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Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� Etiopatogenia das Doenças Periodontais Tratado de Periodontia Clínica. LINDHE, LANG, CARRING. 6ª edição, 2018. Ed. Guanabara-Koogan. Gengivite induzida pelo biofilme dental É uma condição inflamatória restrita aos tecidos moles que circundam os dentes que se desenvolvem em resposta ao acúmulo de biofilme na superfície dentária. No entanto, muitos outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento dessa patologia. Periodontite É uma doença desencadeada por um biofilme dental disbiótico que resulta em inflamação e destruição das estruturas de suporte do dente, levando a sua perda de inserção progressiva. Atualmente, a gengivite é considerada uma doença reversível enquanto a periodontite não. Apesar de atualmente, haver como sanar a inflamação, as sequelas são irreversíveis. Ainda é válido destacar as relações gengivite-periodontite: ● Toda periodontite é precedida por uma gengivite; ● Mas nem toda gengivite progride para uma periodontite. Quanto a etiopatogenia, ela se inicia com o acúmulo de biofilme na superfície dentária, cujo as bactérias presentes nele secretam substâncias solúveis que penetram nos tecidos gengivais e provocam uma resposta imune, que clinicamente se manifesta como gengivite e posterior periodontite. Todo esse processo pode ser influenciado pelos fatores etiológicos secundários, os quais podem ser locais e gerais, devido ao fato da inflamação provocar alterações ambientais locais na região do sulco gengival, como o surgimento de edemas na gengiva, que fazem com que o biofilme passe a ocupar um espaço abaixo da mesma, favorecendo o surgimento de bactérias de desenvolvimento anaeróbio, por exemplo. Essas alterações ambientais provocam uma disbiose do biofilme, que por sua vez, desencadeia uma inflamação excessiva e descontrolada dos tecidos gengivais, os quais passam a ser destruídos. Disbiose Uma disbiose pode ser definida como um rompimento da homeostase microbiológica do biofilme em que atividades funcionais ou metabólicas passam a sofrer maior influência de certos grupos bacterianos patogênicos. Em certos estágios de saúde como a gengivite, pode-se observar um certo equilíbrio entre as comunidades bacterianas, que mantêm esse biofilme com um potencial patogênico baixo. Já em casos de disbiose, como dito anteriormente, acontece um rompimento desse equilíbrio, em que certas bactérias parecem obter um maior controle sobre as atividades metabólicas. Normalmente, essas bactérias têm um aumento numérico e passam a provocar certas ações no biofilme, as quais do ponto de vista da periodontia, são patogênicas. Embora esse conceito de disbiose seja relativamente recente, e ainda haja muitas pesquisas acerca de tal temática, tem-se proposto que a principal bactéria relacionada com a patogênese causada pela disbiose sejam as P. gingivalis, T. denticula. Ou seja, elas são consideradas espécies chaves, mesmo elas não sendo diretamente responsáveis pelo dano tecidual, elas são responsáveis por “mobilizar” o restante da comunidade bacteriana a causar a destruição dos tecidos periodontais. Além disso, a disbiose não é restrita às doenças periodontais, sendo também um fenômeno importante associado a outras doenças como diarreias, psoríase, vaginose e etc. No caso da periodontite, a disbiose induz uma resposta imune não eficaz, descontrolada e destrutiva. Fator iniciador imprescindível Tanto a gengivite, quanto a periodontite não ocorrem sem a presença do biofilme. Todavia, hoje em dia, o biofilme pode ser considerado a causa da gengivite, entretanto, ele não pode ser considerado a causa da periodontite, visto que, ele por si só, não é suficiente para causar tal condição. Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� Assim, estudos longitudinais sugerem que a gengivite pode ser induzida suspendendo as medidas de higiene oral, assim como o controle da placa bacteriana previne gengivite ou restabelece a saúde periodontal. Mas o que torna o biofilme tão patogênico? Primeiramente, a sua natureza física. Sabe-se que estruturalmente falando, o biofilme é um conglomerado de células envoltos por uma matriz polimérica, a qual protege essas bactérias, tanto dos mecanismos de defesas naturais do nosso organismo, quanto da ação de antibióticos. Outra razão da patogenicidade do biofilme é relativa a sua localização. O biofilme se acumula sobre uma superfície dura, que são os dentes e que estão localizados em uma cavidade relativamente protegida dos mecanismos internos de controle de infecção. Em relação a quantidade, ela é tanta que se torna impossível eliminar todo o biofilme presente na cavidade bucal. Além disso, alguns microrganismos presentes no biofilme possuem a capacidade de invasão tecidual, que quando ocorre, provoca uma rápida destruição do tecido periodontal. No entanto, essa ação não é duradoura, visto que, a partir do momento que ocorre a invasão tecidual, esses microrganismos ficam sujeitos à ação dos mecanismos de defesa. Por último, é válido lembrar dos fatores de virulência dos microrganismos presentes no biofilme. Mas o que são esses fatores? Quaisquer estruturas ou características que tornam os microrganismos capazes de produzir uma doença. Essas características podem ser de ordem direta, como a produção de enzimas e ácidos que digerem o tecido/colágeno e podem ser de ordem indireta, quando relativos a interferência na resposta imune. Formação do biofilme dental As quatro fases de formação do biofilme são: ● Deposição da película adquirida; ● Colonização bacteriana inicial; ● Etapa de acumulação e coagregação; ● Dispersão. Deposição de película adquirida A película adquirida é formada por um conjunto de glicoproteínas que se adere à superfície dentária poucos minutos após a higiene oral. Essa superfície adquirida possui a função de proteger a superfície dentária contra a ação de ácidos. Colonização bacteriana inicial Por meio de suas adesinas, as bactérias vão se ligar a receptores da película adquirida poucas horas depois da escovação. Essa colonização se dá através dos colonizadores iniciais, como coccos e bastonetes facultativos. Acumulação e coagregação Ocorre então a proliferação dos colonizadores iniciais e começa a haver a produção de matriz extracelular com a agregação de outras bactérias chamadas de colonizadores intermediários e tardios. Com essa conformação o ambiente se torna cada vez mais anaeróbio, o qual passa a favorecer a periodontia. É importante saber que é no início dessa fase de agregação — que se inicia em torno de 24 a 48 h — que o biofilme começa a provocar alterações teciduais compatíveis com gengivite. Dispersão O processo de formação do biofilme é um processo dinâmico, no qual há liberação de bactérias e de agregados celulares do biofilme. Ele é entendido como um processo de controle mecânico, nutricional e genético, sendo uma estratégia de sobrevivência e disseminação das comunidades bacterianas. Biofilme associado a gengivite Ele se localiza junto à margem gengival (coronalmente) e apresenta proporções iguais entre bactérias GRAM� e GRAM�. Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� Biofilme associado à periodontite Se localiza subgengivalmente, nos limites radiculares e apresenta um aumento significativo dos microrganismos anaeróbios. Mecanismos de defesa do periodonto A destruição periodontal observada na periodontite, ocorre não por causas diretas relacionadas a substâncias secretadas pelas bactérias, mas sim por conta de uma resposta imunologicamente mediada e descontrolada. Então, é essa resposta imune desregulada e excessiva que é considerada a causa principal da destruição tecidual observada na periodontite. O principal agente responsável pela defesa do periodonto é a resposta imune inespecífica. Ela é uma rápida primeira linha de defesa que ocorre independente da natureza do agente agressor. Os principais agentes efetores da resposta imune são célulascomo os neutrófilos, macrófagos, células do sistema complemento. A resposta inespecífica tem por função diluir, isolar e se possível eliminar os agentes agressores. No caso de doença periodontal, essa resposta imune inespecífica pode ser observada no ambiente do sulco, no epitélio juncional e nas suas adjacências. Contudo, ela apresenta uma eficácia limitada, já que em grande parte dos casos ela apenas evita a progressão de uma gengivite para periodontite, mas em casos de não remoção mecânica dos agentes agressores, a resposta imune não consegue reverter a gengivite. A resposta imune adquirida específica, a segunda linha de defesa, é específica para os patógenos presentes e pode ser classificada em celular ou humoral, sendo as duas atuantes no processo de doença periodontal. Ela é estimulada com a