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Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 1 Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO INTRODUÇÃO QUEIMADURA TÉRMICA Lesão resultante da ação do calor direto ou indireto (radiante) sobre o corpo QUEIMADURA QUÍMICA Lesões cáusticas agudas da pele ocasionadas por agentes químicos QUEIMADURA ELÉTRICA Lesão tecidual resultante da transformação da energia aplicada ao corpo em calor Dependente de diversos fatores Intensidade Tipo de corrente Voltagem Resistência Suscetibilidade individual GELADURAS Lesões características provocadas pelo frio A LESÃO INTENSIDADE DA FONTE DE CALOR Apresenta uma velocidade de transferência do calor para o corpo DANO TECIDUAL Depende que a velocidade seja significativamente maior que o índice do corpo em dissipá-la PROFUNDIDADE Depende do tempo de ação do calor sobre a superfície corporal Quanto mais longa for o tempo de ação do calor sobre a superfície corporal, maiores serão os danos Mais profundas O agente produtor das queimaduras é gerador de calor, não perdendo intensidade ao entrar em contato com o corpo Menos profundas O agente produtor das queimaduras é apenas um agente aquecido, em condições de perder calor em contato com a atmosfera e com o próprio corpo atingido CLASSIFICAÇÃO PROFUNDIDADE DAS LESÕES PRIMEIRO GRAU SEGUNDO GRAU TERCEIRO GRAU ACOMETIMENTO Somente a derme Destruição total da epiderme e parcial da derme Destruição total da epiderme e da derme CLÍNICO Eritema Branqueia sob pressão Dor Exsudato Eritema Dor Presença de bolhas (flictenas) Seca Dura Inelástica Translúcida Vasos trombosados visíveis Indolor à punctura local CICATRIZAÇÃO - A parte não lesada da derme é capaz de regenerar espontaneamente uma nova pele Necessita da enxertia cutânea ou da retração de bordas Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 2 EXTENSÃO DAS LESÕES GRANDE QUEIMADO ADULTO Queimaduras de 2º grau em + de 25% de superfície corporal Queimaduras de 3º grau em + de 10% de superfície corporal MÉDIO QUEIMADO ADULTO Queimaduras de 2º grau entre 10 e 25% do corpo Queimaduras de 3º grau em torno de 10% do corpo PEQUENO QUEIMADO ADULTO Queimaduras de 2º grau em uma faixa < 10% Queimaduras de 3º grau em uma faixa < 5% Para crianças, esses valores são respectivamente 15%, entre 5% e 15%, e abaixo de 5% para lesões de 2º queimaduras de 3º grau. As grau que atingem áreas maiores que 3% do corpo infantil são consideradas relevantes. TABELA DE LUND E BROWDER TABELA DE PULANSKI E TENNISON - REGRA DOS 8 Adultos e crianças > 10 anos REGIÃO % SC Cabeça e pescoço 9 Cada MMSS 9 Cada quadrante do tronco 9 Cada coxa 9 Cada perna e pé 9 Genitais e períneo 1 Recém-nascidos REGIÃO % SC Cabeça e pescoço 18 Todo um membro inferior 13,5 Crianças > 1 ano REGIÃO % SC Cabeça e pescoço 18 - idade Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 3 Todo um membro inferior 13,5 + idade/2 FISIOPATOLOGIA ZONAS DE LESÃO DE JACKSON ZONA DE NECROSE OU DE COAGULAÇÃO Localiza-se no ponto de > contato entre a fonte de energia e a pele Não há células viáveis Lesão irrecuperável ZONA DE ESTASE OU ZONA DE RISCO Caracteriza-se por Vasoconstrição Tromboxano A2 Isquemia Células viáveis e não viáveis Pode evoluir para a recuperação ou para a necrose Difícil prognóstico Grau de lesão moderado com perfusão tissular reduzida ZONA DE HIPEREMIA Caracteriza-se por Vasodilatação Hiperemia Células viáveis Área + afastada da fonte de energia Melhor prognóstico Pode ser totalmente recuperado se não houver infecção, hipoperfusão acentuada ou trauma adicional Não evolui para necrose