Buscar

Endometriose: Definição, Epidemiologia e Fisiopatologia

Prévia do material em texto

1 ENDOMETRIOSE 
Gizelle Felinto 
INTRODUÇÃO 
 
➢ DEFINIÇÃO: 
• A endometriose é definida pela presença de tecido 
endometrial fora da cavidade uterina com a indução de 
resposta inflamatória crônica, relacionada principalmente 
ao período menstrual 
• O tecido endometriótico ectópico e o endométrio são 
responsivos à ação dos esteroides ovarianos, o que a 
caracteriza como uma doença benigna 
➢ Locais de acometimento na Pelve → por ordem de maior 
frequência 
1. Ovários → são os mais frequentemente acometidos 
2. Fundo de saco posterior 
3. Prega vesico-uterina 
4. Trompas 
➢ Podem ser encontrados tecidos endometrióticos à distância, 
como em: 
• Intestinos 
• Bexiga 
• Pulmões → existe um relato na literatura de um caso de 
uma mulher que durante o período menstrual apresentava 
hemoptise, sem nenhum outro sintoma. Dessa forma, 
suspeitou-se de algumas doenças pulmonares, como 
Tuberculose, e solicitou-se exames, que vieram todos 
normais. Diante disso, foram feitos exames de imagem e viu-
se um nódulo no pulmão, que foi biopsiado e tratava-se de 
um foco de endometriose 
➢ Março Amarelo → é o mês mundial da conscientização da 
Endometriose 
EPIDEMIOLOGIA 
➢ INCIDÊNCIA: 
• Como é uma doença estrogênio-dependente, ocorrendo em 
casos em que se tem uma maior exposição ao estrogênio, a 
incidência aumenta em mulheres com: 
▪ Ciclos menstruais curtos 
▪ Menarca precoce 
▪ Que tiveram o 1º filho mais tardiamente 
➢ PREVALÊNCIA: 
• Relacionada com mulheres na menacme, não havendo 
diferenciação social ou étnica 
• A verdadeira prevalência é incerta, devido ao fato de não 
haver marcador específico para a doença e de seu 
diagnóstico definitivo depender de procedimentos cirúrgicos 
que, muitas vezes, são inacessíveis às pacientes ou não são 
indicados em pacientes assintomáticas 
• 4% das pacientes submetidas a esterilização tubária 
apresentam endometriose assintomática 
• Estima-se que esteja presente em 5% a 20% das pacientes 
com dor pélvica crônica e em 20% a 40% das mulheres 
inférteis → é por isso que nos casos de infertilidade 
feminina deve-se investigar tanto a Doença Inflamatória 
Pélvica (DIP) quanto a Endometriose 
• Essa patologia acomete quase exclusivamente mulheres no 
período reprodutivo (menacme), com idade média de 20 a 
30 anos 
• Apesar de ser uma patologia hormônio-dependente, alguns 
casos de endometriose ativa foram descritos em mulheres 
na menopausa 
• Existe um componente hereditário, com maior prevalência 
em parentes de 1º grau (risco 6 a 7 vezes maior) 
FISIOPATOLOGIA 
 
➢ As lesões típicas de Endometriose foram inicialmente descritas 
no século XIX 
➢ Várias teorias têm sido propostas para explicar a fisiopatologia 
da Endometriose, porém nenhum mecanismo simples pode 
explicar todos os casos 
➢ Essas teorias podem ser agrupadas em duas correntes 
principais: 
1. Aquelas que defendem o transporte e a implantação de 
células endometriais 
2. As que defendem o desenvolvimento do tecido endometrial 
ectópico a partir de outro tecido por metaplasia → Ex: 
endometriose pulmonar 
➢ O desenvolvimento da biologia molecular e da genética demonstra 
que a Endometriose é uma patologia de herança familiar 
poligênica com fisiopatologia complexa em que as diferentes 
formas de apresentação, na realidade, seriam diferentes 
entidades fisiopatológicas diferentes. As entidades são: 
• Implantes Endometriais 
• Endometriomas 
• Endometriose Profunda Infiltrativa 
➢ TEORIA DA MENSTRUAÇÃO RETRÓGRADA: 
• Em 1927, Sampson sugeriu que os implantes pélvicos 
endometriais se desenvolveriam a partir de fragmentos de 
endométrio, que atingiam a cavidade pélvica em razão do 
sangramento menstrual retrógrado pelas trompas de 
Falópio → ou seja, a descamação do endométrio segue o 
 
