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Direitos Humanos e Cidadania no Brasil VINÍCIUS CRUZ PINTO 1ª Edição Brasília/DF - 2021 Autores Vinícius Cruz Pinto Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático........................................................................................................................................5 Introdução ..............................................................................................................................................................................7 Capítulo 1 Evolução Histórico-Cultural dos Direitos Humanos ..........................................................................................9 1.1 Evolução histórico-cultural dos Direitos Humanos no mundo .......................................................... 10 1.2 Evolução histórico-cultural dos direitos humanos no Brasil ............................................................... 14 Capítulo 2 Ordem Pública, Segurança Pública e Direitos Humanos............................................................................... 26 2.1 Ordem Pública e Segurança Pública ............................................................................................................. 27 2.2 Ordem Pública, Segurança Pública e a Constituição de 1988 ............................................................. 34 Capítulo 3 Mecanismos internacionais e nacionais de proteção aos Direitos Humanos ....................................... 38 3.1 Carta das Nações Unidas .................................................................................................................................. 41 3.3 Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................................................................ 43 3.4 Principais normas internacionais ................................................................................................................... 45 3.5 Fontes, sistemas e normas de Direitos Humanos em nível regional ............................................... 47 3.6 Sistema nacional (Brasil) .................................................................................................................................. 49 Capítulo 4 Ética e Cidadania ........................................................................................................................................................ 54 4.1 Ética, moral e costumes .................................................................................................................................... 54 4.2 O que é Cidadania? ........................................................................................................................................... 59 4.3 Dimensões de análise e aplicação dos direitos humanos .................................................................... 62 4.4 Princípios constitucionais dos direitos e garantias fundamentais do cidadão ............................. 66 Capítulo 5 Ética Profissional......................................................................................................................................................... 70 5.1 Organizações e profissionais de segurança pública como instrumentos de defesa, proteção e garantia dos direitos humanos ............................................................................................................................. 70 5.2 Direitos humanos e cidadania dos profissionais de segurança pública .......................................... 72 4 Capítulo 6 A Polícia e o Uso da Força ....................................................................................................................................... 82 6.1 Aspectos legais, morais e éticos no emprego da força .......................................................................... 83 6.2 Princípios Básicos das Nações Unidas para Uso de Força e Armas de Fogo .................................. 87 Referências .......................................................................................................................................................................... 90 5 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 6 ORgANIzAçãO DO LIvRO DIDátICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Gotas de Conhecimento Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento, cápsulas de conhecimento etc. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 7 Introdução O conteúdo deste Livro Didático acerca de Direitos Humanos e Cidadania tem o objetivo de proporcionar o conhecimento amplo das características dos Direitos Humanos e a forma como ambos são aplicados. Para tanto, será preciso dimensionar a sua evolução histórico-cultural no mundo e no Brasil, identificando os princípios constitucionais dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. O objetivo é que o aluno compreenda e reflita criticamente sobre os antagonismos das organizações de segurança pública frente às questões dos direitos humanos, identificando os aspectos legais, morais e éticos no emprego da força pelas organizações policiais. Conceituar estrutura de diferentes modelos teórico-práticos de uso da força adotados por organizações de segurança pública nacionais e internacionais, analisando a discussão para o modelo básico de uso da força a ser adotado pelas organizações de segurança pública no Brasil. Objetivos » Tornar claro o contexto social, jurídico e político dos direitos amplos e dos direitos humanos. » Observar sociologicamente as idas e vindas dos direitos. » Apresentar o pensamento científico a respeito dos direitos humanos se apropriando do senso comum para analisá-lo de maneira distanciada. » Pensar e refletir sobre a ética e a prática na atuação dos profissionais da segurança pública sob a égide dos direitos humanos. »Repensar a conceituação sobre o que é segurança pública. 8 9 Boa parte dos direitos que desfrutamos atualmente são vivenciados sem muita reflexão, experimentados no cotidiano como banalidades. Dessa forma, votar, ter uma casa, expressar ideias publicamente, frequentar o templo religioso de sua preferência, se casar com a pessoa de sua escolha e receber remuneração pelo trabalho realizado são direitos sobre os quais a maioria das pessoas atualmente não questiona; mas o fato é que cada um desses direitos hoje “triviais” tem uma história. A fim de situar historicamente a evolução desses direitos, convém didaticamente explicitar os marcos históricos que culminaram na noção contemporânea de direitos humanos. Objetivos » Compreender as idas e vindas dos direitos fundamentais e humanos ao longo da história do mundo e do Brasil. » Ser capaz de analisar, contrastar, aprofundar e inferir informações na lei, em outros códigos no contexto social. » Apropriar-se do conteúdo sendo capaz de pensar a adequação dos direitos humanos na prática. 1 CAPÍTULO EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS 10 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS 1.1 Evolução histórico-cultural dos Direitos Humanos no mundo Ao longo da história encontramos alguns documentos notáveis que fizeram parte do que viríamos mais tarde de direitos humanos, como, por exemplo, o Cilindro de Ciro (539 a.C.), a Magna Carta Inglesa (1215), a Petição de Direitos (1628), a Declaração Inglesa de Direitos (1689), a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). O Cilindro de Ciro é considerado historicamente como o primeiro tratado de Direitos do Homem. O documento expressa seu caráter humanitário ao autorizar exilados a retornarem às suas terras de origem, também há menções às condições de vida da população e destaque à suposta crueldade do antigo governante. O documento destaca as virtudes de Ciro em oposição à opressão de Nabonido (GUIMARÃES, 2010). Figura 1. Cilindro de Ciro. Fonte: http://orientemedioemfotos.blogspot.com/2013/11/o-cilindro-de-ciro.html. Acesso em: 24 jul. 2020. A experiência democrática ateniense, datada entre os séculos VI e IV a.C., não pode ser diretamente relacionada ao sentido atual de democracia, uma vez que apenas homens Importante Os direitos fundamentais são garantidos pela Constituição Federal de determinado país, enquanto direitos humanos são garantidos por meio de leis internacionais. Embora a disciplina seja relativa aos direitos humanos, para darmos conta do seu histórico-cultural, falaremos da garantia dos direitos fundamentais com base em teorias da Ciência Política, além da análise das Constituições Federais do Brasil (direitos fundamentais). Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59616/diferenca-entre-direitos-humanos-e-direitos-fundamentais. Acesso em: 7 jul. 2020. 