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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Alergia e Imunologia ALERGIA A MEDICAMENTOS Introdução: As reações adversas aos medicamentos podem ser classificadas em tipo A (previsíveis) e tipo B (imprevisíveis). As características das reações são: - Tipo A (80% dos casos): → Reações previsíveis. → Intoxicação por uso excessivo da droga. → Efeito secundário da droga: consequência secundária ao efeito principal da droga (ex. antibióticos, por apresentarem efeito bactericida ou bacteriostático, causam alteração da microbiota intestinal, resultando em diarreia). → Efeitos adversos da droga: efeitos não associados ao objetivo do tratamento, mas previsíveis por estarem associados à ação farmacológica da droga (ex. anti- histamínicos podem causar sedação). → Interações medicamentosas: interferência da ação de uma droga sobre a ação da outra, podendo resultar em aumento dos efeitos desejados ou em desenvolvimento de efeitos indesejados. - Tipo B (20% dos casos): → Reações imprevisíveis. → Alergia à droga: reação alérgica imunologicamente mediada ao medicamento. → Pseudoalergia à droga: reação ao medicamento que apresenta as mesmas manifestações clínicas da reação alérgica, mas que não é imunologicamente mediada. → Intolerância à droga: efeitos farmacológicos indesejados que ocorrem com baixas doses e, às vezes, com doses subterapêuticas da droga, que não são causados por anormalidades do metabolismo ou da excreção da droga. → Idiossincrasia à droga: efeito anormal e não esperado geralmente causado por anormalidades do metabolismo e/ou da excreção do medicamento, apresentando base genética/hereditária; a reação não depende da dose, nem de exposições anteriores do indivíduo ao medicamento. Epidemiologia: As alergias medicamentosas representam a causa de 3-6% de todas as internações hospitalares no mundo. No Brasil, a prevalência da alergia a medicamentos é de 7-8%. As reações de hipersensibilidade a medicamentos representam aproximadamente 15% de todas as reações adversas a fármacos. Fatores de Risco: Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de alergias medicamentosas são: - Idade: adultos jovens e adultos de meia- idade apresentam maior risco que crianças e idosos. - Gênero: mulheres apresentam maior risco que homens. - Polimorfismos genéticos. - Infecções virais: HSV e HIV. - Reações prévias à droga (alérgicas ou não alérgicas). - Drogas compostas por moléculas de alto peso molecular ou que apresentam o radical hapteno são mais imunogênicas. - Via de administração: tópica > EV e IM > oral. - Dose: prolongada ou recorrente > única. Classificação: As reações de hipersensibilidade às drogas são classificadas em: - Tipo I: mediada por anticorpos IgE; o complexo formado por medicamento + anticorpo IgE liga-se a receptores FcεRI na superfície celular de mastócitos, causando a liberação de histamina e outros mediadores inflamatórios; as principais manifestações clínicas são angioedema, urticária, broncoespasmo e anafilaxia; a reação inicia em minutos a horas após a exposição ao medicamento. - Tipo II: mediada por anticorpos IgM ou IgG; formação de anticorpos IgM ou IgG específicos contra células que expressam o radical hapteno do medicamento, 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 principalmente células sanguíneas, que ativam o sistema complemento, causando inflamação e destruição destas células; as principais manifestações clínicas são anemia, leucopenia e plaquetopenia, devido à destruição das células sanguíneas; o tempo de início da reação é variável. - Tipo III: mediada por imunocomplexos; formação de anticorpos IgM ou IgG específicos contra antígenos do medicamento; os imunocomplexos depositam-se em diferentes tecidos, principalmente articulações, glomérulos renais e vasos sanguíneos, causando ativação do complemento e resultando em inflamação e lesão tecidual; as principais manifestações clínicas são rash cutâneo, febre, artralgia/artrite, glomerulonefrite e vasculite; a reação inicia em 1-3 semanas após a exposição ao medicamento. - Tipo IV: mediada por células (linfócitos T); moléculas da droga são apresentadas aos linfócitos T via MHC, com consequente ativação do linfócito T e liberação de citocinas e mediadores inflamatórios, podendo haver recrutamento e ativação de neutrófilos, macrófagos e eosinófilos; as principais manifestações clínicas são dermatite de contato, rash cutâneo e lesão de órgãos-alvo; a reação é tardia e inicia em 2-7 dias após a exposição ao medicamento. Principais drogas associadas à reação alérgica: - Penicilinas e outros antibióticos β- lactâmicos. - Sulfonamidas. - Anticonvulsivantes (ácido valproico, carbamazepina). - AAS, dipirona e AINES. - Drogas quimioterápicas. - Anestésicos: anestésicos gerais, bloqueadores neuromusculares, anestésicos locais. - IECA. - Outras: heparina, opioides, vacinas, contraste iodado, corticoides, insulina, imunobiológicos, etc. Manifestações