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Lipídeos e correlações clínicas APRESENTAÇÃO Os lipídeos são constituintes frequentes da nossa alimentação, agregando sabor, palatabilidade e muita energia aos alimentos. São também uma classe de biomoléculas muito versátil e apresentam inúmeros papéis intracelulares e extracelulares. Por defeitos genéticos, consequências do estilo de vida ou ambos os fatores, o metabolismo dos lipídeos pode ser afetado, gerando doenças de alta morbimortalidade. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer a importância dos lipídeos em suas várias funções e aprender como são caracterizadas as principais doenças relacionadas a eles. Por fim, você vai identificar os principais tratamentos disponíveis atualmente para essas doenças, algumas entre as mais prevalentes no mundo todo. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a importância dos diferentes lipídeos para o organismo.• Caracterizar as principais patologias associadas a distúrbios do metabolismo lipídico.• Conhecer os tipos de tratamentos associados a patologias lipídicas.• INFOGRÁFICO Muito se comenta a respeito do quanto é indesejado ter altos níveis de colesterol. Mas qual a razão metabólica para isso? Veja o Infográfico e aprenda sobre um dos piores desfechos que os distúrbios no metabolismo dos lipídeos podem ter. CONTEÚDO DO LIVRO Os lipídeos constituem uma classe versátil de compostos que apresentam diversas funções fisiológicas e contribuem enormemente para o funcionamento do organismo. No entanto, é necessário que os níveis lipídicos sejam bem controlados, visto que, quando há excesso desses compostos, há estabelecimento de doenças e perda da homeostase corporal, fazendo com que seja necessário o uso de terapia medicamentosa contínua para o restabelecimento dos níveis fisiológicos circulantes. No capítulo Lipídeos e correlações clínicas, da obra Bioquímica aplicada, você vai aprender mais sobre o papel que os lipídeos desempenham no nosso organismo. Várias doenças podem estar relacionadas ao metabolismo dos lipídeos e, muitas vezes, mudanças no estilo de vida são essenciais para retomar a saúde. Adicionalmente, o uso de fármacos para controle dos níveis de lipídeos é muito comum e disseminado por todo o mundo, sendo alternativa eficaz para redução dos lipídeos circulantes. rcinfor Realce BIOQUÍMICA APLICADA Débora Guerini de Souza Lipídeos e correlações clínicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a importância dos diferentes lipídeos para os organismos. Caracterizar as principais patologias associadas a distúrbios dos me- tabolismos lipídicos. Reconhecer os tipos de tratamentos associados a patologias lipídicas. Introdução Neste capítulo, você vai aprender sobre as doenças que mais matam atualmente: as doenças cardiovasculares, associadas ao metabolismo de lipídeos. Inicialmente, vamos entender a importância dos lipídeos para os organismos. Lipídeos são um grupo de moléculas muito heterogêneas que possuem como característica comum o fato de serem insolúveis ou pouco solúveis em água. Desde as mais primitivas formas de vida, podemos constatar que os lipídeos são essenciais para os organismos, por serem delimitadores das células ao constituírem as membranas plasmáticas. Adicionalmente, os lipídeos são moléculas de sinalização intracelular e fonte energética em muitas espécies. Pelo fato de serem insolúveis em meio aquoso, as moléculas lipídicas podem se depositar em locais inadequados, como o endotélio vascular, causando graves prejuízos e risco de morte. Assim, podemos elencar eventos relacionados à defeitos genéticos, ao estilo de vida ou a efeitos adversos a medicamentos que podem contribuir para o desenvolvimento de patologias lipídicas, as quais necessitam de tratamento adequado, bem como de cuidados com o estilo de vida. A importância dos lipídeos Lipídeos são uma grande classe de moléculas orgânicas