11 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 adultos livres, descendentes dos fundadores da cidade-Estado, estariam aptos a tomar parte das decisões relativas à Polis. Entretanto, o exemplo grego serve de referencial histórico de preocupação com a liberdade de expressão de seus cidadãos: Em assembleias populares, que aconteciam em praças públicas dez vezes por ano e, extraordinariamente, em situações graves, os homens adultos tomavam decisões, baixavam decretos, elegiam os responsáveis por executar as deliberações, designavam os membros da câmara de justiça (GUIMARÃES, 2010, p. 97). Lógica semelhante permaneceu durante a Roma Antiga, em que houve certo conjunto de leis pensadas para proteger indivíduos considerados cidadãos romanos e demais homens livres, em oposição àqueles que eram considerados desprovidos de quaisquer direitos, os escravos, os quais eram a parte mais numerosa da população. Ao longo da Antiguidade, não encontramos a ideia de universalidade dos direitos, sendo estes sempre conferidos a um grupo específico e restrito (LEITE, 2015). Ao longo da Idade Média – guardadas as devidas diferenciações históricas as quais não serão objeto de estudo aqui – temos uma sociedade de estamentos. Estamentos, diferente de classes sociais, são estruturas rígidas, em que há pouca ou mesmo nenhuma mobilidade social. Ao longo desse período, temos três estamentos principais: nobres, clérigos e servos. Os nobres eram os senhores proprietários de terras, os clérigos, sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e os servos eram os camponeses, que viviam e trabalhavam nas terras dos senhores feudais em troca de proteção. Assim, a ideia de direitos universais também não está presente nesse período, sendo reconhecidos apenas direitos relativos à posição de nascimento: As desigualdades entre as posições sociais eram consideradas naturais, sacralizadas e imutáveis, tornando-se praticamente impossíveis de serem modificadas. Os direitos das pessoas eram direitos estamentais, ou seja, relativos aos estamentos de origem, determinados desde o nascimento (GUIMARÃES, 2010, p. 98). Ao longo desse período histórico foram sendo formados o que mais tarde chamaríamos de Estados Modernos e então tensões sociais e disputas de poder foram pressionando por mudanças nas formas de organização social e estabelecimento das leis. Na Inglaterra, em um contexto de tensões entre o monarca John of England (também conhecido como John Lackland), a ICAR e os barões, foi redigida a Carta Magna, no ano 1215. Em tempos atuais é considerada como pedra angular da Constituição britânica, o primeiro documento oficial com o propósito explícito de garantir liberdades e direitos aos súditos e limitar os poderes do Rei: 12 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Em termos gerais, estabelecia que nenhum homem está acima da lei, nem mesmo o rei, por dádiva divina ou favores da igreja. Os 63 artigos exigiam direitos estamentais e limitação do poder real, a partir de um entendimento com a nobreza, prioritariamente com os barões e, em seguida, com os demais súditos. O princípio básico que inspirou a formatação final do documento foi à sujeição do poder do rei às liberdades individuais de seus súditos (GUIMARÃES, 2010, p. 99). No século XVII, em 1628, temos a Petição de Direitos (Petition of Rights), no início do reinado de Carlos I. Esse documento, escrito pelo parlamento inglês, tinha como principais pontos: 1. Nenhum tributo poderia ser cobrado sem autorização do Parlamento; 2. Nenhum súdito poderia ser encarcerado sem motivo demonstrado; 3. Nenhum soldado poderia se aquartelar nas casas dos cidadãos; 4. A lei marcial não poderia ser utilizada em tempos de paz (INGLATERRA, 1628). Esse documento reafirma pontos já presentes na Carta Magna e, ao mesmo tempo, o prenúncio de outro documento, ainda mais rigoroso, a Declaração Inglesa de Direitos (1689), também conhecida como Bill of Rights. Importante Entre os séculos XIV, XV e XVI, a Europa passou por diversas e intensas transformações sociais, que culminaram no fim do Feudalismo e início do Capitalismo, ou seja, o fim da Idade Média e Início da Idade Moderna. Essas transformações foram impulsionadas por intensas rupturas da ordem social que, de certa forma, ensejaram um desejo de retorno aos ideais da Antiguidade Clássica, porém com uma singular ênfase à figura humana. A imagem ao lado retrata o amor entre Afrodite e Ares, ligados pelo nó do amor que o cupido entrelaça. Apesar de serem considerados deuses (do amor e da guerra), a sua retratação é humana, quase realista. Logo, o amor sendo um sentimento humano se adéqua na característica do enaltecimento do humano, o Humanismo. O Humanismo insere o Homem no centro da criação, abrindo espaço para se pensar a dignidade humana como um valor a ser preservado, uma condição essencial para a posterior emergência dos direitos humanos. Figura 2. Ares e Afrodite. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/ image-illustration/mars-venus-united-by-love-paolo-751012930. Acesso em: 19 nov. 2020. 13 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 Também conhecida como Carta Inglesa dos Direitos, Bill of Rights, foi resultado de sérias tensões entre o Parlamento e a Monarquia Absolutista. O documento possui 13 cláusulas, em que consta uma série de direitos considerados essenciais aos lordes e, por extensão, aos demais membros do reino. Além de reafirmar os valores e direitos trazidos pelos dois documentos anteriores, este documento sedimenta a ideia de que os reis não podem se colocar acima das leis e põe fim à ideia de realeza como direito divino (BEZERRA, 2020). A Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) foi o documento de declaração de independência das 13 colônias britânicas na América do Norte. O documento foi redigido por cinco pessoas nomeadas pelo Congresso: Thomas Jefferson, John Adams, Benjamin Franklin, Roger Sherman e Robert R. Livingston. A Declaração traz como novidade um sentido moderno de direitos humanos, em que há a noção de que todos os homens seriam então dotados de certos direitos inalienáveis: “que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1776)”. Inspirada no pensamento iluminista e na Revolução Americana, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), é considerada um marco fundamental no estabelecimento do conceito atual de direitos humanos. O documento foi aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária. Artigo 1o Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2o O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão (FRANÇA, 1789). A maior relevância desse documento para o estudo de direitos humanos advém do fato de que pela primeira vez na história um documento legal estabeleceu a noção de igualdade de direitos de maneira universal, um conjunto de direitos que poderiam ser evocados a qualquer tempo. A repercussão do documento foi tamanha que ele inspirou a Constituição Francesa de 1848 e também a atual, de 1958, bem como serviu de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, é um documento elaborado por representantes de diversas origens jurídicas e culturais provenientes de todas as regiões do mundo. Foi proclamada em 10 de dezembro 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, como objetivo comum a ser alcançado por todos os povos e nações. 14 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Os 159 anos, quase 16 décadas que separam os dois marcos nos atentam para o fato de que a evolução da noção de direitos humanos não é linear. Duas Guerras Mundiais e mais diversos conflitos locais estão situados entre esses dois documentos. A Carta expressa um desejo, que visava à construção de um ideal humano que se distanciasse dos horrores do Holocausto e da Guerra, entretanto, é de fundamental importância saber distinguir em que ponto nos situamos em relação à DUDH, no quanto ainda falta para avançarmos nesta matéria e claro, como nos posicionamos, na atualidade, em relação a esta questão. Nesse contexto, desenvolveu-se o sistema universal de proteção da pessoa humana, cujo cerne é a Declaração Universal de Direitos Humanos, juntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Paralelamente, criaram-se sistemas regionais de proteção na Europa, na África e na América (GOUVEIA, 2013, p. 1182). Conforme Gouveia (2013), a Declaração Universal dos Direitos Humanos não apenas reafirma os ideais propostos na Revolução Francesa como demarcou uma nova era para os direitos humanos, quando passa a existir uma série de esforços coletivos e mecanismos de controle internacionais para evitar novas violações. 1.2 Evolução histórico-cultural dos direitos humanos no Brasil Cada país possui uma história própria de desenvolvimento imerso em peculiaridades e marcas históricas que se fazem presentes na atualidade, inclusive o Brasil. Porém, podemos começar a questionar brevemente a forma como lidamos com uma concepção histórica, especialmente para que possamos estar a par da História do Brasil a respeito dos Direitos Humanos. A ponderação é que a sociedade ocidental concebe o tempo de maneira linear, evolutiva, cumulativa e progressiva (LATOUR, 1994). A forma como a educação é concebida, a maneira como contamos a História, ou até mesmo projetamos o futuro, está imersa nesta matriz de pensamento em que cada etapa “supera” a anterior. A sua superação quer dizer que a etapa anterior se findou e não há mais resquícios na nova etapa. Essa forma de pensar o “tempo” vai influenciar a maneira como estruturaremos todo o nosso conhecimento e nossas relações sociais das mais importantes às mais triviais. Essa ponderação é um alerta para que não percebamos os direitos nesta concepção estritamente linear. Não necessariamente existe uma “evolução” linear quanto à apropriação dos direitos na vida comum e cotidiana no percurso da História. 