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Autora: Profa. Débora Pedrolo Parisi Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Profa. Marília T. Coutinho C. Patrão Fisioterapia Pediátrica Professora conteudista: Débora Pedrolo Parisi Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid-1998), residência clínica pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD-1999), mestrado em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo (2007) e doutorado em Patologia Experimental pela Universidade Paulista (UNIP-2017). Docente na UNIP desde 2001 – professora adjunta – das disciplinas Controle Motor e Neurociências, Fisioterapia Pediátrica e Fisioterapia Neurofuncional. Coordenadora do curso de pós-graduação em Fisioterapia Neurofuncional do Instituto Imparare desde 2016. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P232f Parisi, Débora Pedrolo. Fisioterapia Pediátrica / Débora Pedrolo Parisi. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 200 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Diagnóstico. 2. Quadro clínico. 3. Tratamento. I. Título. CDU 615.8-053.2 U510.57 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruna Baldez Jaci Albuquerque de Paula Sumário Fisioterapia Pediátrica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR ............................................................................................ 11 1.1 Considerações gerais ........................................................................................................................... 11 1.1.1 Embriogênese ............................................................................................................................................11 1.2 Desenvolvimento neuropsicomotor normal ............................................................................. 16 1.2.1 Considerações gerais ............................................................................................................................. 16 2 REFLEXOS PRIMITIVOS .................................................................................................................................. 19 2.1 Principais aquisições motoras ......................................................................................................... 29 2.2 Desenvolvimento de habilidades motoras finas e cognitivas ............................................ 40 2.3 Prematuridade ....................................................................................................................................... 41 2.4 Escalas padronizadas de avaliação ................................................................................................ 44 3 PARALISIA CEREBRAL .................................................................................................................................... 46 3.1 Introdução ............................................................................................................................................... 46 3.2 Considerações gerais ........................................................................................................................... 46 3.3 Diagnóstico e classificação ............................................................................................................... 53 3.4 Distúrbios associados à PC ............................................................................................................... 62 4 ABORDAGENS ASSOCIADAS À PC ............................................................................................................ 69 4.1 Avalição física e funcional da PC ................................................................................................... 69 4.2 Tratamento clínico e de reabilitação ............................................................................................ 71 4.3 Correções cirúrgicas na PC ............................................................................................................... 79 Unidade II 5 DEFEITOS DO FECHAMENTO DO TUBO NEURAL .................................................................................. 86 5.1 Mielomeningocele (MMC) ................................................................................................................ 89 5.2 Diagnóstico pré-natal ........................................................................................................................ 93 5.3 Características clínicas da MMC..................................................................................................... 94 5.4 Classificação da MMC segundo os níveis preservados da medula espinhal ................ 95 5.5 Complicações decorrentes da MMC ............................................................................................. 95 5.5.1 Deformidades da coluna vertebral .................................................................................................. 95 5.5.2 Deformidades nos membros inferiores .......................................................................................... 97 5.5.3 Hidrocefalia .............................................................................................................................................100 5.5.4 Síndrome da medula presa ou ancorada ....................................................................................104 5.5.5 Risco de fraturas e feridas.................................................................................................................105 5.5.6 Alergia ao látex ......................................................................................................................................106 5.6 Prognóstico de deambulação na MMC .....................................................................................106 5.7 Objetivos de tratamento..................................................................................................................111 6 SÍNDROME DE DOWN OU TRISSOMIA DO CROMOSSOMO 21 ...................................................116 6.1 Formas de anormalidades cromossômicas ..............................................................................117 6.2 Complicações associadas à SD ......................................................................................................122 6.2.1 Instabilidade atlantoaxial ................................................................................................................. 122 6.2.2 Cardiopatias congênitas....................................................................................................................123 6.2.3 Hipotonia muscular ............................................................................................................................ 123 6.2.4 Frouxidão ligamentar ......................................................................................................................... 124 6.2.5 Demências............................................................................................................................................... 124 6.2.6 Obesidade ................................................................................................................................................ 125 6.2.7 Alterações otorrinolaringológicas ................................................................................................. 125 6.3 Diagnóstico clínico ............................................................................................................................126 6.4 Objetivos do tratamento da fisioterapia ...................................................................................128 Unidade III 7 DOENÇAS NEUROMUSCULARES E AMIOTROFIA ESPINHAL PROGRESSIVA (AMEP) DA INFÂNCIA .......................................................................................................................................................134 7.1 Distrofias musculares progressivas .............................................................................................134 7.2 Distrofia muscular de Duchenne (DMD) ...................................................................................134 7.2.1 Herança genética ................................................................................................................................. 137 7.2.2 Quadro clínico ....................................................................................................................................... 137 7.2.3 Progressão da DMD ............................................................................................................................. 139 7.2.4 Alterações posturais decorrentes da evolução da DMD e alterações cardiorrespiratórias .................................................................................................................. 