PROCESSO DA LESÃO TÉRMICA Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 4 Principal mecanismo fisiopatológico ocasionado pela ação direta do calor sobre a microcirculação Aumento da permeabilidade capilar (APC) 1. Trauma térmico expõe as fibras colágenas do tecido afetado 2. Ativação dos mastócitos, dos sistemas calicreína e fosfolipase-ácido araquidônico 3. Liberação de histamina, cininas e prostaglandinas (PGE) que provocam danos à integridade do endotélio capilar pela separação das junções das células desse endotélio 4. Inicia-se o APC, gerando extravasamento do líquido plasmático rico em proteínas, sódio e cloretos, através dos poros capilares aumentados, em direção ao interstício dos tecidos lesados 5. Resultando em edema intersticial e, consequentemente, provoca redução na pressão coloidosmótica plasmática e nova fuga de líquidos dos vasos para o interstício da área lesada a. Ou seja, causa-se edema, hipovolemia, hipoproteinemia e burn shock ALTERAÇÕES SISTÊMICAS CARDIOVASCULARES Reversão do gradiente coloidosmótico Aumento da resistência vascular periférica Aumento da viscosidade sanguínea MEDIDAS IMPORTANTES Restaurar a volemia Diminuir a resistência periférica Tonificar o músculo cardíaco RENAIS Aumento da permeabilidade do glomerulo Aumento do Clearance da creatinina Pode ocorrer necrose tubular aguda HIDRATAR!!!! GASTROINTESTINAIS Íleo funcional Úlcera de Curling Melenêmese Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 5 ABORDAGEM DO PACIENTE GERAL Tranquilidade Dinamismo Bom senso Conhecimento de causa NORMAS FUNDAMENTAIS 1. A dor é inversamente proporcional à profundidade da queimadura 2. Qualquer medicamento deve ser administrado exclusivamente por via endovenosa a. Exceto toxoide tetânico, quando necessário, visto que as alterações hemodinâmicas retardam ou impedem a absorção de medicamentos por via IM ou subcutânea 3. Grande queimado adulto é aquele que apresenta área lesada maior do que 25% da sua superfície corporal ou maior do que 15% em crianças, considerando-se para isto somente as queimaduras de 2º e 3º graus a. Valores relativos que dependem de outras variáveis: idade, estado geral, doenças de base, estado nutricional, lesões associadas e etc 4. Queimaduras de face e pescoço são sempre graves, exigindo correta avaliação da permeabilidade das vias aéreas, principalmente se houve inalação de produtos de combustão e se a intubação ou traqueostomia se fazem necessárias 5. Queimaduras elétricas são surpreendentes quanto à evolução das lesões, além de poderem causar inibição respiratória, parada cardíaca ou uma combinação das duas INTERNAR Grandes queimados Médios queimados de baixa condição socioeconômica Idosos ou crianças de tenra idade Pacientes com queimaduras da face e pescoço por pelo menos 48h Pacientes com queimaduras incapacitantes, como as 2 mãos, os 2 pés… Pacientes com queimaduras graves do períneo Pacientes com lesões por inalação NÃO INTERNAR Médios queimados de condição socioeconômica mais alta, que possam e queiram prosseguir o tratamento em regime ambulatorial Pequenos queimados PROTOCOLO DE CONDUTAS E ROTINAS DA UTQ 1. Não se impressionar com o aspecto chocante das queimaduras. Tratando-se de um politraumatizado, lesões por vezes mais graves podem passar despercebidas devido ao envolvimento emocional com as lesões cutâneas. Fraturas, lesões de vísceras, traumas cranianos, inalação de produtos de combustão etc. devem ser rigorosamente pesquisados e tratados convenientemente. 