que possuem estrutura química diversifi cada e um ponto importante em comum: são insolúveis ou pouco solúveis em solventes polares e são solúveis em solventes orgânicos (ou apolares). Eles constituem grande porcentagem dos nutrientes que ingerimos diariamente, estando presentes na dieta em algumas formas diversifi cadas, como, por exemplo, colesterol e vitaminas lipossolúveis. Os principais lipí- deos presentes nos sistemas biológicos são ácidos graxos, triacilgliceróis, fosfolipídeos, colesterol e vitaminas lipossolúveis (Figura 1). Figura 1. Diversos tipos de lipídeos importantes para os organismos. a) ácido graxo saturado, b) ácido graxo insaturado, c) triacilglicerol, d) fosfolipídeos (fosfatidilcolina e esfingomielina) e e) colesterol. Fonte: Adaptadas de (a) (b) Nelson e Cox (2014. p. 359), (c) Voet e Voet (2013, p. 388) e (d) (e) Rodwell et al. (2018, p. 219). Lipídeos e correlações clínicas2 rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce Os ácidos graxos são ácidos carboxílicos com cadeias alifáticas de compri- mento variável, que podem ser saturadas ou insaturadas. Eles são a principal fonte energética de mamíferos em termos quantitativos, e geralmente são precursores de outros lipídeos importantes, como as classes que serão citadas a seguir. Os triacilgliceróis são moléculas que contém uma porção glicerol e três porções ácidos graxos, sendo cada carbono do glicerol ligado por meio de ligação éster a um ácido graxo. Eles são a forma de armazenamento de lipídeos nos mamíferos e constituem, portanto, as gotículas lipídicas do tecido adiposo, o qual também serve como isolante térmico. Os fosfolipídeos são essenciais na delimitação dos compartimentos intra e extracelular (também delimitando organelas celulares). Estes lipídeos pos- suem porções polares (onde o grupamento fosfato está localizado) e porções apolares (referente à cadeia carbonada), sendo, portanto, anfipáticos. Sua porção apolar (insolúvel) permite a criação de uma interface entre os diferentes compartimentos. O colesterol é um composto que possui quatros anéis unidos entre si (núcleo esteroidal derivado do ciclopentanoperidrofenantreno) e mais uma cadeia lateral alifática ramificada, apresentando, assim, alta rigidez, o que o permite atuar na regulação da fluidez das membranas. Além de seu papel estrutural, ele também é precursor de hormônios esteroides e de sais biliares. Por fim, as vitaminas lipossolúveis são compostos miscíveis no meio lipídico, necessárias para o desempenho das funções corporais, mas que não conseguimos sintetizar endogenamente (ou sintetizamos apenas parcialmente, como a vitamina D). As vitaminas deste grupo são a A, D, E e K e possuem variados papéis, como antioxidante e sinalizadores celulares. Observe a seguir a importância dos lipídeos nos sistemas biológicos, con- siderando a função desempenhada. Componentes estruturais de membranas: As membranas plasmáticas celulares e as membranas que delimitam as organelas são sistemas fluidos compostos por duas camadas lipídicas (bicamada lipídica), sendo a porção polar do lipídeo voltada para fora (meio aquoso, plasma sanguíneo) e a porção apolar do lipídeo voltada para dentro da membrana (de maneira que a porção apolar de cada constituinte da camada externa interaja com a porção polar de outro constituinte da camada interna) (Figura 2). 