15 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 1.2.1 Brasil Colônia e Império (1500-1888) No século XV, o Brasil passou a ser colônia de Portugal. Enquanto a Europa passava pelo Renascimento, mas, também, um período cruel chamado “Santa Inquisição”. O Brasil também não foi projetado para ser ocupado necessariamente, mas tão somente pilhado. O Brasil colônia que possuía seus povos originários foi dominado pela cruz e a espada dos colonizadores. A habitação dos novos colonos era uma forma de “tomar posse” do território. Não é possível falar em direitos há cerca de três séculos, pois aquele território dava sequência às leis portuguesas, que eram regidas pela monarquia. Essa abordagem se altera quando as tropas napoleônicas invadem para dominar Portugal, em 1808, fazendo com que o Rei e sua família conduzissem uma fuga para o Brasil, que ainda era uma colônia, mas, sendo a morada da família real, a formação de um Estado passou a tomar contorno. Nesse período do Brasil colônia temos a mão de obra escrava que sustentou e construiu o Brasil que conhecemos hoje, tendo se perpetuado por todo o período colonial, o primeiro e segundo Império praticamente. O Brasil foi um dos países que mais estendeu a escravidão no mundo, além de não ter ofertado nenhuma forma de reparação ou compensação histórica, lançando uma grande parte da população descendente em um sistema dotado de desigualdades próprias de uma sociedade industrial, não propiciando nenhuma forma de instrução ou reparação à população escravizada. Perceba que a escravidão e a monarquia andavam de mãos dadas durante todo o período monárquico, seja uma colônia ou já o Brasil independente. Essas duas características influenciarão significativamente as dificuldades no Brasil em reconhecer a igualdade dos indivíduos e a ampliação dos direitos. Uma monarquia pressupõe uma hierarquia entre as pessoas e a ausência, tanto da liberdade quanto da igualdade. Logo, quando tratamos de direitos humanos no Brasil, a marca que a monarquia produziu foi enorme no Direito brasileiro. O recorte histórico do Brasil colônia e fim do Brasil império teve a intenção de demonstrar que não é exatamente possível tratar sobre direitos humanos no Brasil nesses períodos, com exceção da Constituição Federal de 1824 que: 16 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Foi influenciada pelas ideias liberais e pelo constitucionalismo em voga na Europa. Todavia, a preocupação maior das elites brasileiras era a construção de um Estado-nação, o que relegava para um segundo plano a implantação de uma democracialiberal. O regime monárquico mesclava a adoção de uma lógica e de uma prática liberal e autoritária. A Monarquia era vista como a única maneira de manter a unidade nacional (GROFF, 2008, p. 106). Ou seja, enquanto o mundo percorria cenários republicanos, o Primeiro Império de Dom Pedro I tentava articular os direitos liberais associados à monarquia e mão de obra escrava. Por mais que tenha proibido castigos físicos extremos, a pena de morte não foi proibida nem mencionada nesSa Constituição. Essa também deu garantia do direito à propriedade, ou seja, os escravos eram tidos como propriedade. Portanto, a noção de universalidade não incluía uma grande parcela da população brasileira. 1.2.2 República e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 Continuaremos nossa análise a partir das Constituições Federais e com apontamentos do contexto social, focalizando a noção de direitos fundamentais nas Cartas brasileiras. Por mais que a República não tenha tido adesão popular, tendo sido um “golpe de Estado”, ela, inevitavelmente, produziu e provocou mudanças radicais em uma sociedade explicitamente hierárquica. Para refletir Figura 3. Bandeira Similar à de Minas gerais. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image- illustration/3d-flag-inconfidencia-mineira-minas- conspiracy-311452973. Acesso em: 19 nov. 2020. Necessário lembrar que no Brasil colônia, no Primeiro e Segundo Império ocorreram diversas revoltas populares contra o governo, como a Conjuração Mineira, Conjuração Baiana, Sabinada, Balaiada, Revolução Farroupilha, entre outras. Veja mais sobre o assunto. Disponível em: https://www. infoescola.com/historia/revoltas-do-periodo-regencial/. Acesso em: 5 jul. 2020. Descrição: A imagem é uma representação da bandeira do Estado de Minas Gerais com os dizeres “Liberdade ainda que tardia”. A Conjuração Mineira teve influência da independência americana cuja ideia de liberdade coexistia com a mão de obra escrava. 17 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 No art. 72 em seu início e nos §§ 1o e 2o, observamos que a lei assegura a liberdade, segurança, propriedade e, principalmente, a igualdade perante a lei. Não apenas o texto que dita tal igualdade, houve a ratificação ao não admitir “privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”. (art. 72, § 2o). Observe a lei Constituição de 1891: Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1o Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. § 2o Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. § 3o Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum. [...] § 7o Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados. [...] § 12. Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato. [...] § 16. Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas. [...] § 20. Fica abolida a pena de galés e a de banimento judicial. § 21. Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra. § 22. Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. (BRASIL, 1891) 18 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Ainda ao longo do artigo notamos uma seguridade jurídica e liberdade religiosa, não havendo uma religião oficial, sendo os cemitérios um espaço laico e livre para os diferentes ritos funerários religiosos. O Código Penal também acompanha as mudanças promovidas pela Constituição, extinguindo punições que, aos olhos dos homens da época, passaram a ser “radicais” como a pena de galés (trabalho forçado), banimento judicial (exílio). Apesar deste avanço constitucional quanto à liberdade religiosa no Código Penal Capítulo III – Dos Crimes Contra a Saúde Pública: Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica: Penas – de prisão cellular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000. (artigo revogado) Embora objetivamente não esteja sendo direcionado nenhum preconceito contra a recente população liberta, o Capítulo XIII no Código Penal de 1890 que criminaliza os “vadios e capoeiras” reforça a ideia de que tal população passou a ser criminalizada por suas crenças ou por sua dificuldade em se adequar às novas relações de trabalho estabelecidas. Portanto, embora a escravidão já tivesse sido abolida em 1888, e a República colocasse em pé de igualdade jurídica todos os indivíduos, a marca da escravidão seguiu em outros formatos com a criminalização de práticas culturais negras (OLIVEIRA, 2014). 1.2.3 Era vargas e as Constituições de 1934 e 1937 A terceira e quarta Constituição Federal, respectivamente, de 1934 e 1937, se inserem na História com a “Revolução de 1930”, capitaneada pelo militar Getúlio Vargas. A Constituição de 1934, quanto aos direitos individuais, previa: » não prejudicar o direito adquirido; » aquisição de personalidade jurídica, pelas associações religiosas; Provocação No site do Planalto é possível buscar todas as Constituições Federais do Brasil entre outros documentos. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ Acesso em: 5 jul. 2020. 19 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 » obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão; » proibição de prisão por dívidas, multas ou custas; » impedimento a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião, e, em qualquer caso, a de brasileiros; » instituiu o mandado de segurança; » O sufrágio feminino estava assegurado, em igualdade com o masculino; Conforme Groff (2008): É importante destacar a inovação em nível da garantia dos direitos fundamentais, com a criação do mandado de segurança, para proteção de direito “certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade”. (p. 113) [...] “O sufrágio feminino estava assegurado, em igualdade com o masculino (art. 108): “São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”. (p. 115). Ou seja, percebem-se avanços também na dimensão de igualdade de gênero para o voto e a segurança pelo direito líquido e certo conforme o instrumento jurídico “mandado de segurança”, aplicado para garantir direitos quanto à omissão ou erro do agente público. Embora notemos manutenção nos direitos conquistados pela República e aquisição de novos, a criação de tal Constituição se deveu mediante a Revolução Constitucionalista em 1932, conhecida como “Guerra Paulista”. Embora tenha sido derrotada, uma das suas principais reivindicações foram acatadas como a convocação para Assembleia Constituinte quepromulgou a Constituição Federal de 1934. Como vimos, a Constituição de 1934 inicialmente não foi proposta como interesse de Getúlio Vargas. Em 1937, ele, junto a um grupo militar, provocou o seu segundo golpe de Estado, afirmando ser necessário o “Estado Novo”. A justificativa foi o suposto “Plano Cohen”, criado por comunistas para dar um golpe de Estado. Porém, se tratava de um falso projeto elaborado pelo próprio governo incriminando comunistas. Sob este pretexto, Getúlio Vargas inicia um novo regime, criando a Constituição Federal de 1937, que retira diversos direitos adquiridos. 