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Conceito Os pênfigos são doenças bolhosas autoimunes com tendência à progressão, de evolução crônica e ilimitada, com prognóstico reservado. As bolhas são intraepidérmicas e decorrem de processo acantolítico, induzido por autoimunidade. Os antígenos variam segundo o tipo de pênfigo, podendo ser as desmogleínas, desmocolinas e desmoplaquinas moléculas constituintes dos desmossomos, incluindo a placa desmossômica Epidemiologia Ocorre com maior frequência na idade adulta (depois dos 40 anos); ocasionalmente pode ocorrer na criança. Na idade adulta, ambos os sexos são atingidos igualmente, o que não ocorre antes dos 20 anos, quando a incidência é maior no sexo feminino (5,5:1). Incide predominantemente na raça branca, porém é uma doença universal. O PF brasileiro (PFB) ou PF endêmico é uma doença de elevada frequência na zona rural de alguns estados brasileiros (região Centro-Oeste, Triângulo Mineiro, Oeste Paulista etc.), atingindo todos os grupos etários (cerca de 33% abaixo dos 20 anos de idade). Além disso, tem, provavelmente, conotação genética, considerando-se sua elevada frequência familial. Acredita-se que o mosquito Simulium nigrimanum (borrachudo) possa ser o vetor ou mesmo desencadear autoimunidade e, portanto, a doença. Etiopatogenia São doenças autoimunes cuja sede primária seria os desmossomos. Os pênfigos foram definidos como doenças autoimunes antidesmogleína que tem como antígenos a desmoplaquina e o antígeno do penfigoide bolhoso 1, além das desmogleínas. As desmogleínas são glicoproteínas transmembrana dos desmossomos; pertencem à superfamília das moléculas de adesão célula-célula que são cálcio-dependentes e denominadas caderinas. O principal antígeno desmossômico envolvido é a desmogleína 1 (Dsg1) de 160 kDa. No PF, os pacientes apresentam anticorpos apenas anti-Dsg1, e, por isso mesmo, não apresentam lesões mucosas. A imunofluorescência direta revela resultados 100% positivos e pode permanecer positiva na pele de indivíduo em cura clínica por vários anos e, mesmo, sem medicação de manutenção. O anticorpo é do tipo IgG, mas podem estar associadas também IgA (25%) e IgM (40%) e C3 em 100% dos casos. A imunofluorescência indireta (IFI) revela IgG1 e IgG4 antidesmogleína em títulos elevados, conhecidos como anticorpos tipo pênfigo. Atualmente, o método ELISA é empregado no monitoramento da atividade dos PF e PV, por intermédio da titulação dos anticorpos anti- Dsg1 e 3, com sensibilidade e especificidade superiores às dos demais métodos sorológicos. Convém salientar que existem casos de pênfigo sem anticorpos séricos específicos, sobretudo em doença localizada ou em fase inicial. As desmogleínas, moléculas transmembrana, dispõem de um domínio intracelular, uma porção transmembrânica, um domínio de ancoragem extracelular seguido de quatro domínios extracelulares (EC1-4), que são intercalados por moléculas de cálcio. Com a doença em atividade, os anticorpos reagem contra os domínios distais que são EC1 e EC2. Os anticorpos de classe IgG4 têm maior significado patogênico, ou seja, são os maiores responsáveis pela doença, enquanto os IgG1 estão presentes nos indivíduos sãos – em uma fase pré-clínica –, nos doentes em remissão e em níveis bem mais baixos do que os IgG4 na doença ativa. Antes da instalação da doença, os anticorpos tanto IgG1 quanto IgG4 encontrados são apenas contra o domínio de ancoragem extracelular; nas áreas endêmicas, por estimulação continuada da saliva dos insetos, ou seja, um estímulo antigênico mantido, ocorre, então, o desencadeamento da doença na população geneticamente predisposta, o que se daria pelo fenômeno conhecido como “disseminação de epítopos”. Clínica A forma clássica (doença de Cazenave), assim como a endêmica (fogo selvagem), inicia-se de modo geral, por lesões localizadas na face, no couro cabeludo e em região esternal e/ou interescapular (áreas ditas seborreicas). São lesões vesicocrostosas. As bolhas costumam ser pouco evidentes e tão efêmeras que podem passar despercebidas. O achado de crostas e/ou erosões, a localização e a idade do paciente tornam possível pressupor a natureza bolhosa do processo, permitindo, assim, esse diagnóstico. O aspecto foliáceo decorre do fato de que essas bolhas, por aparecerem em surtos subentrantes, deixam intensa descamação, recobertas em parte por crostas que podem destacar-se. As lesões podem permanecer localizadas por tempo variável e, até mesmo, regredir espontaneamente, por período variável (fase pré-invasiva). Na maioria dos casos, entretanto, o que ocorre é a tendência