140 7.3 Distrofia muscular de Becker (DMB) ..........................................................................................141 7.4 Distrofia muscular tipo cinturas (DMC) ....................................................................................142 7.5 Diagnóstico médico ...........................................................................................................................143 7.6 Tratamento fisioterapêutico ..........................................................................................................143 7.7 Amiotrofia espinhal progressiva (AMEP) da infância ..........................................................144 7.8 AMEP tipo I ou Werdnig-Hoffmann ...........................................................................................146 7.9 AMEP tipo II ou forma intermediária ou doença de Dubowitz .......................................149 7.10 AMEP tipo III ou doença de Kugelberg-Welander ou forma branda ..........................150 7.11 Critérios para o diagnóstico .........................................................................................................151 7.12 Tratamento clínico e de reabilitação .......................................................................................151 8 ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA (AMC) E OSTEOGÊNESE IMPERFEITA (OI) ............152 8.1 Classificação da AMC ........................................................................................................................153 8.2 Quadro clínico da AMC ....................................................................................................................155 8.3 Diagnóstico da AMC..........................................................................................................................156 8.4 Fisioterapia na AMC ..........................................................................................................................156 8.5 Introdução à osteogênese imperfeita (OI) ...............................................................................157 8.6 Classificação da OI .............................................................................................................................158 8.6.1 Classificação proposta por Sillence (1979) ................................................................................ 158 8.7 Diagnóstico ...........................................................................................................................................160 8.8 Quadro clínico ......................................................................................................................................161 8.9 Tratamento da OI ................................................................................................................................162 8.9.1 Tratamento clínico ............................................................................................................................... 162 8.9.2 Tratamento da fisioterapia na OI ................................................................................................... 163 8.10 Introdução à displasia congênita de quadril (DCQ) ...........................................................164 8.11 Tratamento da DCQ .........................................................................................................................166 8.12 Doença de Legg-Calvé-Perthes ..................................................................................................168 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo geral capacitar o aluno a realizar a avaliação e o tratamento fisioterapêutico em crianças com disfunções decorrentes principalmente de lesões dos sistemas nervoso (central e periférico) e musculoesquelético. Nos conteúdos e exercícios que se encontram distribuídos nesta disciplina, são analisadas as diferentes estratégias de tratamento atuais e desenvolvidas a habilidade de avaliação das disfunções decorrentes de comprometimento neurológico e musculoesquelético, mediante a elucidação e prática dos procedimentos adequados; a capacidade de identificação, a partir dos procedimentos de avaliação, dos objetivos terapêuticos de curto, médio e longo prazo; e a habilidade de programar a intervenção fisioterapêutica a partir da identificação dos objetivos terapêuticos e da escolha das estratégias adequadas, preparando o aluno para compreender as disfunções neurológicas sob a perspectiva da inclusão social. Por meio da leitura dos conteúdos e da resolução consistente dos exercícios, esperamos que você não apenas compreenda a importância da abordagem fisioterapêutica em pediatria, mas obtenha amplo conhecimento dos processos patológicos e reabilitativos. INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a) Iniciaremos este livro-texto abordando o processo de embriogênese, as principais aquisições motoras e cognitivas de 0 até 2 anos de idade, os riscos da prematuridade e as principais infecções materno-fetais, as principais características da criança com sinais de atraso do desenvolvimento motor, a encefalopatia crônica não progressiva – mais popularmente conhecida como paralisia cerebral –, seus aspectos clínicos, classificação, quadro clínico, distúrbios associados, avaliação e tratamento. Em seguida, abordaremos os defeitos de fechamento do tubo neural, especialmente a mielomeningocele. Estudaremos a síndrome de Down e a importância da estimulação precoce. Também vamos aprender sobre as doenças neuromusculares, incluindo as principais distrofias musculares; as doenças de neurônio motor, especialmente as amiotrofias espinhais progressivas; e as principais disfunções musculoesqueléticas que afetam a criança, como a artrogripose múltipla congênita,as disfunções de quadril e a osteogênese imperfeita. Lembre-se de que, além do conteúdo proposto, é importante fazer a leitura da bibliografia complementar indicada. Bons estudos! 11 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Unidade I 1 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR 1.1 Considerações gerais Iniciaremos o estudo da formação embrionária do sistema nervoso central (SNC), desde a concepção até a formação completa do sistema nervoso, e então passaremos ao estudo do desenvolvimento motor extrauterino, desde o nascimento até o primeiro ano de vida do bebê. 1.1.1 Embriogênese O desenvolvimento humano começa quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozoide, formando uma única célula chamada zigoto ou ovo, sendo esta uma célula totipotente altamente especializada, contendo cromossomos e genes derivados da mãe e do pai. A fertilização, portanto, ocasiona a produção de uma nova célula, a qual apresenta um genoma exclusivo, diferente do genoma da mãe e do pai, além de restaurar o número diploide de cromossomos. Como observamos no parágrafo anterior, é importante saber que o desenvolvimento humano começa antes do nascimento do bebê, ou seja, na fase intrauterina. Você já deve ter estudado sobre isso na escola, mas será que você se lembra de que durante a gestação há diversas mudanças importantes acontecendo o tempo todo? Veremos sobre isso agora. Habitualmente, a fecundação ocorre na ampola da tuba uterina e termina com o entrelaçamento dos cromossomos maternos e paternos na metáfase da primeira divisão mitótica do zigoto. Lembrete As células totipotentes são capazes de se diferenciar em todos os tecidos que formam o corpo humano, incluindo a placenta e os anexos embrionários. As células totipotentes incluem os zigotos (quando o espermatozoide fertiliza o óvulo). A clivagem consiste em repetidas divisões mitóticas do zigoto, levando a um rápido aumento no número de células. Essa divisão começa cerca de 30 horas após a fecundação. Durante a clivagem, o zigoto se divide por mitose em duas células, e cada uma delas rapidamente se divide em mais duas células. O processo continua a se repetir, formando rapidamente uma esfera sólida de células denominada mórula. 12 Unidade I A clivagem difere-se da divisão celular convencional que ocorre em muitos tipos de células em toda a vida de um organismo, pois, durante a clivagem, cada célula-filha formada tem aproximadamente a metade do tamanho da célula-mãe. Por outro lado, depois da divisão celular convencional, as células crescem até o tamanho aproximado da célula-mãe antes de sofrerem a próxima etapa de divisão. Com cada clivagem, o citoplasma é dividido à medida que os núcleos são replicados, e a relação nucleocitoplasmática se aproxima da relação de uma célula somática do organismo. Outro efeito da clivagem é a produção de um embrião multicelular. As células da mórula e do subsequente blastocisto (estrutura formada pelo surgimento de uma cavidade na mórula) são denominadas blastômeros. Quando há de 12 a 32 blastômeros, o concepto é chamado de mórula. As células internas da mórula chamam-se embrioblasto ou massa celular interna e são envolvidas por uma camada de blastômeros que formam o trofoblasto. Logo após a entrada da mórula no útero (por volta de quatro dias após a fecundação), os blastômeros são separados em duas partes: o trofoblasto, que dará origem à parte embrionária da placenta; e o embrioblasto, que é o primórdio do embrião. Nesse estágio, o embrião é chamado de blastocisto e, após aproximadamente seis dias da fecundação, adere-se ao epitélio endometrial. A implantação do blastocisto se completa durante a segunda semana do desenvolvimento. No décimo dia, o embrião está completamente implantado no endométrio. Fertilização Migração do pronúcleo Primeira clivagem 2 células 4 células 8 células Mórula Blastocito Blastocito separa-se da zona pelúcida Nidação do embrião Crescimento do ovócitoMaturação do ovócito e ovulação Oviduto Ovário OvócitoOvócito I I Zona pelúcida Útero Endom étrio Figura 1 – Processo de fecundação e nidação do embrião Cerca de três semanas após a concepção, a gestação normal pode ser detectada pela ultrassonografia. A gastrulação é o início da morfogênese. Durante a gastrulação, as células sofrem extensos movimentos 13 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA umas em relação às outras, alterando suas posições. Isso faz com que as células entrem em contato com novos vizinhos e permite o repasse de informações entre as células, acabando por alterar seus destinos. Um efeito da gastrulação é estabelecer os folhetos teciduais primitivos, denominados folhetos germinativos. São formados três folhetos germinativos primários, chamados de ectoderma, mesoderma e endoderma. Os folhetos germinativos dão origem a tecidos e primórdios de órgãos durante o desenvolvimento subsequente. Em relação ao ectoderma embrionário, ocorre no embrião a indução neural, levando à formação