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Beatriz Maria Mesquita (Medicina - UEMA) Complicações em Cirurgia Febre no pós-operatório Definição: desordem hipotalâmica da termorregulação Temperatura oral normal: 36-37,8°C Temperatura axilar normal: 36,6-37,2°C Temperatura retal normal: 36,06-38,04°C Acontece em até 2/3 dos pacientes e sua causa é infecção em cerca de 1/3 dos casos Fonte: Sabiston Tratado de Cirurgia 19ª edição Qual é a patogênese da febre? Na presença de bactérias, vírus ou fungos, ocorre a liberação de Pirogênios Exógenos (PEx), os quais em contato com os linfócitos, monócitos e macrófagos estimulam a síntese de liberação dos Pirogênios Endógenos (PEd) ou citoquinas pirogênicas (IL-1, IL- 6, fator de necrose tumoral α, fator neutrofílico ciliar e interferon- α.) Os PEd induzem as células endoteliais localizadas no hipotálamo a sintetizarem prostaglandinas que agem no centro termorregulador hipotalâmico (termostato) com a finalidade de ajustar a temperatura corpórea. A partir disso começa o processo de conservação e geração de calor: vasoconstrição periférica (desviar sangue da pele para órgãos centrais, evitando a perda calórica por evaporação – “sentir frio”) abalos musculares (aumentam a geração de calor pelos músculos – “calafrios”) termogênese não relacionada aos calafrios Hiperpirexia: temperatura ultrapassa 41,5ºC. Condição mais frequentemente envolvida no Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico. Hipertermia ≠ Febre: Hipertermia é a elevação da temperatura por um mecanismo em que nada tem a ver com o desajuste no centro termorregulador hipotalâmico. Comum nos seguintes casos: hipertemia maligna, intermação (heat stroke) e uso de determinadas drogas ilícitas ou lícitas (inibidores da MAO, antidepressivos tricíclicos, neurolépticos, cocaína, etc.) Como interpretar um pico febril no pós-operatório? É preciso levar em consideração alguns fatores: Tipo de cirurgia Presença de infecção sintomática ou subclínica Uso de drogas ou hemoderivados Uso de dispositivos invasivos (cateter vesical de demora, cateter venoso superficial ou profundo, drenos cavitários) Evidências de síndromes inflamatórios (flebite, trombose venosa de MMII) Evidências de síndromes infecciosas (celulite, peritonite, sinusite, etc.) Tempo de aparecimento: intraoperatória, primeiras 24h, entre 24h-48h, após 72h de pós operatório. As principais causas infecciosas de febre são: ISC, infecção urinária, infecção relacionada ao cateter e à pneumonia Febre intraoperatória: se deve geralmente a uma infecção pré-existente ou a reações transfusionais Reações transfusionais: incompatibilidade ABO (forma mais grave), incompatibilidade a outros antígenos mais específicos e de contaminação do circuito ou do hemoderivado febre alta, hipotensão, hemoglobobinúria. TTO: interrupção imediata da infusão, reposição volêmica com solução salina (corrigir hipotensão), alcalinização da urina para prevenção de necrose tubular aguda nefrotóxica pela hemoglobina. Infecção pré-existente: complicação da doença que motivou a cirurgia, como por exemplo – apendicite perfurada ou diverticulite colônica complicada. Primeiras 24h: resposta endócrino metabólica e imunológica ao trauma (REMIT) conjunto de reações desenvolvidas pelo organismo para tentar manter a homeostasia em circunstâncias relacionadas a traumas de etiologias diversas e desencadeadas por vários componentes, tais quais como perda sanguínea, lesão tecidual, ansiedade e dor. OBS: Hipertermia Maligna (HM) - Definição: desordem rara do músculo esquelético de caráter autossômico dominante. Pode ocorrer nos 30 min iniciais de anestesia ou até 24h do pós operatório. - Causas: agentes anestésicos: bloqueadores neuromusculares despolarizantes (succililcolina), agente inalatórios halogenados (halotano, enflurano, sevoflurano e isoflurano) - Sinais: hipercapnia, taquicardia, rigidez do masseter e muscular generalizada, presença de ondas T apiculadas e arritmias (ectopia ventricular, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular), acidose metabólica e hipoxemia, febre (geralmente tardiamente) Conduta: suspender cirurgia, caso não seja possível, trocar as drogas anestésicas (substituindo anestésico inalatório por drogas intravenosas) e bloqueador neuromuscular (BNM) despolarizante por um não despolarizante. Iniciar dantrolene imediatamente na dose de ataque IV 2,5mg/kg (potente relaxante muscular) Fonte: MEDCURSO 2021 Primeiras 36h: lesão inadvertida de alça intestinal durante cirurgias abertas ou videolaparoscópicas. Consequência: extravasamento de conteúdo intraluminal para a cavidade peritoneal, ocasionando peritonite difusa. Sintomas: febre, distensão abdominal, recusa alimentar e vômitos pós-alimentares. Primeiras 48h: flebites