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André Mota Coordenador do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Professor do Programa de Pós-graduação do Depto. de Medicina Preventiva-FMUSP Maria Gabriela S.M.C. Marinho Professora e pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC). Cássio Silveira (organizador convidado) Professor Adjunto e pesquisador do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal de São Paulo. IS BN 97 8- 85 -6 26 93 -2 0- 5 Coleção Medicina, Saúde & História Saúde e História de Migrantes e Imigrantes. Direitos, Instituições e Circularidades gabriela livro 11-048 10 capa final2.indd 1 31/8/2011 10:45:34 Quais acontecimentos de� nirão uma história? O que determina a história de um país? Ocorrências e feitos em suas principais cidades? Ou, então, proposições e realizações em centros geopolíticos formuladores de um projeto de nação? Ou o que se observa em sua capital, abrigando o centro político, o governo e os representantes do estado nacional? É certo que um país e, mesmo, uma cidade tal qual, por exemplo, uma metrópole como São Paulo, faz-se de heterogeneidades, situações por vezes convergentes, outras con� itantes com o projeto que hegemonicamente caracteriza o país. É essa diversidade de acontecimentos e feitos que nos traz a presente coletânea, apontando os diferentes aspectos que fazem da medicina e da saúde pública um campo de conhecimentos e de práticas com matizes peculiares, o campo da Saúde no Brasil. Em seu conjunto os textos valorizam a experiência do Estado de São Paulo, abordando temas tão contrastantes como as instituições médicas e sanitárias ou a procedência dos médicos e médicas atuantes em São Paulo; ou, ainda, como a contribuição das revistas médicas na valorização social da ciência à medicalização dos ‘perigos sociais’, como as crianças desvalidas ou o crime, na constituição de áreas disciplinares como a pediatria e a medicina legal. Mas se o leque da diversidade temática – já observando que todos os temas são trabalhados da perspectiva histórica e nos con� guram, nesse mosaico, a história das práticas da medicina e do sanitarismo – é em outro leque de contrastes que o presente livro nos completa as indagações inicialmente feitas. Aqui comparecem, a partir da institucionalização das práticas médicas e de saúde em São Paulo, realidades de São Paulo, São José dos Campos, Bragança Paulista, Sorocaba, Vale do Ribeira, Rio Claro, São Carlos e Araraquara, a nos mostrar que foi também da diversidade de situações e questões que, ao longo da última metade do século 19 e primeira do século 20, a medicina e a saúde pública se � zeram modernas, em uma Saúde propriamente brasileira. É dessas abordagens de casos, cotidianos sanitários ou contextos particulares, que extraímos a percepção da complexidade de nossa história. Será com esta riqueza de explorações que a presente publicação presenteia seus leitores: do iniciante ao interessado já experiente em estudos históricos, mais uma boa contribuição para aprofundarmos nosso conhecimento acerca das práticas em saúde no Brasil. Lilia Blima Schraiber, agosto 2011 Coleção Medicina, Saúde & História Vol. 1 MARIA GABRIELA S. M. C. MARINHO ANDRÉ MOTA (ORGANIZADORES) Ca mi nh os e Tr aj et os d a Fi la nt ro pi a Ci en tí fi ca em S ão P au lo . A Fu nd aç ão R oc ke fe ll er e s ua s A rt ic ul aç õe s n o En si no , P es qu is a e A ss is tê nc ia p ar a a Me di ci na e Sa úd e ( 19 16 -1 95 2) 3 Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica em São Paulo. A Fundação Rockefeller e suas Articulações no Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952) A Fundação � lantrópica em seu sentido moderno tem sido um fenômeno característico dos Estados Unidos no século XX. (...) A Fundação Rockefeller foi uma das pioneiras neste campo e é a instituição mais antiga no gênero. Por suas ações (..) se converteu em uma das marcas mais distintivas da ciência, das humanidades e das artes no século XX. (...) Junto com as lisonjas tem recebido também críticas. Na década de 1970, se articularam um conjunto de críticas de tom político ante ao que se percebia como os interesses particulares das fundações e sua in� uência contrária aos interesses de autonomia dos países nos quais atuaram. E. Richard Brown (1979) a julgou como produzindo um “sistema médico que serviu pobremente às necessidades sanitárias da sociedade”, Robert Arnove (1980) a viu como desviando os investigadores dos países do Terceiro Mundo de estudar os problemas de seus países em seus próprios termos, e com um nível de recursos consoante ao desenvolvimento de cada um deles, em sintonia com esforços realistas de mudança social. Eduardo Berman (1983) sustentou que a retórica de recorrer a pesquisadores - e o fato de selecioná-los entre os nativos do Terceiro Mundo para coordenar componentes importantes de programas das fundações norte-americanas - deveria ser confrontado com a possibilidade de que esses indivíduos tenham sido selecionados porque suas disposições intelectuais e políticas os predispunham a alcançar conclusões favoráveis ao enfoque dos temas de interesse das fundações Em anos mais recentes, se tem buscado aprofundar a compreensão da recepção e das respostas locais à � lantropia norte-americana, para além de juízos valor favoráveis ou desfavoráveis e de uma percepção que se concentrava exclusivamente nos doadores. Com relação à região latino-americana, os trabalhos, entre outros, do peruano Marcos Cueto (...) ajudaram a dar a conhecer não só a contribuição da FR para as ciências médicas, como também levaram a conhecer o caudal de informação organizada em seus famosos arquivos, que cada vez mais estão sendo explorados por investigadores da região ou interessados nela. Numerosas instituições e outras iniciativas cientí� cas da América Latina estiveram associadas à FR (...). Passados 85 anos do inicio das relações de grupos de lideres da atividade médica no estado de São Paulo e da Fundação Rockefeller, Maria Gabriela Marinho leva a cabo a valiosa tarefa de revisar o processo de negociação da colaboração entre ambos os grupos, antecedente importante da transformação institucional em que se inscreve a nova Universidade de São Paulo que nasceria na década de 1930, como também de áreas importantes da ciência brasileira da época. O texto dá a conhecer aspectos detalhados, inclusive minuciosos, do processo e que ajudam a entender sua importância singular no meio nacional e latino-americano. Ilumina aspectos amiúde tácitos, contudo signi� cativos, dos deslocamentos e rupturas políticas e intelectuais que marcaram a pro� ssão médica e as relações político-institucionais do período. Este livro resultará igualmente valioso para aqueles que se interessam pela história da medicina moderna no Brasil e América Latina. Sua exposição e análise clara e sistemática dos principais atores sociais e aspectos fundamentais brindará seus leitores com uma narrativa rigorosa e atraente das origens e trajetória da instituição, e oferecerá informação e marcos alternativos de interpretação (...). Considero que a leitura do livro, por outro lado amena, servirá de estímulo especial para as novas gerações de estudiosos que perseveram na tarefa de expandir a investigação social da ciência e da técnica no Brasil e na América Latina. Hebe Vessuri, Caracas, Dezembro de 2001 (Extraído do Prefácio da 1ª edição de Elites em Negociação) IS BN 97 8- 85 -6 26 93 -1 4- 4 Coleção Medicina, Saúde & História Coleção Medicina, Saúde & História Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica em São Paulo. A Fundação Rockefeller e suas Articulaçõesno Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952) Ma ri a Ga br ie la S . M . C . M ar in ho An dr é M ot a (o rg an iz ad or es ) gabriela livro 11-048 10 capa final2.indd 1 31/8/2011 10:45:34 Quais acontecimentos de� nirão