20 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Nessa Constituição se vê a influência do regime fascista italiano e o nazista. Veja algumas das mudanças: » concedeu amplos poderes ao Presidente da República; » restringiu as prerrogativas do Congresso e a autonomia do Poder Judiciário; » retirou a autonomia dos Estados-membros; » dissolveu a Câmara, o Senado, e as Assembleias Estaduais; » restaurou a pena de morte; » os partidos políticos foram dissolvidos; » a liberdade de imprensa era inexistente. No plano jurídico, o Poder Judiciário passava a ser controlado pelo Executivo, posto que o presidente poderia promover aposentadoria compulsória de qualquer agente. Foi criado o Tribunal de Segurança Nacional, com pleno poder para julgar crimes contra o Estado. Foi concretizada a censura prévia e a pena de morte. Mais uma vez, as resistências sindicais buscaram a reivindicação de direitos que acabaram sendo negociados. Além disso, Getúlio Vargas, orientado pelo nacionalismo, buscou fomentar a indústria nacional em diferentes setores da economia. Getúlio também buscou, por meio do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), uma reforma na Administração Pública. O resultado desse departamento foi a elaboração de concursos públicos, salário fixado e não variável, fiscalização do orçamento e o primeiro estatuto dos servidores públicos federais. Importante Getúlio Vargas teve diferentes influências internacionais na sua forma de governar. Uma das ideologias à qual ele se filiou foi o nazismo e a teoria da eugenia (pureza racial). Embora legalmente não tenha sido atribuída uma lei que perseguisse a população negra, a combinação da Ciência com uma política higienista e o nazismo produziu meios para mantermos um preconceito racial agora, com nova roupagem. Dito isto, a Ciência e suas teorias persuadem outros campos como o político e vice-versa. Podemos considerar que a Constituição de 1891 foi revolucionária, porém, um grupo de intelectuais considerava que não se poderia tratar iguais os desiguais na mesma medida. Seu arcabouço advinha das novas teorias criminológicas que estabeleciam relação entre características físicas e predisposições ao crime. O começo do século XX passou, então, a construir diferenças raciais novamente, porém, não do âmbito político, mas agora vindo do campo científico, se adequando, assim, às ideologias políticas mundiais. 21 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 1.2.4 Redemocratização e a Constituição de 1946 Esse período é chamado da “Redemocratização”, uma tentativa de implantar a Democracia. O cenário mundial é pós-Segunda Guerra Mundial, chamado de “Guerra Fria” em que os Estados Unidos da América e a União Soviética competiam ideologicamente por territórios e controle da população e do seu mercado. Quanto à Constituição de 1946, foi restabelecida a total liberdade de pensamento, podendo apenas haver censura a respeito de espetáculos e diversões públicas (art. 141, § 5o). Foi abolida a pena de morte, a não ser em caso de guerra, bem como a prisão perpétua (art. 141, § 31). Como avanços dos direitos sociais, tivemos: » salário mínimo; » proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; » participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; » repouso semanal remunerado; » salário mínimo; » proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; » salário mínimo; » proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; » participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; » repouso semanal remunerado; » participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; » repouso semanal remunerado; » proibição de trabalho noturno a menores de 18 anos; » assistência aos desempregados; » previdência, mediante contribuição da União; seguro contra acidentes do trabalho; direito de greve (art. 158); » liberdade de associação profissional e sindical (art. 159). 22 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Foi um período de estímulo às indústrias nacionais e também abertura do capital estrangeiro. 1.2.5 Ditadura militar e as Constituições de 1967 e 1969 A História do Brasil passou por um novo golpe de Estado promovido por militares em 1964, mantendo-se no poder até 1985. O pretexto foi assegurar os interesses da nação e proteger a população da “ameaça comunista”. Conforme a letra fria da lei a respeito dos direitos individuais, a Constituição de 1967 garantia: Observe a lei Art 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1o Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. § 2o Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. § 3o A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. § 4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. § 5o É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes. [...] § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. § 9o São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas. § 10 A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer. § 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. (Redação dada pelo Ato Institucional n. 14, de 1969) (Constituição Federal, 1967) 23 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 Havia a intenção de se manter uma aparência de legalidade para legitimar o regime ditatorial, tendo sido mantidos alguns direitos individuais (GROFF, 2008). Essa aparência se refere aos Atos Institucionais que funcionavam, na prática, limitando e extinguindo tais direitos, possibilitando a pena de morte, banimento e basicamente anulando a Constituição, conforme a redação integral do Ato Institucional n. 5: A citação comtempla parte do AI 5. Se lermos com atenção a íntegra do documento, observaremos que não há menção aos direitos sociais. Há exclusão dos direitos políticos e civis, além de dar plenos poderes ao Executivo para além do que estabelecido na Constituição.O presidente teria também o poder de retirar todas as garantias dos servidores públicos, afetando a Administração Pública. Em resumo, embora a Constituição ainda estivesse em vigor, ela estaria abaixo dos poderes do chefe Executivo. Em 1969 foi promulgada a nova Constituição mantendo a redação da de 1967, mas dando pleno poder aos militares, e promovendo a censura da imprensa. Foi um período em que o Estado restringiu os Direitos Humanos, apesar de já existir a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que veremos mais detidamente no capítulo 3. Houve ditaduras em outros países na América Latina em período parecido (Chile, Equador e Argentina). Apesar do recrudescimento nesses países e no Brasil, houve a marca de manifestações contra o regime ditatorial em prol da liberdade, escolha política e direitos sociais (CALDEIRA, 1991). Observe a lei Art. 1o São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional. [...] Art. 3o O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. [...] Art. 4o No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. [...] Art. 7o O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo. [...] Art. 10. Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. [...] 24 CAPÍTULO 1 • EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS Com o fim da ditadura militar, em 1985, temos a nossa atual Constituição Federal de 1988 apelidada como “Constituição Cidadã”. Após um longo período ditatorial com restrições básicas dos Direitos Humanos, ela promove instrumentos jurídicos que fomentam a participação popular de maneira atuante, característica própria da Democracia. Segundo Groff (2008, pp. 127-128): Existe uma relação direta entre o regime político e os direitos fundamentais. Durante períodos de regimes ditatoriais no Brasil, os direitos encontravam- se declarados nas Constituições, mas outros dispositivos da própria Constituição e a prática acabavam por negar esses direitos. Por outro lado, durante períodos de relativa democracia existiam previsões de direitos, e as demais normas constitucionais estatuíam um Estado limitado, o que oferecia condições para uma prática que respeitasse os direitos fundamentais. A citação resume nossa análise até aqui. Dependendo do regime, nossos direitos fundamentais ficaram limitados. Até mesmo quando estavam assegurados na lei, a prática ou outros Códigos podiam estar mantendo um preconceito étnico e religioso. Apesar disso, nos poucos momentos democráticos é que é possível observar avanços dos direitos fundamentais e que podíamos pensar em uma aproximação dos Direitos Humanos. Mais uma vez, é relevante relembrar os aspectos históricos do Brasil, em especial a tradição monárquica e escravocrata. Embora estivessem ambos extintos do Brasil, suas reverberações se perpetuaram de diversas maneiras, possibilitando, inclusive, uma noção negativa quanto aos Direitos Humanos. Saiba mais O movimento “Tortura nunca mais”, lançado em 1985, buscou apoiar os Direitos Humanos, sendo um grupo de apoio aos familiares dos mortos e torturados pela ditadura militar. Disponível em: https://www.torturanuncamais-rj.org. br/. Acesso em: 5 jul. 2020. Veja todos os Atos Institucionais no período da ditadura militar ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/_AITs_ CF1967.htm. Acesso em: 4 jul. 2020. 