da placa neural, o primeiro rudimento do SNC, a qual irá se dobrar em um tubo neural. As células da crista neural se originam nas margens laterais da placa neural durante a formação do tubo neural. Epiderme Epiderme Placa neural Prega neural Tubo neural Crista neural Sulco neural Dobramento Figura 2 – Fechamento do tubo neural Observação O termo “morfogênese” significa o desenvolvimento da forma e da estrutura dos vários órgãos e partes do corpo. A placa neural forma-se primeiro na extremidade cefálica do embrião e, então, diferencia-se na direção craniocaudal. As bordas laterais da placa neural também dão origem a uma importante população de células, as células da crista neural, que se destacam durante a formação do tubo neural e migram para dentro do embrião para formar uma variedade de estruturas. Como podemos ver, a placa neural vai se diferenciar craniocaudalmente, ou seja, ela é mais larga cranialmente e mais afilada caudalmente. E é essa porção cranial expandida que dará origem ao cérebro. Mesmo nesse estágio muito inicial de diferenciação, o futuro cérebro é visivelmente dividido em três regiões: prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. A porção caudal mais estreitada da placa neural (contínua cranialmente com o rombencéfalo) forma a medula espinhal. Com isso, podemos observar a formação do nosso SNC. 14 Unidade I A neurulação converte a placa neural em um tubo neural oco recoberto pelo ectoderma cutâneo. O tubo neural, em seguida, começa a se diferenciar em cérebro e medula espinhal. Antes mesmo do fim da quarta semana, grandes regiões do cérebro – prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo – tornam-se evidentes, e neurônios e glia começam a se diferenciar no neuroepitélio do tubo neural. Com o decorrer da neurulação, células da crista neural separam-se das bordas laterais das dobras neurais e migram para vários locais do organismo, onde se diferenciam para formar uma grande variedade de estruturas e tipos celulares. Portanto, por volta do 22º dia de gestação, ocorre um espessamento do ectoderma dorsal do embrião, formando um sulco longitudinal (sulco neural) que se aprofunda progressivamente, dando origem à goteira neural. Os lábios da goteira neural se fundem, formando o tubo neural. Núcleo vermelho Trato teto-espinal Trato rubro-espinal Pedúnculo cerebelar superior Lemnisco medial Lemnisco lateral Pedúnculo cerebelar médio Cerebelo Trato vestíbulo-espinal Núcleo grácil Medula oblonga Fibras do funículo posterior Trato espinotalâmico Metatálamo Tálamo Núcleo estriado Nervo vestibular Nervo óptico Vestíbulo interno do ouvido Cócclea Nervo cocclear Nervo gustativo Papila gustativa Nervos sensoriais Nervo motor Medula espinhal Músculo Pele Retina do olho Hipotálamo Figura 3 – Formação das vesículas encefálicas Observação Na terceira semana de gestação, o ectoderma na linha mediana posterior sofre espessamento (placa neural). As margens laterais se elevam (pregas neurais) de cada lado de uma depressão central (sulco neural), e então as pregas neuraisse opõem e se fundem, fechando o sulco neural e criando o tubo neural. 15 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA A coluna vertebral e a medula espinhal iniciam sua formação por volta do 19º dia pós-concepção. O tubo neural se fecha na linha média em cinco pontos distintos de forma não sincronizada até o 29º dia. Esse modelo explica como é possível a ocorrência de defeitos de fechamento na coluna em diversas localizações, os quais serão abordados no decorrer deste livro-texto e que são muito comuns na nossa vivência profissional. Na quinta semana de gestação, notam-se três vesículas encefálicas primárias, que são o prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo, além da flexura cefálica (entre mesencéfalo e prosencéfalo) e da flexura cervical (entre encéfalo e medula espinhal). Já na sétima semana de gestação, notam-se cinco vesículas secundárias, ou seja, o prosencéfalo, formando o telencéfalo e o diencéfalo; o mesencéfalo, que origina o próprio mesencéfalo; e o rombencéfalo, que origina o metencéfalo e o mielencéfalo. Figura 4 – Vista inferior do encéfalo humano Lembrete Logo após a fase de gastrulação, a placa neural inicia o processo de dobra sobre si e fusão, dando origem à goteira e ao tubo neural, respectivamente, para, em seguida, ser coberta pelo tecido mesenquimal. O fechamento do tubo neural inicia-se na região cervical e progride em direção tanto cranial quanto caudal a partir desse ponto. 16 Unidade I Quadro 1 – Vesículas encefálicas Vesícula encefálica primária Vesícula encefálica secundária Prosencéfalo Telencéfalo – hemisférios cerebrais Diencéfalo – epitálamo, tálamo e hipotálamo Mesencéfalo Mesencéfalo – mesencéfalo Rombencéfalo Metencéfalo – ponte e cerebelo Mielencéfalo – bulbo Figura 5 – Ressonância magnética do encéfalo 1.2 Desenvolvimento neuropsicomotor normal 1.2.1 Considerações gerais Ao iniciar o estudo do desenvolvimento infantil, devemos considerar que ele não depende exclusivamente da criança, pois outros fatores poderão intervir no desenvolvimento dela. Com isso, será necessário avaliar, por exemplo, o ambiente ao qual essa criança pertence. Ao nascimento, os bebês encontram-se em fase de dependência absoluta, necessitando de outro ser humano para sobreviverem e se desenvolverem. Eles apresentam condições biológicas para que seu desenvolvimento ocorra, mas necessitam de um ambiente que ofereça condições adequadas para a sua sobrevivência. 17 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA A partir de agora, iremos considerar principalmente o desenvolvimento motor do bebê nos primeiros meses de vida extrauterina. Sabemos que o desenvolvimento motor é o processo de mudança no comportamento motor, relacionado com a idade do indivíduo. O desenvolvimento motor inclui mudanças associadas à idade tanto na postura quanto no movimento, que caracterizam o comportamento motor. Muitas vezes, é enfatizado que a aquisição das habilidades motoras ocorre devido à maturação do SNC (visão neuromaturacional). Hoje, porém, considera-se que o ambiente favorável apresenta papel marcante nesse desenvolvimento motor do bebê. Obviamente, o desenvolvimento neural é necessário para que o bebê adquira essas habilidades, mas a prática e a oportunidade de interagir em um ambiente adequado favorecem o desenvolvimento motor. Exemplo de aplicação Vamos pensar em um exemplo prático. Qual criança deve apresentar um desenvolvimento neuropsicomotor mais adequado: uma criança criada em um ambiente familiar ou uma criança mantida em uma instituição ou um abrigo? Nessas situações de acolhimento (institucionalização), o abrigo passa a ser necessário nos casos de abuso, omissão ou extrema pobreza familiar, mas será este um ambiente favorável para o desenvolvimento dessa criança? Reflita. Voltando especificamente para a aquisição das habilidades motoras, o desenvolvimento do controle postural no primeiro ano de vida é um processo gradual e complexo que levará à independência motora e à interação do indivíduo com o meio. O neonato é totalmente dependente, mas, durante o primeiro ano de vida, adquire grande independência física, que passa a realizar com eficiência em habilidades motoras grossas – rolar, sentar, engatinhar e levantar-se – e em habilidades motoras finas, tais como a manipulação de objetos de diferentes formas e tamanhos. É necessário compreender como é possível controlar a postura e os movimentos por meio da aquisição de habilidades, que são parte da nossa vida diária. Esse conhecimento será importante durante a avaliação e o tratamento do paciente. O ganho e treino das aquisições motoras iniciam-se ainda na vida intrauterina, sendo caracterizados inicialmente por padrões motores estereotipados chamados de reflexos primitivos. Principalmente nas últimas semanas de gestação (último trimestre), ocorre um intenso processo de mielinização, e, após o nascimento, ocorre a conquista das habilidades motoras. Observação A expressão “padrões motores estereotipados” refere-se a comportamentos motores repetitivos e não funcionais. 18 Unidade I O neonato é incapaz de apresentar controle postural contra a ação da força da gravidade, e esse controle ele adquirirá de forma gradual, conseguindo alinhar os segmentos do corpo, tanto em relação ao outro quanto em relação ao ambiente, até ser capaz de adquirir a postura ortostática (ficar em pé). Devido à posição fetal intrauterina, principalmente no final da gestação, ao nascer, considera-se que o neonato apresenta uma postura em tríplice flexão (postura fetal), ou seja, flexão de cabeça, tronco e membros, o que leva a um encurtamento fisiológico dos grupos musculares flexores e um alongamento fisiológico dos grupos musculares extensores. Figura 6 – Postura fetal ao nascimento Figura 7 – Hipertonia flexora fisiológica Observação O termo “neonato” é utilizado para o bebê recém-nascido até completar o primeiro mês de vida. 19 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Você deverá considerar que o neonato ainda apresenta comportamentos motores imaturos, ou seja, uma atividade motora predominantemente reflexa. Isso ocorre porque os núcleos subcorticais apresentam um amadurecimento anterior ao do córtex, porém, conforme ocorre a maturação cortical, esses reflexos primitivos acabam sendo modulados. Uma característica importantíssima do desenvolvimento motor do neonato durante principalmente o primeiro ano de vida é que ele ocorre da região craniana-caudal e de forma próximo-distal, ou seja: primeiro o bebê apresenta controle de cabeça para depois ter controle do tronco superior, e assim sucessivamente – o mesmo ocorre com a cintura escapular, os cotovelos e a função manual. Lembrete O neonato não apresenta a capacidade de manter controle postural contra a ação da força de gravidade, ainda não é capaz de controlar seu corpo, assumindo normalmente uma postura fletida típica, a qual corresponde à posição mantida na fase intrauterina (postura fetal ou de tríplice flexão). Durante o primeiro ano de vida, as atividades reflexas são moduladas de acordo com a evolução do SNC, passando para movimentos mais complexos e voluntários. No processo de maturação cerebral, as experiências sensório-motoras do bebê contribuem para o desenvolvimento das habilidades motoras, através do estabelecimento e da reorganização de sinapses e da formação de novas redes neurais. 