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ARTRITE ENTEROPÁTICA Artrite enteropática, êntero-artropatia ou ainda êntero-artrite são nomes pelos quais as espondiloartrites (EpA) associadas às doenças inflamatórias intestinais (DII) são chamadas. Considera-se a doença de Crohn (DC) e a colite ulcerativa (CU) como as duas principais formas de apresentação da DII. Sem ignorar a grande superposição existente entre essas duas entidades, a DC se define por uma inflamação profunda (transmural), descontínua, com potencial para acometer todo o tubo digestivo, mas com envolvimento predominante do íleo terminal e cólon proximal. Já a CU caracteriza-se pela inflamação superficial (mucosa), contínua e ascendente a partir do reto. As DII têm como sintomas principais a tríade formada por diarreia, dor abdominal e sangramento digestivo baixo, além de sintomas sistêmicos como febre, emagrecimento e fadiga. Podem também se apresentar com o predomínio de sintomas obstrutivos, doença fistulizante ou ainda com manifestações extraintestinais como inflamação ocular (uveíte), artrite, lesões cutâneas (pioderma gangrenoso, eritema nodoso) e doença hepatobiliares (colangite e litíase biliar, entre outras). Apresentam, com frequência, curso intermitente alternando períodos de exacerbações e remissões. EPIDEMIOLOGIA As DII têm pico de incidência na 2ª e 3ª décadas de vida, com prevalências estimadas, cada uma, nos EUA, em até 0,2% da população geral. Uma revisão sistemática encontrou uma tendência ao aumento das taxas de incidência anual, incluindo dados brasileiros, da ordem de 11,1% (IC95% 4,8-17,8) para DC e 14,9% (IC95%10,4-19,6) para CU. Ambas ocorrem em homens e mulheres com a mesma proporção, sendo a DC ligeiramente mais comum em mulheres e a CU em homens. A artrite é a manifestação extraintestinal mais frequentemente vista nas DII. Quadros de artrite periférica ocorrem com frequências similares entre DC e CU, estimadas em cerca de 2,8%-31%, dependendo da população estudada e da definição de acometimento articular. Já o envolvimento axial, que inclui sacroiliíte e/ou espondilite, é um pouco mais comum na DC do que na CU. ETIOPATOGENIA • Aumento da permeabilidade da mucosa intestinal => ativação do sistema imune por meio do contato com bactérias do microbioma intestinal • Células imunes inatas e linfócitos ativados na mucosa intestinal migram para a entese de fibrocartilagem - sítio em que ocorre o processo inflamatório que culminará nas manifestações extraintestinais • Fator de risco: Polimorfismo com perda de função do gene CARD15 (caspase activating recruitment domain 15), que codifica uma proteína capaz de reconhecer componentes bacterianos • Outros genes associados (maior risco): IL-23R e IL-17R QUADRO CLÍNICO Na DII, até 50% dos pacientes apresentarão pelo menos uma manifestação extraintestinal, que algumas vezes pode anteceder o quadro intestinal. Dentre essas manifestações, a artropatia inflamatória é a mais comum. Artrite grandes articulações de MMII (joelhos e TNZ). RCU(≠DC): + MMSS e pequenas articulações São fatores de risco conhecidos para seu aparecimento: DII ativa (principalmente se houver outras manifestações extraintestinais), história familiar de DII, tabagismo e os fatores genéticos já citados. Gastroenterologistas são frequentemente os primeiros médicos a avaliarem os pacientes com manifestações musculoesqueléticas associadas à DII e geralmente não estão familiarizados com o diagnóstico dessas manifestações, principalmente em relação à distinção entre artralgia, artrite e dor lombar inflamatória. Os critérios de Oxford podem ser usados para classificar as manifestações articulares em artrite periférica (tipos 1 e 2) e axial. Alguns ainda consideram o tipo 3 ou misto (comprometimento axial e periférico): • A artrite periférica é usualmente não deformante e não erosiva. A do tipo 1 se correlaciona com DII ativa ou pode precedê-la e é a mais comum. É oligoarticular (menos que 5 articulações), assimétrica e predomina nas grandes articulações dos membros inferiores. Comumente é aguda e remitente, com resolução em até 6 meses e raramente cronifica. A do tipo 2 independe da atividade intestinal e é menos frequente. É poliarticular (5 ou mais articulações), simétrica e