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1 Flávia Demartine Endócrino Hipotireoidismo INTRODUÇÃO Síndrome clínica resultante da deficiência na produção ou ação dos hormônios tireoidianos, com consequente alentecimento generalizado dos processos metabólicos. CLASSIFICAÇÃO Primário: prejuízo no funcionamento da tireoide. Central: Secundário: causa hipofisária, por deficiência de tireotrofina (TSH). Terceário: causa hipotalâmica, por deficiência do hormônio liberador de tireotrofina (TRH). EPIDEMIOLOGIA Hipotireodismo primário: Responde por mais de 95% dos casos de hipotireoidismo. Prevalência: Hipotireoidismo primário: 9,4% em mulheres de 34-44 anos; 19,1% em mulheres > 75 anos. Hipotireoidismo central: doença rara; prevalência de 0,005% na população em geral. 6-7x mais comum em mulheres do que em homens. ETIOLOGIA As principais causas do hipotireoidismo variam de acordo com características alimentares, geográficas e genéticas da população, bem como idade de início da doença. Regiões com deficiência de iodo na dieta: bócio endêmico. Brasil (Iodação do sal). Principal causa de hipotireoidismo é a Tireoidite de Hashimoto. Hipotireoidismo congênito: • Transferência de anticorpos bloqueadores do receptor de TSH para o feto (mães portadoras de Doença de Graves). • Administração de iodetos, drogas antitireoidianas e amiodarona para gestantes. • Ectopia, hipoplasia e agenesia da tireoide do feto. • Defeitos na biossíntese dos hormônios tireoidianos. Crianças e adultos: Hipotireoidismo primário: • Tireoidite de Hashimoto: principal causa de hipotireoidismo em crianças e adultos. • Tratamento de hipertireoidismo/ câncer de tireoide (RAI e/ou tireoidectomia): 2° causa em adultos. Menos comum em crianças. Hipotireoidismo central: • Lesões tumorais da região hipotalâmica-hipofisária e seus tratamentos (cx, RT) são a causa mais comum de hipotireoidismo central. • Deficiência de TSH está associada a outras deficiências hormonais, na maioria dos casos. • Hipotireoidismo central = RNM hipófise/crânio e avaliação dos demais eixos hormonais. TIREOIDIDE DE HASHIMOTO • Também conhecida como tireoidite linfocítica crônica, é a causa mais comum de hipotireoidismo no mundo. • Prevalência mundial de 0,3 a 1,5 por 1.000 indivíduos. • Predomina no sexo feminino (5 a 20 vezes mais frequente). 2 Flávia Demartine Endócrino • Ocorre em qualquer idade, mas tem pico de incidência entre 40 e 60 anos. Patogênese: Estima--se que fatores genéticos contribuam com cerca de 70 a 80%, e fatores ambientais, com aproximadamente 20 a 30% para a patogênese da doença autoimune tireoidiana. Fatores genéticos: gene CTLA-4 e o gene da proteína tirosina fosfatase -22 (PTPN22) – genes imunomoduladores. Fatores ambientais: Idade, sexo feminino, uso de medicamentos contendo iodo, radiação, infecções bacterianas e virais. Deficiência de selênio e vitamina D (estudos controversos, suplementação não mostram melhora da autoimunidade). Patogênese: Células Th2: estimulação e produção de células B e plasmócitos que produzem anticorpos contra antígenos tireoidianos. Células Th1: ativam linfócitos e macrófagos citotóxicos, os quais infiltram e destroem diretamente as células foliculares do tecido tireoidiano. Inflamação, destruição do parênquima tireoiano e graus variáveis de fibrose. Comprometimento da produção de hormônios. Quadro clínico: Assintomáticos com função tireoidiana normal, hipotireoidismo subclínico ou hipotireoidismo franco. Hipertireoidismo (achado raro; transitório). A taxa de progressão de hipotireoidismo sbclínico para hipotireoidismo clínico é de 3 a 5% ao ano, sendo mais prevalente em mulheres com mais de 60 anos. Bócio difuso (maioria dos casos) ou bócio uni ou multinodular. Em geral, o bócio é indolor, de consistência firme, superfície irregular ou