25 EvOLUçãO HIStÓRICO-CULtURAL DOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 1 Sintetizando Nesse capítulo estudamos a introdução dos Direitos Humanos. Alguns aspectos foram apenas a introdução para que compreendam mais profundamente os capítulos posteriores com explicações adicionais. Para qualquer interesse adicional em algum recorte histórico será necessário um estudo preciso e disciplinado. Percebemos que os Direitos Humanos estão atrelados aos direitos fundamentais. Tais princípios são fruto de revoluções na Europa para que fossem conquistados e não foram “naturais” nem concedidos facilmente. Uma das causas que vimos para essa forma de conceber o mundo advém do Renascimento, que é um período de transição da Idade Média para a Idade Moderna e fez com que o deslocamento de interesse dos intelectuais fosse para o Homem e as relações humanas ao invés de Deus. Quanto à História do Brasil percebemos que três fatores desfavorecem a percepção dos Direitos Humanos hoje: A tradição monárquica, a escravidão e a repressão à liberdade. Esses três elementos tornam nossas relações sociais conflituosas em conceber a igualdade e a liberdade como um direito fundamental. 26 No capítulo anterior abordamos a importância das liberdades individuais e falamos um pouco sobre seus limites. Neste capítulo, trataremos sobre os limites, ou seja, os acordos sociais e liberdades dos quais, coletivamente, abrimos mão para viver em sociedade. Para nossa existência em sociedade, celebramos, ao longo do tempo, pactos coletivos de convivência. Em algumas sociedades, tais pactos têm a sua “lei” em um mito; em outras, os acordos são orais. Nem todas as sociedades desenvolvem suas leis de forma escrita, porém todas as sociedades possuem regras e acordos sociais. Não existe nenhuma sociedade que tenha total liberdade, ou uma que seja totalmente repressora. Nas sociedades ocidentais tais regras também podem partir de consensos orais, porém os direitos são escritos e buscam se valer por meio das instituições, sendo incorporados na sociedade alguns consensos entre a liberdade e sua restrição. Quanto mais democrática é a tal sociedade, mais evidente esses direitos advêm dos reclames da sociedade civil. A teoria clássica da Ciência Política tratará sobre as formas que governantes devem administrar e governar, tendo sido estabelecido o “contrato social”. O Renascimento provocou mudanças culturais e ontológicas na Europa ao descentralizar o foco no divino, direcionando-o para o Humano no século XIV. Essas transformações influenciaram Nicolau Maquiavel (1469-1527) e os contratualistas, por conseguinte, como Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau. Um dos direitos que estes filósofos iluministas se interessam é a propriedade enquanto um direito do governado. De forma geral, já é exposto em suas teorias os dilemas do quanto precisamos abrir mão da liberdade para a ordem pública, a segurança pública e os direitos fundamentais. Os contratualistas deixam claro que há uma divisão entre os governantes e os governados, ou seja, uma relação entre o Estado e a sociedade civil. Nesta relação, 2 CAPÍTULO ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS 27 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 pode haver a perda dos seus direitos ou a concretização deles. O entendimento desta separação vai explicar bastante como a Segurança Pública é gerida no Brasil. A segunda relevância é que se começa a desenhar e a distinguir melhor o que é a esfera do privado e o que é público. Estas discussões estão como uma semente em suas teorias, e irão florescer nos filósofos posteriores e teorias sociais que vivenciamos hoje. Objetivos » Compreender a separação entre o público e privado. » Compreender a separação da sociedade civil e do Estado. » Conhecer a definição e o desenvolvimento dos conceitos de ordem pública e segurança pública. » Estabelecer proximidade com os conceitos de ordem pública e segurança pública. 2.1 Ordem Pública e Segurança Pública Ordem públicae Segurança pública são conceitos interdependentes. Por exemplo, pode-se dizer que a Segurança Pública visa garantir a Ordem Pública, e, ao mesmo tempo, é também possível dizer que a manutenção da Ordem Pública garante a Segurança Pública. Isto porque Ordem Pública pode ser pensada tanto em termos de estabilidade social, quanto em termos do conjunto de leis que visam garanti-la, ao passo que a Segurança Pública diz respeito tanto ao estado de segurança, onde os indivíduos podem gozar de seus direitos individuais tendo garantida sua integridade, quanto ao conjunto de ações e políticas públicas que visam estas garantias. 2.1.1 Ordem Pública Para compreendermos o conceito de Ordem Pública é necessário que pensemos um pouco cada palavra deste conceito. No senso comum, “ordem” geralmente significa um “comando”. Porém, também temos em nossa língua Portuguesa a noção de “ordenar”, classificar coisas ou pessoas. Nossa Língua consegue fundir essas duas ideias em uma mesma palavra, mesmo que em sua etimologia se tenha origens diferentes entre “mandar” e “classificar”. A “ordem” também foi fruto de reflexão para a Sociologia Clássica. Um dos sociólogos que tornaram a Sociologia relevante em diversos aspectos foi Émile Durkheim (2008b) 28 CAPÍTULO 2 • ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS que desenvolve uma teoria no século XIX que as regras sociais e a moral como elementos de coesão social. Como um dos seus principais conceitos, temos o fato social que é: » Exterior ao indivíduo => as regras e leis sociais. » Geral => ocorre em toda a Sociedade e se repete com todos os indivíduos. » Coercitivo => há uma obrigação no modo de agir seja consciente ou inconsciente, seja por meio da lei da moral ou da vergonha. Essas características reforçam a ideia de que o indivíduo ao longo de sua vida se insere na sociedade quando tais regras já existem e que ela será coagida de diferentes formas a obedecê-las. Estas características também apresentam o enfoque de que a sociedade busca e tende a harmonia, ou seja, os conflitos são um ponto cego na teoria de Durkheim. Para refletir Para Durkheim (2008a) uma das maneiras de socialização das crianças na sociedade era a escola, que deveria ser responsável pela formação intelectual, mas também sua formação moral. Figura 4. Educação pós-Covid-19. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/ teacher-children-face-mask-school-after-174606946. Acesso em: 19 nov. 2020. A formação moral pressupõe a transmissão de ideias de valores republicanos franceses como igualdade, liberdade, fraternidade etc. Assim, se constituiria indivíduos na sociedade com uma mesma moralidade pública, capazes de transitar e coexistir na mesma sociedade (DURKHEIM, 2008a). Como podemos pensar no cenário atual a ordem pública nesta importante instituição social? Quais práticas e valores a escola transmite hoje? Saiba mais Para saber mais de pesquisas em escola ver https://independent.academia.edu/B%C3%B3risMaia. Acesso em: 14 jul. 2020. 