predomina em membros superiores, acometendo pequena e grandes articulações. Geralmente é intermitente com flares mais graves e tende a cronificar. As exacerbações da artrite periférica podem estar associadas à atividade intestinal, e o tipo de acometimento está relacionado à extensão e gravidade do envolvimento intestinal, principalmente na CU. Entesite e dactilite também podem ocorrer na artrite associada à DII. Fasciíte plantar e entesite aquileana são as formas mais comuns. A episclerite é o acometimento ocular mais comum associado à DII, mas uveíte anterior bilateral, insidiosa e de longa duração também pode estar presente geralmente acompanhando a artrite, especialmente a periférica tipo 2 ou a axial. • A artrite axial independe da atividade da doença intestinal. É caracterizada por assintomático ou lombalgia inflamatória ou sacroiliíte, ou ainda EA que pode progredir com grande limitação da mobilidade. É mais comum na DC, seu início precede a enterite e seu curso não está relacionado a ela. H > M. Pode ter entesite (fasciíte plantar e entesite de calcâneo), dactilite. Recentemente têm surgido estudos que discutem a necessidade de uma maior integração entre Gastroenterologia e Reumatologia para um diagnóstico precoce. Um estudo italiano sugere o uso de indicadores clínicos denominados “red flags” na avaliação desses pacientes: • “Red flags” para DII em pacientes com SpA: dor abdominal (> 3 meses), diarreia crônica, sangramento retal, história familiar de DII, febre persistente, anemia, perda de peso e história ou evidência de abscesso ou fístula perianal. • “Red flags” para SpA em pacientes com DII: dor lombar (> 3 meses), edema ou dor em articulação periférica, dor em tendões, cápsula e ligamentos (entesite) e “dedo em salsicha” (dactilite). Outras manifestações clínicas incluem eritema nodoso (geralmente coincide com a exacerbação intestinal e com a manifestação articular), pioderma gangrenoso (não relacionado à atividade intestinal e ocorre em 2,2% na CU e 1,5% na DC, predominando no sexo feminino, mais grave), colangite esclerosante primaria (CEP – cerca de 70 a 90% dos casos ocorrem em pacientes com DII), tireoidite de Hashimoto (principalmente na CU e predominando o envolvimento poliarticular periférico), trombose arterial e venosa (provavelmente relacionada à síndrome metabólica observada nos pacientes com DII, principalmente na CU com esteatose hepática e predomínio no sexo feminino) e envolvimento ósseo (periostite, lesão óssea granulomatosa, osteoporose e osteomalácia). ERITEMA NODOSO • É uma reação de hipersensibilidade do tipo retardado que mais frequentemente se apresenta como nódulos eritematosos e sensíveis nas pernas • Gatilhos comuns: infecção, medicamentos, gravidez, malignidade e condições inflamatórias, como sarcoidose ou doenças gastrointestinais; muitos casos são idiopáticos • O achado histológico característico é uma paniculite septal sem vasculite • Geralmente se resolve espontaneamente em várias semanas. Quando necessário, o tratamento pode ser administrado para reduzir os sintomas ou acelerar a resolução PIODERMA GANGRENOSO • É uma dermatose neutrofílica incomum que se apresenta como um distúrbio inflamatório e ulcerativo da pele. NÃO é uma doença infecciosa nem gangrenosa • A apresentação mais comum é uma pápula ou pústula inflamatória que evolui para úlcera dolorosa com borda violácea e base purulenta. Também pode se apresentar com lesões bolhosas, vegetativas • Mais da metade dos pacientes: doença inflamatória intestinal, distúrbios hematológicos e artrite representam as comorbidades mais frequentes• Diagnóstico: reconhecimento de achados clínicos e histológicos consistentes e na exclusão de outros distúrbios cutâneos inflamatórios ou ulcerativos. Não há achados patognomônicos, clínicos ou histológicos . DIAGNÓSTICO Suspeita de artrite enteropática em todo paciente com DII que apresente artralgia, artrite, rigidez matinal, lombalgia inflamatória / nádegas. ACHADOS LABORATORIAIS A proteína C-reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS) e contagem de leucócitos e plaquetas geralmente estão aumentadas na DII, mas são de pouca utilidade no diagnóstico. O fator reumatoide usualmente é negativo e, quando positivo, ocorre em baixos