3Lipídeos e correlações clínicas rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce Figura 2. A bicamada lipídica. Micrografia eletrônica de um lipossomo. O detalhe representa os fosfolipídeos constituintes da bicamada lipídica. Fonte: Voet e Voet (2013, p. 395). Entre as classes citadas anteriormente, os fosfolipídeos e o colesterol são os principais constituintes lipídicos das membranas celulares. Os fosfolipídeos geram outros compostos, como os esfingolipídeos e glicerofosfolipídeos, que são importantes na formação da bicamadalipídica. Esse mecanismo de separação de compartimentos é importante para delimitar as células, os tecidos, os órgãos e, em última análise, o próprio corpo humano (a pele, nosso órgão externo, é o que delimita nosso corpo). Dessa forma, os componentes polares e os íons que constituem o sangue ingressarão nas células apenas através de transportadores específicos, de maneira controlada, e os componentes celulares sairão das células também apenas de maneira controlada, protegendo o conteúdo celular. O colesterol tem um papel crucial na regulação da fluidez da bicamada lipídica. Seu núcleo de quatro anéis hidrocarbonados fusionados possui rota- ção limitada em torno das ligações carbono-carbono e, com isso, o colesterol confere rigidez à membrana. Devido à sua insolubilidade em meio aquoso, o colesterol (e também outros compostos lipídicos) deve ser transportado pelo plasma sanguíneo de maneira que fique protegido, no núcleo, de partículas chamadas de lipoproteínas. Essas lipoproteínas são constituídas, na sua superfície externa, por fosfolipídeos anfipáticos e por proteínas que interagem com o meio extracelular; no seu núcleo, as lipoproteínas contêm triacilgliceróis, ésteres de colesterol e outros compostos apolares que precisam chegar a todos os órgãos, pois são necessários a todas as nossas células. Existem quatro categorias principais de lipoproteínas, a saber: quilomícron (transporta os triacilgliceróis ingeridos na dieta); lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL — do inglês Lipídeos e correlações clínicas4 rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce very low density lipoprotein —, responsável pelo transporte de triacilgliceróis produzidos pelo fígado); lipoproteína de baixa densidade (LDL — do inglês low density lipoprotein —, que transporta predominantemente o colesterol) e lipoproteína de alta densidade (HDL — do inglês high density lipoprotein —, que realiza o transporte reverso do colesterol da periferia para o fígado). Reserva e combustível energético: os triacilgliceróis, principal forma de armazenamento de lipídeos em mamíferos, são triésteres de ácidos graxos de glicerol. Eles se diferenciam entre si pela identidade dos três resíduos de ácidos graxos e o posicionamento destes na molécula de glicerol. Os triacilgliceróis simples possuem um só tipo de ácido graxo ligado nos três carbonos do glicerol. Entretanto, o tipo mais comum é o triacilglicerol misto, que possui três tipos dife- rentes de resíduos de ácidos graxos, sendo denominados de acordo com a posição desses resíduos na molécula de glicerol (VOET; VOET, 2013). A apolaridade dos triacilgliceróis parece ser uma vantagem que determinou, na evolução, o emprego destes compostos como reserva energética: por não haver ligação de hidrogênio com a água (água de solvatação), é mais vantajoso armazenar triacilgliceróis do que carboidratos (p. ex., na forma de glicogênio), além do fato de os triacilgliceróis gerarem cerca de três vezes mais ATP do que os carboidratos (comparação entre a oxidação completa de 1 mol de ácido palmítico versus 1 mol de glicose). Uma vez que haja sinalização catabólica, isto é, glucagon e adrenalina predominantes em relação à insulina, a hidrólise dos triacilgliceróis é fa- vorecida, e eles são utilizados como substrato energético para geração de ATP. Inicialmente, temos a atuação da lipase hormônio-sensível que age no adipócito, promovendo a hidrólise dos triacilgliceróis armazenados. Uma vez que os ácidos graxos livres estejam disponíveis, eles se ligam à albumina e são distribuídos pelo plasma sanguíneo para uso pelos tecidos. O uso propriamente dito dos triacilgliceróis como fonte energética depende do funcionamento da via da β-oxidação, que gera acetil-CoA e coenzimas reduzidas a partir de ácidos graxos. Para o ácido graxo ingressar nessa via, ele deve ser transportado para dentro da mitocôndria por um transportador específico chamado carnitina