superficiais, atelectasia pulmonar Atelectasia pulmonar: é a condição mais encontrada, principalmente nas primeiras 24h/48h; anestesia geral e cirurgia abdominal são as principais causas envolvidas nessa complicação. Primeiras 72h: infecção necrosante do SC (fasciíte necrosante) Infecção necrosante do SC: estreptococos ou espécies de Clostridium. Ferida se apresenta com bordas necróticas e crepitação à palpação no entorno. Por isso, avaliação da ferida operatória na presença de episódio febril. Após 72h (5º-8º dia): eventos mais graves, de origem infecciosa geralmente. Possíveis causas: Foco urinário (cateterização vesical ou procedimentos sobre as vias urinárias) 105 UFC – em não cateterizados e 10³ UFC em cateterizados indicam infecção Complicações anastomótica e contaminação peritoneal (febre a partir do 4º dia) Infecção da própria ferida operatória (febre entre o 7º e 10º dia) Nesse período, caso não seja definido uma etiologia para a febre, deve-se considerar outras causas: sinusite (permanência de cateteres nasoenterais ou nasogástricos), colecistite alitiásica, doença tromboembólica (trombose venosa profunda com ou sem ebolia pulmonar), colite pseudomembranosa, pancreatite aguda pós-operatória, IAM, etc. A avaliação do paciente geralmente envolve a avaliação dos pulmões, da ferida, do trato urinário, do TGI inferior e do uso de medicamentos. Os sintomas do paciente geralmente indicam o sistema orgânico envolvido com infecção: tosse e escarro produtivo sugerem pneumonia disúria e polaciúria indicam uma ITU diarreia aquosa com odor fétido se desenvolve como resultado de infecção por C. difficile dor na panturrilha pode ser causada por trombose venosa profunda (TVP) dor no flanco pode ser atribuída à pielonefrite Hemograma completo, urinálise e urinocultura, radiografia do tórax e cultura sanguínea são exames iniciais essenciais Radiografia do tórax: pode mostrar infiltrado progressivo sugestivo da presença de pneumonia Exame de urina: mostrando mais do que 105 formadoras de colônias unidades/mililitro (UFC/mL) em um paciente não cateterizado e mais de 103 UFC/mL em um paciente cateterizado indica uma infecção do trato urinário Culturas de sangue periférico: Parotidite supurativa: caracterizada pelo aumento da glândula, eritema local, febre e leucocitose. FR: idade avançada, má higiene oral e desidratação. Tempo de aparecimento: até 2 semanas após cirurgias de grande porte. Agente etiológico: Staphylococcus aureus a. Cateter intravenoso: bacteremia e isolamento de 15 UFCS ou 102 UFCS indicam a presença de um ICS-RC (infecção da corrente sanguínea relacionada com cateter). Culturas de sangue central: b. Cateter encapsulado: contagem de colônias quantitativas que é 5 a 10 vezes maior em culturas traçadas através do cateter venoso central é preditiva de ICS-RC. Cultura pareada (culturas de sangue periférico e central simultânea):cultura positiva mais de 2 horas antes de cultura periférica, indica a presença de ICS-RC Tratamento O tratamento da febre pós-operatória é determinado pelos resultados da avaliação O manejo da temperatura elevada em si é controverso. Tentativas de diminuir a temperatura com antitérmicos são recomendadas pela maioria dos cirurgiões Suspeita de pneumonia inicia-se a antibioticoterapia de amplo espectro e, então, altera-se de acordo com os resultados da cultura. ITU é tratada com a remoção ou substituição do cateter por um novo. Pacientes sintomáticos: ATB de amplo espectro. Pacientes assintomáticos: só faz uso de ATB se - pacientes imunocomprometidos, pacientes submetidos a operações urológicas, implantação de uma prótese, ou aqueles com infecções causadas por cepas com alta incidência de bacteremia. ICS-RC remoção do cateter com antibioticoterapia coadjuvante. Um cateter não tunelizado pode ser facilmente removido após o estabelecimento de uma alternativa ao acesso venoso. Terapia com agente único é suficiente e geralmente envolve a vancomicina, linezolida ou cobertura empírica de bacilos Gram-negativos e Candida spp. em pacientes com sepse grave ou imunossupressão. O tratamento estende-se por 10 a 14 dias. O salvamento de cateter é indicado em pacientes com cateteres encapsulados arriscados para serem removidos ou substituídos ou naqueles com estafilococos coagulase-negativos que não possuem evidências de doença metastática ou sepse grave, não apresentam infecção do túnel ou não têm bacteremia persistente. O salvamento de cateter é obtido pela terapia de bloqueio de antibiótico pelo qual o cateter é preenchido com solução de antibiótico por várias horas. REFERÊNCIAS 1. Medcurso 2021 – Apostila Cirurgia Vol. 2, Cap. 2, Pag. 27-28 2. Sabiston Tratado de Cirurgia - 19ª edição, Vol.1, Pag. 528-532 Febre no pós-operatório
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