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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Alergia e Imunologia ANGIOEDEMA, URTICÁRIA E ERITEMA MULTIFORME Urticária: A urticária é definida como uma lesão cutânea inflamatória caracterizada por placas eritematoedematosas e extremamente pruriginosas. As lesões cutâneas apresentam formas e tamanhos variados, mas tendem a ser circulares, podendo apresentar forma de anel, com centro tendendo à cura e bordas eritematoedematosas. As urticas são lesões fugazes, que aparecem e desaparecem rapidamente, apresentando localização variável. A urticária pode ser classificada em aguda, quando as lesões duram < 6 semanas, e crônica, quando as lesões duram ≥ 6 semanas. A urticária pode manifestar-se isoladamente em 50% dos casos, associada ao angioedema em 40% dos casos e o angioedema pode manifestar-se isoladamente, sem urticária, em 10% dos casos. A urticária pode ser causada por mecanismos imunológicos mediados por IgE, por mecanismos imunológicos não mediados por IgE ou por mecanismos não imunológicos. Nos casos de urticária causada por mecanismos imunológicos, há vários fatores que causam alteração da imunidade, podendo resultar em urticária, tais como: - Fatores genéticos/hereditários. - Doenças sistêmicas. - Infecções. - Alérgenos ambientais. - Alimentos. - Drogas. - Estresse. Na urticária causada por mecanismos imunológicos mediados por IgE, a exposição ao alérgeno causa sua ligação a anticorpos IgE alérgeno-específicos na superfície celular do mastócito, resultando em sua degranulação e em liberação de mediadores inflamatórios pré-formados, como histamina, e de mediadores inflamatórios neoformados, como prostaglandinas e leucotrienos. Estes mediadores causam vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de fluido do meio intravascular para o meio extravascular, resultando em eritema e edema, achados característicos do processo urticariforme. Na urticária causada por mecanismos imunológicos não mediados por IgE, a presença de imunocomplexos formados por anticorpos não alérgeno-específicos realizam ligação cruzada com receptores na superfície celular do mastócito, resultando em sua degranulação e no desenvolvimento de todo o processo urticariforme. Na urticária não causada por mecanismos imunológicos, vários fatores podem causar estimulação direta dos mastócitos, resultando em sua degranulação e no desenvolvimento de todo o processo urticariforme, como calor, frio, exercício físico, estresse e substâncias exógenas (alimentos, drogas, etc). Além disso, a urticária não imunológica também pode ser causada por alterações do metabolismo do ácido araquidônico, causando aumento da liberação de mediadores neoformados, como prostaglandinas e leucotrienos, por mastócitos, resultando no desenvolvimento 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 do processo urticariforme na ausência de qualquer estímulo aos mastócitos. As principais causas de urticária são: - Mediadas por anticorpos IgE: → Aeroalérgenos. → Alérgenos de contato. → Alérgenos alimentares. → Picadas de insetos. → Medicamentos (reação alérgica). → Infecções parasitárias. - Não mediadas por anticorpos IgE: → Doenças autoimunes. → Crioglobulinemia. → Infecções (virais, bacterianas, fúngicas). → Vasculites. → Linfomas. - Não imunológicas: → Calor. → Frio. → Luz. → Pressão. → Vibração. → Água. → Exercício físico. → Alimentos (estimulação direta de mastócitos). → Medicamentos (estimulação direta de mastócitos). O prurido associado à urticária pode ser tão intenso que causa distúrbios do sono do paciente. Ao pressionar as urticas, as lesões tendem a clarear, mas rapidamente retornam a coloração avermelhada novamente. Novas lesões formam-se ao longo do dia enquanto lesões mais antigas desaparecem, resultando em padrão transitório e migratório das lesões. As urticas desaparecem em, no máximo, 24-36 horas. A urticária pode desenvolver-se como manifestação de um quadro de vasculite (vasculite urticariforme). Nestes casos, há angioedema e urticária associados à púrpura, além de manifestações extracutâneas, como