acil-transferase 1 (CAT1), sendo este o mecanismo de controle da via. A β-oxidação acontece na mitocôndria de vários tecidos, e ao longo da degradação do ácido graxo, ocorre a liberação de unidades de acetil-CoA, que podem ingressar no ciclo do ácido cítrico, ocorrendo assim a geração direta de NADH + H+ e FADH2, que podem doar seus elétrons no sistema respiratório mitocondrial ou sistema de transporte de elétrons, gerando alta quantidade de ATP. Moléculas de sinalização: grupo de lipídeos presente nas células em quantidades muito pequenas que, ao contrário dos lipídeos já citados até aqui, têm papel ativo como metabólitos e mensageiros celulares, impactando no 5Lipídeos e correlações clínicas rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce controle do metabolismo. No meio extracelular, os hormônios esteroides são potentes sinalizadores; no meio intracelular, os mensageiros lipídicos gerados em resposta à uma sinalização extracelular têm papel-chave na ativação de vias de sinalização. Outras funções igualmente importantes são atribuídas aos compostos lipídicos que funcionam como cofatores enzimáticos, como as vitaminas E e K e as quinonas lipídicas; outros, como pigmentos fotossensíveis que atuam na visão, como um derivado da vitamina A. O fosfatidilinositol e seus derivados são envolvidos na sinalização intracelular, estando presentes na membrana plasmática e sofrendo a ação de enzimas ativadas por ligantes extracelulares. Esta ação causa alterações intracelulares que executam a tarefa que o ligante extracelular estimula (NELSON; COX, 2014). Um ácido graxo poli-insaturado chamado ácido araquidônico é o precursor de importantes hormônios parácrinos, os eicosanoides, que possuem efeitos relacionados à função reprodutiva, à inflamação (febre e dor), à secreção de ácido gástrico para digestão, entre outros processos fisiológicos. As vitaminas A e D também são precursores de hormônios, atuando no metabolismo do cálcio (derivado da vitamina D) e um derivado da vitamina A, além do já men- cionado, atua como fator de crescimento do tecido epitelial, incluindo a pele. Desta maneira, percebe-se que os lipídeos são elementos importantes no funcionamento celular e corporal. Considerando sua insolubilidade nos fluidos extracelulares, as desordens no metabolismo dos lipídeos representam danos, pois causam o acúmulo destes componentes, gerando doenças, as quais serão comentadas a seguir. A peroxidação lipídica pode ocorrer em uma reação desses compostos com o oxi- gênio molecular ou com espécies reativas, sendo responsável pela deterioração dos alimentos (causando ranço). Fisiologicamente, ela é responsável por danos aos tecidos, podendo contribuir para o desenvolvimento do câncer, das doenças inflamatórias, da aterosclerose e do envelhecimento. Principais patologias associadas a distúrbios do metabolismo lipídico As patologias associadas a distúrbios do metabolismo lipídico afetam mi- lhares de pessoas ao redor do mundo e, constantemente, contribuem para o Lipídeos e correlações clínicas6 rcinfor Realce rcinfor Nota desenvolvimento e a progressão das doenças que se encontram no topo da lista das principais causas de morte nos países desenvolvidos: as doenças cardiovasculares (WORLD..., 2016). Esse quadro de desequilíbrio nos lipídeos corporais frequentemente recebe o nome de dislipidemias, um termo genérico que indica aumento nos níveis de lipídeos circulantes, na forma de lipoproteínas (especialmente LDL e VLDL). Geralmente, esse quadro é resultante da alimentação excessiva (excesso de nutrientes) associado ao sedentarismo. Atualmente, obtemos com facilidade alimentos que apresentam conteúdo calórico elevado, servidos em grandes porções, e há maior propensão ao sedentarismo, principalmente pela facilidade do transporte nas cidades e pela redução nos espaços físicos domiciliares, entre outros fatores. Esse cenário colabora para o