títulos. A anemia de doença crônica pode acompanhar tanto a inflamação intestinal quanto a artrite e em ambos os casos pode sugerir doença subclínica. Uma anemia por deficiência de ferro em pacientes com EpA pode ser o primeiro indício de DII incipiente. A tipagem do HLA não ajuda no diagnóstico. O HLA-B27 positivo é encontrado na DII com uma menor frequência que na EA. No RBE, apenas 38,5% dos enteropáticos eram B27 positivos comparados a 70,1% dos outros espondiloartríticos. No passado, os marcadores mais amplamente estudados eram o pANCA e o ASCA (+DC) (anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae). O pANCA é encontrado em até 65% dos pacientes com CU e em menos que 10% na DC. São marcadores de baixa sensibilidade e especificidade e, portanto, não se justifica o seu uso de rotina para diagnóstico. Várias proteínas derivadas de neutrófilo têm sido estudadas (calprotectina, elastase, lisozima e lactoferrina) como marcadores de inflamação intestinal na DII. A calprotectina fecal é a mais sensível para identificar inflamação intestinal, especialmente na doença do cólon, mas também falha pela baixa especificidade. Em um paciente sintomático intestinal, o achado de calprotectina fecal elevada (≥ 150-200 mg/g) justifica imediata investigação invasiva (endoscopia), enquanto valores baixos (≤ 50 mg/g) sugerem doença funcional ou não inflamatória. O problema é o achado (não infrequente) de valores intermediários (entre 50 e 150 mg/g), inconclusivos, que não auxiliam tanto na tomada de decisão. ACHADOS DE IMAGEM • Rx: edema de partes moles, osteopenia periarticular e periostite; Mais tardios: erosões ou redução do espaço articular • Lesões de Romanus (erosões com margens escleróticas adjacentes ao corpo vertebral) • Sacroiliíte simétrica e bilateral • RM de sacroilíacas e de coluna lombar o Lesões agudas: EMO (sacroiliíte), entesite, capsulite, sinovite o Lesões crônicas: esclerose subcondral, erosões, metaplasia gordurosa (fatty lesions) e anquilose DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Em adição à DC e CU, outras doenças e condições apresentam envolvimento intestinal e articular como manifestações proeminentes. A artrite reativa pode ocorrer depois de uma infecção entérica por Salmonela, Shigella, Yersinia ou Campylobacter e os sintomas articulares costumam aparecer duas a três semanas após o surto diarreico, geralmente acometendo joelhos, tornozelos, punhos e sacroilíacas. A doença de Whipple (infecção intestinal pela Troferyma whipplei) pode mimetizar uma DII e as manifestações articulares estão associadas com infecções sistêmicas, predominando artrite periférica nos joelhos, tornozelos e punhos e raro envolvimento axial. Na doença de Behçet, a úlcera da mucosa intestinal pode causar náusea, diarreia, dor e distensão abdominal muitas vezes difíceis de distinguir das DII e até 50% dos pacientes podem desenvolver artralgia ou artrite oligoarticular, geralmente de grandes articulações de membros superiores e inferiores. A doença celíaca (enteropatia sensível ao glúten) pode evoluir com envolvimento de articulações periféricas, axial ou mista, tipicamente não erosiva e a queixa articular pode preceder a manifestação intestinal. Na artrite por bypass intestinal pode ocorrer artralgia e, menos frequentemente, artrite, semanas a anos após a cirurgia. E a colite pseudomembranosa onde pode ocorrer artrite associada à infecção por Clostridium difficile após 9 a 35 dias do início da diarreia com acometimento de grandes articulações de membros inferiores. PROGNÓSTICO Em geral, o prognóstico de artrite periférica é bom, somente se tornando crônica e erosiva em uma minoria dos pacientes. Já o prognóstico do envolvimento axial é menos favorável, podendo levar a uma anquilose progressiva de coluna e sacroilíacas e causando uma importante restrição de mobilidade. Os pacientes enteropáticos do RBE apresentavam menor gravidade do envolvimento axial quanto ao dano estrutural presente tanto nas sacroilíacas quanto na coluna vertebral. TRATAMENTO • CE • DMARDs / biológicos • AINE: podem exacerbar colite (contraindicado na DII grave) • Sulfassalazina (2-3 g/dia): trata DII e artrite periférica (não trata eixo axial)
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