2 ENDOMETRIOSE 
Gizelle Felinto 
caminho contrário, indo em direção as trompas e 
ascendendo ainda mais 
• As principais localizações dos implantes endometriais 
reforçam essa teoria. As localizações são: 
▪ Ovários 
▪ Fundo de saco anterior e posterior 
▪ Ligamentos Úterossacros 
▪ Porção posterior do útero e dos ligamentos largos 
• As pacientes com as seguintes alterações apresentam 
maior incidência da doença: 
▪ Anomalias obstrutivas no trato genital inferior 
▪ Menarca precoce 
▪ Ciclos menstruais curtos 
▪ Menorragia 
• Entretanto, o sangramento menstrual retrógrado ocorre em 
90% das mulheres, e nem todas desenvolvem endometriose, 
o que sugere a existência de fatores individuais que irão 
determinar quem desenvolverá a patologia 
• Com o auxílio da teoria da menstruação retrógrada, o 
desenvolvimento da Endometriose em sítios fora da cavidade 
pélvica pode ser explicado por um dos seguintes: 
▪ Disseminação linfática ou sanguínea de fragmentos 
endometriais 
▪ Transporte durante procedimentos cirúrgicos 
• Essa teoria não explica a implantação à distância 
➢ TEORIA DA METAPLASIA CELÔMICA: 
• A teoria da metaplasia celômica se baseia na hipótese da 
transformação metaplásica espontânea das células 
mesoteliais derivadas do epitélio celômico localizado no 
peritônio e na pleura 
▪ Nos pulmões e na pleura existe um tipo de célula 
semelhante às células endometriais. Assim, ocorre 
uma metaplasia dessas células que, ao se 
transformarem, dão origem a uma endometriose com 
implantação à distância no pulmão 
• Esse conceito é fundamentado na origem embriológica 
comum dos ductos mullerianos, epitélio superficial e 
peritônio pélvico da parede celômica 
• Essa teoria explica a implantação à distância 
➢ GENÉTICA E IMUNOLOGIA: 
• Acredita-se na existência de uma herança genética 
complexa, cujo fenótipo é fruto da interação entre as 
variantes alélicas dos genes de suscetibilidade e fatores 
ambientais 
• Algumas observações sugerem essa hipótese, como o fato 
de parentes de primeiro grau de mulheres com 
endometriose apresentarem prevalência 6 a 7 vezes maior 
do que a população geral 
• Gemelaridade: 
▪ Em pares de gêmeas monozigóticas, caso uma delas 
apresente a doença, a outra terá 30% de também 
apresentar a patologia 
▪ Em gêmeas dizigóticas, essa chance cai para 11% 
▪ A idade de aparecimento dos sintomas é semelhante 
entre irmãs não gêmeas 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 
➢ As manifestações clínicas da endometriose são variáveis e 
imprevisíveis 
➢ QUADROS ASSINTOMÁTICOS → um número significativo de 
pacientes é assintomático 
➢ QUADROS SINTOMÁTICOS: 
• Quadro clássico → Dor Pélvica + Dismenorreia 
• Dismenorreia: 
▪ É de caráter progressivo 
▪ Se inicia alguns anos após a menarca, ao contrário da 
dismenorreia primária, que geralmente já está 
presente nos primeiros ciclos ovulatórios logo após a 
menarca 
• Dor Pélvica Crônica: 
▪ Tem diversas apresentações, podendo ser/ter: 
✓ Unilateral ou bilateral 
✓ Localizada ou difusa 
✓ Caráter cíclico ou contínuo 
✓ Intensidade variável → nem sempre há relação 
direta entre a gravidade/grau da endometriose e 
a intensidade da dor 
▪ De acordo com a localização da infiltração peritoneal, 
a dor pode irradiar para: 
✓ Coxa → em decorrência de implante em ovários 
✓ Períneo → devido ao implante retal 
✓ Região lombar → devido ao implante em 
ligamento úterossacro 
▪ A dor associada à endometriose pode não estar 
relacionada com o estágio da doença, mas geralmente 
se associa mais a Endometriose Profunda Infiltrativa: 
✓ Sintomas mais comuns da Endometriose Profunda 
Infiltrativa: 
o Disquezia durante o período menstrual 
o Dispareunia profunda 
• Dispareunia Profunda 
• Infertilidade 
➢ ENVOLVIMENTO DE OUTROS ÓRGÃOS → a endometriose 
envolvendo alguns órgãos pode ocasionar sintomas com eles 
relacionados, como: 
• Acometimento Intestinal: 
▪ Tenesmo perimenstrual 
▪ Diarreia 
▪ Constipação intestinal 
▪ Disquezia → defecção dolorosa ou dificuldade em 
evacuar 
▪ Presença de sangue nas fazes 
• Acometimento da Bexiga: 
▪ Disúria 
▪Hematúria 
DIAGNÓSTICO 
➢ EXAME FÍSICO: 
• Tem sensibilidade, especificidade e valor preditivo reduzidos 
em comparação com o padrão-ouro do diagnóstico cirúrgico 
• A dor pode estar presente em várias outras patologias 
 