2 REFLEXOS PRIMITIVOS Neste tópico, serão descritos a seguir os comportamentos reflexos normais apresentados pelo neonato e quando, em média, é esperado que eles sejam modulados. • Reflexos de sobrevivência: são considerados reflexos de sobrevivência a reação automática, o reflexo de procura, a sucção e a deglutição. Observação Os reflexos primitivos estão presentes no bebê, mas são gradativamente modulados e inibidos à medida que ocorre a maturação encefálica. • Reação automática ou de sufocamento: ao colocar o neonato em decúbito ventral, ele será capaz de girar o rosto, liberando as vias aéreas superiores. Trata-se da primeira extensão da cabeçapartindo da flexão, um reflexo de sobrevivência, uma vez que, mesmo sem ter o controle da cabeça contra a ação da força de gravidade, ele consegue virar parcialmente a cabeça, permitindo assim a respiração adequada. 20 Unidade I Figura 8 – Reflexo de sufocamento • Reflexo de sucção: reflexo importante para a alimentação, desencadeado pela estimulação dos lábios. No caso de bebês prematuros ou com lesão neurológica associada, é possível que esse reflexo seja débil, o que dificultará a alimentação do neonato. Figura 9 – Reflexo de sucção • Reflexo de deglutição: resposta reflexa da deglutição do alimento ou da saliva. • Reflexo de procura ou dos pontos cardeais: ao dar o estímulo em um dos cantos da boca, o neonato procura o estímulo externo, virando o rosto em busca do estímulo – no caso, seria a busca pelo alimento. Geralmente, ocorre o movimento de sucção em seguida. Isso facilita a amamentação. 21 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Figura 10 – Reflexo de procura ou dos pontos cardeais Lembrete Os reflexos de procura, deglutição, sucção e sufocamento são também chamados de reflexos de sobrevivência e podem estar ausentes ou diminuídos, por exemplo, em um bebê prematuro. • Reflexo magnético: em decúbito dorsal, partindo da flexão dos joelhos e dos quadris, o examinador deverá comprimir seus polegares contra a sola dos pés do bebê e, lentamente, afastar seus dedos. Como resposta, as pernas e os quadris do bebê partem para o movimento de extensão, como se estivessem colados ao dedo do examinador. Figura 11 – Reflexo magnético 22 Unidade I • Reação de marcha ou reflexo de marcha automática: o neonato é sustentado em pé pelas axilas, mantido verticalmente em relação ao solo, com o tronco inclinado para frente. Então, o examinador realiza uma compressão da sola de um dos pés do bebê contra a base de apoio, e essa perna irá realizar uma flexão como resposta; do outro lado, ocorrerá uma extensão do membro. Se o examinador realizar esse movimento de forma alternada, dará a impressão de uma marcha automática. O bebê precisa ser sustentado nessa posição pelo examinador, uma vez que o neonato não apresenta controle postural de cabeça, tronco e pelve. Você já chegou a assistir a algum vídeo de um bebê andando ainda recém-nascido? Aqui está a explicação. Figura 12 – Reflexo de marcha automática • Reflexo de glabela: ao realizar uma compressão com a ponta do dedo na região entre as sobrancelhas (região glabelar) do bebê, ocorrerá o fechamento dos olhos como resposta. No caso de se notar uma assimetria nesse fechamento, o examinador poderá suspeitar de um caso de paresia facial. Figura 13 – Reflexo glabelar 23 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA • Reação de subida ou placing reaction: o examinador segura o bebê pelas axilas, com os pés abaixo da borda de um degrau, e levemente toca o dorso do pé do bebê contra este. Como resposta, o bebê eleva o membro como se subisse o degrau. Figura 14 – Reflexo de subida ou placing reaction • Reação de Galant ou reflexo da coluna vertebral: ao colocar o neonato em decúbito ventral e friccionar o dedo contra a região paravertebral de um dos lados, o bebê irá inclinar o tronco para o lado estimulado (formando um arco). Figura 15 – Reflexo de Galant • Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) ou Magno: ao rodar a cabeça do bebê para um lado, as extremidades dos membros do lado que o rosto está virado estendem-se e, do outro lado, fletem-se, assemelhando-se ao movimento do esgrimista. 24 Unidade I Observação É importante o conhecimento desse reflexo pelo fisioterapeuta, uma vez que sua persistência levará à dificuldade do bebê em adquirir trocas posturais, tais como o rolamento e a postura sentada. Além disso, dependendo da intensidade da persistência desse reflexo, poderá ocasionar uma grande assimetria postural, levando a casos de escoliose de graus variados. Figura 16 – Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) Figura 17 – RTCA completo 25 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA • Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS): quando ocorre a flexão da cervical, os membros superiores se flexionam e os membros inferiores estendem-se. Quando ocorre a extensão da cabeça, os membros superiores estendem-se e os membros inferiores flexionam-se. Figura 18 – Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS) • Reflexo tônico labiríntico (RTL): quando colocado em posição prona (decúbito ventral), o lactente assume total flexão, o que impede a liberação das vias aéreas superiores; e, quando colocado em posição supino, ocorre a extensão do tronco e dos membros, sendo este geralmente considerado um reflexo patológico presente principalmente no PC tetraparético espástico grave. Se o bebê realiza uma postura extensora exagerada, recebe o nome de opistótono. Figura 19 – Reflexo tônico labiríntico (RTL) 26 Unidade I • Reflexo de preensão palmar: ao dar estímulo na palma da mão do bebê, este realiza o fechamento da mão como se segurasse o dedo do examinador. Figura 20 – Reflexo de preensão palmar • Reflexo de preensão plantar: ao dar estímulo na planta do pé do bebê, principalmente abaixo do primeiro dedo, os demais dedos assumem uma postura de garra, e ao retirar o estímulo, os dedos estendem-se. Figura 21 – Reflexo de preensão plantar • Reflexo membro de propulsão: em decúbito ventral, o examinador comprime os dedos contra a planta do pé do bebê, saindo da flexão de quadril e joelho, e o bebê realiza a extensão dos membros inferiores como se fosse rastejar. 27 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Figura 22 – Reflexo membro de propulsão • Reação de Moro: divide-se em duas fases. O examinador posiciona o bebê no seu antebraço e, com a outra mão, segura a cabeça do bebê; em seguida, solta a cabeça do bebê. Como resposta, o bebê abre a boca, ergue os braços e estende os dedos das mãos como se abrisse um leque (primeira fase); depois, o bebê fecha a boca, e os braços flexionam (segunda fase). Figura 23 – Reação de Moro • Reação de Landau: ao segurar o bebê na posição horizontal e mantê-lo suspenso no ar, ele irá erguer a cabeça e apresentar extensão dos membros inferiores. 28 Unidade I Figura 24 – Reação de Landau • Disposição para o salto ou reação de paraquedas: suspende-se a criança pelo tronco e a aproxima de forma rápida em direção ao solo. Antes da cabeça chegar ao solo, os braços estendem-se como se a criança fosse se apoiar. Figura 25 – Disposição para o salto ou reação de paraquedas 29 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA A figura a seguir relaciona as reações e os reflexos primitivos de acordo com a idade de início e o período de inibição de tais atividades. Reações e reflexos primitivos Idade de início até sua inibição (mês) RN 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Reflexo de busca ou procura - 4 pontos cardeais Reflexo de sucção e deglutição Reflexo de mordida Reflexo de vômito Reflexo de fixação ocular Reflexo dos olhos de boneca Reflexo glabelar Reflexo córneo-palpebrar Reflexo cócleo-palpebrar Reflexo de fuga da asfixia ou proteção de vias aéreas Reflexo de marcha Reação positiva de suporte Reflexo de Landau Reflexo de Moro Reflexo de natação Reflexos de preensão palmar Reflexos de preensão plantar Reação de anfíbio Reflexo de Galant Reflexo de propulsão Reflexo cutâneo-plantar Reflexo de colocação palmar Reflexo de colocação plantar Reflexo de extensão cruzada Reflexo magnético Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS) Reflexo cervical de retificação Reflexo corporal de retificação Reação labiríntica de retificação Reação óptica de retificação Figura 26 – Reações e reflexos primitivos: idade de início até inibição 2.1 Principais aquisições motoras Agora, veremos quais aquisições motoras são esperadas para o bebê durante o seu primeiro ano de vida, mês a mês. Os marcos do desenvolvimento motor da criança sem lesão neurológica são bem conhecidos e estabelecidos e seguem uma ordem cronológica, o que pode e deve ser usado para avaliar possíveisalterações motoras decorrentes de lesões neurológicas. 