lobulado e de tamanho variável. Bócios grandes podem causar sintomas compressivos (disfagia, dispneia e rouquidão). Tireoidite atrófica: ocorre nas fases mais tardias (evolução natural da doença). Exames complementares: Anticorpos anti TPO: positivo em 80 a 99% dos casos. Anticorpos anti TG: positivo em 60% dos casos. TSH e T4 livre variáveis. USG tireoide: glângula aumentada, heterogênea e hipervascular, com áreas hipoecoicas mal delimitadas, septações ecogênicas. Na fase final da tireoidite crônica, a glândula se apresenta de tamanho reduzido com contornos irregulares e mal definidos e com textura heterogênea em razão da intensa fibrose. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A síndrome compromete o organismo de maneira global, o que justifica a riqueza de sintomas nessa patologia. Manifestações mais marcantes: astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, queda de cabelo, obstipação, voz arrastada, hiporreflexia profunda, edema facial, anemia e bradicardia. Apesar da riqueza de sintomas, muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos, sobretudo aqueles com doença menos intensa ou de duração não prolongada. Ganho ponderal modesto pode ocorrer e é consequência sobretudo da retenção hídrica. No entanto, ao contrário do que se acredita, obesidade não faz parte do quadro do hipotireoidismo. Alterações metabólicas: • Dislipidemia: Elevação de LDL-c, isolada ou associada a hipertrigliceridemia modesta. HDL-c inalterado ou levemente reduzido. • Doença hepática gordurosa não alcoólica. • Elevação de transaminases e creatinoquinase (CPK). • Elevação de proteína C reativa ultrassensível, homocisteína e lipoproteína(a). Alterações hormonais: • Hiperprolactinemia (por aumento da secreção de TRH e diminuição do tônus dopaminérgico). • Redução nos níveis de IGF1 (por redução da secreção de GH). Pele e fâneros: • Pele seca, descamativa e áspera. • Cabelos secos e quebradiços, queda de cabelos. • Fragilidade ungueal. • Rarefação do terço distal das sobrancelhas (madarose) e edema facial. • Edema de MMII. Alterações neurológicas e psiquiátricas: • Mais comuns: cefaleia, tonturas, zumbido no ouvido, astenia, adinamia, fala lenta ou arrastada, hiporreflexia profunda, déficits cognitivos, distúrbios visuais, deficiência auditiva, parestesias. • Coma mixedematoso: casos graves de hipotireoidismo não tratado. • Depressão, demência, psicose (raro)... Manifestações cardiovasculares: 3 Flávia Demartine Endócrino • Ocorrem no hipotireoidismo de longa data, não tratado e revertem com tratamento. • Bradicardia, redução do débito cardíaco, hipofonese das bulhas cardíacas, baixa voltagem do QRS e alterações inespecíficas do ST--T. • Cardiomegalia, por insuficiência cardíaca congestiva ou, sobretudo, por derrame pericárdico, pode também estar presente. • Aumento da resistência vascular periférica, associada a redução do volume sanguíneo (por extravasamento para interstício) - PA convergente/ hipertensão diastólica. Sistema hematopoético: • Anemia normocítica (anemia de doença crônica) ou macrocítica (por absorção deficiente de vitamina B12, se gastrite atrófica autoimune associada). Sistema digestivo: • Hiporexia e constipação intestinal (comuns) -> retardo do esvaziamento gástrico e do trânsito intestinal. • Íleo paralítico e megacólon (raro; ocorre em casos de hipotireoidismo grave). • Macroglossia (manifestação tardia do hipotireoidismo não tratado). • Ascite mixedematosa (rara). Sistema musculoesquelético: • Fadiga muscular generalizada, mialgias e cãibras. • Artralgias, derrames articulares, síndrome do túnel do carpo. Sistema reprodutivo: • Mulheres: iIrregularidades menstruais, anovulação e infertilidade. • Homens: redução da libido, disfunção erétil e oligospermia. • Esses sintomas são decorrentes do