artralgia e/ou artrite, hematúria, proteinúria e glomerulonefrite, etc. O diagnóstico baseia-se em biópsia (exame anatomopatológico) das lesões cutâneas e o tratamento geralmente baseia- se em uso de corticoesteroides. Na maioria dos casos, a urticária crônica é idiopática. A urticária crônica idiopática caracteriza-se por presença de lesões com duração ≥ 6 semanas, que podem apresentar recorrências diárias ou episódicas, com intervalos de meses a anos, resultando em importante diminuição da qualidade de vida dos pacientes. A urticária crônica pode manifestar-se isoladamente ou em associação ao angioedema. O angioedema acomete principalmente a mucosa dos lábios e da língua, mas também pode acometer outras regiões do corpo, podendo permanecer por vários dias. O mecanismo fisiopatológico da urticária crônica idiopática é a degranulação de 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 mastócitos com liberação de histamina, entretanto o fator desencadeante do quadro nem sempre é conhecido, podendo variar desde medicamentos, álcool e infecções até exercício físico, calor, frio, luz, pressão ou vibração e estresse. A urticária crônica idiopática, entretanto, nunca é causada por reação de hipersensibilidade tipo I (reação alérgica). Os principais diagnósticos diferenciais de urticária crônica idiopática são: - Vasculite urticariforme. - Doenças autoinflamatórias. Os principais diagnósticos diferenciais de angioedema crônico/recorrente idiopático são: - Angioedema hereditário. - Angioedema por uso de IECA. Outras doenças que também causam prurido crônico, associado ou não a lesões cutâneas eritematosas, são: - Eczemas, como dermatite atópica. - Psoríase. - Escabiose. - Prurigo estrófulo. - Neuropatias. O tratamento da urticária crônica baseia-se em eliminar e/ou evitar os fatores desencadeantes e em aliviar os sintomas por meio do uso de medicamentos que causam redução da liberação de mediadores inflamatórios por mastócitos ou que diminuam os efeitos destes mediadores inflamatórios nos órgãos-alvo. O tratamento farmacológico de primeira linha da urticária crônica baseia-se no uso de anti- histamínicos de 2ª geração (não sedativos), como bilastina, cetirizina, desloratadina, ebastina, fexofenadina, levocetirizina e loratadina. Se os sintomas persistirem após 2 semanas de tratamento, deve-se aumentar a dose do anti-histamínico em até 4 vezes (segunda linha). Se os sintomas persistirem após 1-4 semanas de tratamento, deve-se adicionar montelucaste (antileucotrieno), ciclosporina (imunossupressor) ou omalizumabe (anti-IgE), além de corticoesteroide por no máximo 10 dias (terceira linha). Angioedema: O angioedema é definido como a presença de edema na derme profunda e, às vezes, no tecido celular subcutâneo, sendo resultado de aumento da permeabilidade vascular e de extravasamento de fluido do meio intravascular para o meio extravascular causado por mediadores inflamatórios. Quando o angioedema manifesta-se isoladamente, ou seja, não associado à urticária, não causa prurido. O angioedema acomete principalmente a face (região periorbital, lábios e língua), as extremidades (mãos e pés), as vias aéreas superiores (faringe e laringe), o trato gastrointestinal e o trato genitourinário. Quando o angioedema manifesta-se em língua, faringe e laringe, pode causar asfixia e levar o paciente à morte. O angioedema classifica-se, quanto à etiologia, em: - Angioedema associado à reação de hipersensibilidade tipo I (reação alérgica): → Angioedema desencadeado por exposição a alérgenos alimentares, medicamentos, picadas de insetos, etc. → Mecanismo imunológico mediado por anticorpos IgE e histamina. → Geralmente, associa-se à urticária. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM2023/2 → Apresenta boa resposta a anti- histamínicos H1, corticoesteroides e adrenalina. - Angioedema associado ao excesso de bradicininas: → Angioedema causado por uso de drogas, como IECA e BRA, deficiência hereditária de INH-C1 (angioedema hereditário) ou linfomas. → Não está associado à urticária. → Não responde a anti-histamínicos H1 nem a corticoesteroides. → Responde a antagonistas da bradicinina ou à reposição da proteína INH-C1 (angioedema hereditário). → O angioedema associado ao uso de IECA manifesta-se em aproximadamente 1% dos pacientes e desenvolve-se principalmente em face, pescoço, língua, faringe e laringe. O tempo médio para o início dos sintomas é de 1,8 anos após o início do uso de IECA, mas 25% dos pacientes podem apresentar sintomas já no primeiro mês de tratamento e alguns pacientes apenas após 10 anos de tratamento. O diagnóstico é clínico e a remissão do angioedema após a suspensão do medicamento (em média, após 6 semanas) confirma o diagnóstico. Embora o angioedema associado ao uso de IECA seja semelhante ao angioedema hereditário, os níveis séricos da proteína INH-C1 são normais. → O angioedema associado ao uso de BRA pode ocorrer, mas em frequência muito menor que o angioedema associado ao uso de IECA, além de ser menos grave e manifestar-se precocemente quando comparado ao angioedema induzido por IECA. → O uso de gliptinas (inibidores da DPP4) também pode causar angioedema induzido por bradicinina, principalmente em pacientes que fazem uso de gliptinas e IECA. - Angioedema associado a doenças autoimunes: → Mecanismo desconhecido. O tratamento do angioedema na crise deve sempre ser iniciado considerando angioedema induzido por histamina, pois é muito mais frequente do que o angioedema induzido por bradicinina. Se não houver resposta ao tratamento inicial, deve-se realizar o tratamento para angioedema induzido por bradicinina. Se o angioedema estiver associado à urticária, ele é induzido por histamina! Eritema Multiforme: O eritema multiforme é uma doença mucocutânea inflamatória aguda, autolimitada, mas geralmente recidivante, caracterizada por lesões eritematosas em alvo que distribuem-se simetricamente nos 2 lados do corpo. O eritema multiforme é uma reação de hipersensibilidade tipo IV associada a infecções, vacinas e, às vezes, medicamentos. Geralmente, as lesões eritematosas em alvo do eritema multiforme acometem < 10% da área total de superfície corporal e permanecem em determinado local por, no mínimo, 7 dias e, então, desaparecem. Aproximadamente 2/3 dos pacientes apresentam lesões em região oral e labial. As lesões eritematosas podem evoluir formando erosões, vesículas, bolhas e crostas, que geralmente acometem mucosas e são dolorosas. As erupções cutâneas geralmente iniciam no dorso das mãos ou dos pés e, ao longo de 24 horas, disseminam-se ao longo dos membros até o tronco, o pescoço e a face. Os membros superiores são mais afetados 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 do que os membros inferiores. O eritema multiforme geralmente apresenta-se assintomático, mas as lesões podem causar ardência ou prurido. A lesão em alvo normalmente apresenta 3 colorações diferentes: centro eritematoso, halo pálido e edematoso e bordas eritematosas. O eritema multiforme apresenta maior incidência em indivíduos com idade < 40 anos, raramente ocorrendo em indivíduos < 5 anos de idade. A incidência da doença é equivalente entre homens e mulheres. O eritema multiforme é recorrente e as principais causas descritas são infecção por HSV e uso de medicamentos. Os principais fatores de risco para recorrência de eritema multiforme, além de história pessoal de eritema multiforme prévio, são: - Infecção por HSV. - Pneumonia por Mycoplasma sp. - Infecção por CMV ou EBV. - Infecção por HBV ou vacina da hepatite B. - Uso de determinados medicamentos, como penicilinas, sulfonamidas, trimetoprim, nitrofurantoína, antimaláricos, anticonvulsivantes O eritema multiforme apresenta curso clínico autolimitado. Assim, o tratamento é de suporte e baseia-se em sintomáticos, hidratação e higiene adequada das lesões para evitar que as erosões desenvolvam infecções bacterianas secundárias, tratamento de infecções desencadeantes do quadro de eritema multiforme, antivirais, se a causa da recorrência do eritema multiforme for a infecção por HSV, e corticoesteroides tópicos e/ou sistêmicos para reduzir a inflamação.
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