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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Faculdade de Medicina Curso de Psicologia Estudo de Caso Clínico em Psicofarmacologia: Farmacodinâmica Arthur Steibel Wolff Dener Araújo Lucas Dravanz Vilella Gabriel Timm de Oliveira Henrique Streck Macagnan Valter Machado Prof. Dr. Adriana Lourenço da Silva Pelotas, 2018 CASO CLÍNICO DE FARMACODINÂMICA Descrição do caso 1) Paciente D, sexo masculino, 19 anos, estudante universitário, chega ao hospital de emergência de sua cidade desacordado, após tentativa de suicídio com 30 comprimidos de Diazepam. O médico responsável pelo plantão naquele momento decide administrar Flumazenil (antagonista gabaérgico) para reverter a ação do Diazepam. a) Conceitue os termos de agonismo e antagonismo: b)Explique qual a eficácia do Flumazenil com relação ao quadro de tentativa de suicídio: c) Explique os conceitos de eficácia, afinidade e atividade intrínseca dos fármacos descritos acima. d) Conceitue tolerância, taquifilaxia e dependência. e) Dê uma sugestão de tratamento farmacológico de longo prazo que possa ser ministrado por um médico psiquiatra e também, um tratamento terapêutico. Abordagem Paciente chega desacordado após ingestão de 30 cp de Diazepam. Dosagem desconhecida. Peso corporal desconhecido. Toxicidade não é prioridade, pois há poucas evidências de complicações severas em intoxicação aguda exclusiva de Benzodiazepínicos (BDZ). (CORDIOLI, 2015). Sabe-se, inicialmente, que o Diazepam é um benzodiazepínico, classe de medicamentos cuja intoxicação aguda provoca, entre outros sintomas, sonolência. Confirma-se, com isso, suspeita de tentativa de suicídio por intoxicação exógena, provocada por superdosagem de Diazepam. Conduta inicial (manejo da intoxicação aguda), segundo (MARTINS et al, 2015): ● Sala Vermelha ● Monitoramento de eletrocardiograma (FC) ● Monitorar SAT O2, FR, PA ● Suporte geral (hidratação parental e permeabilidade de VA) ● Em ingestão recente, realizar esvaziamento gástrico (SNG) ● Droga de escolha: Flumazenil 0,3mg IV (15s), com doses subsequentes de 0,3mg a cada 60s até 2mg. ● Diagnóstico diferencial: sem melhora significativa do estado de consciência e da função respiratória, cogita-se etiologia não-benzodiazepina. Conduta: screening de urina para verificar outras substâncias. (Psicofármacos consulta rápida) ● Aplica-se a escala de coma de Glasgow para avaliar a gravidade (< 8 intuba). Em síntese, os graus de gravidade são (BRUNTON, 2012): ○ 0 Adormecido, mas pode ser acordado e responde às perguntas. ○ I Semicomatoso, afasta-se de estímulos dolorosos, reflexos preservados. ○ II Comatoso, não se afasta dos estímulos dolorosos; não há depressão respiratória ou circulatória, a maioria dos reflexos está preservada. ○ III Comatoso, a maioria ou todos os reflexos estão suprimidos, mas não há depressão respiratória ou circulatória. ○ IV Comatoso, reflexos suprimidos, depressão respiratória com cianose ou falência circulatória ou choque ou ambos. 1 Conceituação dos termos antagonismo e agonismo O termo "agonista” se refere a uma molécula de ocorrência natural ou a um fármaco que se fixa a um local em uma proteína receptora, ativando-a. (WHALEN, 2016) Antagonistas ligam-se ao receptor com alta afinidade, mas têm atividade intrínseca nula. Um antagonista não tem efeito na ausência de agonistas, mas pode diminuir o efeito do agonista quando estiver presente. Pode ocorrer antagonismo pelo bloqueio da ligação do fármaco ao receptor ou da capacidade de ativar o receptor. (WHALEN, 2016). 2 Explique qual a eficácia do Flumazenil com relação ao quadro de tentativa de suicídio. Em síntese, o Flumazenil é eficiente para a redução dos sintomas da intoxicação aguda por BZD, pois atua como antagonista benzodiazepínico por inibição competitiva de seus receptores. (CORDIOLI, 2015) O flumazenil deriva da imidazo-benzodiazepina. Trata-se de antagonista benzodiazepínico que bloqueia por inibição competitiva, os efeitos centrais das substâncias que agem via receptores benzodiazepínicos. Os efeitos hipnótico, sedativo e de inibição psicomotora dos benzodiazepínicos são rapidamente neutralizados após administração endovenosa (1-2 