penetração de agentes patogênicos no tecido conjuntivo. Os principais atores desse tipo de resposta são os linfócitos T, linfócitos B/Plasmócitos, anticorpos, células apresentadoras de antígenos �APCs), citocinas, mecanismos da resposta inespecífica. O grau de proteção em relação às doenças periodontais não é muito claro, no entanto, é possível notar que essa resposta imune está mais presente na fase de destruição do período de sustentação. Resposta imune e destruição periodontal Como dito anteriormente, o dano periodontal é proveniente de uma resposta imune desregulada, sendo mais intenso quando associado ao sistema imune específico. Isso ocorre por meio de mediadores produzidos em excesso, os quais podemos citar as citocinas �IL�1, IL�6, IL�7, TNF-alfa, IFN-gamma e RANKL�, as enzimas proteolíticas (metaloproteínas) e as prostaglandinas. Assim, entende-se que a resolução do processo inflamatório é um processo ativo mediado por substâncias como resolvinas, lipoxinas, protectinas, maresinas), as quais mediam a interrupção da inflamação por meio da: - Interrupção do recrutamento neutrofílico; - Estímulo à retirada de tecido necrótico; - Ações antibacterianas; - Promoção de reparo. Portanto, tem-se implicações terapêuticas importantes, visto que há a possibilidade de se produzir esses agentes em laboratório e utilizá-los terapêticamente como uma forma de controlar a inflamação — a principal responsável pela destruição tecidual. Progressão da doença periodontal Lesão inicial (semana 1� Tudo começa com o acúmulo inicial do biofilme, do qual as suas bactérias liberam substâncias solúveis que penetram o tecido gengival, fazendo com que haja um aumento da permeabilidade vascular provocada por uma liberação dos mediadores inflamatórios. Por consequência, pode-se observar um aumento do fluido gengival, Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� aumento de neutrófilos e poucos macrófagos. Ainda não é possível observar os sinais clínicos da inflamação. Lesão precoce (semana 2� No início da segunda semana do acúmulo de placa, o infiltrado inflamatório ocupa uma área maior e há um aumento no número de macrófagos e predominância de linfócitos T (população predominante na segunda semana), embora os eventos de inflamação aguda continuem acontecendo. Durante essa fase é possível observar lesão do colágeno e proliferação das cristas epiteliais. Os primeiros sinais clínicos de inflamação surgem (sangramento à sondagem, seguido de vermelhidão e edema). Gengivite estabelecida (semana 3� No início da semana três há um aumento do infiltrado inflamatório, todavia, ao contrário da semana anterior, a maior parte das células da resposta imune são os linfócitos B e os plasmócitos, havendo localmente, uma ampla produção de anticorpos. Durante essa semana, há um aumento da profundidade do sulco, com uma extensão subgengival do biofilme, contudo, ainda não se trata de uma bolsa periodontal. Esse aumento de profundidade do sulco e localização do biofilme cada vez mais subgengival ocorre devido ao edema presente na gengiva. Nesse momento, é possível notar um aumento na destruição de colágeno, mas sem perda de inserção ou migração apical do epitélio juncional. Os sinais clínicos da inflamação são mais exacerbados. Periodontite �6 meses �?�� Há um infiltrado inflamatório mais extenso, mas com uma composição similar a gengivite estabelecida. Além disso, há uma produção mais extensa de anticorpos e mediadores inflamatórios. Há também: - perda de inserção óssea; - migração apical do epitélio juncional; - destruição do ligamento periodontal e osso. Tem-se também uma maior entrada de produtos bacterianos com a presença de uma bolsa periodontal clínica e uma perda óssea visível radiograficamente. Padrão de progressão da periodontite Antigamente, se achava que uma vez instalada a periodontite não devidamente controlada, haveria uma perda progressiva, contínua e lenta de cerca de 1 mm de perda de inserção por ano. Hoje já se sabe que a progressão da doença não é assim. Na verdade, após a aquisição da doença, há longos períodos sem destruição tecidual seguidos de breves episódios de destruição intensa. Um ciclo que se repete ao longo do tempo. Por que certos indivíduos ou sítios da boca são mais susceptíveis à presença ou maior severidade da gengivite ou periodontite? Não é em todos os casos que a gengivite progride para uma periodontite e mesmo aqueles