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Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo FARMACOLOGIA DAS MEDICAÇÕES ANESTÉSICAS LOCAIS Prof. Dr. Pedro Carvalho ANESTESIA LOCAL Interrupção controlada e reversível das sensações em uma área circunscrita ou ampla, pela depressão da excitação nervosa ou pela inibição da condução de estímulos pelas vias neuronais aferentes. SEM A PERDA DA CONSCIÊNCIA Muitos métodos são usados para induzir anestesia local, entre eles: Trauma mecânico (compressão dos tecidos); Baixa temperatura; Anóxia; Agentes neurolíticos, como álcool ou fenol; Agentes químicos, como anestésicos locais. No entanto, apenas os métodos ou substâncias que induzem um estado transitório e totalmente reversível de anestesia têm aplicação na prática clínica. ANESTÉSICO LOCAL: substância ou fármaco capaz de produzir um estado de bloqueio transitório e reversível da condução nervosa por ação direta ou indireta na fisiologia de des-repolarização celular. PROPRIEDADES IDEAIS DOS ANESTÉSICOS LOCAIS 1. Não deve ser irritante aos tecidos; 2. Não deve causar qualquer alteração permanente na estrutura dos nervos; 3. Sua toxicidade sistêmica deve ser baixa; 4. Deve ser eficaz, independentemente de ser infiltrado no tecido ou aplicado localmente nas membranas mucosas; 5. O tempo de início da anestesia deve ser o mais breve possível; 6. Deve durar tempo suficiente para a realização do procedimento; 7. Possuir potência suficiente em dose terapêutica; 8. Isento de potencial alergênico; FUNDAMENTOS DA GERAÇÃO E DA TRANSMISSÃO DE IMPULSOS Os anestésicos locais estabelecem um bloqueio da via química entre a origem do impulso (incisão do bisturi nos tecidos, por exemplo) e o cérebro. Dessa forma, o impulso impedido de chegar ao cérebro, não pode ser interpretado como dor pelo paciente. Sabemos que os neurônios são células excitáveis, mas que possuem um estado de repouso. Potencial de repouso: a quantidade de íons sódio (Na+) dentro e fora do neurônio faz com que as cargas elétricas no exterior sejam positivas, uma vez que o sódio está em maior concentração; e dentro da célula, temos cargas negativas. Despolarização: após um estímulo, essa célula se despolariza, pois o neurônio possui canais de sódio que se abrem nesse momento. Dessa forma, os íons Na+ entram na célula promovendo uma alteração de carga elétrica deixando o meio interno positivo e o meio externo negativo. Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo Repolarização: posteriormente os canais de Na+ se fecham, então os canais de K+ se abrem, ocasionando a saída de K+ levando à repolarização da membrana e ao retorno a seu potencial de repouso. Propagação de impulsos: O estímulo rompe o equilíbrio de repouso da membrana do nervo; o potencial transmembrana é invertido momentaneamente, mudando o interior da célula para positivo e o exterior para negativo. Esse novo equilíbrio elétrico nesse segmento de nervo produz correntes locais que começam a fluir entre o segmento despolarizado e a área em repouso adjacente. O impulso propagado trafega ao longo da membrana do nervo em direção ao SNC. A propagação desse impulso difere, dependendo se esse nervo é mielinizado ou não. Nervos não mielinizados – a propagação do impulso é caracterizada como um processo de arrastamento relativamente lento; Nervos mielinizados – a condução de impulsos ocorre por meio de saltos de corrente nodo a nodo, um processo denominado condução saltatória. Essa forma de condução de impulsos prova ser muito mais rápida e eficiente do que a empregada em nervos não mielinizados. MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Os anestésicos locais agem nos canais de sódio. Canais de Sódio abertos permitem a entrada de Na+, o que dá início a despolarização da membrana e a condução do impulso nervoso. O anestésico local bloqueia os canais de sódio, impedindo a entrada de Na+ e, consequentemente, a despolarização. Mecanismo Primário – consiste em diminuir a permeabilidade dos canais iônicos aos íons Sódio (Na+), o que reduz a taxa de elevação do potencial de ação; Mecanismo Secundário – antagonismo competitivo com o cálcio em algum local na membrana do nervo, impedindo a abertura dos canais de Na+ voltagem dependentes; Esse mecanismo vai ocorrer da seguinte forma: Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo Deslocamento de íons Ca++ do sítio receptor dos canais de sódio, o que permite a ligação da molécula de anestésico a esse sítio receptor, produzindo o bloqueio do canal de sódio e, consequentemente, a diminuição na condutância de sódio e a depressão da taxa de despolarização elétrica. O bloqueio do canal de sódio leva ainda à falha em obter o nível do potencial de limiar, juntamente à falta de desenvolvimento dos potenciais de ação propagados, o que chamamos de bloqueio de condução. SAIS ANESTÉSICOS Todos os anestésicos são originalmente uma base fraca com pKa em torno de 7,5 a 10 sem efeito farmacológico. Quando combinados a ácidos (geralmente HCl), reagem formando um sal estável, solúvel em água e com potencial anestésico. Moléculas anfipáticas – possuem tanto características lipofílicas quanto hidrofílicas, geralmente em extremidades opostas; Em sua maioria aminas terciárias; Podem ser aminoésteres ou aminoamidas; A estrutura típica dos anestésicos locais é mostrada na figura a seguir: Parte lipofílica – a maior porção da molécula. Parte hidrofílica – anestésicos locais sem parte hidrofílica não são adequados para injeção, mas são bons anestésicos tópicos (ex: benzocaína). Cadeia intermediária – de hidrocarboneto contendo uma ligação éster ou amida. ÉSTER: Facilmente hidrolisados; 90% da sua concentração metabolizada no plasma pelas pseudocolinesterases; Ácido Paraminobenzóico (PABA) como subproduto, com alto potencial alergênico; Ésteres do ácido benzóico: Cocaína | Benzocaína | Tetracaína | Hexilcaína | Piperocaína Ésteres do PABA: Procaína | Cloroprocaína | Propoxicaína AMIDA: Estáveis em solução; Metabolização hepática: - prilocaína (hepática e pulmonar); Maior parte é excretada na urina como composto inerte; Entre as amidas, temos: Lidocaína | Mepivacaína | Articaína | Prilocaína | Dibucaína | Etidocaína | Bupivacaína | Ropivacaína A Centbucridina é um fármaco AL não classificado como éster ou amida, sendo considerada uma quinolona. Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo FARMACOCINÉTICA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Administração e absorção Infiltração – a solução AL é aplicada nos tecidos, abaixo da barreira epitelial, e difunde-se no LEC (líquido extracelular), epineuro e perineuro; com concentração maior na porção mais externa do feixe e reduzindo conforme a profundidade. Tópica – a solução AL é aplicada nas mucosas e precisa vencer a barreira epitelial, naturalmente ácida (pH de 5,5); nestes casos, o pH não permite a dissociação adequada do anestésico e seu efeito é limitado. Altas concentrações ou AL não ionizados (como a benzocaína) sofrem menos o efeito tampão da mucosa e conseguem atingir as terminações nervosas periféricas. Fatores que afetam a absorção Vascularização do tecido; Ação vasodilatadora do sal anestésico; Distribuição Apesar do seu efeito ser desejado no local de aplicação, depois de absorvidos na corrente sanguínea os AL vão ser distribuídos para todos os tecidos do corpo. Os órgãos altamente perfundidos, como cérebro, fígado, pulmões e rins vão apresentar os níveis iniciais mais elevados de AL após a administração. Todos os AL atravessam asbarreiras hematoencefálica e placentária. A administração lenta do anestésico evita concentrações elevadas e repentinas em órgãos-alvo, reduzindo o risco de toxicidade. Administração intravascular pode causar toxicidade sistêmica e efeitos colaterais em SNC e SCV. Metabolismo Ésteres – hidrolisados no plasma pela enzima pseudocolinesterase. A hidrólise transforma a procaína em PABA, que é excretado em sua forma inalterada na urina. As reações alérgicas que ocorrem em resposta aos AL do tipo éster, geralmente não são associadas com a substância original (procaína), mas sim com o PABA. Além disso, a velocidade de hidrólise possui um impacto na toxicidade potencial de um anestésico local (mais lento – maior potencial tóxico). Amidas – fígado e/ou pulmões | sem metabólitos ativos e com baixa toxicidade. Praticamente todo o processo metabólico ocorre no fígado para a lidocaína, mepivacaína, etidocaína e bupivacaína. A prilocaína sofre o metabolismo primário no fígado, com algum metabolismo ocorrendo também nos pulmões. Já a articaína, que é uma molécula hibrida contendo componentes tanto éster quanto amida, é metabolizada tanto no sangue quanto no fígado. Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo Excreção Todos os anestésicos locais são excretados pelos rins, através da urina. Ésteres são excretados na maior parte como PABA, apenas uma pequena porcentagem é encontrada em sua forma inalterada na urina. Amidas podem aparecer com concentrações de até 3% não metabolizadas, principalmente em razão do seu processo de biotransformação mais complexo. CARACTERÍSTICAS DOS SAIS ANESTÉSICOS LOCAIS Entendendo o pKa dos anestésicos locais Todos os AL são bases fracas, assim eles podem se apresentar de duas formas: não ionizada (RN) ou ionizada (RN+). O pKa dos anestésicos locais determina a quantidade de droga existente na forma ionizada (RN+) em um determinado pH. No pH fisiológico (7,4), todos os anestésicos locais apresentam sua forma ionizada em maior proporção; visto que o pKa de todos os AL é maior que 7,4. Por exemplo, a lidocaína possui pKa de 7,9 por isso em pH fisiológico apenas 25% da droga apresenta-se na sua forma não ionizada. A bupivacaína que possui um pKa de 8,1 apresentará uma fração ainda menor da forma não ionizada, aproximadamente 15%. A droga deve atravessar a membrana lipídica da célula para atuar nos canais de sódio. A porção não ionizada atravessa a membrana com maior facilidade; assim, a