minutos) de flumazenil. Esses efeitos podem retornar em poucas horas, dependendo da meia-vida das substâncias benzodiazepínicas utilizadas e da relação existente entre as doses administradas de agonista e antagonista. (CORDIOLI, 2015) O flumazenil é bem tolerado mesmo em doses elevadas. A farmacocinética de flumazenil é dose dependente até 100 mg. Trata-se de base fraca lipofílica que apresenta taxa de ligação às proteínas plasmáticas, da ordem de 50%. Cerca de dois terços ligam-se à albumina. Distribuição: Extensivamente, distribuído no espaço extravascular. A concentração plasmática de flumazenil, durante a fase de distribuição, decresce com a meia-vida de 4 a 11 minutos. Metabolismo: O flumazenil é extensivamente metabolizado no fígado. O ácido carboxílico é seu principal metabólito no plasma (forma livre) e na urina (forma livre e seu glucuronato). Esse metabólito não apresenta atividade agonista nem antagonista de benzodiazepínicos nos testes farmacológicos. Eliminação: O flumazenil é eliminado quase que completamente (99%) por via extrarrenal. Praticamente, não ocorre excreção de flumazenil inalterado na urina, sugerindo degradação completa do fármaco. (CORDIOLI, 2015; WHALEN, 2016; GOODMAN E GILMAN) O flumazenil bloqueia os efeitos centrais dos benzodiazepínicos por interação competitiva no receptor. A farmacocinética dos agonistas benzodiazepínicos permanece inalterada em presença de flumazenil e vice-versa. Não há interação farmacocinética entre flumazenil e etanol, midazolam ou diazepam. (CORDIOLI, 2015) 3 Explique os conceitos de eficácia, afinidade e atividade intrínseca dos fármacos descritos acima. Eficácia é o tamanho da resposta que o fármaco causa quando interage com um receptor. Depende do número de complexos farmacorreceptores formados e da atividade intrínseca do fármaco. A eficácia clínica depende da concentração sérica máxima e do tempo necessário, após a administração, para alcançar o pico de concentração. Atividade intrínseca é a capacidade do fármaco de ativar o receptor e causar resposta celular. Afinidade descreve a força de interação entre o ligante e seu receptor. Bioequivalência ocorre quando dois fármacos possuem biodisponibilidades comparáveis e tempos similares para atingir o pico de concentração plasmática. (WHALEN, 2016). 3.1 Diazepam (DZP) 3.1.1 Farmacocinética: Com apresentações em comprimidos de 5 mg e 10 mg e em ampolas de 5mg/mL e 10mg/mL. Comercializado a partir de 1963, é um benzodiazepínico de rápida e completa absorção no TGI. Altamente lipossolúvel, com metabólitos ligantes de proteínas plasmáticas. Curva de concentração plasmática é bifásica: fase de distribuição inicial intensa e rápida (meia-vida de 3 horas) e fase terminal prolongada (meia vida de 20 a 80 horas). Eliminação pela urina (7%) sob a forma livre ou predominantemente conjugada. Meia-vida de eliminação é de 20 a 90 horas. Eficácia comprovada: redução de ataques do TP (com efetividade semelhante à do alprazolam); no tratamento do TAG; entre outros. Perfil farmacocinético não está claro para via IM. Há indicações de evitação, pois a absorção pode ser errática. Região anatômica mais usada é o músculo deltoide (cobertura do ombro). (CORDIOLI, 2015) 3.1.2 Farmacodinâmica Liga-se a sítios específicos dos receptores GABA-a, alterando sua conformação. Tal alteração aumenta a afinidade do receptor com o neurotransmissor GABA, o que potencializa seu efeito inibitório. Esse efeito decorre da modulação dos canais de cloro (ligantes dependentes) provocada pelo GABA. Quanto maior afinidade ao GABA, maior o influxo de Cl-, o que provoca hiperpolarização neuronal. Portanto, o diazepam possui efeitos ansiolíticos, sedativos, relaxantes musculares e anticonvulsivantes. Produz dependência. Intoxicação aguda: óbitos geralmente relacionadosao uso de BZD em associação com álcool, antidiuréticos e barbitúricos. Sintomas: sonolência, relaxamento muscular, diminuição dos reflexos e confusão, com possível evolução para coma. (CORDIOLI, 2015; WHALEN, 2016). 