pacientes acometidos pela periodontite, a velocidade de destruição tecidual varia de acordo com o local da boca que está ocorrendo a periodontite. Isso ocorre devido aos fatores contribuintes. Fatores contribuintes Chamados também de fatores etiológicos secundários e podem ser fatores de ordem local ou de ordem geral. Fatores locais Favorecem o acúmulo de biofilme por dificultarem a higienização Desse fatores, o mais frequente e mais importante é o cálculo dental. Ele é a mineralização do biofilme, no entanto, ele não provoca diretamente a inflamação gengival, atuando apenas como fator retentor de biofilme, possibilitando a presença de biofilme não mineralizado na sua superfície. Fatores anatômicos ● Apinhamentos dentários; ● Concavidades radiculares; ● Inserção alta do freio labial; ● Sulcos palatinos de desenvolvimento Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� Fatores iatrogênicos ● Restauração com excesso de margem; ● Aparelhos ortodônticos; ● Violações do espaço biológico ● Diminuição de fluxo salivar; ● Lesões cariosas. ● Forças oclusais inadequadas. Diminuição do fluxo salivar A saliva participa do sistema de defesa local, tanto pelas suas ações físicas quanto antibacterianas. Então quando há uma hipofunção salivar, há uma tendência de maior acúmulo de biofilme e consequentemente inflamação gengival. Forças oclusais excessivas Força oclusal excessiva não é uma causa de periodontite, no entanto, caso o paciente já esteja sendo acometido pela doença, ela acelera o processo de destruição tecidual. Clinicamente falando, é possível detectar uma uma força oclusal excessiva pela mobilidade dentária que o dente apresenta. Radiograficamente falando, há um espessamento da lâmina dura e alargamento do espaço periodontal. Fatores gerais Alterações hormonais ● Puberdade; ● Gravidez; ● Menopausa Essas alterações hormonais provocadas por hormônios como estrogênio, testosterona e progesterona, aumentam a sensibilidade dos tecidos gengivais a irritantes locais (biofilme), além de alterar o perfil microbiológico, o que intensifica a resposta imune. Possíveis manifestações ● Granuloma piogênico gravídico; ● Gengivite severa Medicamentos ● Provocam crescimentos gengivais: fenitoína, nifedipina, ciclosporina. ● Provocam aumento da severidade da gengivite: contraceptivos orais, ansiolíticos, antidepressivos e anti hipertensivos. Tabagismo Pessoas que fumam têm um risco aumentado para periodontite e destruição mais severa, tendo uma resposta menos favorável ao tratamento. Por isso, o cigarro é o fator contribuinte geral mais importante para a periodontite. Ele atua provocando uma diminuição na resposta do hospedeiro, altera o perfil da microbiota oral, favorecendo o surgimento de bactériasanaeróbias e provoca uma alteração do metabolismo ósseo e do colágeno. Diabetes Provoca uma inflamação mais intensa, uma maior prevalência e severidade da gengivite e periodontite. As manifestações clínicas dependem do nível de controle da diabetes. Isso ocorre devido ao aumento da secreção de citocinas pró-inflamatórias; alterações no metabolismo do colágeno e dos tecidos mineralizados, além da produção de PMNs e anticorpos defeituosos. Leucemias Pacientes com leucemias podem apresentar gengivite associada à leucemia ou crescimento gengival. Essas manifestações podem ocorrer na ausência de biofilme, mas elas são exacerbadas quando já existe uma inflamação gengival. HIV/AIDS Ocorre devido à imunidade celular reduzida e se apresenta clinicamente em 3 principais formas: - Eritema gengival linear; - Periodontite necrosante; - Periodontite severa As manifestações são associadas ao grau de imunosupressão. Odontologia UFPE Periodontia | Etiopatogenia das doenças periodontais �2021.1� Síndrome de Down Os pacientes portadores da síndrome de down apresentam uma função neutrofílica anormal. Clinicamente é possível observar: - Xerostomia; - IP elevado; - Inflamação severa; - Bolsas profundas Outros ● Estresse crônico; ● Trombocitopenia, agranlocitose, netropenia ● Osteopenia/Osteoporose; ● Obesidade/Síndrome metabólica ● Hipertensão; ● Doenças, defeitos e polimorfismo genético; ● Condição sócio-econômica; ● Determinantes não modificáveis As doenças periodontais são desenvolvidas por meio de um processo complexo, no qual vários agentes se integram para no final haver a produção da patologia.
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