Clínicas: As principais manifestações clínicas das reações de hipersensibilidade às drogas são: - Manifestações Sistêmicas: → Anafilaxia. → Doença do soro. → Síndrome do LES. → Síndrome da Esclerodermia. → Poliangeíte microscópica. → Síndrome da farmacodermia com eosinofilia e sintomas sistêmicos. → Necrólise epidermoide tóxica. → Síndrome de Stevens-Johnson. - Manifestações Cutâneas: → Angioedema e urticária. → Pênfigo foliáceo. → Púrpura. → Rash maculopapular. → Dermatite de contato. → Fotodermatite. → Pustulose exantematosa aguda generalizada. → Erupção cutânea. → Eritema multiforme. - Manifestações Pulmonares: → Asma. → Tosse. → Pneumonite intersticial. → Eosinofilia pulmonar. → Pneumonia em organização. - Manifestações Hepáticas: → Hepatite hepatocelular. → Hepatite colestática. - Manifestações Renais: → Nefrite intersticial. → Nefrite membranosa. - Manifestações Hematológicas: → Anemia hemolítica. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Trombocitopenia. → Neutropenia. - Manifestações Musculares e Neurológicas: → Polimiosite. → Miastenia gravis. → Meningite asséptica. Avaliação Clínica: A avaliação clínica do paciente com suspeita de reação alérgica a medicamento deve basear-se em anamnese detalhada, na qual deve-se questionar: - História detalhada de todas as drogas prescritas e não prescritas utilizadas pelo paciente. - Datas de administração das drogas. - Substâncias presentes na formulação das drogas. - Dosagem e via de administração da droga. - Sinais e sintomas clínicos e tempo entre o seu início e a exposição à droga. - Exposições e reações prévias à droga. OBS.: O fator de risco mais importante é a história de exposição e reação prévia a mesma droga ou a componente relacionado. - Descrição detalhada dos sinais e sintomas apresentados, tratamentos utilizados e desfecho. - Doenças apresentadas pelo paciente (às vezes, os sintomas podem ser causados por doenças subjacentes e não pelos medicamentos). - História prévia de outras reações alérgicas a medicamentos, doenças alérgicas e outras doenças. Manejo Terapêutico: O manejo terapêutico da reação alérgica medicamentosa baseia-se em: - Suspensão da droga suspeita. - Tratamento da reação alérgica. - Identificação e suspensão de drogas que podem causar reação cruzada. - Registro detalhado da reação apresentada e do tratamento utilizado. - Se possível, identificar alternativa segura à droga. - Se necessário, considerar dessensibilização à droga (raramente indicado). - Prevenção de futuras reações alérgicas às drogas: → Os pacientes devem receber uma lista informando todas as drogas as quais eles devem evitar. → As drogas às quais os pacientes têm alergia devem ser registradas em prontuário eletrônico. → Uso de pulseiras informando a droga ou as drogas as quais o paciente é alérgico, principalmentenos casos de alergia a penicilinas, anestésicos, opioides e AINES, drogas frequentemente administradas na emergência. → O uso de adrenalina autoinjetável geralmente não é necessário, uma vez que o medicamento que causa a reação alérgica é identificado e pode ser facilmente evitado. → Evitar o uso de medicamentos cujas formulações não são bem conhecidas. Síndrome da Farmacodermia com Eosinofilia e Sintomas Sistêmicos (Síndrome DRESS): A Síndrome DRESS apresenta incidência de 1:1.000-10.000 exposições a drogas. A maioria dos pacientes afetados são adultos e idosos. Em aproximadamente 80% dos casos, é possível estabelecer uma relação causal com a droga e, em 10-20% dos casos, a causa permanece desconhecida. As drogas mais frequentemente associadas ao desenvolvimento da Síndrome DRESS são: - Anticonvulsivantes: carbamazepina, fenitoína, lamotrigina, etc. - Antibióticos: penicilinas, sulfonamidas (ex. dapsona), antituberculosos (ex. etambutol e isoniazida). - Antifúngicos: clotrimazol, etc. - Antivirais. - Antidepressivos. - IECA. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - β-bloqueadores. - Imunobiológicos. - AINES. - Outras: alopurinol, bloqueadores de canais de cálcio, hidroxicloroquina, etc. A apresentação clínica caracteriza-se por exantema morbiliforme, que caracteriza-se por eritema maculopapular, inicialmente em face e região superior do tronco, evoluindo para outras regiões do corpo e tornando-se difusa. A Síndrome DRESS geralmente atinge ≥ 50% da área de superfície corporal e/ou apresenta outras manifestações clínicas associadas ao exantema morbiliforme, como edema facial, presença de lesões infiltrativas, descamação e púrpura. As principais manifestações clínicas sistêmicas são febre, queda do estado geral, linfonodomegalias e sintomas associados ao acometimento visceral. O principal órgão acometido na Síndrome DRESS é o fígado, envolvido em 60-80% dos casos, havendo aumento de transaminases hepáticas (TGO e TGP), enzimas canaliculares (GGT e fosfatase alcalina), sinais de disfunção hepática, como aumento de bilirrubinas e alteração do coagulograma e, às vezes, sinais de