30 Unidade I Primeiro mês de vida Como já vimos, ao nascer, há um predomínio do tônus flexor, sendo este aumento considerado fisiológico. O neonato não é capaz de adaptar-se às mudanças de postura, não apresenta reações de equilíbrio nem reações de proteção. O neonato apresenta muita atividade reflexa primitiva (a maioria dos reflexos primitivos ainda não foi modulada). Em decúbito dorsal, predomina o padrão flexor: geralmente, a cabeça posiciona-se para um dos lados, sendo que o bebê pode apresentar preferência por um dos lados. Os ombros ficam retraídos e elevados, e os cotovelos e dedos das mãos em flexão. Os membros inferiores permanecem com os quadris rodados externamente, com joelhos fletidos. Em decúbito ventral, predomina também a postura flexora. A pelve fica elevada, o que leva a uma maior transferência do peso corporal para a cabeça, dificultando a extensão cervical. Devido à elevação e à retração da cintura escapular, torna-se impossível ao neonato descarregar o peso nos antebraços, o que favoreceria a extensão da cabeça. Ao tentar puxar o neonato pelas mãos para a postura sentada, a cabeça ficará pendente para trás, pois o bebê ainda não é capaz de controlá-la. Isso significa que ele não tem controle de cervical – não apresenta controle de tronco e não realiza trocas posturais. Figura 27 – Primeiro mês de vida do bebê Segundo mês de vida Com dois meses, o bebê ainda apresenta predomínio do tônus flexor em decúbito dorsal, menor que no primeiro mês de vida, mas já é capaz de realizar movimentos de esperneios alternados e apresenta o corpo de forma mais simétrica. Em decúbito ventral, a cintura escapular permanece retraída. Permanece a flexão no quadril com as pernas rodadas externamente, e o bebê eleva mais a cabeça, mas não a mantém erguida. Ao ser puxado para a posição sentada, começa a controlar a simetria da cabeça, porém ainda sem controle cervical. 31 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Ele também não apresenta reações de equilíbrio nem de proteção e ainda apresenta muita atividade reflexa primitiva. Os membros inferiores estarão um pouco mais estendidos, porém serão mantidos em flexão durante a maior parte do tempo. Figura 28 – Início do controle de cabeça Terceiro mês de vida No terceiro mês, conseguimos observar algumas mudanças importantes. Em decúbito dorsal, o bebê já consegue alinhar a cabeça na linha média, mas demostra preferência por mantê-la rodada para um dos lados; já começa a levar as mãos à linha média; começa a brincar com objetos (por exemplo, um chocalho) que são colocados em suas mãos, tentando levá-los até a boca; e já consegue estender melhor os quadris e joelhos, porém ainda não alcança a linha média. Em decúbito ventral, o bebê começa a transferir o peso corporal para os antebraços, permitindo estender a cabeça até 45 graus, mas esse apoio ainda não é estável. Ainda apresenta grande oscilação da cabeça e maior extensão do quadril com flexão dos joelhos. Ao estender mais o quadril, passa a diminuir a transferência do peso corporal para a cervical. Lembre-se de que o controle postural ocorre da região cefálica em direção à região caudal e inicia-se da região proximal para a distal. Quando puxado para sentar, o bebê ainda não apresenta controle da cervical e da cabeça, mas já consegue acompanhar o movimento sem deixar a cabeça pendente. Não apresenta controle do tronco, porém já não apresenta mais o predomínio do tônus flexor. Ainda não apresenta controle das reações de equilíbrio nem de proteção. 32 Unidade I Lembrete Os primeiros três meses de vida do bebê são caracterizados pela presença de hipertonia flexora fisiológica, orientação à linha média e início do controle da cabeça em decúbito ventral com apoio no antebraço, levando à possibilidade de ganho da extensão do tronco e dos membros inferiores. Figura 29 – Descarga parcial do peso nos membros superiores em decúbito ventral Quarto mês de vida Em decúbito dorsal, o bebê apresenta posição simétrica e começa a virar para a posição de decúbito lateral (para os dois lados); consegue trazer as mãos à linha média, segurar um objeto e levá-lo à boca. Ele mantém os membros inferiores em rotação externa, com flexão dos joelhos, mas consegue estendê-los, com tornozelos em dorsiflexão e dedos em flexão. Em decúbito ventral, já consegue erguer a cabeça a 90 graus e se apoia nos antebraços com estabilidade, favorecendo a extensão do tronco. Ainda não assume a postura sentada, apresentando uma cifose do tronco acentuada. Ocorre um contato maior do bebê com o ambiente; percebe-se o choro não só para satisfazer suas necessidades alimentares, mas também para interagir, caso não consiga o que deseja do ambiente. Quinto mês de vida Com cinco meses, em decúbito dorsal, o bebê consegue adquirir a primeira troca postural, que é o rolar para o decúbito ventral (o bebê é capaz de rolar). O tronco está simétrico e alinhado com a cabeça, e ele realiza movimentos tanto de extensão quanto de flexão dos membros inferiores. 33 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Para explorar melhor o ambiente, prefere assumir a posição de decúbito ventral, conseguindo ter bom apoio nos antebraços, e começa a transferir o peso de um lado para o outro, ou seja, consegue apoiar o corpo em só um dos antebraços. Também consegue rodar a cabeça para os dois lados, observando atentamente o ambiente. Quando colocado na postura sentada, apresenta uma melhora no ganho da extensão do tronco por pouco tempo, com bom controle da cabeça, mas ainda não é capaz de ficar sentado sem apoio. O tônus muscular apresenta-se normal. A movimentação passiva e a maioria dos reflexos primitivos já estão modulados. Figura 30 – Troca postural (rolar) Sexto mês de vida O bebê consegue rolar com facilidade, preferindo ficar em decúbito ventral, e é capaz de elevar bem a cabeça nessa postura. Consegue apoiar-se nos antebraços e começa a estender os cotovelos, transferindo parcialmente o peso para as mãos. Quando colocado na postura sentada, consegue manter-se por pouco tempo e, ao se deslocar para frente, consegue apoiar-se nas mãos, surgindo assim a primeira reação de proteção, chamada de reação de proteção anterior. 34 Unidade I Figura 31 – Aquisição da postura sentada com apoio Lembrete O segundo trimestre de vida do bebê é marcado pela melhora do controle de cabeça, normalização tônica e aquisição da primeira troca postural, o rolar. A partir do sexto mês de vida, há o início da postura sentada, surgindo a reação de proteção anterior. Sétimo mês de vida Em decúbito ventral, o bebê consegue erguer bem a cabeça e apoiar o seu peso nas mãos, o que favorece o desprendimento do tronco e do quadril do solo, treinando para adquirir a próxima troca postural, que é a postura de gato ou de quatro apoios. Na postura sentada, apresenta bom controle anterior do tronco, mas ainda não apresenta controle para os lados nem total extensão do tronco na postura sentada. Ainda realiza a preensão dos objetos em garra. Oitavo mês de vida Nesta fase, o bebê já é capaz de adotar a postura de gato ou de quatro apoios e engatinhar, ainda sem muita estabilidade. Também já permanece sentado com bom controle de tronco e cabeça, sendo capaz de virar-se em torno do seu próprio eixo. Apresenta reações posturais da cabeça sobre o corpo e do corpo no espaço. Quando na postura sentada, se perde o equilíbrio para os lados, responde com a segunda reação de proteção, chamada de reação de proteção lateral. 35 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Consegue bater palmas, faz movimento de dar “tchau” com a mão e começa a falar sílabas duplas, imitar sons e estranhar pessoas desconhecidas. Figura 32 – Aquisição da postura de quatro apoios ou postura de gato Nono mês de vida Nesta idade, a criança já se senta de forma estável e consegue se apoiar para frente e para os lados com facilidade. Começa a levantar-se segurando em objetos (por exemplo, no berço, apoiada nos móveis).Quando apoiada, começa a dar os primeiros passos. Consegue engatinhar com muita rapidez e, quando fica em pé com apoio, faz flexão e extensão do quadril e dos joelhos. Apresenta bom equilíbrio postural sentada. Indica figuras com o dedo e começa a pegar objetos com preensão em pinça (entre o polegar e o indicador), realizando atividade mais finas (motricidade fina em desenvolvimento). Observação No terceiro trimestre de vida, o bebê apresenta ganho do controle da postura sentada, com bom equilíbrio anterior e para as laterais, e passa a engatinhar e explorar mais o ambiente. Décimo mês e décimo primeiro mês de vida A criança já permanece sentada sozinha com bom equilíbrio, levanta-se para ficar em pé segurando em objetos, mas já pode conseguir ficar em pé sem se apoiar. Consegue andar se segurando ao longo 36 Unidade I dos móveis e passar para a postura de gato com bom equilíbrio. Quando perde o equilíbrio para trás, responde com a terceira reação de proteção, chamada de reação de proteção posterior. Começa a brincar de se esconder, ou seja, começa a brincar com os outros, e não apenas sozinha. Figura 33 – Aquisição das posturas altas Décimo segundo mês de vida A criança consegue adotar a postura ortostática, sendo possível iniciar a troca de passos. Não apresenta ainda equilíbrio em pé, e as que conseguem andar caminham com a base de apoio mais alargada. Consegue falar poucas palavras com sentido (por exemplo: mamã, papá) e já percebe quando está sendo elogiada ou repreendida. Espera-se que até o décimo quinto mês essa criança seja capaz de andar de forma independente, porém sem total equilíbrio. Observação Ao final do quarto trimestre de vida, é esperado que a criança tenha controle tanto das posturas baixas (rolar, sentar e engatinhar) quanto das posturas altas (ajoelhada, semiajoelhada e ortostase) e que, ao final do primeiro ano, esteja pronta para adquirir a marcha. 