2. Todas as informações colhidas, seja na anamnese ou no exame físico, devem ser rigorosamente anotadas na papeleta, facilitando reavaliações futuras. Como em qualquer outra circunstância de atendimento de urgência, há necessidade de rapidez, precisão e sincronismo nas ações. Anamnese cuidadosa, acurado exame físico e as primeiras medidas terapêuticas devem ser feitas simultaneamente, sem correria nem precipitação. O que não pode existir é perda de tempo, que pode ser decisiva para o agravamento do quadro. CONDUTA TERAPÊUTICA ANALGESIA MORFINA PARACETAMOL + CODEÍNA CLORIDRATO DE TRAMADOL CRIANÇA 0,1 a 0,2 mg/kg/dose, EV, diluída em 9 ml de água destilada, aplicada fracionada e lentamente a cada 6h - 2 mg/kg/dose a cada 6h ADULTO 5 mg diluída em 9 ml de água destilada, aplicada fracionada e 30 mg, VO, a cada 6h - Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 6lentamente a cada 4h ACESSO VENOSO ABORDAGEM INICIAL Punção venosa superficial com cateter de polietileno agulhado GRANDES QUEIMADOS Caso tenha área de punção atingida pela queimadura, realizar dissecção venosa profunda RESFRIAMENTO DA LESÃO DEFINIÇÃO O calor residual, recebido da fonte geradora que causou a lesão, permanece no corpo, produzindo + lesões e dor. Assim, ao realizar o resfriamento, neutraliza-se o calor residual e obtém-se a interrupção na progressão das lesões e consequente diminuição da dor OBJETIVO Analgesia na queimadura aguda REALIZAÇÃO Lavar a região queimada com água corrente Utilizar compressas de água fria ou gelada sobre a região queimada TRANQUILIZANTES Devem ser evitados sempre que possível Quando necessário utilizar, não devem ser administrados isoladamente, mas sim com um analgésico Sempre corrigir outros problemas antes Hidratação insuficiente ou incorreta Analgesia incompleta Edema cerebral causado pela hipoproteinemia aguda que se instala no grande queimado Os benzodiazepínicos são os preferidos para o tratamento da ansiedade em pacientes com queimaduras Não utilizar narcóticos BRONCOSCOPIA Os problemas pulmonares advindos direta e indiretamente das queimaduras são, na atualidade, os maiores responsáveis pela morte prematura de grandes queimados nas UTQ. OXIGENOTERAPIA Em grandes queimados, com extensas áreas de 3º grau, é importante ligar oxigênio umidificado por cateter nasal, 3 L a 5 L/min. QUEIMADURAS QUÍMICAS Lavar abundantemente a região Nunca lavá-la em água parada Nunca utilizar outras substâncias químicas para neutralização Agente etiológico Fósforo Retirar todas as partículas com uma pinça antes de fazer a lavagem do local Piche ou asfalto Remoção com éter Após, deve-se lavar com água e sabão degermante LIMPEZA DA ÁREA QUEIMADA Melhor terapia inicial Água + sabão Sempre levar o paciente ao chuveiro deambulando ou em banheiras especiais para essa finalidade Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 7 Dê preferência aos degermantes à base de clorexidina Casos que necessitam de desbridamentos e tricotomias O banho pode ser realizado em mesas cirúrgicas convencionais, com o paciente sob analgesia e sedação assistida por anestesia HIDRATAÇÃO FÓRMULA DE PARKLAND 4 mL de líquidos a serem infundidos (lactato de Ringer isotônico) × peso corporal em kg × superfície corporal queimada em porcentagem até um máximo de 50% FÓRMULA DE PARKLAND MODIFICADA (CRIANÇAS) 3 mL de líquidos a serem infundidos (lactato de Ringer isotônico) × peso corporal em kg × superfície corporal queimada em porcentagem até um máximo de 50% Acrescenta-se uma dose de manutenção com a mesma solução isotônica de lactato de ringer Crianças até 10 kg = 1.000 mL Crianças de 10 a 20 kg = 1.000 mL + 50 mL para cada quilo entre 10 e 20 Crianças de 20 a 30 kg = 1.500 mL + 