3 ENDOMETRIOSE 
Gizelle Felinto 
➢ EXAMES COMPLEMENTARES: 
• Ultrassonografia Endovaginal: 
▪ Tem seu papel no diagnóstico de: 
✓ Endometriomas (cisto ovariano preenchido por 
sangue e endométrio) 
✓ Nódulos endometrióticos de fundo de saco, reto e 
vesical 
▪ A visualização da endometriose profunda ao USG é 
altamente operador-dependente 
• Ressonância Magnética (RM): 
▪ Apresenta elevada acuraria no diagnóstico pré-
operatório da endometriose: 
✓ Nos ovários 
✓ Na região retocervical 
✓ No retossigmóide 
✓ Na bexiga 
✓ Nos ureteres 
✓ Na vagina 
• Dosagem de CA-125: 
▪ A dosagem de CA-125 foi utilizada por alguns autores 
como marcador sérico da presença de endometriose. 
Entretanto, esse marcador pode estar associado a 
várias condições fisiológicas ou patológicas, o que 
diminui a sua especificidade no diagnóstico da 
endometriose, como: 
✓ Na gravidez inicial 
✓ Durante a menstruação normal 
✓ Leiomiomas 
✓ Doença Inflamatória Pélvica (DIP) 
▪ Apesar de ter pouca utilidade diagnóstica, a dosagem 
de CA-125 parece ser útil nos seguintes: 
✓ Acompanhamento do tratamento → para 
investigar se está havendo diminuição da doença, 
que é refletida com a diminuição do CA-125 
✓ Suspeita de recorrência → ocorre aumento do 
CA-125 
• Videolaparoscopia (padrão-ouro): 
▪ O padrão-ouro no diagnóstico da endometriose é a 
inspeção visual da pelve feminina por 
videolaparoscopia 
▪ Na videolaparoscopia, no mesmo momento em que se 
confirma o diagnóstico já se faz o tratamento cirúrgico 
da doença 
▪ Na presença de lesões infiltrativas ou suspeita de 
endometriomas > 4cm → é imperiosa a realização de 
Estudo Anatomopatológico (Biópsia), não só para 
confirmar o diagnóstico, mas para afastar possível 
malignidade 
➢ ASPECTOS DAS LESÕES DA ENDOMETRIOSE: 
• A endometriose clássica aparece como lesões pigmentadas 
de azul, marrom ou preto, devido ao sangramento e ao 
depósito de hemossiderina → corresponde à forma mais 
antiga e inativa da doença 
• Lesões Vermelhas → são consideradas a forma inicial e 
provavelmente a mais ativa da doença 
• Lesões brancas, opacas ou em “chama de vela” → são de 
difícil reconhecimento 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
➢ O diagnóstico diferencial deve ser sempre excluído com: 
• Corpo Lúteo 
• Cisto Hemorrágico 
• Tumores de Ovários (que não são um endometrioma) 
➢ A realização do USG na 1ª fase do ciclo menstrual auxilia no 
diagnóstico diferencial de cistos hemorrágico e de corpo lúteo 
ABORDAGEM DA ENDOMETRIOSE 
➢ CARACTERÍSTICAS: 
• A abordagem terapêutica da paciente com Endometriose 
deve levar em consideração os principais objetivos no 
momento, que são: 
▪ Controle da dor 
▪ Tratamento da infertilidade 
• A conduta a ser adotada varia de acordo com o objetivo a 
ser alcançado 
➢ ABORDAGEM DA DOR NA ENDOMETRIOSE: 
• A terapêutica medicamentosa tem seu papel definido em 
algumas situações, como: 
▪ Alívio da dor associada a endometriose 
▪ Supressão da doença ativa sintomática 
▪ Terapêutica pré-operatória em endometriose grave 
▪ Terapêutica pós-operatória quando houver exérese 
incompleta ou doença recorrente 
▪ Prevenção de recorrência 
• Terapêutica Medicamentosa → apresenta as seguintes 
opções de tratamento: 
▪ Anticoncepcional Oral (ACO) 
▪ Progestogênios 
▪ Gestrinona 
▪ Danazol 
▪ Análogos do GnRH 
▪ Anti-Inflamatórios Não-Esteroidais (AINEs) 
• Novas Perspectivas (que estão em estudo): 
▪ Imunomoduladores: 
 PENTOXIFILINA 
 INFLIXIMABE 
▪ Inibidores de Aromatase 
▪ Moduladores Seletivos de Receptores de Estrogênios 
(SERM) 
• Tratamento Cirúrgico: 
▪ Laparotomia 
▪ Laparoscopia 
▪ Ablação dos Focos de Endometriose 
➢ ENDOMETRIOMA (Tumor): 
• Tratamento Medicamentoso → esse tratamento dos 
endometriomas ovarianos pode promover redução 
temporária dos cistos, mas não sua completa resolução 
• Tratamento Cirúrgico → é a 1ª escolha para endometriomas 
grandes ou sintomáticos 
 