37 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Figura 34 – Aquisição de ortostatismo e marcha Figura 35 – Início da marcha sem apoio 38 Unidade I Figura 36 – Marcha independente A habilidade motora manual também ocorre de forma gradual. O quadro a seguir resume os principais indicadores relacionados ao desenvolvimento da função manual em crianças nos primeiros anos de vida. Quadro 2 – Desenvolvimento da habilidade manual Idade Indicador de desenvolvimento 1º mês Mãos comumente fechadas; presença do reflexo de preensão palmar 2º mês Abre e fecha as mãos espontaneamente 3º mês Descoberta das mãos; leva as mãos à boca; podem ocorrer as primeiras tentativas de alcance dos objetos; transição entre a preensão reflexa e voluntária 4º mês Preensão voluntária, tipo cúbito palmar (envolvimento principalmente da região ulnar da palma da mão, sem oponência do polegar); pega objetos e leva-os à boca 5º mês Preensão cúbito palmar 6º mês Preensão palmar simples ou de aperto; amplia a exploração dos objetos: bate, balança, puxa (com mais intencionalidade) e transfere objetos de uma mão para outra 7º mês Preensão rádio-palmar, permitindo a pinça inferior (preensão fina); derruba os objetos voluntariamente; segura pequenos objetos na palma da mão; consegue segurar um objeto em cada mão 8º mês Pinça inferior; inicia o soltar 9º mês Começa a aprender a dar o objeto quando solicitado; preensão rádio-digital ou em pinça superior; segura pequenos objetos entre o polegar e dígito de outros dedos 10º mês Dissocia o movimento do indicador; retira e coloca objetos de um recipiente; inicia o uso do copo 11º mês Preensão digital 12º mês Realiza pinça fina (preensão entre o dígito do polegar e indicador); solta os objetos quando solicitado; realiza encaixes amplos; lança a bola em uma direção 12 até 24 meses Segura o copo; inicia o uso da colher; empilha objetos 24 até 36 meses Consegue carregar um copo cheio de água sem derramá-lo; imita linhas e círculos; arremessa bola; enfia contas grandes em um cordão; vira maçanetas em portas; vira uma página por vez de um livro; manuseia brinquedos de encaixe por pressão; segura o lápis entre o polegar e o indicador, apoiando-o sobre o dedo médio Fonte: Brasil (2016, p. 65-66). 39 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Figura 37 – Controle da motricidade grossa Figura 38 – Treino de habilidade motora específica unilateral Exemplo de aplicação Se o bebê nascer prematuro, o terapeuta deverá corrigir sua idade gestacional para verificar em qual estágio do desenvolvimento se encontra ou se já apresenta sinais de atraso do desenvolvimento motor. Por exemplo: se o bebê for um prematuro de 32 semanas de gestação, devemos corrigir sua idade atual descontando em torno de oito semanas (pensando em um período gestacional a termo de 40 semanas). Vejamos o seguinte caso: você irá avaliar uma criança prematura de 32 semanas de gestação. Atualmente, a criança está com 5 meses de vida, e, durante sua avaliação, notou-se que o bebê ainda não consegue rolar e apresenta controle de cabeça por períodos curtos. Você poderia afirmar que esse bebê apresenta um quadro de atraso motor? 40 Unidade I Não, você não poderia realizar essa afirmação, uma vez que, se considerarmos a prematuridade e dermos um desconto de oitos semanas (2 meses de vida intrauterina), esse bebê estaria se desenvolvendo dentro do esperado. 2.2 Desenvolvimento de habilidades motoras finas e cognitivas Agora que já vimos sobre a aquisição motora mês a mês do bebê, iremos falar sobre o desenvolvimento de habilidades motoras finas e cognitivas. No primeiro ano de vida, o desenvolvimento cognitivo e motor ocorrerão juntos, com predomínio de atividades sensório-motoras. As respostas reflexas primitivas darão lugar ao controle voluntário do movimento, às habilidades motoras finas e à aquisição da linguagem. O quadro a seguir expõe as principais aquisições cognitivas esperadas nesse período. Quadro 3 – Desenvolvimento da habilidade cognitiva e de linguagem Idade Indicadores de desenvolvimento 1 mês Atenta-se à face humana Comunica-se pelo choro Reage a sons fortes com sustos e aquieta-se ao som da voz humana Emite pequenos sons guturais 2 meses Fixa o olhar na face humana Comunica-se pelo choro diferenciado Mantém a atenção ao ouvir a voz humana Segue uma pessoa ou objeto com os olhos na linha média Explora o mundo externo, com grande interesse por sons, contrastes visuais e luz Apresenta sorriso social 3 meses Fixa o olhar em objetos Reconhece o principal cuidador, inclusive a fala Sorri a todos que se aproximam sorrindo Produz sons nasais Início de diferentes formações de choro (fome, birra, sono etc.) Acalma-se quando se fala com ele Descobre as mãos Repete ações agradáveis (por exemplo, levar a mão à boca, brincar com os lábios) Explora o que está em seu campo visual Reage e procura a fonte sonora Consegue segurar brinquedos por alguns segundos, quando colocados em suas mãos 4 meses Localiza a fonte sonora Emite sons vocálicos Reage quando é chamado pelo nome Demonstra excitação quando o cuidador brinca com ele Descobre os pés É muito curioso, observa tudo com muita atenção Explora os brinquedos, ocasionalmente levando-os à boca Segue visualmente o objeto que cai Reage ao desaparecimento da face (brincadeira esconde-achou) 41 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Idade Indicadores de desenvolvimento 5 meses A capacidade de atenção aumenta e já passa mais tempo em uma mesma atividade Emite sons vocálicos diferenciados, expressando emoções (ri e solta gritos de alegria ao brincar) Usa movimentos do corpo e sons para chamar a atenção do outro (levanta o braço, segura com a mão) Olha e pega tudo que está ao seu alcance, levando à boca propositalmente 6 a 9 meses Brinca na frente do espelho Explora os objetos de modo variado (bate, aperta, balança) Demonstra interesse por diversos brinquedos Apresenta mais interesse por pessoas do que objetos Balbucia, principalmente na presença do cuidador Direciona o olhar a objetos desejados Imita gestos ou brincadeiras a partir de modelo Usa o corpo para atingir os seus objetivose satisfazer a sua curiosidade (desloca-se no ambiente para alcançar brinquedos) Reconhece pessoas familiares, apresentando estranhamento ao novo Coordena a atenção entre um parceiro social e um objeto de interesse mútuo (atenção triádica) 9 a 12 meses Quando vê um objeto desaparecer, procura-o mesmo escondido (noção de permanência do objeto) Produz sons consonantais (“dadada”) Executa gestos a partir de modelos (dar “tchau”, bater palmas) Entende solicitações simples associadas a gestos (“me dá”, “pega”, “cadê a mamãe?”) Age intencionalmente (deixa cair objetos de propósito) Responde ao próprio nome 12 a 18 meses Executa gestos a pedido sem modelo (mandar beijo, balançar a cabeça) Surgem as primeiras palavras de duas sílabas Usa jargão Entende o “não” Busca um objeto escondido, certo de que ele está em algum lugar Repete gestos ou atitudes que provocaram risadas Gosta de jogos de ação e reação (causa e efeito) Distancia-se da mãe sem perdê-la de vista Aponta objetos desejados Direciona a atenção do outro Explora os brinquedos de modo amplo, descobrindo seus atributos e funções Fonte: Brasil (2016, p. 72-74). 2.3 Prematuridade O desenvolvimento de recém-nascidos pré-termo é influenciado pela idade gestacional, pelo peso ao nascimento e por fatores de risco associados às condições do nascimento. Com os avanços na área médica, as taxas de sobrevivência de prematuros aumentaram de forma considerável, porém devemos considerar que eles apresentam um risco maior de ter problemas no desenvolvimento neuropsicomotor quando comparados a bebês nascidos a termo. 42 Unidade I Figura 39 – Bebê prematuro (cuidados especiais) A incidência da prematuridade varia de acordo com o país ou a região, relacionando-se diretamente com as condições socioeconômicas da população. Os países desenvolvidos apresentam uma incidência de prematuridade inferior quando comparados, por exemplo, com a América Latina: enquanto em países desenvolvidos a incidência de prematuridade é de 6% a 8%, na América Latina ela varia de 10% a 40%. O recém-nascido (RN) é classificado de acordo com a idade gestacional (IG) e com o peso ao nascer. Vejamos, a seguir, alguns conceitos importantes: • Idade gestacional (IG): duração da gestação medida a partir do primeiro dia do último período menstrual normal, sendo expressa em dias ou semanas completas. • RN pré-termo: menos de 37 semanas completas (menos de 259 dias) de gestação. • RN a termo: de 37 semanas a menos de 42 semanas completas (259 a 293 dias) de gestação. • RN pós-termo: 42 semanas completas ou mais (294 dias) de gestação. Em relação ao peso ao nascimento, o RN é classificado como: • RN com excesso de peso: acima de 4.000 gramas. • RN com peso ideal: de 2.600 até 3.600 gramas. • RN com baixo peso ao nascer: menos de 2.500 gramas. • RN com muito baixo peso ao nascer: menos de 1.500 gramas. • RN com peso extremamente baixo ao nascer: menos 1.000 gramas. 43 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Para o cálculo da IG, é necessário que a gestante saiba a data da última menstruação, além de realizar o exame de ultrassonografia. Diversos fatores podem contribuir para um parto prematuro, tais como: gestação gemelar, má-formação uterina, idade materna avançada, abuso de drogas, entre outros. A assistência adequada ao neonato prematuro deve contar com a presença de uma equipe especializada, capaz de realizar, se necessário, manobras de reanimação e evitar hipotermia, quadros de hipóxia ou de anóxia. Devemos nos atentar para uma avaliação adequada desses prematuros ainda no período de internação hospitalar e, a longo prazo, com o intuito de identificar possíveis alterações motoras e cognitivas. No quadro a seguir, são apresentadas as principais complicações que podem ocorrer no RN pré-termo. Quadro 4 – Principais complicações que ocorrem no RN prematuro Síndrome do desconforto respiratório (SDR) Ocorre devido à imaturidade pulmonar associada à má adaptação do RN no meio extrauterino e pela imaturidade de múltiplos órgãos. Imaturidade pulmonar: deficiência da surfactante alveolar, desenvolvimento incompleto do parênquima pulmonar e complacência aumentada da caixa torácica. Apneia da prematuridade Pausa respiratória superior a 20 segundos acompanhada de bradicardia ou cianose, decorrente da imaturidade do centro respiratório. Persistência do canal arterial (PCA) Pode levar a insuficiência cardíaca, edema com hemorragia pulmonar, hipoxemia, diminuição da perfusão periférica etc. Infecções Devido à deficiência da imunidade específica, pode apresentar conjuntivite, meningite e até sepse (infecção generalizada). Anemia da prematuridade Queda da taxa de hemoglobina devido à incapacidade renal de produzir eritropoietina de forma adequada. Manifesta-se com quadro de palidez, bradicardia ou taquicardia, taquipneia ou apneia e diminuição da atividade motora. Distúrbios metabólicos Pode apresentar hipoglicemia ou hiperglicemia e hipocalcemia. Osteopenia do prematuro Caracterizada pela hipomineralização da matriz óssea. Hemorragia intraperiventricular (HIPV) Complicação neurológica com extravasamento sanguíneo intracraniano. Leucomalácia periventricular Necrose da substância branca ao redor dos ventrículos laterais. 