3.2 Flumazenil Imidazo-benzodiazepina, com administração IV exclusiva, é antagonista específico dos receptores BZD. Dose-dependente até 100 mg. 50% de ligação a proteínas plasmáticas (2/3 à albumina). Metabolizado no fígado, tendo ác. carboxílicos como metabólitos. Eliminado por via extrarrenal (99%) - praticamente, não há eliminação de sua forma inalterada na urina. Meia-vida de 40 a 80 minutos (rápida eliminação). Administração de alimentos durante infusão IV pode aumentar 50 do clearance (maior irrigação hepática). Administração IV deve ser diluída em solução glicosídica a 5%. Antagonista benzodiazepínico por inibição competitiva específica. Bem tolerado mesmo em doses elevadas.(CORDIOLI, 2015) 4 Conceitue tolerância, taquifilaxia e dependência. 4.1 Taquifilaxia Sensibilização do receptor após exposição a administrações do agonista, o que resulta na diminuição de seu efeito. Esse fenômeno ocorre em decorrência da fosforilação, ou a um evento químico semelhantes, que torna o receptor não responsivo ao ligante. (WHALEN, 2016). 4.2 Tolerância A tolerância refere-se à diminuição do efeito de uma droga em decorrência de sua administração contínua. Desde a primeira administração, ocorre uma curva de dose-resposta característica. Após administração repetida da mesma droga, essa curva de dose resposta desvia-se para a direita, o que indica que serão necessárias doses maiores para obtenção da mesma resposta. (SWIFT & LEWIS, 2008). 4.3 Dependência A dependência de substâncias é definida como um padrão mal-adaptativo de uso de substâncias que prejudica o paciente, provocando sofrimento clínico significativo. A dependência evidencia-se pela presença de três (ou mais) características: tolerância, abstinência e abandono ou redução de importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas. Tais fenômenos devem ter associação com o uso da substância e devem ocorrer em um período de 12 meses. (SWIFT & LEWIS, 2008) 5 Dê uma sugestão de tratamento farmacológico de longo prazo que possa ser ministrado por um médico psiquiatra e também um tratamento terapêutico. 5.1 Avaliação da presença de depressão Inicialmente, é necessário avaliar a presença de quadro depressivo ao se considerar a alta prevalência desse transtorno na população brasileira e a presença de um de seus sintomas indicativo,o comportamento suicida (MINHO JUNIOR & MUNHOZ, 2017). Diante da tentativa de suicídio, pode-se verificar a presença de anedonia, de humor deprimido e de outros sintomas para seguir ou descartar o diagnóstico de Transtorno Depressivo. Pergunta-se: "Você perdeu o interesse ou obtém menos prazer em relação às coisas que costumava gostar?" (NUSSBAUM, 2015, p. 77). Mesmo em caso de resposta negativa, deve-se verificar o preenchimento do critério diagnóstico referente ao tempo de duração do sintoma, pelo menos em relação à tristeza já relatada (que denota humor deprimido). Então, deve-se perguntar: "Esses períodos já duraram pelo menos duas semanas e lhe causaram problemas significativos com amigos ou parentes, no trabalho ou em outro ambiente?" (p. 77). Se a resposta for sim, a hipótese diagnóstica pode ser Transtorno Depressivo Maior. A partir das respostas afirmativas para as perguntas citadas, deve-se verificar o preenchimento de outros critérios, na lista de sintomas possíveis para o quadro. Para verificar presença de perda ou ganho significativo de peso: "Durante esse período, você notou alguma mudança em seu apetite e em seu pedo?" (p. 77). Para verificar insônia ou hipersonia: "Durante esse período, o quanto e quão bem você dormiu?"(p. 77). Para verificar agitação ou retardo psicomotor: "Durante esse período, alguém lhe disse que você parecia estar se movimentando mais rápido ou mais devagar do que o habitual?"(p. 77). Para verificar fadiga ou perda de energia: "Durante esse período, como era o seu nível de energia? Alguém lhe disse que você parecia estar desgastado ou com menos energia do que o habitual?"(p. 77). Para verificar sentimentos de inutilidade ou de culpa excessiva: "Durante esse período, você sentiu um grande remorso ou culpa em relação a eventos ou relacionamentos atuais ou passados?"(p. 77). Para verificar concentração: "Durante esse período, você foi incapaz de tomar decisões ou de se concentrar como de costume?"