4 ENDOMETRIOSE 
Gizelle Felinto 
▪ Excisão Completa do Endometrioma → reduz a taxa de 
dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica 
▪ Entretanto, com a excisão completa, existe o risco de 
danos ao ovário e reserva ovariana 
✓ Nesse caso, deve-se sempre levar em 
consideração o fato de a paciente já ter filhos ou 
não e se há desejo de engravidar 
✓ Quando se retira completamente o endometrioma, 
pode ocorrer de o ovário também necessitar ser 
retirado e o ovário que “sobrar” ficará com a 
reserva ovariana muito baixa 
✓ Também existe a chance de a paciente, depois de 
tratada, desenvolver a doença no outro ovário 
➢ ENDOMETRIOSE PROFUNDA INFILTRATIVA: 
• Lesões profundas são aquelas que infiltram mais de 5mm do 
peritônio 
• Os sítios acometidos são: 
▪ Região retrocervical (ligamentos úterossacros) 
▪ Vagina 
▪ Intestinos (reto, cólon sigmoide, íleo e apêndice) 
▪ Bexiga 
▪ Ureteres 
▪ Septo retovaginal 
• Manifestações clínicas: 
▪ Dor pélvica → é o principal sintoma associado 
▪ Disquezia durante o período menstrual 
▪ Dispareunia profunda 
• Tratamento de Escolha → Exérese Cirúrgica 
▪ Caso não se consiga retirar todos os focos, pode-se 
associar o Tratamento Medicamentoso 
➢ ENDOMETRIOSE E INFERTILIDADE: 
• Epidemiologia: 
▪ Cerca de 20 a 40% das mulheres inférteis têm 
endometriose 
▪ A probabilidade de conseguir um nascido vivo após um 
ciclo, definida como fecundabilidade, está em torno de 
15 a 20%. Nas mulheres com endometriose não tratada, 
a fecundabilidade cai para 2 a 10% 
• Mecanismos → os possíveis mecanismos envolvidos na 
infertilidade em pacientes com endometriose, de acordo 
com a área de disfunção, são os seguintes: 
▪ Função tubária → o espermatozoide não conseguirá 
migrar para realizar a fecundação do ovário na região 
das trompas 
▪ Função ovariana → há dificuldade de ovulação 
▪ Função espermática → o espermatozoide não 
consegue chegar ao local para realizar a fecundação 
▪ Defeitos no embrião/fertilização 
▪ Função endometrial → dificulta o processo de nidação 
(implantação do óvulo fecundado no endométrio), 
causando um abordo incipiente (no início da gestação) 
▪ Falhas precoces na gravidez 
• Tratamento: 
▪ Tratamento Clínico: 
✓ Seja qual for, não apresenta melhora na 
fertilidade, além de adiar uma possível gravidez, 
visto que a maioria desses tratamentos resulta 
em estado de hipogonadismo temporário 
▪ Tratamento Cirúrgico: 
✓ Deve ser o mais conservador possível, 
principalmente em pacientes que não têm prole 
definida (não tem filhos), evitando-se ao máximo a 
formação de aderências ou múltiplas 
intervenções nos ovários que possam resultar na 
diminuição da reserva ovariana 
▪ Técnicas de Reprodução Assistida (TRA): 
✓ A indicação deve considerar, entre outros fatores: 
o Grau de endometriose 
o Idade da paciente 
o Tempo de infertilidade 
o Associação de outros fatores de infertilidade 
(Ex: problemas com a fertilidade do 
parceiro)

Continue navegando