > 4 articulações (poliartrite) apresentam pior prognóstico, com artrite erosiva associada a maiores taxas de deformidades articulares e à maior morbimortalidade. Quanto aos achados laboratoriais, as crianças com artrite idiopática juvenil sistêmica apresentam anemia, leucocitose, trombocitose, aumento de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) e aumento de ferritina sérica. A uveíte anterior crônica raramente está associada à artrite sistêmica e o FR geralmente é negativo. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais diagnósticos diferenciais de artrite idiopática juvenil sistêmica são: - Infecções (artrites virais). - Neoplasias malignas (leucemia, linfoma). - Vasculites sistêmicas (Doença de Kawasaki). - LES juvenil. Artrite relacionada a entesite: A artrite relacionada a entesite é responsável por até 10% dos casos de artrite idiopática juvenil e caracteriza-se por início de artrite assimétrica, oligoarticular (≤ 4 articulações), que acomete principalmente membros inferiores, em crianças, principalmente meninos, ≥ 6 anos de idade associada a: - Entesite (principalmente na inserção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo).- Dor em articulações sacroilíacas e/ou dor lombar inflamatória. - Uveíte anterior aguda sintomática (caracterizada por dor, fotofobia, hiperemia ocular e visão borrada). - Marcador HLA-B27 positivo. - História de familiar de 1º grau com espondilite anquilosante, artrite relacionada a entesite, doença inflamatória intestinal associada à sacroileíte, artrite reativa e/ou uveíte anterior aguda. Artrite psoriásica: A artrite psoriásica que inicia-se antes dos 16 anos de idade é considerada como artrite idiopática juvenil psoriásica, correspondendo a aproximadamente 2-15% dos casos de artrite idiopática juvenil. Apenas 10% das crianças com artrite psoriásica apresentam psoríase cutânea concomitante, geralmente manifestando antes ou após o aparecimento do quadro articular. A artrite psoriásica em crianças e adolescentes caracteriza-se por presença de artrite, poliarticular ou oligoarticular, assimétrica, que acomete grandes e pequenas articulações associada a: - Psoríase cutânea: placas eritematodescamativas localizadas principalmente em couro cabeludo, superfícies extensoras de cotovelos e joelhos e região sacral. - Psoríase ungueal: achado de unha “em dedal” ou pitting nail e onicólise. - Dactilite. - História de psoríase em familiar de 1º grau. A artrite psoriásica em crianças acomete principalmente articulações periféricas, entretanto, ao longo da evolução da doença, pode haver o acometimento de articulações axiais, principalmente sacroilíacas. Outro achado clínico associado à artrite psoriásica é a uveíte anterior aguda, presente em aproximadamente 20% dos casos. Quanto aos achados laboratoriais, o FAN e o FR geralmente são negativos. Artrite indiferenciada: Alguns pacientes não fecham critérios para o diagnóstico de nenhuma das formas clínicas de artrite idiopática juvenil, sendo classificados como portadores de artrite indiferenciada. Nestes pacientes, há necessidade de acompanhamento periódico com o objetivo de avaliar se eles permanecerão classificados como portadores de artrite indiferenciada ou se evoluirão para alguma forma clínica específica de artrite idiopática juvenil. Achados Laboratoriais: - Marcadores de atividade inflamatória (PCR e VHS): aumentados na poliartrite e na artrite sistêmica. - Ferritina sérica: aumentada na artrite sistêmica. - Anemia, leucocitose e trombocitose: presentes na poliartrite e na artrite sistêmica. - Fator antinuclear (FAN): quando positivo, associa-se a aumento do risco de uveíte anterior crônica, principalmente em meninas com oligoartrite. - Fator reumatoide (FR): positivo em alguns pacientes com poliartrite. Exames de Imagem: A radiografia é útil para excluir diagnósticos diferenciais de artrite idiopática juvenil. Nas fases iniciais, indica edema de partes moles e, nas fases avançadas, indica redução do espaço articular e erosões ósseas. A RM é 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 outro exame de imagem útil para a avaliação diagnóstica de artrite idiopática juvenil, principalmente em fases iniciais, pois apresenta maior sensibilidade e especificidade para a avaliação de partes moles. Complicações: As principais complicações associadas à artrite idiopática juvenil são alterações de crescimento, redução da amplitude dos movimentos articulares, deformidades de mãos e punhos, erosões ósseas, redução do espaço articular, assimetria associada a desvio da mandíbula e a micrognatia (artrite de ATM), etc. Tratamento: O tratamento da artrite idiopática juvenil objetiva induzir a remissão clínica da doença e retardar a progressão da doença, dividindo-se em tratamento farmacológico e tratamento não farmacológico. Tratamento Não Farmacológico: - Dieta rica em proteínas, cálcio e vitamina D. - Suplementação de cálcio e vitamina D. - Prática de exercícios físicos regulares. Tratamento Farmacológico: - AINES (ex. ibuprofeno): alívio da dor e diminuição da inflamação. - Corticoides sistêmicos (ex. prednisona): alívio da dor e diminuição da inflamação em pacientes com serosite, uveíte, febre e artrite refratária ao uso de AINES. - Injeções intra-articulares de corticoides: alívio da dor articular e diminuição da inflamação em pacientes com quadros de monoartrite e/ou oligoartrite. - DMARDs sintéticos (ex. metotrexato, leflunomida, sulfassalazina): drogas modificadoras da atividade da doença, diminuindo a inflamação e a progressão da destruição articular associada à artrite crônica; indicados para pacientes com artrite grave e/ou que não respondem ao tratamento com AINES e corticoides; a primeira escolha é o metotrexato. - DMARDs biológicos (ex. anti-TNFα): indicados para pacientes que não respondem ao tratamento com DMARDs sintéticos, em especial ao metotrexato. Prognóstico: Aproximadamente 50% dos pacientes com oligoartrite, forma clínica mais comum de artrite idiopática juvenil, alcançam remissão clínica da doença. Entretanto, não há consenso quanto à descontinuação do tratamento, devido ao risco aumentado de recidiva da doença. Os principais fatores associados a pior prognóstico da artrite idiopática juvenil são: - Presença de manifestações clínicas sistêmicas persistentes após os primeiros 6 meses de apresentação clínica da doença. - Início e curso clínico de artrite poliarticular. - Sexo feminino. - Presença de FR positivo. - Rigidez matinal persistente. - Nódulos subcutâneos. - Presença de FAN positivo. - Acometimento precoce de pequenas articulações das mãos e dos pés. - Aparecimento precoce de redução do espaço articular e/ou erosões ósseas. - Início de artrite oligoarticular e curso de artrite poliarticular. - Presença de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) persistentemente aumentados.
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