(p. 77). Para verificar comportamento suicida: "Durante esse período, você pensou em morte mais do que de costume? Pensou em ferir a si mesmo ou em tirar a própria vida?" (NUSSBAUM, 2015, p. 78). Se as respostas demonstraram a presença de humor deprimido e mais quatro sintomas, a hipótese diagnóstica mais indicada é Transtorno Depressivo. Trata-se de hipótese, ainda, porque é preciso atentar para critérios de exclusão do diagnóstico, para seus modificadores e para seu grau de severidade. Uma pergunta para diagnóstico diferencial seria "Em algum momento, por pelo menos alguns dias, você esteve bastante alegre, diferente do que habitualmente sente?", cuja resposta pode apontar para episódio hipomaníaco ou episódio maníaco, característicos do Transtorno Bipolar. 5.2 Farmacoterapia para Transtorno Depressivo (se presente) Existem diversos tipos de antidepressivos. Dentre suas classes, destacam-se: os tricíclicos, que provocam aumento de monoaminas na fenda sináptica por impedirem a recaptação de noradrenalina e de serotonina; os Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina; os Inibidores Seletivos de Serotonina e Noradrenalina; e os Inibidores da enzima monoaminaoxidase (IMAO). (CASOS CLÍNICOS EM PSIQUIATRIA DA LANGE). É preciso atentar, antes de decidir o medicamento, para as fases do tratamento do episódio depressivo, como destaca Cordioli (2015): Figura 1 - Fases do tratamento de episódio depressivo Fonte - CORDIOLI, 2015 5.2.1 Tratamento farmacológico da fase aguda: antidepressivo de primeira escolha A indústria farmacêutica brasileira oferece inúmeras opções de antidepressivos. A maioria possui boa eficácia e não há consenso sobre superioridade de um fármaco em relação a outro. Indica-se o uso preliminar de mirtazapina, escitalopram, venlafaxina e sertralina. Como opções posteriores, usa-se duloxetina, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e reboxetina. O que torna um medicamento diferente do outro, afinal, são a farmacocinética, os mecanismos de ação e, sobretudo, o perfil de efeitos colaterais. Além disso, é preciso considerar o histórico de tratamentos farmacológicos e a fisiologia atual do paciente. Considera-se, primeiramente, mecanismo de ação do medicamento e, em consequência disso, sua classe. (CORDIOLI, 2015) 5.3 Tratamento terapêutico O tipo de tratamento a ser encaminhado é naturalmente o que se mostra mais efetivo, estatisticamente falando, em situações de possibilidade de quadro depressivo e outros transtornos associados, ou seja, as de orientação comportamental como a terapia comportamental ou analítico-comportamental; terapia da aceitação e compromisso; psicoterapia analítico funcional; ativação comportamental e a terapia cognitivo-comportamental, como nos diz Cardoso (2011). REFERÊNCIAS BRUNTON, Laurence L. (Org.). As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12 ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. 2079 p.; CARDOSO, L. R. (2011). Psicoterapias comportamentais no tratamento da depressão. Psicologia Argumento, 479-489; CAVALCANTE, S. N. (1997). Notas sobre o fenômeno depressão a partir de uma perspectiva analítico-comportamental. Psicologia ciência e profissão , 2-12; CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicofármacos consulta rápida. 5 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2015; MARTINS, Herlon Saraiva; et al. Emergências clínicas abordagem prática. 10 ed. São Paulo: Manole, 2015; MINHO JUNIOR, Valter Andre Machado; MUNHOZ, Tiago Neuenfeld. Pensamentos suicidas no Brasil:resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013). In: XXVI Congresso de Iniciação Científica - UFPel, 2017, Pelotas. Anais (online). Pelotas: UFPel, 2017. Disponível em: http://cti.ufpel.edu.br/siepe/arquivos/2017/CS_01625.pdf.Acesso em 11/09/2018; NUSSBAUM, Abraham M. Guia para o exame diagnóstico segundo o DSM-5. Porto Alegre: ArtMed, 2015; SWIFT, R.; LEWIS, D. Farmacologia da Dependência e Abuso de Drogas. In: GOLAN, D. E.; TASHJUAN-JR, A. H.; ARMSTRONG, E. J.; ARMSTRONG, A. W. Princípios de Farmacologia – A base fisiopatológica da terapêutica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008, p. 260-78; WHALEN, Karen. Farmacologia ilustrada. 6 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2016.
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