desenvolvimento das dis- lipidemias, o que culmina em prejuízo para todo o corpo, pois esse quadrofavorece o surgimento da resistência periférica à insulina (maior dificuldade na utilização da glicemia pós-prandial), além da síntese e da secreção de citocinas pró-inflamatórias pelo tecido adiposo, que, mesmo em baixas quantidades, estabelece um quadro crônico de inflamação de baixo grau, com impacto negativo em todo o corpo (NELSON; COX, 2014). As dislipidemias podem ser classificadas em primárias e secundárias. As dislipidemias primárias são em geral devido à herança genética (Quadro 1), portanto, de base muito complexa. Alguns estudos apontam que cerca de cem diferentes genes podem afetar os níveis plasmáticos do colesterol total, do LDL, do HDL e dos triglicerídeos (GARCÍA-GIUSTINIANI; STEIN, 2016). Nome Defeito Comentários Hipolipoproteinemias Abetalipoproteinemia Não há formação de quilomícrons, VLDL ou LDL, devido a um defeito na ligação da apo B aos lipídeos. Rara; os níveis sanguíneos de acilgliceróis são baixos; o intestino e o fígado acumulam acilgliceróis. Má absorção intestinal. A morte precoce pode ser evitada pela administração de grandes doses de vitaminas lipossolúveis, sobretudo vitamina E. Quadro 1. Distúrbios primários das lipoproteínas plasmáticas (Continua) 7Lipídeos e correlações clínicas rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce Nome Defeito Comentários Deficiência familiar de alfa-lipoproteína Doença de Tangier Doença do olho de peixe Deficiências de apo A-I Todas apresentam níveis baixos ou quase ausentes de HDL. Tendência à hipertriacilglicerolemia devida à ausência de apo C-II, causando inativação da LPL. Baixos níveis de LDL. Aterosclerose nos idosos. Hiperlipoproteinemias Deficiência familiar de lipase lipoproteica (tipo I) Hipertriacilglicerolemia devida à deficiência de LPL, LPL anormal ou deficiência de apo C-II resultando em inativação da LPL. Depuração lenta dos quilomícrons e da VLDL. Baixos níveis de LDL e HDL. Nenhum risco aumentado de doença coronariana. Hipercolesterolemia familiar (tipo IIa) Receptores de LDL defeituosos ou mutação na região do ligante da apo B-100. Níveis elevados de LDL e hipercolesterolemia, resultando em aterosclerose e doença coronariana. Hiperlipoproteinemia familiar tipo III (doença beta ampla, doença de remoção dos remanescentes, disbetalipoproteinemia familiar) Deficiência na depuração dos remanescentes pelo fígado, causada por uma anormalidade da apo E. os pacientes carecem das isoformas E3 e E4 e apresentam apenas E2, a qual não reage com o receptor E.* Aumento dos remanescentes de quilomícrons e da VLDL com densidade < 1,019 (β-VLDL). Causa hipercolesterolemia, xantomas e aterosclerose. Hipertriacilglicerolemia familiar (tipo IV) A produção excessiva de VLDL está frequentemente associada à intolerância à glicose e à hiperinsulinemia. Os níveis de colesterol aumentam com a concentração de VLDL. A LDL e a HDL tendem a estar abaixo do normal. Esse padrão está comumente associado à doença coronariana, ao DM2, à obesidade, ao alcoolismo e à administração de hormônios progestacionais. Quadro 1. Distúrbios primários das lipoproteínas plasmáticas (Continuação) (Continua) Lipídeos e correlações clínicas8 As dislipidemias secundárias são derivadas, principalmente, do estilo de vida (dieta, tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, entre outros fatores), bem como da concomitância à outras doenças (obesidade, hipotireoidismo, diabetes melito, síndrome dos ovários policísticos, deficiência de hormônio do crescimento) e ao uso de medicamentos (corticosteroides, isotretinoína, entre outros). Fonte: Adaptado de Rodwell et al. (2017). Nome Defeito Comentários Hiperalfalipoproteinemia familiar Concentrações aumentadas de HDL. Distúrbio raro, aparentemente benéfico à saúde e à longevidade. Deficiência de lipase hepática A deficiência dessa enzima leva ao acúmulo de