uma história? O que determina a história de um país? Ocorrências e feitos em suas principais cidades? Ou, então, proposições e realizações em centros geopolíticos formuladores de um projeto de nação? Ou o que se observa em sua capital, abrigando o centro político, o governo e os representantes do estado nacional? É certo que um país e, mesmo, uma cidade tal qual, por exemplo, uma metrópole como São Paulo, faz-se de heterogeneidades, situações por vezes convergentes, outras con� itantes com o projeto que hegemonicamente caracteriza o país. É essa diversidade de acontecimentos e feitos que nos traz a presente coletânea, apontando os diferentes aspectos que fazem da medicina e da saúde pública um campo de conhecimentos e de práticas com matizes peculiares, o campo da Saúde no Brasil. Em seu conjunto os textos valorizam a experiência do Estado de São Paulo, abordando temas tão contrastantes como as instituições médicas e sanitárias ou a procedência dos médicos e médicas atuantes em São Paulo; ou, ainda, como a contribuição das revistas médicas na valorização social da ciência à medicalização dos ‘perigos sociais’, como as crianças desvalidas ou o crime, na constituição de áreas disciplinares como a pediatria e a medicina legal. Mas se o leque da diversidade temática – já observando que todos os temas são trabalhados da perspectiva histórica e nos con� guram, nesse mosaico, a história das práticas da medicina e do sanitarismo – é em outro leque de contrastes que o presente livro nos completa as indagações inicialmente feitas. Aqui comparecem, a partir da institucionalização das práticas médicas e de saúde em São Paulo, realidades de São Paulo, São José dos Campos, Bragança Paulista, Sorocaba, Vale do Ribeira, Rio Claro, São Carlos e Araraquara, a nos mostrar que foi também da diversidade de situações e questões que, ao longo da última metade do século 19 e primeira do século 20, a medicina e a saúde pública se � zeram modernas, em uma Saúde propriamente brasileira. É dessas abordagens de casos, cotidianos sanitários ou contextos particulares, que extraímos a percepção da complexidade de nossa história. Será com esta riqueza de explorações que a presente publicação presenteia seus leitores: do iniciante ao interessado já experiente em estudos históricos, mais uma boa contribuição para aprofundarmos nosso conhecimento acerca das práticas em saúde no Brasil. Lilia Blima Schraiber, agosto 2011 Coleção Medicina, Saúde & História Vol. 1 Vol. 2 gabriela livro capa vol 3 13-002 10.indd 1 7/2/2013 12:56:48 ANDRÉ MOTA MARIA GABRIELA S. M. C. MARINHO (ORGANIZADORES) Eu ge ni a e H is tó ri a: Ci ên ci a, Ed uc aç ão e Re gi on al id ad es 4 Eugenia e História: Ciência, Educação e Regionalidades Enraizadas no século XIX, as concepções e práticas eugênicas foram desa� adas no século subseqüente. Em 1938, o Boletim de Higiene Mental registrava: desde que o nazismo criou institutos de Eugenia, desvirtuando-os de sua � nalidade cientí� ca e humanitária para � ns político-raciais, falsos preconceitos se estabeleceram em torno das doutrinas eugênicas. Tornaram-se tão extensos e profundos que ao propormos, no 3º Congresso Internacional de Higiene Mental, que se recomendasse a todas as faculdades de Medicina do mundo a criação de uma cadeira de Eugenia, foi esta ideia imediatamente posta de lado e considerada como uma tentativa de renascimento do espírito do hitlerismo. No pós-guerra, organismos internacionais recusaram sistematicamente os preceitos eugênicos e orquestraram a internacionalização da medicina preventiva em clara oposição aos pressupostos eugênicos. E rea� rmaram: se é interesse da Eugenia que a criança nasça bem, isto deve acontecer em igualdade de condições com a mulher do povo ou da alta roda. Se a alimentação sadia, racional, cientí� ca é condição necessária à boa saúde e ao bom rendimento energético é mister que o alimento seja propiciado, igualmente, senão mais fartamente, às classes pobres proletárias, que mais trabalham, que mais produzem. Naquele contexto, as reformas hospitalares e a expansão das escolas médicas sugeriam que a Eugenia seria sepultada. Contudo, sua presença permaneceu signi� cativa. Destituída de estatuto cientí� co, continuou a vigorar explícita e implicitamente em diferentes instâncias, como no manual Puericultura, publicado pelo governo federal em 1950 e assinado pelo médico Clóvis Correia da Costa. Para o autor, indivíduos portadores de taras constituíam uma carga pesada para a sociedade - pois seus � lhos povoariam reformatórios, asilos, hospitais e cadeias - e a Justiça Alemã cortava o mal pela raiz, condenando o indivíduo à esterilização, embora permitisse o matrimônio (...) matrimônio em branco, sem descendência. A lei nazista foi muito criticada, mais por motivos de ordem política do que por motivos cientí� cos. Assim a esterilização eugênica é medida de alta sabedoria, de grande valor social, não devemos condená-la somente porque teve seu maior surto na ideologia nazista. É interessante assinalar quanto do passado permanece inscrito no presente. E se a eugenia é um termo combatido e em desuso, certas práticas permanecem ligadas à sua doutrina hierarquizante, restritiva e cada vez mais intervencionista. IS BN 97 8- 85 -6 26 93 -1 6- 8 Coleção Medicina, Saúde & História Coleção Medicina, Saúde & História Eugenia e História: Ciência, Educação e Regionalidades An dr é M ot a Ma ri a Ga br ie la S . M . C . M ar in ho ( or ga ni za do re s) gabriela livro 11-048 10 capa final2.indd 1 31/8/2011 10:45:34 Quais acontecimentos de� nirão uma história? O que determina a história de um país? Ocorrências e feitos em suas principais cidades? Ou, então, proposições e realizações em centros geopolíticos formuladores de um projeto de nação? Ou o que se observa em sua capital, abrigando o centro político, o governo e os representantes do estado nacional? É certo que um país e, mesmo, uma cidade tal qual, por exemplo, uma metrópole como São Paulo, faz-se de heterogeneidades, situações por vezes convergentes, outras con� itantes com o projeto que hegemonicamente caracteriza o país. É essa diversidade de acontecimentos e feitos que nos traz a presente coletânea, apontando os diferentes aspectos que fazem da medicina e da saúde pública um campo de conhecimentos e de práticas com matizes peculiares, o campo da Saúde no Brasil. Em seu conjunto os textos valorizam a experiência do Estado de São Paulo, abordando temas tão contrastantes como as instituições médicas e sanitárias ou a procedência dos médicos e médicas atuantes em São Paulo; ou, ainda, como a contribuição das revistas médicas na valorização social da ciência à medicalização dos ‘perigos sociais’, como as crianças desvalidas ou o crime, na constituição de áreas disciplinares como a pediatria e a medicina legal. Mas se o leque da diversidade temática – já observando que todos os temas são trabalhados da perspectiva histórica e nos con� guram, nesse mosaico, a história das práticas da medicina e do sanitarismo – é em outro leque de contrastes que o presente livro nos completa as indagações inicialmente feitas. Aqui comparecem, a partir da institucionalização das práticas médicas e de saúde em São Paulo, realidades de São Paulo, São José dos Campos, Bragança Paulista, Sorocaba, Vale do Ribeira, Rio Claro, São Carlos e Araraquara, a nos mostrar que foi também da diversidade de situações e questõesque, ao longo da última metade do século 19 e primeira do século 20, a medicina e a saúde pública se � zeram modernas, em uma Saúde propriamente brasileira. É dessas abordagens de casos, cotidianos sanitários ou contextos particulares, que extraímos a percepção da complexidade de nossa história. Será com esta riqueza de explorações que a presente publicação presenteia seus leitores: do iniciante ao interessado já experiente em estudos históricos, mais uma boa