20 mL para cada quilo entre 20 e 30 VELOCIDADE DE INFUSÃO HÍDRICA Se o paciente chega ao hospital algumas horas depois do acidente, o tempo perdido deve ser incluído na contagem Não começar a contar o tempo (24 h) a partir do atendimento Do total calculado para as primeiras 24 h de queimadura, a metade deve ser administrada nas primeiras 8 h, já que é nesse período que as perdas são mais acentuadas Um paciente bem hidratado deve manter volume urinário horário entre 30 mL e 50 mL ou 0,5 mL/kg/h DIETA Tanto a hidratação quanto a dieta por via oral devem ser iniciadas tão logo se detecte o movimento peristáltico Reserva-se a bomba de infusão contínua (BIC) por cateter nasogástrico ou nasojejunal para os pacientes adultos com SCQ > 20% e para crianças internadas A dieta enteral precoce previne a desnutrição e ajuda na profilaxia da úlcera de Curling A prescrição de medicamentos protetores de mucosa do trato digestivo deve ser feita nos primeiros 3 dias pós queimadura, até que se inicie efetivamente a dieta oral ou enteral por BIC Ranitidina venosa 50 mg a cada 8h - adultos Ranitidina venosa 1 a 2 mg/kg/dose a cada 8h - crianças ansiosas ou queimaduras > 30% Omeprazol para pacientes com história de doenças gástricas preexistentes PROFILAXIA DO TÉTANO Na dúvida sobre a imunização prévia, deve-se aplicar 250 unidades de gamaglobulina hiperimune contra o tétano ANTIBIÓTICO FASE INICIAL Não há indicação DESBRIDAMENTOS CIRÚRGICOS Pode-se prescrever antibioticoprofilaxia ou antibioticoterapia INDICAÇÕES SEGUNDO ACHADOS CLÍNICOS Taquipneias > 40 irpm Íleo funcional Hemorragia digestiva INDICAÇÕES SEGUNDO MANIFESTAÇÕES LOCAIS DA FERIDA Escurecimento das lesões Secreção purulenta Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 8 Alteração da curva térmica Oligúria Falência cardiovascular Formação de abscessos Necrose tecidual Arroxeamento ou edema da pele ao redor das margens da área queimada Aumento da espessura da lesão com aprofundamento da queimadura e rápida separação da escara necrótica TERAPIA ANTIMICROBIANA TÓPICA Creme de sulfadiazina de prata Creme de sulfadiazina de prata + nitrato de cério CATETER VESICAL DE DEMORA A medida do fluxo urinário horário é um dos mais importantes parâmetros da eficácia da hidratação do grande queimado DÉBITO URINÁRIO ADEQUADO Adultos 0,5 a 1 mL/kg/h Crianças 1 mL/kg/h RN e lactentes 2 mL/kg TRATAMENTO LOCAL 1. Sedação assistida 2. Desbridamento das flictenas com limpeza das impurezas e tricotomia nas áreas vizinhas 3. Degermação com clorexidina 4. Aplicação de sulfadiazina de prata simples ou associada ao nitrato de cério 5. Cobre-se as lesões com gazes abertas esterilizadas 6. Fixa-se a região com ataduras de crepom de boa elasticidade 7. Repetir o procedimento 2 vezes ao dia QUEIMADURAS CIRCULARES DE 3º GRAU Necessita-se de escarotomia Incisões paralelas ou paralelas cruzadas tipo mosaico Risco de garroteamento de extremidades, com necrose destas ou dispneia por restrição de expansão pulmonar nas queimaduras circulares de tronco Queimaduras - BEATRIZ TIANEZE DE CASTRO 9 COMPLICAÇÕES TARDIAS Pneumonia Infecção urinária Sepse Úlcera de Marjolin TRANSFERÊNCIA INDICAÇÕES 1. Queimaduras de 2º e 3º grau > 10% SCQ 2. Queimaduras de 2º e 3º grau com lesões funcionais ou na face, nas mãos, nos pés, na genitália, no períneo e nas articulações maiores 3. Queimaduras de 3º grau em qualquer idade 4. Queimaduras elétricas 5. Lesão inalatória 6. Queimadura circunferencial 7. Queimadura em pacientes com doenças associadas 8. Qualquer queimadura associada a trauma 9. Hospitais sem condições ou pessoal especializado