29 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 Não se trata de um consenso na teoria sociológica a ênfase na ordem. Quanto à contribuição de Durkheim, podemos afirmar que existe uma ordem precedente ao indivíduo e que esta sociedade buscará, de certa forma, socializá-lo conforme os códigos culturais vigentes. Agora trataremos sobre a palavra “público”. Dificilmente conseguiremos investir fôlego para tal conceituação. Provavelmente as relações conceituais e os exemplos de conflitos que existem no Brasil estejam contemplados em outras disciplinas. Por ora, exploraremos a ideia de que “público” se refere tanto a “publicar”, ou seja, tornar público um ato, mas, também, se refere à pessoa, ao povo. As sociedades passam a significar o que é público, independentemente da raiz da palavra e da sua origem, mas notemos, conforme a Teoria Política, pensar a sociedade significou pensar sobre a propriedade, a segurança e, por conseguinte, a privacidade. Essa concepção na fase moderna e contemporânea da Europa passa a tomar contorno com as ideias liberais e dos filósofos contratualistas. Portanto, a noção e o direito à propriedade e privacidade estão desenhados na História. Isso significa que novas formas de se viver e de se punir foram construídas (FOUCAULT, 1987) conforme foi se tornando mais clara a ideia do que é privado e do que é público. Saiba mais A título de curiosidade, a etimologia da palavra “público” compõe outras palavras com noções parecidas, mas que não notamos comumente. Segundo Portella (1984), algumas palavras a seguir possuem a mesma noção de “tornar público”, oriundas do latim. São elas: Edital – “dado a público” Do lat. editus, pp. de edere: dar a público, editar. (1984, p. 109) Exarar = “arar, lavrar para fora”. Do lat. exarare, de ex: para fora + arare: arar, lavrar. Exarar uma sentença = lavrar para fora, publicar uma sentença. (1984, p. 110) Professor – “aquele que fala, declara em público”. Do lat. profiteri, de pro: diante de, em público + fateri, de fari, fatus: dizer, declarar, falar. (1984, p. 116) Programa – “escrito ao público”. Do gr. pro: diante de, em público + gramma: letra, escrito. (1984, p. 116) 30 CAPÍTULO 2 • ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS Também foi interesse dos filósofos contratualistas e liberais definir o que seria atribuição do Estado, para que, assim, o direito à propriedade pudesse ser protegido. O âmbito público e privado, embora tenham estabelecido fronteiras, precisavam ser pensados de mãos dadas ao se governar, pois seria necessária uma condição mínima para que o livre mercado pudesse fluir. Agora podemos unir as duas ideias. A ordem, seja ela jurídica ou social, produz uma classificação entre as ações que são permitidas, devidas e proibidas. O público está relacionado ao que está fora do privado (embora estes conceitos se mesclem). Refere- se ao povo e em “tornar público” algo. Logo, a convivência social perpassa pela ordem, seja ela no espaço público ou no espaço privado. Saiba mais Michel Foucault (1926-1984) foi um importante filósofo que impactou diversas ciências com sua teoria, como a Medicina, a Administração e as Ciências Humanas. Inserido em uma teoria pós-estruturalista, ele absorve conceitos tanto da Psicanálise quanto do marxismo e estabelece críticas quanto à forma que analisamos o poder. Para ele, o poder não existe por si só, mas se estabelece estritamente na relação. Outro ponto relevante de sua teoria foi pensar o poder e a absorção da subjetividade nessas relações. Portanto, o poder deixa de ser algo estritamente exterior e passa a ser introjetado na subjetividade individual. Adiante desenvolveremos alguns conceitos do autor. Figura 5. Panóptico – vigilância, de Jeremy Benthan. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image- illustration/panopticon-prison-illustration- steampunk-russian-text-1598799826. Acesso em: 19 nov. 2020. Figura 6. Prisão – Punição contemporânea. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/man- prison-772489252. Acesso em: 19 nov. 2020. Descrição: O modelo punitivo na sociedade contemporânea é a prisão. Foucault, em sua obra “Vigiar e punir” (1987) afirma que além da prisão existe uma punição “extralegal” que é caracterizada pela vigilância, excluindo a privacidade do preso (o panóptico). Esta análise é compatível com prisões americanas, que diferem das prisões do Brasil. 31 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 Segundo Moreira Neto (1988, p. 142), ordem pública é um conceito que deriva da convivência pública: “É necessário que, nessa convivência, se estabeleça uma nova organização mínima em que se observe, obrigatoriamente, uma ordem ética mínima”. Trata-se de um pacto coletivo a partir do qual nós, conscientemente ou não, renunciamos a parte de nossa liberdade em favor da vida em sociedade. Como previamente discutido, uma liberdade absoluta entra em choque com a ordemsocial. Além disso, existem regras exteriores das quais podemos participar, em sociedade democrática, porém, inevitavelmente, existem regras anteriores às gerações futuras organizadas culturalmente. Provocação A Antropologia atualmente estuda tanto as sociedades industriais quanto as que não organizam sua sociedade no sistema econômico capitalista. Geertz (2009) foi um dos antropólogos que buscou compreender o mundo oriental tendo sido um importante autor para a Antropologia do Direito. Sua teoria desenvolveu a ideia de que a cultura se tratava de uma interpretação da interpretação e que poderia ser “lida” como um texto. Ela passa a ser como uma teia de significados que compõe toda aquela sociedade (GEERTZ, 1978). Figura 7. Clifford geertz (1926-2006). Fonte: http://soantropologia.blogspot.com/2017/03/geertz-clifford-situacao-actual.html. Acesso em: 17 nov. 2020. No livro “O saber local” (2009), Geertz narra a história do balinês “Regreg” (nome fictício) que teve sua esposa levada por outro homem. Regreg reivindica algum tipo de solução com o conselho local, porém não há nenhuma medida a ser tomada, pois isso não era previsto como um problema do ponto de vista coletivo a ser resolvido. Anos se passaram e Regreg deveria assumir uma posição no conselho. Como ato individual, ele rejeita. Aquilo parecia ser, de fato, um problema para seu contexto local. Regreg então foi punido com o abandono extremo. Mesmo com a intercedência de um chefe que era muito respeitado em favor a Regreg, a comunidade local não o ouviu, sustentando a punição. Esse é um dos textos clássicos para se compreender a Antropologia do Direito. Na narrativa, percebemos o interesse individual que não se adequava ao social. Em outras palavras, o que era “injusto” para Regreg não era injusto para sua sociedade. Em outra circunstância, a situação se inverte: o que era punível foi aplicado. Assim, observamos que em qualquer lugar existe uma ordem exterior ao indivíduo, tendo cada sociedade suas leis que se ajustam às suas crenças e costumes. Isso significa que a ordem pública pode e deve ser pensada como pretendemos construir, não sendo ela natural nem estática. 32 CAPÍTULO 2 • ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS Segundo Fontoura, Rivero, Rodrigues (2009) essa indefinição de conceito faz com que o que se entende por ordem pública possa ser aplicado conforme a natureza subjetiva do gestor: este é o que se costuma chamar de um conceito jurídico indeterminado, ou seja, o texto constitucional não o define para garantir a discricionariedade da administração pública. Com isso, segundo alguns autores, dá margem a interpretações ambíguas, podendo legitimar práticas autoritárias de manutenção da ordem, pacificação social a qualquer custo e sobretudo preservação da ordem de uns em relação à desordem de outros – neste sentido, cabe lembrar o fato de que no Brasil, historicamente, as polícias têm sido usadas para garantir o status quo e proteger uma classe social em detrimento às outras. (FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES, 2009, p. 144) Por outro lado, os autores seguem o texto afirmando que “a ordem pública também pode ser entendida como a ordem do Estado democrático” (FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES, 2009, p. 144). Portanto, preservar a ordem pública pode significar preservar a Constituição. 2.1.2 Segurança pública Figura 8. Segurança Pública. Segurança Pública Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/public-safety-icon-premium-style-design-1241122543. Acesso em: 19 nov. 2020. Sintetizando Com isso, podemos concluir quanto à ordem pública que as sociedades produzem um controle social para corrigir os desvios. Em qualquer grupo social existem os mecanismos de controle para que a ordem se sustente. A diferença está no quanto esta ordem irá sufocar o indivíduo, limitando sua liberdade, ou o quanto ela permite democraticamente as diferenças, limitando a liberdade daqueles que não a respeitam. 33 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 Lembra-se da influência da monarquia no Brasil? Tratar um pouco sobre a origem da segurança pública visa demonstrar alguns dilemas atuais a respeito da identidade da corporação e o seu modus operandi. Embora “segurança pública” não se restrinja à forma ostensiva, no Brasil existe esta associação entre a função e o termo “segurança pública”. A Intendência Geral de Polícia foi criada em 10 de maio de 1808, tendo como atividades: manter a ordem pública, limpeza, salubridade, iluminação, arruamento da cidade, vigilância da população, investigação de crimes, efetuação de prisões e funções administrativas e abastecimento de água. O intendente tinha a autoridade de investigar, acusar e julgar. Tudo aquilo que ameaçasse a ordem pública, poderia ser julgado e punido sob o som da chibata (LAGE; MIRANDA, 2007). Tal atuação não ficou incólume às críticas dos brasileiros que viviam em outros países e viam Polícias sendo pensadas para se evitar a repressão pela força, mas, sim, em prevenir o crime e desordem, a exemplo da Polícia Metropolitana de Londres (1829) (LAGE; MIRANDA, 2007). Como princípio, a intenção era garantir a segurança como atributo do Estado para com a população e não a população a serviço do Estado. Seguindo essa lógica, a polícia militarizada do Brasil fora criada para recepcionar todos os funcionários administrativos e a família real como sua primeira tarefa. Sua origem real, portanto, demonstra que ela não fora fundada a serviço da população, mas para a Coroa. Mesmo com a Primeira República, pouco mudou na prática policial, pois a ideia militar se manteve, sendo, ainda, distante da população. A polícia esteve a serviço de diferentes reformas urbanísticas na capital do Brasil, além da perseguição às religiões de matriz africana (OLIVEIRA, 2014) de maneira velada. Após o golpe de 1964, a Segurança Pública passou a ser prioridade, aprofundando ainda mais o modelo autoritário que direcionava seus esforços no “controle da informação na luta contra o inimigo interno – as organizações políticas de esquerda” (LAGE; MIRANDA, 2007, p. 2). Os anos 1980 já tiveram esforços de outros setores da sociedade em reorientar os objetivos da Polícia, pensando na manutenção dos direitos do cidadão. Foi uma década com expectativas e fruto de manifestações em busca de direitos já na década de 1970 (CALDEIRA, 1991). Apesar das expectativas, a realidade se mostrou diferente, mesmo com mudanças legais da Constituição de 1988. 