44 Unidade I Figura 40 – Cuidados especiais na prematuridade 2.4 Escalas padronizadas de avaliação Ao longo dos anos, foram desenvolvidas algumas avaliações de triagem para verificar o desenvolvimento motor desses bebês, detectando precocemente possíveis sequelas e favorecendo o atendimento mais precoce. A seguir, abordaremos as principais escalas utilizadas nessas avaliações. Test of Infant Motor Performance (Timp) Trata-se da avaliação de postura e do movimento infantil, que pode ser utilizada com RN de 32 semanas de idade gestacional até quatro meses de idade corrigida. Avalia a qualidade do movimento, o controle e alinhamento postural, o equilíbrio e a coordenação de acordo com a evolução do controle da cabeça e do tronco, supino e posições verticais. É um dos testes mais sensíveis às mudanças ocorridas na coordenação motora de acordo com a idade em crianças bem pequenas. 45 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Saiba mais Para saber mais, acesse o site: https://www.infantmotortest.com/ Alberta Infant Motor Scales (Aims) Tem como objetivo avaliar as aquisições motoras de crianças até os 18 meses de idade. Através de avaliação observacional, discrimina e avalia os componentes do desenvolvimento na tentativa de identificar bebês cujo desenvolvimento motor esteja atrasado e medir esse desempenho através do tempo. Saiba mais Para saber mais, leia: SACCANI, R. Validação da Alberta Infant Motor Scale para aplicação no Brasil: análise do desenvolvimento motor e fatores de risco para atraso em crianças de 0 a 18 meses. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/ handle/10183/18975/000733746.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020. Motor Assesment of the Developmental Infant (Mai) Esse teste destina-se a avaliar o desenvolvimento motor de crianças de até um ano de idade que apresentam alto risco para distúrbios motores, como contribuição para o estabelecimento da base para a intervenção precoce. Tem como objetivo também monitorar os efeitos do programa de reabilitação, estabelecer critérios para a intervenção terapêutica e fornecer suporte para a pesquisa como instrumento de avaliação. General Movements (GM) Escala proposta por Prechtl e Beintema (PRECHTL, 1977) que se constitui em um exame neurológico utilizado para a avaliação do RN a fim de detectar precocemente sinais neurológicos anormais no período neonatal. Consiste na observação e classificação dos movimentos espontâneos que o bebê apresenta na posição supina. Prechtl e Beintema (1977) identificaram e descreveram os padrões motores dos movimentos característicos dos neonatos, que se transformam à medida que o bebêamadurece. É uma avaliação quantitativa, e não invasiva, que demonstra ser eficaz para a detecção precoce de anormalidades a partir dos três meses de idade. 46 Unidade I Pediatric Evaluation Disability Inventary (PEDI) Este instrumento é utilizado para descobrir déficits funcionais, acompanhar progressos e analisar o resultado de intervenções. A PEDI é um instrumento de avaliação infantil que caracteriza o desempenho funcional de crianças com idade cronológica entre 6 meses e 7 anos e 6 meses. Porém, pode ser utilizada quando – apesar da idade cronológica ser superior ao limite indicado – o indivíduo apresentar desempenho funcional condizente com essa faixa etária, com o objetivo de acompanhamento evolutivo da criança. 3 PARALISIA CEREBRAL Agora que estudamos sobre o desenvolvimento humano intrauterino e extrauterino típicos, vamos abordar algumas doenças, patologias ou condições que encontramos bastante na prática clínica, começando por uma das mais vistas: a paralisia cerebral (PC). 3.1 Introdução Como vimos, os primeiros anos de vida da criança são caracterizados como um período no qual ocorrem a maturação neurológica e aquisição das habilidades motoras, permitindo a constante aquisição de habilidades funcionais, independência e capacidade de adaptar-se ao ambiente. Contudo, durante o desenvolvimento infantil, podem ocorrer lesões neurológicas ou a existência de síndromes genéticas que comprometam o desenvolvimento, acarretando no surgimento de desordens neuromotoras. É importante que você saiba reconhecer essas alterações, e, por isso, iniciaremos o estudo da desordem motora mais frequente na infância, que é a PC. A PC é responsável por prejudicar o desempenho funcional da criança devido aos comprometimentos motores, os quais estão diretamente relacionados com as áreas de lesão encefálica. O fisioterapeuta deve estar apto a reconhecer os diferentes quadros clínicos, seu prognóstico e as principais complicações associadas, com o intuito de reabilitar o paciente. 3.2 Considerações gerais O termo “paralisia cerebral” ou “encefalopatia crônica não progressiva” (ECNP) é utilizado para descrever um grupo de distúrbios do desenvolvimento do movimento e da postura, que levam a incapacidades funcionais devido a lesões encefálicas durante o desenvolvimento fetal ou infantil. As alterações motoras geralmente estão associadas a distúrbios sensoriais, cognitivos, comportamentais, perceptuais, da comunicação, além de quadros convulsivos, e podem causar prejuízos musculoesqueléticos secundários. Geralmente, o termo ECNP não é utilizado, embora seja o mais correto. Se considerarmos o termo PC, seu sentido literal seria similar ao termo “morte encefálica” (ou que o cérebro “parou”); já “encefalopatia 47 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA crônica não progressiva ou não evolutiva” seria mais correto, uma vez que se refere a lesões encefálicas de caráter não progressivo, ou seja, a área da lesão não irá aumentar, e ocorre durante o desenvolvimento intrauterino ou nos primeiros anos do desenvolvimento pós-natal. Porém, o termo PC é de domínio da maioria da população e, por conveniência, é o mais utilizado, lembrando que o paciente e os cuidadores devem ser bem informados a respeito de qualquer doença ou processo patológico. A PC foi descrita pela primeira vez em 1843 pelo médico ortopedista inglês William John Little, que relatou o caso de 47 crianças com quadro de hipertonia elástica nos membros inferiores. Posteriormente, ainda no século XIX, Freud relatou que alterações durante o nascimento poderiam ser a causa real da lesão, introduzindo assim o termo PC. Considera-se que a PC pode ser causada ainda no período pré-natal ou durante o desenvolvimento infantil. Não há um consenso de qual o limite de idade para ser dado o diagnóstico de PC, mas a maioria dos autores considera desde o período pré-natal até os 2 anos de idade, embora alguns considerem até os 5 anos de idade. Em relação ao fator etiológico da PC, não é possível determinar a causa específica da lesão, porém existem diversos fatores de risco para esse tipo de paralisia, os quais podem ser identificados durante o período gestacional (fatores de risco pré-natais), durante o processo do parto (fatores de risco perinatais) e após o nascimento até os primeiros anos de vida da criança (fatores de risco pós-natais). Devemos considerar também que, mesmo na presença de um ou mais fatores de risco para a PC, não podemos afirmar que essa criança terá lesões neurológicas. Por exemplo: se um bebê nascer prematuro e de baixo peso gestacional, não significa que ele terá PC, e sim que se trata de um bebê de maior risco para lesão encefálica. O conhecimento e a identificação desses fatores de risco são importantes para estabelecer o tratamento precoce e adequado desses bebês. Os mecanismos da lesão encefálica podem ser causados por processos hemorrágicos e hipóxico (isquêmicos, infecciosos, traumáticos, entre outros). Um dos eventos que levam ao comprometimento cerebral é a diminuição da oxigenação devido a um quadro de hipoxemia (diminuição da concentração de oxigênio no sangue) ou de isquemia (diminuição da perfusão de sangue no encéfalo). No período neonatal, podem ocorrer associados quadros de hipoxemia e de isquemia, caracterizando o quadro de encefalopatia hipóxico-isquêmica. Durante o período gestacional, algumas áreas cerebrais são mais suscetíveis a lesões do que outras. Por exemplo: a substância branca periventricular apresenta maior vulnerabilidade no período entre 26 e 34 semanas de gestação, e, portanto, uma lesão dessa área nesse período pode ocasionar um quadro chamado de leucomalácia periventricular. 