HDL rica em triacilglicerol e de remanescentes de VLDL grandes. Os pacientes apresentam xantomas e doença coronariana. LCAT A ausência da LCAT leva ao bloqueio do transporte reverso do colesterol. A HDL permanece na forma de discos nascentes, incapazes de captar e esterifcar o colesterol. As concentrações plasmáticas de ésteres de colesteril e de lisolecitina são baixas. Está presente uma fração LDL anormal, a lipoproteína X, também encontrada em pacientes com coléstase. A VLDL está anormal (β-VLDL). Excesso de lipoproteína(a) familiar A Lp(a) consiste em 1 mol de LDL ligado a 1 mol de apo(a). A apo(a) exibe homologias estruturais com o plasminogênio. Doença coronariana prematura devida à aterosclerose, e trombose em consequência da inibição da fibrinólise. *Existe uma associação entre pacientes que apresentam o alelo apo E4 e a incidência da doença de Alzheimer. Aparentemente, a apo E4 liga-se com maior afinidade ao β-amiloide encontrado nas placas neuríticas. LCAT, deficiência familiar de lecitina-colesterol aciltransferase; VLDL, lipoproteína de densidade muito baixa; LDL, lipoproteína de baixa densidade; DM2, diabetes melito tipo 2; HDL, lipoproteína de alta densidade; LPL, lipase lipoproteica. Quadro 1. Distúrbios primários das lipoproteínas plasmáticas (Continuação) 9Lipídeos e correlações clínicas rcinfor Realce A classificação laboratorial das dislipidemias, de acordo com Faludi et al. (2017), pode se dar de acordo com a fração lipídica alterada, da seguinte maneira (considerando valores de jejum): Hipercolesterolemia isolada: aumento isolado do LDL (LDL ≥ 160 mg/dL). Hipertrigliceridemia isolada: aumento isolado dos triglicerídeos (tri- glicerídeos ≥ 150 mg/dL) Hiperlipidemia mista: aumento do LDL (LDL ≥ 160 mg/dL) e dos triglicerídeos (triglicerídeos ≥ 150 mg/dL. HDL baixo: baixos níveis do HDL (homens < 40 mg/dL e mulhe- res < 50 mg/dL) isolada ou em associação ao aumento de LDL ou de triglicerídeos. Não apenas as dislipidemias são resultado de desbalanço no metabolismo de lipídeos. Os erros inatos do metabolismo também atingem as enzimas responsáveis pelo metabolismo desses compostos, como as enzimas respon- sáveis pelo metabolismo de lipídeos de membrana. Os acometidos por estas deficiências genéticas podem apresentar atraso no desenvolvimento cerebral devido ao acúmulo de metabólitos ou até mesmo vir a óbito nos primeiros meses ou anos de vida, dependendo da enzima afetada. Outras doenças de ordem genética que afetam o metabolismo dos lipídeos são as que afetam as lipoproteínas. A mais comum delas é a hipercolesterole- mia familiar, em que o gene que codifica o receptor do LDL está ausente ou defeituoso. Pessoas acometidas por esta desordem geralmente apresentam altos níveis circulantes de LDL sem apresentar aumento de VLDL. Elas possuem alto risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e devem fazer uso de terapia medicamentosa para auxiliar na redução do colesterol circulante. A seguir vamos conhecer alguns medicamentos disponíveis para auxiliar o tratamento destas patologias. A hipercolesterolemia está diretamente relacionada à cerca de um terço dos casos de doença cardíaca. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a redução de aproximadamente 10% nos níveis de colesterol em homens de 40 anos demonstrou reduzir em 50% a chance do desenvolvimento de doença do coração em um período de cinco anos, o que aponta para a necessidade do controle dos níveis de colesterol como forma eficaz de prevenir doenças cardíacas. Lipídeos e correlações clínicas10 rcinfor Realce Tratamentos associados às patologias lipídicas Os tratamentos associados às patologias lipídicas têm como objetivo retornar os níveis de lipídeos circulantes a valores considerados fora de risco cardiovascular. Os mecanismos possíveis para isto são evitar a absorção da gordura no trato gastrintestinal ou evitar que ocorra a síntese endógena de