34 CAPÍTULO 2 • ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS 2.2 Ordem Pública, Segurança Pública e a Constituição de 1988 A Constituição brasileira de 1988 foi a primeira Constituição a separar a noção de Segurança Pública e Segurança Nacional. Isso acabou sendo um marco, pois deixou de pensar o “inimigo interno” enquanto justificativa para estabelecer um estado de exceção. O texto do art. 144 da CF/1988 que se refere a segurança pública, diz “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.” Guiando-se inicialmente pela redação do artigo, sugere-se que sendo de responsabilidade de todos, significa com participação popular. Portanto, a segurança pública não se trata apenas da atuação estatal, mas, também, do cidadão ativo no controle a políticas e redução da violência (FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES, 2009, p. 144). Prosseguindo, o artigo define as polícias e suas competências que podem ser visualizadas no quadro a seguir: Quadro 1. Competências e campo de atuação das Polícias (BRASIL, 2020). CATEGORIA POLÍCIA ATUAÇÃO Ostensiva Polícia Militar Atua diretamente no combate aos crimes e delitos conforme suas instâncias: centro urbano, rodovias e ferrovias. Polícia Rodoviária Federal Polícia Ferroviária Federal Judiciária Polícias Civis Investiga crimes cometidos por civis. Faz parte do processoo inquérito policial que é incorporado na denúncia promovida pelo promotor. Polícia de fronteira Polícia Federal Atua nas fronteiras evitando a entrada de armas e drogas proibidas no solo brasileiro. Controla a saída e entrada de imigrantes e de brasileiros do território nacional. Patrimonial guardas Municipais Defende o patrimônio público municipal, atuando também para a ordem pública. Penal Polícias Penais Incluído em lei pela Emenda Constitucional n. 104/2019, agrega como da Segurança Pública os que atuam nos estabelecimentos penais. Defesa Civil Bombeiros militares Prevenção de incêndio e pânico, auxílio em desastres naturais. Socorro de maneira ampla nos cenários florestais, urbanos, industriais e aquáticos. Fonte: Elaborado pelo autor com base no art. 144 da CF/1988. Saiba mais Quanto à política de “inimigo” interno e externo à Nação, Agamben (2002) elabora o conceito “estado de exceção”. O conceito significa a suspensão dos direitos sob tempo determinado para se restabelecer a normalidade. Esse dispositivo constitucional ocorre em emergência nacional ou quando o país está sob ataque de forças estrangeiras. Tal dispositivo existe em diversos países, inclusive no Brasil. Agamben, em sua teoria, sugere que vivemos constantemente sob este estado, posto que a exceção e a regra se misturam em determinados espaços. A manutenção desse estado de exceção como justificativa faz com que percamos cotidianamente direitos à privacidade e liberdade. 35 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 Ainda no art. 144 da Constituição Federal de 1988, é possibilitada a criação de conselhos comunitários de segurança pública em todas as esferas ou órgãos que organizem a pauta. No governo de Fernando Henrique Cardoso foi criada, em 1997, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), tendo como primeira ação a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, que buscava financiar projetos na área de segurança pública e sociais visando prevenir a violência. O Plano condicionava a concessão de recursos à apresentação de resultados positivos em relação à criminalidade e violência, com ênfase nos direitos civis, principalmente os relacionados diretamente à integridade física e à cidadania. [...] Tal medida representou uma mudança substancial na prática tradicional de repasse de recursos baseada nas relações político-partidárias ou pessoais, e, por consequência, permitiu identificar a dificuldade que as secretarias de segurança estaduais tinham em apresentar propostas que priorizassem o respeito aos direitos humanos referentes à vida, integridade física e liberdade (MIRANDA, 2014, pp. 9-10). Importante Conforme a divisão do quadro notamos que o campo de ação da Segurança Pública é abrangente. Como conteúdo atual, temos a inclusão da Polícia Penal compondo a Segurança Pública a partir da recente Emenda Constitucional n. 104/2019. Essa adição fortalece a ampliação do conceito de Segurança Pública, sendo positiva para a sociedade tal percepção. Outro aspecto importante é sabermos que, conforme o art. 144, existe a polícia ferroviária federal: “§ 3o A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais”. (BRASIL, 1988) O texto acima se refere à Emenda Constitucional n. 19, de 4/6/1998, que reforça a atuação desta polícia. A sua história remonta ao Império, criada em 1852. Embora tenha sido reforçada duas vezes na Constituição de 1988, há informações de que ela não tenha sido efetivamente criada como um órgão. Apesar desta inconsistência jurídica, conforme a Constituição ela não é uma possibilidade, mas um dever, portanto ela faz parte da Segurança Pública. Contrariamente à Polícia Ferroviária Federal, as guardas municipais não são uma obrigatoriedade, tendo em vista o verbo “poderão” na letra da lei: “§ 8o Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” (BRASIL, 1988). Se guiando no Direito Constitucional, na letra fria da lei, a guarda municipal faz parte da Segurança Pública, embora não seja obrigatoriedade segundo o art. 144. Guiando-se pelo texto, ela não está elencada como um órgão da Segurança Pública. A sua atuação na força da lei municipal possui grande relevância para o setor da Segurança Pública, inclusive no entendimento do conceito de ordem pública. Historicamente, ela tem sido negligenciada e, inclusive, colocada como algo “menor” por não ser militarizada, o que evidencia a concepção de que a Segurança Pública se restrinja ao campo ostensivo e não da vigilância e controle. Porém, nosso esforço neste curso, é fazermos perceber que a vigilância e o controle podem ser feitos sem uma ação de repressão, mas praticamente pedagógica no convívio com cidadãos, com a Constituição de 1988, órgãos como a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), além da formação de conselhos comunitários, que podem aproximar a ação cidadã na gestão da Segurança Pública. 36 CAPÍTULO 2 • ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS Assim, a regulação constitucional e a ação do Poder Executivo nos governos subsequentes deram continuação ao setor e promoção da participação popular e investimento como um todo na pauta da segurança pública. Agora vamos tecer mais alguns comentários sobre o artigo 144 da CF/1988 e tudo que vimos até agora neste capítulo. Embora a CF/1988 tenha dirigido atenção para a segurança pública, separando-a da segurança nacional, conforme Fontoura; Rivero; Rodrigues, (2009), a proximidade dos artigos ainda significa uma aproximação também simbólica. As noções de defesa externa, defesa, ordem ou segurança interna segundo os autores ainda pode ser confundida com o controle social em prol da ordem pública interna. Os autores descrevem, ao longo do texto: » impedâncias administrativas que a divisão “ostensiva” e “judiciária” tem provocado; » herança da repressão da ditadura militar; » violência policial contra a população; » letalidade policial como aspectos problemáticos para a segurança pública atualmente. Seguindo estes tópicos, Lage e Miranda (2007, p. 2) ressaltam que: A violência policial representa uma das graves manifestações de violação de direitos humanos no Brasil. Se, por um lado, a instituição tem a atribuição do uso da força física, isto deve se dar a partir de limites claros, fundamentados nas leis. Mas as práticas cotidianas das polícias revelam que não há efetivamente clareza acerca dos limites do trabalho policial. A consequência desse quadro é uma forte deslegitimação das instituições policiais, que são percebidas com desconfiança e descrença pela população, o que não significa a negação do papel da instituição. Lage e Miranda (2007) corroborando com Fontoura; Rivero; Rodrigues (2009) apontam que a prática policial violenta não se trata de negar o poder legítimo da força física da instituição. Significa criticar uma prática institucionalizada e não individual. A forma de atuação destas polícias, por mais que não deva acionar a força, se adota um aspecto “policialesco”. Há uma ideia de que segurança pública se refere a ação ostensiva. Saiba mais Conheça o mais o Senasp, Conselho estadual e o comunitário no Estado do Rio de Janeiro. https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp. Acesso em: 13 jul. 2020. »http://www.consperj.rj.gov.br/sobre/historico.php. Acesso em: 13 jul. 2020. »http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=40. Acesso em: 13 jul. 2020. 