hipotireoidismo em si e do hipogonadismo induzido pela hiperprolactinemia (presente em até 40% dos casos).Hipotireoidismo subclínico (HSC): Manifestações clínicas clássicas: • Associação do HSC com as manifestações clínicas clássicas do hipotireoidismo, alterações da função cognitiva e piora da qualidade de vida são controversas. • Ademais, não há evidência conclusivas de potenciais benefícios do tratamento para essas manifestações. Dislipidemia: • Há evidências sugerindo efeitos desfavoráveis do HSC no perfil lipídico, particularmente no LDL-c, em paciente com TSH ≥ 10 mU/ℓ. • Potenciais benefícios do tratamento permanecem controversos, sugerindo que dislipidemia não deveria ser um critério isolado para determinar o tratamento do HSC. Hipotireoidismo subclínico (HSC): Aumento de risco de DAC e mortalidade cardiovascular: • Existem fortes evidências de aumento do risco cardiovascular em paciente < 65 anos, com HSC, particularmente quando os níveis de TSH estão entre 7 e 10 mU/ℓ. • Nos idosos, o aumento do TSH sérico até 10 mU/ℓ parece ser um fator protetor do ponto de vista cardiovascular, sendo um provável mecanismo adaptativo de proteção ao envelhecimento. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Hipotireoidismo primário manifesto: • TSH: elevado. No geral, > 10 mU/ℓ. • T4 livre: baixo. • T3: sua queda sucede a redução do T4, por isso não é necessário sua dosagem. Hipotireoidismo primário subclínico: • TSH entre 4,5 mU/ℓ e < 10 mU/ℓ. • T4 livre normal. Hipotireoidismo central: • T4 livre: baixo. • TSH: normal (mais comum), baixo ou levemente elevado (em geral, < 10 mUI/ℓ). • * TSH com bioatividade reduzida. TRATAMENTO Indicações: • Hipotireoidismo clínico ou manifesto: todos os casos. • Hipotireoidismo central: todos os casos. • Hipotireoidismo subclínico: avaliar idade, contexto clínico, sintomas e risco de progressão para hipotireoidismo manifesto. Reposição de L- tiroxina (levotiroxina). 4 Flávia Demartine Endócrino • Meia vida de 7 dias, portanto deve ser administrada em dose única diária. • 30 a 60 minutos antes do desjejum. • Não deve ser tomados com outros medicamentos que interfiram na sua absorção. Dose inicial: • Adultos Jovens (16 a 65 anos): 1,6 a 1,8 μg/kg/dia. • Idosos > 65 anos: 1 μg/kg/dia. • Idosos, cardiopatas, coronariopatas ou pacientes com hipotireoidismo grave de longa duração: - Iniciar a reposição de LT4 com 12,5 a 25 μg/dia. - Reajustar dose em 12,5 a 25 μg/dia, em intervalos de 15 a 30 dias, até dose habitual recomendada. • Crianças e adolescentes: necessidades diárias maiores do que para adultos. • Hipotiroidismo subclínico: dose mais baixa (1,0-1,2 mcg/kg) tem sido sugerida. Hipotireoidismo central: • Descartar insuficiência adrenal antes de iniciar levotiroxina. • Se confirmado insuficiência adrenal, iniciar reposição do glicocorticoide concomitantemente à reposição de levotiroxina. Caso contrário, existe o risco do surgimento de uma crise adrenal. Monitoramento/ seguimento hipotireoidismo primário: • Reavaliar TSH e T4L após 6 semanas* de início do tratamento ou após ajuste de dose. *Tempo mínimo para se observar resposta plena do TSH. • TSH acima da meta para idade: ajustar dose em12,5 a 25 μg/dia até que se consiga a normalização do TSH. • TSH suprimido: indica dose excessiva de tiroxina e consequente necessidade de redução da dose. • Após normalização do TSH, realizar seguimento a cada 6 a 12 meses. Monitorização: Metas de TSH no tratamento do hipotireoidismo primário: • Pacientes mais jovens (< 60 anos): 1-2,5 mU/L; • Pacientes entre 60-70 anos: 3-4 mU/L; >70 anos: 4-6 mU/L. Hipotireoidismo central: • Tratamento não deve ser ajustado com base no TSH. • Ajustar dose para obter T4 livre na metade superior do valor de referência.
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