contribuição para aprofundarmos nosso conhecimento acerca das práticas em saúde no Brasil. Lilia Blima Schraiber, agosto 2011 Coleção Medicina, Saúde & História Vol. 1 Vol. 2 MARIA GABRIELA S. M. C. MARINHO ANDRÉ MOTA (ORGANIZADORES) Ca mi nh os e Tr aj et os d a Fi la nt ro pi a Ci en tí fi ca em S ão P au lo . A Fu nd aç ão R oc ke fe ll er e s ua s A rt ic ul aç õe s n o En si no , P es qu is a e A ss is tê nc ia p ar a a Me di ci na e Sa úd e ( 19 16 -1 95 2) 3 Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica em São Paulo. A Fundação Rockefeller e suas Articulações no Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952) A Fundação � lantrópica em seu sentido moderno tem sido um fenômeno característico dos Estados Unidos no século XX. (...) A Fundação Rockefeller foi uma das pioneiras neste campo e é a instituição mais antiga no gênero. Por suas ações (..) se converteu em uma das marcas mais distintivas da ciência, das humanidades e das artes no século XX. (...) Junto com as lisonjas tem recebido também críticas. Na década de 1970, se articularam um conjunto de críticas de tom político ante ao que se percebia como os interesses particulares das fundações e sua in� uência contrária aos interesses de autonomia dos países nos quais atuaram. E. Richard Brown (1979) a julgou como produzindo um “sistema médico que serviu pobremente às necessidades sanitárias da sociedade”, Robert Arnove (1980) a viu como desviando os investigadores dos países do Terceiro Mundo de estudar os problemas de seus países em seus próprios termos, e com um nível de recursos consoante ao desenvolvimento de cada um deles, em sintonia com esforços realistas de mudança social. Eduardo Berman (1983) sustentou que a retórica de recorrer a pesquisadores - e o fato de selecioná-los entre os nativos do Terceiro Mundo para coordenar componentes importantes de programas das fundações norte-americanas - deveria ser confrontado com a possibilidade de que esses indivíduos tenham sido selecionados porque suas disposições intelectuais e políticas os predispunham a alcançar conclusões favoráveis ao enfoque dos temas de interesse das fundações Em anos mais recentes, se tem buscado aprofundar a compreensão da recepção e das respostas locais à � lantropia norte-americana, para além de juízos valor favoráveis ou desfavoráveis e de uma percepção que se concentrava exclusivamente nos doadores. Com relação à região latino-americana, os trabalhos, entre outros, do peruano Marcos Cueto (...) ajudaram a dar a conhecer não só a contribuição da FR para as ciências médicas, como também levaram a conhecer o caudal de informação organizada em seus famosos arquivos, que cada vez mais estão sendo explorados por investigadores da região ou interessados nela. Numerosas instituições e outras iniciativas cientí� cas da América Latina estiveram associadas à FR (...). Passados 85 anos do inicio das relações de grupos de lideres da atividade médica no estado de São Paulo e da Fundação Rockefeller, Maria Gabriela Marinho leva a cabo a valiosa tarefa de revisar o processo de negociação da colaboração entre ambos os grupos, antecedente importante da transformação institucional em que se inscreve a nova Universidade de São Paulo que nasceria na década de 1930, como também de áreas importantes da ciência brasileira da época. O texto dá a conhecer aspectos detalhados, inclusive minuciosos, do processo e que ajudam a entender sua importância singular no meio nacional e latino-americano. Ilumina aspectos amiúde tácitos, contudo signi� cativos, dos deslocamentos e rupturas políticas e intelectuais que marcaram a pro� ssão médica e as relações político-institucionais do período. Este livro resultará igualmente valioso para aqueles que se interessam pela história da medicina moderna no Brasil e América Latina. Sua exposição e análise clara e sistemática dos principais atores sociais e aspectos fundamentais brindará seus leitores com uma narrativa rigorosa e atraente das origens e trajetória da instituição, e oferecerá informação e marcos alternativos de interpretação (...). Considero que a leitura do livro, por outro lado amena, servirá de estímulo especial para as novas gerações de estudiosos que perseveram na tarefa de expandir a investigação social da ciência e da técnica no Brasil e na América Latina. Hebe Vessuri, Caracas, Dezembro de 2001 (Extraído do Prefácio da 1ª edição de Elites em Negociação) IS BN 97 8- 85 -6 26 93 -1 4- 4 Coleção Medicina, Saúde & História Coleção Medicina, Saúde & História Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica em São Paulo. A Fundação Rockefeller e suas Articulações no Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952) Ma ri a Ga br ie la S . M . C . M ar in ho An dr é M ot a (o rg an iz ad or es ) gabriela livro 11-048 10 capa final2.indd 1 31/8/2011 10:45:34 Quais acontecimentos de� nirão uma história? O que determina a história de um país? Ocorrências e feitos em suas principais cidades? Ou, então, proposições e realizações em centros geopolíticos formuladores de um projeto de nação? Ou o que se observa em sua capital, abrigando o centro político, o governo e os representantes do estado nacional? É certo que um país e, mesmo, uma cidade tal qual, por exemplo, uma metrópole como São Paulo, faz-se de heterogeneidades, situações por vezes convergentes, outras con� itantes com o projeto que hegemonicamente caracteriza o país. É essa diversidade de acontecimentos e feitos que nos traz a presente coletânea, apontando os diferentes aspectos que fazem da medicina e da saúde pública um campo de conhecimentos e de práticas com matizes peculiares, o campo da Saúde no Brasil. Em seu conjunto os textos valorizam a experiência do Estado de São Paulo, abordando temas tão contrastantes como as instituições médicas e sanitárias ou a procedência dos médicos e médicas atuantes em São Paulo; ou, ainda, como a contribuição das revistas médicas na valorização social da ciência à medicalização dos ‘perigos sociais’, como as crianças desvalidas ou o crime, na constituição de áreas disciplinares como a pediatria e a medicina legal. Mas se o leque da diversidade temática – já observando que todos os temas são trabalhados da perspectiva histórica e nos con� guram, nesse mosaico, a história das práticas da medicina e do sanitarismo – é em outro leque de contrastes que o presente livro nos completa as indagações inicialmente feitas. Aqui comparecem, a partir da institucionalização das práticas médicas e de saúde em São Paulo, realidades de São Paulo, São José dos Campos, Bragança Paulista, Sorocaba, Vale do Ribeira, Rio Claro, São Carlos e Araraquara, a nos mostrar que foi também da diversidade de situações e questões que, ao longo da última metade do século 19 e primeira do século 20, a medicina e a saúde pública se � zeram modernas, em uma Saúde propriamente brasileira. É dessas abordagens de casos, cotidianos sanitários ou contextos particulares, que extraímos a percepção da complexidade de nossa história. Será com esta riqueza de explorações que a presente publicação presenteia seus leitores: do iniciante ao interessado já experiente em estudos históricos, mais uma boa contribuição paraaprofundarmos nosso conhecimento acerca das práticas em saúde no Brasil. Lilia Blima Schraiber, agosto 2011 Coleção Medicina, Saúde & História Vol. 1 Vol. 2 gabriela livro capa vol 3 13-002 7.indd 1 5/2/2013 10:50:07 Vol. 3 gabriela livro capa vol 4 13-053 7.indd 1 17/09/2013 11:10:28 Vol. 2 Vol. 3 Vol. 4 ANDRÉ MOTA MARIA GABRIELA S. M. C. MARINHO (ORGANIZADORES) CÁSSIO SILVEIRA (ORGANIZADOR CONVIDADO) Se a história é feita de vestígios, a recuperação do passado só pode ser reconstruída por aproximações não lineares. É desse modo, portanto, que se pretende fl agrar nessa coletânea os deslocamentos humanos e suas histórias em busca da saúde e de uma vida plena. Ao longo dos