droga com maior fração não ionizada em pH fisiológico alcança seu sítio efetor de forma mais rápida. Isso explica porque a lidocaína tem um início de ação mais rápido que a bupivacaína. FATORES QUE AFETAM A AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS pKa: pKa mais baixo = início de ação mais rápido (mais moléculas não ionizadas presentes); Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo Lipossolubilidade: maior lipossolubilidade = potência aumentada (drogas lipossolúveis penetram mais facilmente a membrana); Ligação proteica: aumento da ligação proteica = os cátions anestésicos (RN+) se fixam de maneira mais firma às proteínas situadas nos sítios receptores, assim a duração aumenta; Difusão: aumento da difusão = início de ação mais rápido; Vasodilatação: maior atividade vasodilatadora = potência e duração diminuem (aumento do fluxo sanguíneo na região causa a rápida remoção das moléculas de anestésico a partir do local de infiltração); Influência do pH na ação anestésica Sabe-se que o pH de uma solução de AL e o pH do tecido infiltrado influencia muito sua ação no bloqueio do nervo. Um processo inflamatório gera produtos ácidos e a acidificação do tecido diminui a eficácia do anestésico local porque neste caso teremos uma menor fração não ionizada. O pH do tecido normal é de 7,4; o pH de uma área inflamada ou infectada é de 5 a 6. pH normal – 7,4 1000 moléculas de um AL com pKa 7,9 são injetadas nos tecidos fora de um nervo; Em condições normais (pH 7,4), 75% das moléculas são RNH+ e 25% RN; Teoricamente, todas 250 moléculas se difundirão através da bainha do nervo para chegar ao interior do neurônio; Quando isso ocorre, o equilíbrio extracelular entre RNH+ e RN é alterado e as 750 moléculas remanescentes irão estabelecer um novo equilíbrio de acordo com o pH e o pKa da droga; Teoricamente isso continua até que todas as moléculas do AL tenham se difundido para o interior do neurônio. Tecido inflamado – pH 6 1000 moléculas de um AL com pKa 7,9 são injetadas nos tecidos fora de um nervo. O tecido está inflamado e infectado e tem pH = 6, nesse pH aproximadamente 99% das moléculas estão sob a forma RNH+ e 1% na forma livre RN; Aproximadamente 10 moléculas de RN se difundem através da bainha do nervo para chegar ao interior da célula (no tecido sadio tínhamos 250); READMINISTRAÇÃO DO ANESTÉSICO LOCAL Ocasionalmente um procedimento ultrapassa a duração do controle da dor clinicamente eficaz, sendo necessário repetir a infiltração do anestésico local. Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo No momento da reinfiltração, a concentração do anestésico nas fibras centrais é menor do que aquela nas fibras mais externas. A combinação de anestésico residual e do suprimento recém depositado resulta em um início rápido de anestesia profunda e com menor volume de anestésico local administrado. Em alguns casos, no entanto, pode haver uma dificuldade em se reobter anestesia profunda. Nesse caso, temos um processo conhecido como taquifilaxia. Taquifilaxia A taquifilaxia é definida como o aumento da tolerância a uma droga que é administrada repetidamente. É muito mais provável que se desenvolva se for permitido que a função do nervo retorne antes da reinfiltração (se o paciente se queixa de dor, por exemplo). Embora seja difícil explicar, a taquifilaxia provavelmente é ocasionada por algum ou todos os seguintes fatores: Edema, hemorragia localizada, formação de coágulo, transudação – esses fatores isolam o nervo do contato com a solução anestésica; Hipernatremia: concentração sérica de sódio > 145mEq/L – eleva o gradiente iônico de sódio, assim se contrapondo à diminuição da condução de íon sódio ocasionada pelo AL; Diminuição do pH dos tecidos – ocasionado pela primeira infiltração de anestésico local. O pH ambiente na área da infiltração pode ser um pouco mais baixo, de modo que menos moléculas do AL são transformadas em bases livres (RN) na reinfiltração; CONTRAINDICAÇÕES DO ANESTÉSICO LOCAL Farmacologia das Medicações Anestésicas Locais – UCBMF I Amanda Figueiredo DOSE MÁXIMA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS A unidade de cálculo é a concentração em mg/ml A concentração de 1% de um sal em solução equivale a 1g/100ml O peso do paciente será informação importante para o cálculo de mg/Kg de peso corpóreo: X = a * P Y = x / (C * 10 * 1,8 ml) X: é a dose máxima que um paciente pode receber em mg; Y: é a dose máxima que um paciente pode receber em tubetes; a: é a dose máxima recomendada na bula em mg/kg; C: é a concentração do sal; Exemplo: Considerando a dose máxima da lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 de 6,0 mg/kg, qual o máximo de tubetes de 1,8ml de lidocaína que pode ser administração em um paciente de 70 quilos sem comorbidades? X = 6,0 * 70 = 420 Y = 420 / (2 * 10 * 1,8) = 420 / 36 = 11,6 (11 tubetes de anestésico) Referências: Manual de Anestesia Local – Malamed, 2018.
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