à generalização (período invasivo) chegando à universalização, isto é, toda a pele apresenta-se acometida, evoluindo, portanto, para eritrodermia esfoliativa (período de estado). Tardiamente, podem surgir lesões papilomatosas, verrucosas (acantomata, lesões verrucosas e persistentes), hiperpigmentação, aspecto de pele de leopardo e em “salpico de lama” (lesões amarronzadas, crostosas e focais como que jogadas no dorso), onicorrexe e onicólise com descoloração, alopecia difusa do couro cabeludo, das sobrancelhas, das axilas e do púbis, e ceratodermia palmoplantar. O acometimento de mucosas não é esperado. Febrícula irregular pode ocorrer. No pênfigo foliáceo endêmico (fogo selvagem) a sensação de queimadura ou ardor das lesões justifica a denominação “fogo selvagem”. Histopatologia A histopatologia dos pênfigos caracteriza-se por bolhas intraepidérmicas e fendas decorrentes de acantólise (lise dos acantos, denominação antiga dos desmossomos das células malpighianas); no interior das bolhas, identificam-se células acantolíticas. No PF, a localização da clivagem acantolítica é na granulosa. Por vezes, em uma fase inicial, antes que ocorra a acantólise, há invasão de eosinófilos na epiderme, conhecida como espongiose eosinofílica. Diagnóstico Deve ser feito por histopatologia (bolha acantolítica), acompanhada preferencialmente pela IFD e IFI e citologia do líquido das bolhas (células acantolíticas), associadas à clínica. Em algumas situações particulares, pode-se solicitar sorologia para detecção de Dsg1 ou 3, com títulos que podem estar relacionados com a atividade da doença no PV e no PF. Diagnóstico diferencial Lesões mucosas: aftas, herpes, eritema multiforme, líquen plano, doença de Behçet, penfigoide bolhoso e penfigoide cicatricial; lesões cutâneas: farmacodermia, Stevens-Johnson, eritrodermias de outra natureza (apenas para o PF), dermatite seborreica, lúpus eritematoso e outras doenças vesicobolhosas. Tratamento Nas fases graves da doença, o tratamento deve ser feito com elevadas doses de prednisona (1 a 2 mg/kg de peso, sobretudo para o PV), por um período nunca inferior a 6 semanas. A dose deve ser automaticamente aumentada (mais 40 a 60 mg) se não houver resposta clínica após 4 a 6 semanas de tratamento. Depois de 6 semanas, as doses devem baixar gradualmente (7 a 21 dias) até uma dose de manutenção. Visando “poupar corticosteroide”, faz-se cada vez mais a associação a imunossupressores. Os mais utilizados são: metotrexato (20 mg, 1 vez/semana), ciclofosfamida (100 mg/dia) ou azatioprina (150 mg/dia). A administração de prednisona, em dias alternados, após o controle da doença, também pode ser feita. Nas formas irresponsivas, pode-se fazer pulso com corticosteroide (p. ex., metilprednisolona, 500 mg a 1 g/dia durante 5 dias consecutivos) e/ou imunossupressor, em especial a ciclofosfamida. Nessas situações, uma dose menor de ciclofosfamida ou corticosteroide oral é administrada entre os ciclos. Outra opção de eficácia ainda maior é a utilização de pulso de imunoglobulina intravenosa na dose de 400 mg/kg/dia em infusão lenta (4 a 4,5 h) ou 2 g/kg/ciclo divididos em 3 dias a cada mês até a remissão e, a partir daí,aumenta- se o intervalo em 2 semanas para cada novo ciclo. Esta eficácia é alcançada com cerca de 18 ciclos, e o tempo médio sem doença foi de 20,4 semanas. Dentre os efeitos colaterais desse tratamento estão: cefaleia, urticária, febre, artralgias, mal-estar e, bem raramente, insuficiência renal, meningite asséptica, acidente vascular cerebral e infarto do miocárdio. Os antimaláricos podem ser usados como coadjuvantes nas formas localizadas de PF. A betametasona e a triancinolona tópicas têm sido usadas com sucesso no PFB. Em certas formas localizadas, as injeções intralesionais têm sua indicação. Rituximabe é um anticorpo quimérico monoclonal anti- CD20 do linfócito B que tem sido utilizado com grande sucesso em casos refratários tanto de PV quanto de PF. Recomenda-se uso semanal, por 4 semanas IV, na dose de 375 mg/m 2 de superfície corpórea, acompanhado da corticoterapia sistêmica. Todos os pacientes entraram em remissão. A tendência atual é associar medicamentos que mitiguem a osteoporose causada pelos corticosteroides, sobretudo em mulheres na menopausa. Recomenda-se expressamente evitar exposição solar e, dependendo do grau de fotossensibilidade, utilizar fotoprotetor. Em caso de lesões refratárias aos tratamentos propostos, recomenda-se a pesquisa de eventual infecção viral concomitante, e, se confirmada, tratá-la conforme a etiologia.
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