capítulos, vamos encontrando pistas em que os analistas revelam as contradições das experiências, das tecnologias e dos debates e perspectivas historiográfi cas. Encontram-se ali o estranhamento pelas diferenças e a capacidade humana de se rearticular permanentemente para cobrir suas necessidades. Porém, está presente também o uso recorrente das hierarquias demarcadoras dessas diferenças. Sobretudo, na reiteração pela saúde do que se delimita direta ou indiretamente como os seres “inferiores” e “superiores”, estratégia dos estigmas que persiste em nossas sociedades. Enfi m, o debate sobre migração e imigração, articula aqui o passado e o presente e tece fi gurações de permanências ou rupturas em torno de homens e mulheres que se defrontaram com o desafi o de existir. Formamos realmente uma só comunidade humana? Somos todos homens e mulheres doentes de progresso? Esse é um desafi o de interpretação para leitores e leitoras dessa obra. Caberá a esse público a sua decifração. Os organizadores Coleção Medicina, Saúde & HistóriaS aú de e Hi st ór ia d e M ig ra nt es e Im ig ra nt es . Di re it os , I ns ti tu iç õe s e C ir cu la ri da de s An dr é M ot a Ma ri a Ga br ie la S . M . C . M ar in ho (o rg an iz ad or es ) Cá ss io S il ve ir a (o rg an iz ad or c on vi da do ) 5 Saúde e História de Migrantes e Imigrantes. Direitos, Instituições e Circularidades gabriela livro CAPA vol 5 14-008 5.indd 1 27/02/2014 13:57:35 André Mota Maria Gabriela S. M. C. Marinho (organizadores) Cássio Silveira (organizador convidado) Acácio Almeida Santos Adriana Capuano de Oliveira Aghi Auguste Bahi Alejandro Goldberg Ana Lúcia Lana Nemi André Mota Carmen Lúcia Albuquerque de Santana Cássio Silveira Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva Fernanda de Carvalho Afonso Francisco Lotufo Neto Gustavo Querodia Tarelow Laura Degaspare Monte Mascaro Luciana de Andrade Carvalho Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro Márcia Ernani Aguiar Maria Cristina da Costa Marques Maria Gabriela S. M. C. Marinho Nivaldo Carneiro Junior Oziris Simões Renata Teixeira da Silva Rita de Cássia Barradas Barata Coleção Medicina, Saúde & História Vol. V Saúde e História de Migrantes e Imigrantes. Direitos, Instituições e Circularidades © 2014 by Prof. Dr. André Mota Profa. Dra. Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho Direitos desta edição reservados à Comissão de Cultura e Extensão Universitária da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – CCEx-FMUSP Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização expressa da CCEx-FMUSP Imagem da capa Imagem à esquerda: Imigrantes na enfermaria do hospital (?) – s/d. Créditos: Acervo digital do Museu da Imigração do estado de São Paulo. Imagem à direita - Oficina de costura boliviana no Bom Retiro. Créditos: Márcia Ernani de Aguiar UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Marco Antonio Zago Reitor Vahan Agopyan Vice-Reitor PRÓ-REITORIA DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Maria Arminda do Nascimento Arruda Pró-Reitora José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres Pró-Reitor Adjunto de Extensão Universitária Marina Mitiyo Yamamoto Pró-Reitora Adjunta de Cultura FACULDADE DE MEDICINA Giovanni Guido Cerri Diretor José Otávio Costa Auler Junior Vice-Diretor COMISSÃO DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres Presidente Cyro Festa Neto Vice-Presidente ASSISTÊNCIA TÉCNICA ACADÊMICA Márcia Elisa da Silva Werneck Assistente Técnica Acadêmica SERVIÇO DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Meire de Carvalho Antunes Coordenação Rita de Cássia Marques de Freitas Vice-Coordenação MUSEU HISTÓRICO “PROF. CARLOS DA SILVA LACAZ” André Mota Coordenação Gustavo Querodia Tarelow Pesquisa/Apoio Museu Clebison Nascimento dos Santos Conservação Maria das Graças Almeida Alves Secretaria HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FMUSP Giovanni Guido Cerri Presidente do Conselho Deliberativo Eloísa Silva Dutra de Oliveira Bonfá Diretora Clínica Marcos Fumio Koyama Superintendente FUNDAÇÃO FACULDADE DE MEDICINA Flavio Fava de Moraes Diretor Geral Yassuhiko Okay Vice-Diretor UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC (UFABC) Klaus Werner Capelle Reitor Dácio Roberto Matheus Vice-Reitor NÚCLEO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE Maria Gabriela S. M. C. Marinho Coordenação Maria de Lourdes Pereira Fonseca Vice-Coordenação ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA Alessandra Castilho Coordenação EDITORA CD.G Casa de Soluções e Editora Gregor Osipoff www.cdgcs..com.br Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 455 – sala 4306 – Cerqueira César – São Paulo-SP – Brasil – CEP: 01246-903 Telefone/fax: 55 11 3061-7249 – mhistorico@museu.fm.usp.br www.fm.usp.br/museu Saúde e História de Migrantes e Imigrantes. Direitos, Instituições e Circularidades / André Mota, Gabriela S. M. C. Marinho (organizadores). - São Paulo : USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014 232 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Medicina, Saúde e História, 5) Vários autores ISBN: 978-85-62693-20-5 1. Saúde. 2. História. 3. Imigrantes. - Antropologia. I. Mota, André. II. Marinho, Gabriela S. M. C. III. Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. CDD 575.1 613.94 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Vânia Aparecida Marques Favato – CRB-8/3301 E87 Sumário Prefácio ..................................................................................................................................................................................7 Maura Pardini Bicudo Véras Sylvia Duarte Dantas Parte 1 SaúDe e HIStórIa De MIgranteS e IMIgranteS ...................................................15 o “Perigo amarelo”: Imigração japonesa, eugenia e os discursos de a. C. Pacheco e Silva na assembleia Constituinte (1933-1934) ........................17 Adriana Capuano de Oliveira Gustavo Querodia Tarelow Imigração Portuguesa e Psiquiatria na Capital Paulista dos anos 30: Modernidade e nacionalismo no atendimento à Saúde ...............................................43 Ana Lúcia Lana Nemi Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva Psiquiatria e Imigração: antonio Carlos Pacheco e Silva, o Hospital do juquery e o “Despejo da escória”. Seletividade e assimetrias no tratamento Psiquiátrico de Imigrantes em São Paulo (1923-1937) .............59 Maria Gabriela S.M.C. Marinho Gustavo Querodia Tarelow a atenção à saúde do Imigrante no Contexto Histórico da Saúde Pública em São Paulo............................................................................................................73 Maria Cristina da Costa Marques Fernanda de Carvalho Afonso Cássio Silveira Parte 2 MIgranteS e IMIgranteS: noVaS aborDagenS no CaMPo Da SaúDe ......... 91 Processos Migratórios e Saúde: uma breve Discussão sobre abordagens teóricas nas análises em Saúdedos Imigrantes no espaço urbano ..............93 Cássio Silveira Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro Nivaldo Carneiro Junior Oziris Simões Rita de Cássia Barradas Barata a epidemia de HIV-aIDS na Costa do Marfim: elaboração de Mensagens em Comunicação para Saúde e a Problemática da Mudança de Comportamento ...... 109 Aghi Auguste Bahi Acácio Almeida Santos os Imigrantes bolivianos e Coreanos no bairro do bom retiro através das lentes do Programa Saúde da família .................................................................................133 Márcia Ernani Aguiar André Mota Políticas de Salud, Derechos y acceso a la atención Sanitaria Pública en Inmigrantes que residen en españa y argentina: especificidades, Similitudes y Diferencias ...............................................................................................................................155 Alejandro Goldberg redes de Serviço de Saúde e apoio Social aos refugiados e Imigrantes ....................................................................................................................................175 Carmen L. A. Santana Luciana A. Carvalho Renata T. da Silva Francisco Lotufo Neto Imigrantes bolivianos: abordagem de Direitos Humanos ao Direito ao Desenvolvimento ......................................................................................................................................................... 