algum componente lipídico para forçar o uso dos lipídeos que já estão disponíveis a partir da dieta.A partir do uso das estatinas, é possível reduzir os níveis de LDL pela inibição da síntese endógena de colesterol. No início da rota de síntese do colesterol ocorre a formação do intermediário β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA (HMG-CoA), que é substrato da enzima HMG-CoA-redutase, a enzima que controla a via (Figura 3). Figura 3. Resumo da via de síntese do colesterol. A síntese do colesterol tem como precursor o acetil-CoA. O passo em que ocorre a conversão de β-hidroxi- β-metil-glutaril-CoA (HMG-CoA) em mevalonato é catalisado pela HMG-CoA-redutase e é controlado por vários sinais por ser o passo regulador da via. A via é inibida pelo seu produto. Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 870). 11Lipídeos e correlações clínicas rcinfor Realce rcinfor Realce Esta enzima, HMG-CoA-redutase, transforma o substrato em mevalonato, composto que, quando presente em altas quantidades, inibe a atividade en- zimática. Os medicamentos da classe das estatinas são análogos estruturais do HMG-CoA e promovem a inibição enzimática, regulando, assim, a via de síntese endógena de colesterol, o que contribui para maior utilização do colesterol circulante. Outras estratégias consistem no bloqueio da absorção intestinal do coles- terol. O medicamento ezetimiba bloqueia a captação de colesterol por inibir a atividade do seu transportador no intestino, a proteína semelhante à Niemann- -Pick C1, a qual faz o transporte de colesterol e sais biliares no íleo. Essa ação promove a eliminação do colesterol nas fezes e força o fígado e todas as outras células que necessitam de colesterol a usarem o colesterol circulante para suprir suas necessidades, o que contribui para a diminuição deste no plasma. Outros fármacos utilizados incluem os fibratos, como o clofibrato, a genfibrozila e o ácido nicotínico, que atuam principalmente na redução dos níveis plasmáticos de triacilgliceróis ao diminuir a secreção hepática de VLDL. O uso de resinas biliares é outra alternativa para impedir a reciclagem de grande parte dos sais biliares, forçando, novamente, o fígado a fazer uso do colesterol já existente na circulação para satisfazer suas necessidades. Desta maneira, conclui-se que o uso de fármacos para controle das patolo- gias lipídicas demonstra ser eficaz nos distúrbios metabólicos, especialmente se mais de uma classe é utilizada em paralelo às outras. Entretanto, é necessária uma mudança de atitude por parte do indivíduo, especialmente no controle da ingestão alimentar e na realização de exercícios físicos regularmente. Vários tipos celulares são capazes de regular a fluidez de sua membrana de acordo com as condições de crescimento. Por exemplo, as bacté rias sintetizam mais á cidos graxos insaturados e menos ácidos graxos saturados quando cultivadas em baixas temperaturas, em contraste às bactérias cultivadas em temperaturas mais altas. Desta maneira, independentemente da temperatura de cultivo, as membranas de bacté rias tê m aproximadamente o mesmo grau de fluidez. Lipídeos e correlações clínicas12 rcinfor Realce rcinfor Realce rcinfor Realce FALUDI, A. A. et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arquivos brasileiros de cardiologia, v. 109, n. 1, p. 1-76, 2017. Dispo- nível em: <http://www.scielo.br/pdf/abc/v109n2s1/0066-782X-abc-109-02-s1-0001. pdf>. Acesso em: 26 out. 2018. GARCÍA-GIUSTINIANI, D.; STEIN, R. Genética das Dislipidemias. Arquivos brasileiros de cardiologia, v.106, n. 5, maio 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2016000500434&lng=en&nrm=iso&tlng =pt>. Acesso em: 26 out. 2018. NELSON, D. L.; COX, M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Art- med, 2014. RODWELL, V. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: Penso, 2018. VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Raised cholesterol. 