37 ORDEM PÚBLICA, SEgURANçA PÚBLICA E DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 2 Segundo Lage e Miranda (2007, p. 2): a permanência de práticas autoritárias, que historicamente têm se mostrado ineficazes, porque não dão conta de dois aspectos fundamentais: a manutenção da ordem pública não se dá com o extermínio da diferença e a democracia não se consolida pelo uso da violência(grifos nossos). Pensar em novas estratégias ou ampliar a atuação da segurança pública para além de ação ostensiva, focada na prevenção e proximidade com os Conselhos de Segurança Pública. Sintetizando Neste capítulo estudamos os conceitos de ordem pública e segurança pública. Vimos que o termo “ordem pública” não tem uma definição do que signifique juridicamente, ou seja, ele tanto pode ser interpretado de forma livre como ações repressivas para o controle da ordem, como pode significar a inclusão de civis nesta “ordem”. Embora não tenha uma definição constitucional, entendemos que todas as sociedades elegem um tipo de ordem do espaço, além das formas de controle social e punição (DURKHEIM, 2008b; GEERTZ, 1978; FOUCAULT, 1987). Valendo-se da forma que o Ocidente e o Brasil adotaram de governar democraticamente, isso significa que a participação do Estado e da sociedade civil deve ser estreita. Quanto maior a decisão popular nas decisões de gestão, mais uma sociedade pode ser reconhecida como pertencente a ela mesma. Porém, vimos com os filósofos contratualistas (LOCKE, 1973; HOBBES, 2003), esta divisão entre sociedade civil e Estado ficou mais clara no século XVI, dando início à Idade Moderna, posterior ao Renascimento. Por isso, como um tema recorrente, o direito à segurança e propriedade era discutido tanto ou mais que o direito à liberdade e igualdade. Inclusive, o lema da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” só teve maior força com o fim da Idade Moderna e início da Contemporânea, a partir da Queda de Bastilha, em 14 de julho de 1789. Ou seja, a propriedade e segurança eram pensadas inclusive em monarquias que não garantiam liberdade e igualdade. Todo esse contexto histórico social e teórico é a base para se compreender a ordem pública e a segurança pública contemporânea. Adentramos no aspecto da história da Segurança Pública no Brasil, o que dá continuidade ao que vimos no capítulo anterior e as influências da monarquia e das instituições militarizadas na concepção da Segurança Pública. Isso será discutido também na aula interativa número 2. De maneira geral, a associação da segurança pública com a repressão ocorre ao longo da História, embora estejamos engajados a ampliar esta concepção. Os diversos episódios repressivos nos fizeram ter dificuldade em perceber que a atuação na Segurança Pública pode ser mais instrucional, de convivência pacífica e não somente acionada para o “combate”. Com isso, discutimos os aspectos legais com base no art. 144 da Constituição Federal, descrevendo os órgãos da Segurança Pública e aqueles que podiam ser criados. No Quadro 2, incluímos as guardas municipais por serem descritas neste artigo, mesmo não sendo órgão diretamente da Segurança Pública, conforme a letra da lei. Tal negligência sustenta a associação Segurança Pública com a atuação ostensiva não obrigando a uma atuação que não fosse militarizada, embora de suma importância para o ordenamento público. 38 Nos capítulos anteriores, discorremos um pouco sobre a história dos direitos humanos, sobre o percurso da humanidade, especialmente das sociedades ocidentais, para conquistar os direitos que hoje desfrutamos. Este capítulo faz um recorte mais específico da história e discorre também sobre os mecanismos internacionais e nacionais que protegem os direitos humanos. Garantir a todos os seres humanos do planeta todos estes direitos que vimos até aqui não é simples, não é fácil, é necessária uma imensa rede de tratados, acordos e colaborações entre nações de todo o globo. Ao longo do capítulo, serão abordados aspectos importantes relativos à proteção dos direitos humanos no Direito internacional e nacional. Objetivos » Conhecer o contexto sócio-histórico para a formação da ONU. » Entender a dimensão internacional dos direitos humanos e a “força jurídica vinculativa”. » Conhecer a Carta das Nações Unidas; Declaração Universal dos Direitos Humanos. » Reconhecer a importância dos Direitos Humanos no Brasil e no mundo. Para darmos início de fato, é necessário que façamos uma síntese e uma localização no espaço e no tempo. Muito conteúdo já foi abordado, então, precisamos fazer um ajuste conceitual. O foco da disciplina não é uma análise histórica, portanto, estamos usando a contextualização histórica como pano de fundo para entendermos a construção dos direitos. Além disso, já foi informado que a maneira que contamos a história se baseia muito na em como pensamos o tempo de forma linear (LATOUR, 1994). É possível seguir uma linearidade, mas que se tome nota de que aspectos de um período passado podem se perpetuar ao longo do tempo. É muito difícil fazermos uma estrutura gráfica que 3 CAPÍTULO MECANISMOS INtERNACIONAIS E NACIONAIS DE PROtEçãO AOS DIREItOS HUMANOS 39 MECANISMOS INtERNACIONAIS E NACIONAIS DE PROtEçãO AOS DIREItOS HUMANOS • CAPÍTULO 3 mostre todos os eventos em um processo. Além disso, os marcos históricos já foram longamente debatidos entre os historiadores. Anterior à Idade Antiga, temos o período pré-histórico, que não cabe em nossa discussão. A Idade Antiga também está distante dos Direitos, com exceção do surgimento da Filosofia, com os filósofos que já conhecemos: Tales de Mileto, Heráclito, Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles etc. É nesse período também que falamos sobre o Cilindro de Ciro no capítulo 1. É na Idade Média que se inicia esta discussão com a Magna Carta como vimos no capítulo 1. As transformações do Renascimento ficaram mais expressivas na Idade Moderna. Fora um período conturbado com embates entre a secularização e a criação de outras religiões (Reforma Protestante). No âmbito econômico, as expansões marítimas e o desenvolvimento do capitalismo ainda contrastava com Estados Absolutistas e o estilo de vida. Embora alguns destes tivessem adotado outras religiões oficiais, é nesse período que a Igreja Católica adota a “Santa Inquisição” e persegue hábitos e pessoas que não se curvavam à Igreja. As ideias dos nossos contratualistas Locke e Rousseau não foram exatamente aceitas quando escritas, embora tenham sido fonte de inspiração ao que estaria por vir. A Idade Contemporânea se inicia com a “Queda de Bastilha”, evento que dá início à Revolução Francesa, que se inspirou em Locke e Rousseau, tendo como lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Provocação Figura 9. Capa “O queijo e os vermes”. A obra “O queijo e os vermes” (2006) descreve o processo inquisitorial que um camponês na Santa Inquisição sofre. Menocchio é acusado por cultuar outras formas de conceber a relação com o divino, interpretando esse divino com base em livros lidos por ele. Carlos Ginzburg analisa todos esses materiais para a elaboração do livro. Fonte: captura de imagem – arquivo pessoal do autor. 40 CAPÍTULO 3 • MECANISMOS INtERNACIONAIS E NACIONAIS DE PROtEçãO AOS DIREItOS HUMANOS Figura 10. Queda de Bastilha. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/storming-bastille-1789-237233377. Acesso em: 19 nov. 2020. Figura 11. Monumento francês com o lema da Revolução Francesa. Descrição: O lema liberdade, igualdade e fraternidade cunhou, inclusive, a bandeira da França. A cor azul simboliza a liberdade; o branco a igualdade, e o vermelho a fraternidade entre as pessoas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/french-liberty-equality-fraternity-national-motto-648084736. Acesso em: 19 nov. 2020. Imagine uma sociedade monárquica, havendo os reis e a Corte, junto ao Clero com diversos privilégios e a maior parte da população sem direitos mínimos. A burguesia aquece a Revolução e a população, enfurecida, derruba bastilha, um presídio. Em seguida, acabam com a Monarquia, separando a cabeça do rei do seu corpo, com a guilhotina. É preciso atenção à Revolução Francesa como estudo particular do aluno, mas neste livro, basta darmos conta de que a Revolução Francesa teve como intenção a garantia dos direitos fundamentais, além de ter propagações