199 Laura Degaspare Monte Mascaro sobre os autores ................................................................................................................... 227 7 PrefÁCIo Alguém já disse que um trabalho científico deve ser julgado pelas descobertas acadêmicas e teóricas que oferece, mas, sobretudo por sua contribuição à sociedade de que faz parte. Justamente o presente livro traz sua relevante presença em ambos os aspectos quer para as transformações necessárias ao campo das políticas públicas de saúde, tendo em vista as dificuldades existentes nessa área de atuação e no atendimento das questões sociais, bem como traz à cena o debate sobre os direitos de cidadania exten- sivos à situação do (i)migrante e sua inserção na vida metropolitana de São Paulo, maior cidade do país. O tema da imigração tem merecido vários estudos e aprofundamentos, incrementados pelas transformações contemporâneas ligadas à globaliza- ção. Relações capitalistas no estágio atual acabam por conformar as aglom- erações urbanas, orquestrando processos sociais de competição e exclusão de diversos segmentos das populações que se notabilizam, assim, pela mobilidade, deslocamentos e expulsão, em movimentos de (des) e (re)ter- ritorialização constantes.Tais manifestações têm tornado as cidades como espetáculos de desigualdade social, pois que, além dos efeitos perversos trazidos pela competição econômica no acesso ao solo urbano, revela for- mas diversas de elitização, degradação de áreas e de pessoas, segregação e fragmentação, mas sobretudo discriminação, preconceito, dificuldades de reconhecimento dos direitos perante políticas sociais. Nossas cidades trazem, pois, a marca emblemática da desigualdade no espaço, onde o direito às raízes, ao território é quase sempre relegado e sub- ordinado ao uso predatório do ambiente construído pelos agentes do urbano ¬ capital e suas frações, Estado e seus interesses ¬ restando à classe trab- alhadora mover-se pelas determinações do mercado. Tal panorama aponta para a existência de fluxos e circulação de mercadorias (entre elas a força de trabalho) de pessoas em uma vasta rede de itinerários, pontos de partida e de chegada, muitas vezes sem pausas para a reflexão. E essa situação hoje não se limita aos deslocamentos dentro da própria cidade, do estado ou país, mas sim abrange todo o planeta. Todo o mundo conhece processos de ex- pulsão de camponeses, dos povos da floresta, de interioranos, de proletários rurais rumo aos centros urbanos. O Brasil urbano tem se alimentado, entre suas muitas facetas, de inten- sos fluxos migratórios, de diversas origens e cuja fundamentação geral é de que buscam fugir de circunstâncias adversas e melhorar de vida. Essa fór- mula, tão genérica e verbalizada por muitos migrantes, esconde múltiplos dramas e trajetórias pessoais e familiares das mais diferentes modalidades, 8 cores e condições, tendo como pano de fundo dificuldades econômicas, a luta pela terra, por moradia, emprego, educação, saúde, cidadania, enfim; a esse conjunto somam-se deslocamentos explicitamente involuntários de refugiados, pessoas obrigadas a deixar suas pátrias por conflitos armados, violência política, perseguições étnicas, ausência de lei ou mesmo, desastres naturais. Em São Paulo, em particular, foram bem caracterizados os movimen- tos da imigração estrangeira que ajudaram a moldar a urbanização e indus- trialização nos finais do século XIX ( notadamente italianos, portugueses, espanhóis e japoneses) e permaneceram até meados do século XX, quando a segunda guerra mundial provocou novos grupos europeus e de outros lo- cais vindo para a capital paulista. Nas décadas de 1960 e 1970, migrações maciças de habitantes de regiões menos industrializadas do Brasil rumaram ao Sudeste, para a cidade de São Paulo, principalmente nordestinos, em fenomenologia bastante estudada (VÉRAS, 2003). A situação do município de São Paulo hoje em dia, pelo Censo De- mográfico de 2010 (IBGE, 2010) com uma população de 11.253.503 pes- soas residentes apresenta uma porcentagem de 1,34% de estrangeiros (são 151.094 pessoas), cifra considerada pequena em comparação a diferentes fases de sua história, pois, apenas a título de ilustração, podem-se citar os anos de 1920, quando 35,69% eram nascidos fora do Brasil. Ainda em 1940, tal proporção chegava a 22,41%. A partir dessa época foi decrescendo essa presença estrangeira até chegar a 1980 com 3,83%, e na virada do século XXI, em 2000, apresentou 1,87%. (Censos Demográficos – IBGE) O perfil dos imigrantes em São Paulo vem se alterando na última década. O grupo mais expressivo é o dos portugueses, que significam 23,3% dos estrangeiros e são 35212 pessoas. Depois destes, os mais frequentes são os bolivianos, que representam 14,3% dos estrangeiros e são 21680 pessoas; dos asiáticos, em especial, chineses (representam 6,4% dos imigrantes em São Paulo) japoneses( 8,6% dos que nasceram fora do Brasil e estão em São Paulo, 13065 deles) e coreanos (são 7054 pessoas representando 4,7% dos estrangeiros). Convém registrar que há uma nova característica recente nos fluxos migratórios que é a acentuação de migração de trabalhadores quali- ficados, talvez pelas crises que Europa e Estados Unidos sofreram nos últi- mos anos em contraste com a relativa resiliência que a economia brasileira parecia demonstrar. Enquanto a população da capital - sede metropolitana aumentava sig- nificativamente em um século, a proporção dos estrangeiros foi diminuindo, e crescendo a presença de migrantes nacionais na configuração urbana. Nos dias atuais, o município de São Paulo não apresentou um sensível incremen- to populacional em suas regiões centrais, segundo a mesma fonte, Censo Demográfico de 2010, mas suas zonas periféricas registram expansão con- 9 tínua, inclusive para os demais municípios da região metropolitana. Essa é uma evidência de que o cinturão de abordagem dos mais pobres aos centros urbanos continua a existir, embora com características diversas das clássi- cas urbanizações capitalistas da Europa ou mesmo dos anos 1960 entre nós. O cenário urbano permanece segmentado, fragmentado, com perif- erias, zonas de habitações precárias, insalubres, desprovidas de infraestru- tura urbana e serviços básicos, loteamentos irregulares e/ou clandestinos, favelas e áreas de deterioração com a presença de imóveis congestionados e encortiçados, mesmo em porções centrais, denotando que muitos não con- seguem dispor de condições dignas de habitabilidadee cidadania, em diver- sas vezes ocupados por migrantes recém-chegados e/ou empobrecidos. Seu contraponto é a forte evidência da autossegregação das elites, hoje também alcançando setores de renda média da população, em enclaves fortificados, condomínios horizontais ou verticais, no que foi chamado de “cidade dos muros” (CALDEIRA, 2000). Essa distribuição heterogênea de espaços e pessoas ilustra, por as- sim dizer, um viver nas cidades, um conjunto de homens e mulheres, es- trangeiros (nascidos fora e dentro de seus países, assim considerados pelo establishment) desempregados, “inempregáveis”, indígenas, refugiados, homossexuais, moradores da precariedade, afrodescendentes, colônias de imigrantes, nômades, enfim, “outros” em situação de fronteira (política e social), em territorialidades cambiantes. Além das estatísticas, mesmo as oficiais, esse