2016. Disponível em: <http:// www.who.int/gho/ncd/risk_factors/cholesterol_text/en/>. Acesso em: 26 out. 2018. 13Lipídeos e correlações clínicas Conteúdo: DICA DO PROFESSOR Hipercolesterolemia é uma doença muito comum atualmente e resulta, na maioria dos casos, do excesso de nutrientes na dieta (alimentação excessiva) associado à pouca atividade física (sedentarismo). Algumas estratégias farmacológicas estão disponíveis para auxiliar a redução do colesterol circulante, conforme você vai ver na Dica do Professor. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Fosfolipídeos são compostos abundantes nas membranas plasmáticas, devido à sua constituição química. Qual a sua característica que permite esse papel? A) Sua neutralidade. B) Sua apolaridade. C) Sua polaridade. D) Sua anfipaticidade. E) Sua rigidez. Lipídeos podem exercer papel sinalizatório intracelular e extracelularmente. Observe na figura a seguir o beta-caroteno e seus derivados, entre os quais está a vitamina A. 2) A respeito do papel sinalizatório exercido pela vitamina A, assinale a opção correta. A) Ela está envolvida no estímulo da digestão. B) Ela está envolvida no metabolismo do cálcio. C) Ela está envolvida com o mecanismo da visão. D) Ela modula o gasto energético. E) Ela tem ação anti-inflamatória. 3) As dislipidemias são condições danosas nas quais há aumento (hiperlipemias) ou redução (hipolipemias) de lipídeos circulantes. Qual evento a seguir está relacionado às dislipidemias primárias? A) Alterações genéticas. B) Envelhecimento. C) Uso de medicamentos. D) Doenças diversas. E) Nutrição excessiva. 4) As estatinas são medicamentos hipocolesterolemiantes amplamente utilizados. Qual é o mecanismo de ação das estatinas? A) Bloqueio da absorção intestinal. B) Inibição da HMG-CoA-redutase. C) Conjugação com gorduras da dieta. D) Conjugação à LDL circulante. E) Ativação da HMG-CoA-redutase. 5) Resinas biliares são medicamentos muitas vezes prescritos em terapia coadjuvante às estatinas. Qual seu mecanismo de ação? A) Resinas inibem a HMG-CoA-redutase. B) Resinas inibem a síntese de LDL. C) Resinas inibem a síntese de VLDL. D) Resinas sinalizam degradação do colesterol. E) Resinas impedem a absorção intestinal de sais biliares. NA PRÁTICA Erros inatos do metabolismo são geralmente causas de doenças graves e de difícil manejo. Frequentemente, essas doenças culminam em consequências graves, como retardo mental e morte prematura. Em relação aos lipídeos, podemos fazer correlações clínicas diretas com as enzimas de degradação dos esfingolipídeos. Veja, neste Na Prática, o que pode acontecer: SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Dislipidemia: terapia farmacológica Os hipolipemiantes são medicamentos empregados na redução dos lipídeos circulantes. Nesta explicação ilustrada, você vai aprender mais sobre aspectos clínicos da terapia hipolipemiante e vai entender melhor os mecanismos de ação de alguns dos principais medicamentos hipolipemiantes. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Associação entre dislipidemia, dados sociodemográficos, hábitos sedentários e alimentação inadequada em escolares do sul do Brasil A obesidade e o descontrole dos níveis de lipídeos circulantes atingem geralmente pessoas adultas. Entretanto, há um crescimento exponencial da população infantojuvenil obesa atualmente. Neste artigo, os pesquisadores buscaram compreender quais fatores estão contribuindo para o desenvolvimento das dislipidemias em crianças em uma cidade no sul do Brasil. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Atualização da Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias Acesse o link a seguir para verificar a última versão do documento norteador do diagnóstico e do tratamento de dislipidemias seguido no Brasil. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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