48 Unidade I No quadro a seguir, são descritos possíveis fatores de risco para PC, divididos em período pré, peri e pós-natal, para melhor entendimento. Quadro 5 – Fatores de risco para PC Fatores pré-natais Fatores perinatais Fatores pós-natais Gestação gemelar Doenças metabólicas (diabetes, desnutrição) Fatores tóxicos (medicamentos, drogas, álcool, tabagismo) Exposição à radiação Infecções (TORSCHA) Abortos prévios Hipertensão arterial (pré-eclâmpsia e eclâmpsia) Alterações placentárias Complicações obstétricas Prematuridade (antes de 37 semanas de gestação) Baixo peso gestacional (menos de 2.500 kg) Distúrbio metabólico Parto prolongado Apresentação fetal anômala Nota do índice de Apgar Septicemia Desnutrição Crises convulsivas Meningoencefalites virais e bacterianas Anóxia/hipóxia Intoxicações Maus-tratos Afogamento Icterícia Como podemos observar no quadro anterior, nos fatores de risco pré-natais, há um grupo de infecções materno-fetais (ultrapassam a barreira placentária) que podem ser associadas a PC. A sigla TORSCHA é formada a partir da junção das iniciais dessas patologias, que são, respectivamente, toxoplasmose, rubéola, sífilis, citomegalovírus, herpes, aids e, atualmente, tem-se acrescentado a letra Z, devido aos casos de microcefalia causados pelo Zika vírus (TORSCHA + Z). Antes de engravidar ou durante o pré-natal, o médico deve solicitar a realização de testes sorológicos específicos e de pesquisa de vírus para excluir a presença de patologias ou oferecer o tratamento adequado durante a gestação. As infecções materno-fetais serão brevemente descritas a seguir, com o intuito de associarmos a presença da infecção a possíveis lesões encefálicas. Devemos ressaltar que, em determinados períodos da gestação, há uma maior suscetibilidade de essas infecções ultrapassarem a barreira placentária, causando prejuízos neurológicos ao feto. Vamos começar pelas duas primeiras letras da sigla que vimos, ou seja, falaremos sobre a toxoplasmose. A toxoplasmose é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii (T. gondii), é mais prevalente em países de clima tropical, com maior incidência nos níveis socioeconômicos mais baixos, com piores condições higiênico-sanitárias. Em casos de infecção primária (fase aguda) durante a gestação ou emcasos de mulheres imunodeprimidas com ativação infecciosa, pode ocorrer o acometimento fetal. Se o feto for infectado, poderá ocorrer o quadro da tétrade da toxoplasmose congênita clássica, caracterizada por coriorretinite, hidrocefalia ou microcefalia, calcificações cerebrais e alteração neurológica. Outras complicações incluem o risco de aborto fetal, parto prematuro, déficit do desenvolvimento neurocognitivo do bebê, entre outros. As lesões do SNC de pacientes com toxoplasmose são caracterizadas por necrose significativa e inflamação circundante. As áreas necróticas podem calcificar e levar a achados radiológicos sugestivos da lesão causada pelo toxoplasma. 49 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA A toxoplasmose congênita fetal pode levar ao óbito do feto. O exame de ultrassonografia pode mostrar áreas de calcificações cerebrais ou hepáticas, sinais de hidrocefalia, esplenomegalia, ascite e pericardite. Já o neonato pode apresentar sinais como coriorretinite, estrabismo, encefalite, convulsões, microcefalia ou hidrocefalia e atraso no desenvolvimento motor. A rubéola, também conhecida como sarampo alemão, é uma doença viral aguda, causada pelo vírus de RNA, e é transmitida de pessoa a pessoa através da propagação de gotículas de secreções respiratórias de pessoas infectadas. O vírus da rubéola pode infectar a placenta da gestante, podendo infectar o feto. A síndrome da rubéola congênita é transmitida pela via transplacentária, após viremia materna. Trata-se, portanto, de uma doença congênita, e, quanto mais precoce for a infecção em relação à IG, mais grave será a doença. A infecção materna pode levar ao aborto, à morte fetal ou a anomalias congênitas, tais como catarata, glaucoma e surdez. A vacinação é a forma de prevenção da doença, interrompendo assim a transmissão do vírus. As consequências da rubéola são mais sérias se a infecção ocorrer no primeiro trimestre da gravidez. As complicações abrangem o risco de aborto espontâneo, morte fetal ou múltiplas alterações sistêmicas, que incluem catarata, microftalmia, perda auditiva, estenose arterial pulmonar, microcefalia e atraso do desenvolvimento motor. Saiba mais A rubéola e a síndrome da rubéola congênita (SRC) são doenças de notificação compulsória no Brasil desde 1996. No entanto, a partir de 1999, a vigilância epidemiológica integrada de sarampo e rubéola foi implementada, com o intuito de atingir a meta de eliminação do sarampo no país. Assim, essa vigilância tornou-se mais sensível com o monitoramento da circulação do vírus da rubéola. Para saber mais sobre o assunto, leia: COSTA, F. A. et al. Síndrome da Rubéola Congênita: revisão de literatura. Revista de Medicina e Saúde de Brasília, v. 2, n. 1, 2013. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rmsbr/article/view/3895. Acesso em: 26 nov. 2020. A sífilis é uma doença crônica infecciosa causada pela bactéria Treponema pallidum, geralmente adquirida pelo contato sexual com outro indivíduo infectado. Ela é mais comum nas grandes cidades e em indivíduos jovens e sexualmente ativos. A sífilis congênita resulta da disseminação hematogênica transplacentária da mãe para o feto, sendo um grave problema de saúde pública responsável por altos índices de morbimortalidade intrauterina. 50 Unidade I A detecção no período gestacional é importante para diminuir a incidência de complicações secundárias, tais como baixo peso ao nascimento, parto prematuro e óbito do neonato. O risco de infecção fetal é maior nas fases iniciais da sífilis materna não tratada, e o tratamento adequado e precoce da mãe pode evitar a doença clínica no neonato, mas o neonato infectado, ao nascer, pode ser normal do ponto de vista clínico. As manifestações clínicas que o neonato pode apresentar incluem hepatoesplenomegalia, icterícia, déficit auditivo e arqueamento das tíbias. Saiba mais A infecção por sífilis pode não apenas colocar em risco a saúde do adulto, mas também ser transmitida para o bebê durante a gestação. O acompanhamento das gestantes e parcerias sexuais durante o pré-natal previne a sífilis congênita e é fundamental. Para entender melhor, leia: BRASIL. Ministério da Saúde. Sífilis: o que é, sintomas, tratamento e prevenção. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: http://saude. gov.br/saude-de-a-z/sifilis. Acesso em: 11 nov. 2020. O Citomegalovírus (CMV) humano é causado pelo beta-herpes-vírus e pode ser transmitido pelo contato interpessoal com fluidos corporais infectados (saliva, sangue, urina e secreções genitais). A transmissão placentária pode ocorrer por infecção materna primária ou secundária (reativação viral ou exposição a nova cepa do vírus). O feto pode ser gravemente acometido, surgindo sintomas de icterícia, hepatoesplenomegalia, anomalias no SNC e diminuição do desenvolvimento fetal. A infecção congênita pelo herpes-vírus pode ocorrer na fase intrauterina, durante o parto ou no pós-parto, e o neonato poderá apresentar sintomas de infecção de pele, olhos e boca, infecção do SNC, entre outros. A transmissão materno-infantil do HIV pode ocorrer da mãe para o bebê pela sua exposição durante o período gestacional, durante o parto ou pelo aleitamento, sendo necessário adotar medidas preventivas, como o uso de antirretrovirais pela gestante e pelo neonato – é contraindicado o aleitamento materno –, para diminuir a ocorrência da transmissão. Como vocês devem lembrar, em novembro de 2015 ocorreu uma epidemia de bebês microcefálicos no Brasil, o que foi atribuído à infecção congênita pelo Zika vírus, levantando a possibilidade dessa infecção provocar diversas lesões neurológicas nos RN. Pouco se sabe ainda em relação à patogênese da infecção pelo Zika vírus, mas acredita-se que o vírus se replica nas células dendríticas. 51 FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA Figura 41 – Microcefalia associada ao Zika vírus Figura 42 – Microcefalia congênita associada à infecção do Zika vírus Figura 43 – Microcefalia 52 Unidade I Saiba mais Para complementar seus estudos, leia os artigos a seguir: OESER, C.; LADHANI, S. An update on Zika Virus and Congenital Zika Syndrome. Paediatrics and Child Health, v. 29, n. 1, p. 34-37, 2018. FRANÇA, G. V. et al. Congenital Zika virus syndrome in Brazil: a case series of the first 1501 livebirths with complete investigation. The Lancet, v. 388, n. 10.047, p. 891-897, 2016. Durante o período pós-natal, podem ser adquiridas lesões no SNC, algumas vezes relacionadas a casos de violência, como aqueles em que a criança é vítima de maus-tratos (síndrome do bebê sacudido), ou casos de afogamento, infecções por meningite bacteriana, intoxicação, entre outros. Um quadro relativamente comum apresentado pelo bebê é a icterícia neonatal, uma vez que a função hepática para conjugação e excreção da bilirrubina não amadurece completamente até cerca de duas semanas de idade. Quase todo RN desenvolve uma hiperbilirrubinemia não conjugada leve e transitória, porém esta pode ser exacerbada com a amamentação, devendo ser tratada para evitar quadros de hepatite neonatal. O tratamento preconizado é a fototerapia. Lembrete A hiperbilirrubinemia do RN surge nos primeiros dias de vida, sendo causada pelo acúmulo de bilirrubina no sangue, deixando a pele amarelada (ictérico). A PC não é uma doença de notificação compulsória, e, portanto, no Brasil, não temos dados relacionados a sua incidência e prevalência. Em países desenvolvidos, considera-se uma prevalência entre 1,5 e 2,5 casos por 1.000 nascidos vivos; já em países em desenvolvimento, como o Brasil, a prevalência chega a 7 por 1.000 nascidos vivos. As condições de assistência neonatal podem ser diretamente relacionadas à incidência de PC como causa pré-natal, e as condições socioeconômicas às causas pós-natais. Os indivíduos com PC apresentam incapacidades variadas, que afetam o desenvolvimento motor e postural e, consequentemente, seu desempenho funcional. Portanto, o diagnóstico da PC é prioritariamente clínico. Durante a anamnese,
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