quadro pode ser desvendado pelas cartografias socioeconômi- cas, e também por uma epistemologia que dê contas das diferenças culturais. Configura-se, pois, um grande e mundial processo de deslocamento de pes- soas, geralmente subalternas, um movimento dos dominados pelo planeta, enquanto os fluxos vitoriosos do capital financeiro, facilitados pelos grandes progressos das telecomunicações em rede, mostram-se visíveis na chamada globalização, a revelar as duas faces do mesmo processo. Revestem-se de grande significado os espaços de confronto como as fronteiras, pois muitos países centrais desenvolvidos fecham suas entradas diante dos (i)migrantes empobrecidos e que os procuram. Como nos diz Remi Nilsen :” Em todo o mundo ocidental, ao longo dessas últimas décadas, as forças muito orga- nizadas do capitalismo trabalharam contra a estagnação econômica, através de uma exploração ainda mais dura e da recuperação de antigos bastiões do movimento operário, atacando de passagem os regimes de previdência, os serviços de saúde pública e o direito trabalhista. Essa situação degradada cria um ambiente social dividido segundo linhas étnicas e religiosas. Esses temas são recorrentes e transnacionais.”( Le Monde Diplomatique, no.60. Ano 5,jul 2012) Atualmente várias fontes declaram que muitos migrantes foram impedidos de ficarem nos países da União Europeia ( cerca de 345mil no ano de 2013-Jornal O Estado de S.Paulo, edição de 5/fev/2014) 10 A propósito, em seminal trabalho, Martins (2009) considera a fronteira como “... um cenário de intolerância, ambição e morte. É também, lugar de elaboração de uma residual esperança, atravessada pelo milenarismo da espera no advento do tempo novo, um tempo de redenção, justiça, alegria e fartura”.(MARTINS, 2009, p.10) Tais seriam as esperanças de muitos imigrantes, com seu deslocamen- to. Vivem, contudo, na fronteira, não mais entendida como a cerca metálica que durante muito tempo separou clandestinos na divisa do México com os Estados Unidos, mas também conceito aplicável àqueles que vivem nas cidades, sem acesso pleno aos direitos e às políticas sociais. O direito à saúde, particularmente, é um dos aspectos cruciais no aces- so à cidadania, mesmo que se considerem as dificuldades conceituais em debate e reflexão sobre essa área de atuação social. Na história das socie- dades esse debate evoluiu da consideração de aspectos específicos, ligados aos planos físico - biológico e psicológico, para incluir as dimensões éticas e políticas, pois como dizem Rebouças et allii,: “... saúde não é um estado, e sim um reflexo da vida e da sociedade, tanto em nível individual quanto coletivo” (1989, p.22). O livro que temos presentemente nas mãos revela-se importante por dis- cutir com propriedade significativos aspectos dessa problemática. Como de- ixar de considerar a oportunidade e a acuidade da discussão realizada sobre as abordagens teóricas nas análises em saúde dos imigrantes no espaço urbano, reconhecendo não ser esta uma tarefa simples. Como dizem seus autores: “... a complexidade dos inúmeros contextos migratórios e suas consequências à saúde dos imigrantes exige postura intelectual condizente, ou seja, pressupõem a construção de abordagens teóri- co-metodológicas mais ampliadas, potencializadas em seu poder explicativo e constituídas na interface entre os campos do saber científico.” (SILVEIRA et. all.). Dessa forma, levando em consideração as transformações ocorridas pelo capitalismo transnacional nos últimos tempos, podendo ser denomi- nados de transmigrantes, e acompanhando as relações ocorridas no espaço urbano, identificam-se as situações de vulnerabilidade, segregação e mesmo quando acompanhadas de atuações de caráter inclusivo, revelam concep- ções excludentes por julgarem os imigrantes sem direito às políticas sociais 11 e de saúde, pois estão fora de seus Estados de origem. A maneira pela qual é compreendido o fenômeno migratório permitiu superar concepções antigas em que o processo parecia depender apenas de decisões individuais, para entendê-lo no conjunto das relações e laços sociais, potencializando desven- dar caminhos tanto os facilitadores de sua inserção no território das cidades quanto os de violência e exploração existentes nas redes sociais. A localização em determinados bairros, como ‘ponte’ que lhe oferece suporte de língua e costumes entre seus conterrâneos e que pode oferecer aos imigrantes melhor acesso aos serviços de saúde e educação, muitas ve- zes acabou sendo vista como a formação de guetos e de segregação, mas os autores preferiram entender a ocupação territorial, em sua conexão com redes que podem permitir a transposição de fronteiras. No caso da saúde, as vulnerabilidades das relações interpessoais se somam às de precariedade de trabalho, de moradia e à existência de pre- conceitos, estigmas. Do ângulo das políticas, detectou-se certo isolamen- to das de saúde diante das demais políticas sociais, fragmentando ações e, ainda, limitando a atuação em cuidados parciais, aplicados mais a viajantes que a residentes imigrantes., além de terem contestados os direitos a ações locais. A clandestinidade e a falta de documentação ainda agrava o acesso universal, mas essa situação não difere frontalmente daquela vivida pelos nacionais que sofrem também as sequelas da desigualdade social de nossas cidades. Nesse sentido, a presente obra nos brinda com a relação entre história de migrantes, imigrantes e saúde na primeira parte. Assim, a seleção de imi- grantes para o Brasil no século XIX pautava-se em uma composição do que era considerado ‘sadio’ para o país em que asiáticos e africanos não se en- caixavam nessa concepção. A compreensão da imigração japonesa enquanto relação de interesses bilaterais amplia nossa compreensão dos discursos an- tiniponicos de Pacheco e Silva que denotavam os ideais eugenistas da época. Apesar de estarem isentos das cotas de imigração nos anos 30, portugueses não estavam imunes à percepção de ‘anormalidade’ dos estrangeiros interna- dos no sanatório sendo o conhecimento psiquiátrico vigente indissociável da moral do período. O perigo dos estrangeiros considerados ‘degenerados’ nos discursos do médico e político Pacheco e Silva, figura fundamental na forma- ção do ideário eugenista no Brasil, como mostram os autores contrasta com os relatos dos prontuários médicos do Juquery em que a maioria dos casos de internação tinha origem em choques culturais conforme os autores. A questão migrantória passa assim necessariamente pelas questões de saúde essenciais para a análise da qualidade de vida e inserção social como pode ser acompa- nhado no caso da saúde pública em São Paulo. 12 Na segunda parte do livro a partir de revisões bibliográficas, levanta- mento de dados e pesquisa de campo, adentramos a realidade concreta que clama por novas abordagens no campo da saúde. Assim, os autores afirmam como mencionamos acima que abordar processos migratórios internacio- nais (e nacionais) e suas repercussões sobre a saúde requer uma abordagem teórico-metodológica de interface entre diferentes campos dosaber. Sendo esse um complexo problema transnacional e em âmbito nacional interseto- rial. Contudo, a não interação entre o setor da saúde com os demais setores das políticas sociais tem sido um obstáculo a integração de ações em âmbito nacional e internacional. Na última década com a organização do SUS na cidade de São Paulo tem-se observado como apontam os autores o desen- volvimento de atenção à saúde voltada para grupos migrantes em nível de Atenção Primária à Saúde e particularmente a partir da Saúde da Família introduzindo a contratação de agentes de saúde bolivianos. Adentramos ai os aspectos psicossociais da migração, reconhecidos como fatores chaves nas ações sociais e de saúde segundo a Organização Mundial de Saúde em publicação de 1982 (apud Berry et. al, 