encefalopatia hepática secundária à hepatite aguda, cursando com alteração do nível de consciência. A hepatite aguda grave representa a principal causa de morte associada à Síndrome DRESS. Outros órgãos frequentemente acometidos na Síndrome DRESS são rins (10-30% dos casos), com nefrite intersticial aguda, aumento de creatinina e ureia, proteinúria discreta e eosinofilia no hemograma e no EQU, e pulmões (5-25% dos casos), com sinais e sintomas inespecíficos, como tosse e taquipneia. Os principais achados laboratoriais da Síndrome DRESS: - Leucocitose com eosinofilia. - Linfocitose atípica. - Aumento de TGO e TGP. - Aumento de fosfatase alcalina. A Síndrome DRESS geralmente apresenta longo intervalo de tempo entre a exposição à droga e o início do exantema maculopapular e dos outros sinais e sintomas, variando de dias a semanas. Além disso, as manifestações clínicas geralmente persistem por algumas semanas após a suspensão da droga. O diagnóstico da Síndrome DRESS baseia- se em critérios clínicos e laboratoriais. Os principais critérios indicativos de Síndrome DRESS são rash cutâneo maculopapular difuso (exantema maculopapular) após, em média, 3 semanas da exposição à droga, persistência dos sintomas > 2 semanas após a suspensão da droga, febre > 38ºC, anormalidades laboratoriais (leucocitose, eosinofilia, linfocitose atípica, aumento de transaminases hepáticas e de fosfatase alcalina), linfonodomegalias, reativação do vírus herpes 6. O tratamento da Síndrome DRESS baseia-se na administração de corticoides sistêmicos, como prednisona, prednisolona e dexametasona. Anafilaxia: A anafilaxia é definida como a presença de manifestações clínicas agudas, graves e/ou potencialmente fatais, resultantes da exposição a alérgenos em indivíduos predispostos. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A verdadeira incidência da anafilaxia é desconhecida. A prevalência de anafilaxia ao longo da vida é de aproximadamente 1-2% e, nos EUA, há aproximadamente 150.000 casos por ano. Quanto à causa, 35% dos casos de anafilaxia devem-se a alimentos, 20% dos casos devem-se a medicamentos, 18% dos casos devem-se a saliva/veneno de animais, 7% dos casos devem-se a exercício físico e 25-60% dos casos são idiopáticos. As reações anafiláticas a alimentos são mais comuns em crianças, já as reações anafiláticas a medicamentos, contraste iodado e picadas de insetos são mais comuns em adultos. As principais causas de anafilaxia são: - Medicamentos: antibióticos (penicilinas, cefalosporinas, neomicina, vancomicina), antivirais, antifúngicos (anfotericina B), opioides, heparina, ferro dextrano, AAS, AINES, anestésicos, vacinas, etc. - Alimentos: leite, ovos, trigo, soja, amendoim, nuts, peixes, frutos do mar e milho. - Saliva/veneno de animais: picadas de insetos (ex. mosquitos), picadas de himenópteros (ex. abelhas, marimbondos, vespas), água-viva, cobras e serpentes. - Fatores físicos: exercício físico, calor e frio. - Hemocomponentes e hemoderivados (concentrado de hemácias, plaquetas, plasma fresco congelado, etc) e imunobiológicos. - Contrastes utilizados em exames de imagem. - Látex. A anafilaxia deve ser diferenciada da reação anafilactoide. A anafilaxia necessita de sensibilização prévia ao alérgeno ou de reação cruzada, já a reação anafilactoide não necessita de sensibilização prévia ao alérgeno. Ambas caracterizam-se por ativação e degranulação de mastócitos e basófilos, resultando em liberação de mediadores inflamatórios, como histamina, prostaglandinas, leucotrienos, etc. Na avaliação diagnóstica, a diferenciação entre reação anafilática e reação anafilactoide não é importante, uma vez que o manejo terapêutico é o mesmo. A anafilaxia pode ser classificada quanto à gravidade das manifestações clínicas em: - Grau I: eritema, prurido, angioedema e/ou urticária. - Grau II: eritema, prurido, angioedema e/ou urticária; náuseas, vômitos e/ou dor abdominal; rinorreia, rouquidão e/ou dispneia; taquicardia, hipotensão arterial e/ou arritmia. - Grau III: eritema, prurido, angioedema e/ou urticária; vômitos e/ou diarreia; edema de laringe, broncoespasmo e/ou cianose; choque. - Grau IV: eritema, prurido, angioedema e/ou urticária; vômitos e/ou diarreia; PCR. O tratamento da anafilaxia baseia-se em rápida administração de adrenalina. A via preferencial de administração da adrenalina é a intramuscular (IM), exceto nos casos de anafilaxia grave (grau IV) ou de PCR, quando a adrenalina deve ser administrada por via endovenosa (EV). A dose recomendada de adrenalina IM em adultos é de 0,3-0,5 mg e em crianças é de 0,01 mg/kg (dose máxima de 0,5 mg). Outras drogas que podem ser utilizadas no tratamento da anafilaxia, além da adrenalina, são anti-histamínicos, corticoesteroides (ex. hidrocortisona e metilprednisolona), β2- 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 agonistas (ex. salbutamol) e drogas vasopressoras (ex. dopamina).
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