1992). Assim, a questão da co- municação é crucial, como tratada no caso da epidemia de HIV-AIDS na Costa do Marfim, requerendo campos horizontalizados de diálogo entre e com migrantes, sem estigmatização como apontam os autores. Ao mesmo tempo essa necessária perspectiva impõe desafios como indicam já que “es- sas abordagens por serem mais etnográficas exigem tempo e não trabalham bem com a pressa dos programadores para obter resultados”. Desafios esses trazidos a realidade paulistana em que em um bairro como o Bom Retiro, um palimpsesto onde grupos tão diversos como coreanos e bolivianos se encontram demandando novas compreensões e revisões que as ricas falas dos entrevistados sugerem. Nesse momento em que a lei do estrangeiro no Brasil está sendo revista, vemos a importância dessa para as políticas de saúde como no caso da Espanha em comparação com a Argentina no acesso a saúde por parte dos imigrantes. O imigrante, o diferente como ‘chivo ex- piatório” (bode expiatório) comumente surge em épocas de crise, denotando a dialética entre desigualdade social e desigualdade na saúde como aponta o autor. A fim de enfrentar essa problemática dados objetivos sobre a saúde dos imigrantes são essências, e no entanto, como indicam ao autores, são es- cassos. O cuidado é interativo como bem apontado no trabalho pautado no apoio social a refugiados e imigrantes , assim a competência cultural torna- se um instrumento de ação em saúde essencial dentro de uma perspectiva mais ampla e que se integra com áreas para além da saúde. E que requerem a participação dos grupos em foco necessariamente, o que traz à tona a discussão da representação de seu status minoritário para o próprio grupo dentro de um contexto mais amplo como indica a realidade de imigrantes bolivianos cuja exploração ilegal do trabalho precisa necessariamente ser considerada e problematizada. 13 Temos assim um riquíssimo conjunto que vem em boa hora para for- mar e informar pesquisadores, profissionais, estudantes constituindo assim uma obra de referência na área dos estudos migratórios e da saúde. Maura Pardini Bicudo Véras - Socióloga. Professora Titular e Livre Docente do Departamento de Sociologia e do Programa de Estudos Pós Graduados em Ciências Sociais da PUCSP Sylvia Duarte Dantas – Psicóloga, Ph.D. em Psicologia pela Bos- ton University, Professora Adjunto II do Departamento de Saúde, Clínica e Instituição da Universidade Federal de São Paulo, Co- ordenadora do Núcleo de Pesquisa Orientação Intercultural da UNIFESP e grupo Diálogos Interculturais IEA-USP. referências bibliográficas BARRETO, M. Violência, Saúde e Trabalho (uma jornada de humilhações). São Paulo: EDUC, 2006. BERRY, J.; POORTINGA, Y.; SEGALL, M e DASEN, P. Cross-cultural Psychology: Research and Appplications. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Ed. 34/EDUSP, 2000. DANTAS, S. D. (Org.). Diálogos Interculturais. Reflexões interdiscipli- nares e intervenções psicossociais. São Paulo: IEA-USP, 2012. MARTINS, J. S. Fronteira, a degradação do “outro” nos confins do humano. São Paulo: Contexto, 2009. REBOUÇAS, A. J. A. et all. Insalubridade: morte lenta no trabalho. São Paulo: Oboré, 1989. VÉRAS, M. P. B. DiverCidade, territórios estrangeiros como topografia da alteridade em São Paulo. São Paulo: EDUC, 2003. VÉRAS, M. P. B. A produção da Alteridade na Metrópole: desigualdade, Segregação e Diferença em São Paulo. In: DANTAS, Sylvia Duarte (Org.). Diálogos Interculturais. Reflexões interdisciplinares e intervenções psicossociais. São Paulo: IEA-USP, 2012. Parte 1 Saúde e História de Migrantes e Imigrantes 17 o “Perigo amarelo”: Imigração japonesa, eugenia e os discursos de a. C. Pacheco e Silva na assembleia Constituinte (1933-1934) Adriana Capuano de Oliveira Gustavo Querodia Tarelow O Brasil comemorou, em 2008, o Centenário da Imigração Japonesa para o país, com uma série de festividades e momentos marcantes desse feito histórico entre as duas nações, contando, inclusive, com a visita do príncipe- herdeiro do trono do Japão, Naruhito. Contudo, poucos são os que sabem ou reconhecem que essa comemoração poderia ter se dado há, pelo menos, três décadas. Esse fato já nos revela, em parte, questões inerentes ao artigo ora exposto, no que diz respeito ao curso da imigração japonesa no Brasil e às barreiras enfrentadas ao longo de seus primeiros anos, desde a sua aceitação, e mesmo após a sua implementação. Para tanto, serão abordados alguns dos maiores entraves sofridos por essa corrente imigratória, destacando-se as questões eugênicas, mediante um resgate histórico da própria imigração até o momento da Constituinte de 1934. Retomando historicamente o contexto dessa imigração, lembramos que, durante o século XIX e, mais especificamente, no decorrer do seu último quartel, o Brasil recebeu milhares de imigrantes e passou a ser reconhecido internacionalmente como um país “acolhedor de todos os povos e nações”1. Essa realidade foi tanto maior nas regiões onde as entradas desses fluxos migratórios foram mais expressivas, marcadamente as regiões sul e sudeste do país. No que diz respeito à imigração japonesa, mesmo antes de sua concretização em terras brasileiras, essa corrente migratória esteve mergulhada em uma série de especificidades, já de início dadas pela discussão que a imigração asiática (japonesa, chinesa e outras) causaria na 1 Esse imaginário permanece até os dias de hoje, podendo ser notado em campanhas governamentais ou em slogans como o da Prefeitura da Cidade de São Paulo: “São Paulo de todos os povos”. 18 sociedade brasileira. Nos projetos imigratórios do Brasil dos séculos XIX e XX, asiáticos e africanos estavam fora dos planos de seleção de população imigrante para a composição “sadia” do país. os discursos eugênicos e a restrição à entrada de japoneses no brasil Ao longo das primeiras décadas do século XX, baseado em pressupostos pautados pelas pesquisas de renomados cientistas, o discurso eugênico ganhou impulso em vários países do mundo. Mergulhado em diversas transformações oriundas do crescente processo de urbanização, do recente fim do regime escravista e dos primeiros anos do regime republicano, o Brasil procurava explicar-se como nação. Nesse contexto, os cientistas brasileiros viram na eugenia uma forma de analisar o país e contribuir para a “formação da raça” e para o seu desenvolvimento social e econômico. A elite econômica e intelectual brasileira se viu seduzida por explicações biologizantes e racistas a despeito do atraso do país em comparação com as nações desenvolvidas. Tais grupos acreditavam que algo devia ser feito, e a ciência de cunho eugênico se mostrava como uma opção plausível para analisar o presente e determinar ações científicas e, portanto, dignas de aceitação, para salvaguardar o futuro do país. É nesse contexto que surgem diversos grupos e associações com a finalidade de promover os ideais eugênicos, que culminaram com a criação da Comissão Central Brasileira de Eugenia, liderada por Renato Kehl, no início dos anos 1930 (PRIOR,2013, p. 92-93). Nesse processo, antropólogos, sociólogos, biólogos, farmacêuticos e, sobretudo, médicos passaram a publicar diversos trabalhos com discussões em torno de temas ligados aos pressupostos da eugenia. Apesar de diferirem entre si sobre o caráter mais, genericamente falando, “educativo”, eugenia positiva, ou mais “intervencionista”, eugenia negativa, que as ações eugênicas deveriam assumir, é possível notar que entre os temas discutidos pelos seus partidários estão: a necessidade de se realizar, com amparo legal, exames pré-nupciais; o combate aos vícios como álcool, jogos, entre outros; a eliminação dos indivíduos considerados “degenerados”, como doentes mentais, pessoas com deficiência e homossexuais, por exemplo; a condenação das práticas sexuais que estivessem além dos limites do casamento heterossexual; a eliminação progressiva de negros, asiáticos e indígenas por meio de campanhas de esterilização, visando o “branqueamento” do país e a seleção rigorosa de imigrantes que iriam adentrar ao país, recomendando, 19 preferencialmente, a opção pelo acolhimento de brancos europeus, em detrimento de asiáticos e africanos2. Dessa forma, paulatinamente, construiu-se um discurso de cunho racista, embasado nos debates científicos para justificar a seleção imigratória que definia quais grupos de estrangeiros poderiam contribuir melhor para o desenvolvimento do Brasil e para a sua formação racial. Nesse sentido, a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro (2013, p. 251) afirma: “Estudos recentes da historiografia brasileira têm comprovado com base em documentação inédita que, há séculos, os judeus, os ne- gros, os ciganos e os japoneses não são cidadãos bem-vindos à composição étnica da sociedade nacional. O discurso, que persistiu desde os tempos coloniais, era o de que esses grupos representa- vam perigo para a nação, em distintos espaços e tempos históricos. Avaliado em um tempo de longa duração, esse discurso congregou diferentes correntes de opinião, alcançando seu auge durante o pri- meiro governo de Getúlio Vargas, e mais especificamente durante o Estado Novo (1937-1945), que, enquanto, tomava como parâ- metro os paradigmas sustentados pelo fascismo europeu, procurou estabelecer canais e instrumentos que permitissem acelerar o pro- cesso de modernização do país.” É dentro dessa lógica que iremos encontrar a primeira grande barreira para a aceitação à imigração japonesa no Brasil, que retardou sua entrada no país em, pelo menos, três décadas. A restrição de imigrantes africanos e asiáticos passará a ser incorporada na forma de Decreto-lei a partir de 1890, apenas um ano após a instauração do regime republicano no país. O Decreto-lei nº 528 publicado em 28 de Junho de 1890, que dispõe sobre o Serviço de Introdução e Localização de Imigrantes e formaliza a permissão de entrada de estrangeiros no país, deixa explícita tal proibição, afirmando, como se pode ler abaixo: “Regularisa o serviço da introducção e localisação de immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil. PARTE PRIMEIRA CAPITULO I: DA INTRODUCÇÃO DE IMMIGRANTES Art. 1º E’ inteiramente livre a entrada, nos portos da Repu- blica, dos individuos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante autorização 2 Para maiores informações sobre as concepções eugênicas e como elas se disseminaram pelo Brasil, ver MOTA e MARINHO, 2013. 20 do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas”. Vê-se claramente que o assim chamado “elemento amarelo” não era desejável na “formação racial” do Brasil, desde o século XIX. A partir disso, uma sucessão de ardorosas discussões e polêmicas inflamadas envolveram a sociedade brasileira nesse período e ao longo das primeiras décadas do século XX a respeito dos problemas causados pela admissão dessas pessoas. Discursos que terão seu ápice na década de 1930 engajam intelectuais, políticos, médicos, proprietários agrícolas e figuras ilustres da época – dentre os quais destacamos aqui a presença de Antonio Carlos Pacheco e Silva, psiquiatra e deputado constituinte em 1934 – a participar de intensos debates acerca da inconveniência em se importar esse tipo de mão de obra considerada inferior e perigosa para a soberania nacional e a constituição de uma raça e de um povo sadios. Tais argumentos são os principais responsáveis pelo fato de o Brasil ter sido um dos últimos países a assinar contratos de imigração com o Japão, muito embora, atualmente, o país celebre com grande entusiasmo os Tratados de Amizade e as relações de solidariedade e fraternidade com tal país, gabando-se de possuir a maior colônia de japoneses no exterior. a difícil trajetória da aceitação da imigração japonesa para o brasil Ao longo do século XIX, vários Tratados de Amizade, Comércio e Navegação foram assinados entre o Japão e diversos outros países do mundo, a partir da chamada “Revolução Meiji”. Com a Restauração do Imperador Meiji, em 1o de janeiro de 1868 (HONDA, 1986, p. 64), o ato do Shogum Tokugawa, editado em 22 de junho de 1636, que proibia os japoneses de deixarem ou retornarem ao país, é revogado3 e, a partir do fim do isolamento, já em 17 de maio do mesmo ano os primeiros imigrantes 3 O período histórico japonês do assim chamado shogunato Tokugawa (período Edo) durou desde a queda do governo da família Toyotomi, em 1615, até a restauração do poder do Imperador em 1868, ou o período da Revolução Meiji. O shogunato se inicia justamente com a queda da família Toyotomi do poder, sucedida pela família Tokugawa, no ano de 1615, e dura até 1867, ano de seu declínio. Esse período é considerado o período do feudalismo japonês (Boletim do Centro Cultural e Informativo do Consulado Geral do Japão, 1994, p.7; OHASHI, 1991, p. 5). Alguns outros autores estabelecem o início do shogunato Tokugawa em 1603, doze anos mais cedo, como é o caso de Fukumoto (1986). Durante o shogunato, o Japão passa por uma condição de intenso isolamento do resto do mundo que durou quase 300 anos. 21 japoneses (gannen mono) deixaram o Japão a bordo do navio “Scioto”. A partir disso, muitos japoneses partiram para o Havaí, primeiro porto receptor de imigrantes japoneses. O Japão dava início a uma nova realidade social dentro de sua história, após um isolamento de, praticamente, 300 anos. Em 1873, é assinado o primeiro Tratado de Amizade entre o Japão e o Peru, sendo esse o primeiro no âmbito das relações diplomáticas latino- americanas e japonesas. Cinco anos mais tarde, o México iniciou suas relações diplomáticas com o Japão e, a partir desse acordo, o Japão passou a se reinserir de uma forma nova dentro do contexto internacional: “A partir da celebração do tratado com o México, as negociações com as potências ocidentais passaram a evoluir e a posição japone- sa se fortaleceu ainda mais, após a vitória na guerra contra a China, em 1895. A primeira potência ocidental a concordar com a revisão do tratado4 foi o Reino Unido, em seguida os Estados Unidos.” (NINOMIYA, 1995, p. 4). Dada essa nova reinserção da “nação” japonesa que estava surgindo, o Brasil também tomou parte nos acontecimentos de celebração de tais Tratados e, anos mais tarde, no dia 5 de novembro de 1895, foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e o Japão, pelo Sr. Arasuke Soya, então Ministro Plenipotenciário do Japão na França, e pelo Sr. Gabriel de Toledo Piza e Almeida, então Ministro Plenipotenciário do Brasil na França (Boletim do Centro Cultural e Informativo do Consulado Geral do Japão, 1994, p. 2). Estava estabelecido, assim, um primeiro vínculo diplomático entre esses dois países. Mais do que participar dessa nova conjuntura internacional, esse tratado assinado pelo Brasil já intencionava, desde o início, desenvolver a potencialidade emigratória japonesa. Tentativas anterioresao Tratado, feitas por companhias de emigração japonesas, resultaram em grande fracasso. Segundo Ohashi, “as primeiras negociações para a entrada dos japoneses no Brasil se deu (sic) em 1894 entre a empresa Kichin Imin Kaisha e a firma Prado Jordão. O resultado destas negociações foi um fracasso, pois inexistia qualquer Tratado de Amizade ou relações diplomáticas entre as duas nações.” (OHASHI, 1991, p. 7). Vê-se que o Tratado foi assinado logo no ano seguinte. Outros documentos também apontam para essa mesma questão. Ninomiya observa que as instruções da Chancelaria Brasileira para a assinatura do tratado estavam baseadas na imigração e não no comércio. Por outro lado, o Japão 4 Ninomiya está se referindo aqui à mudança de postura desses países considerados potências, que já possuíam tratados com o Japão, que, porém, eram considerados “desvantajosos”, celebrados ainda pelo governo do shogunato de Tokugawa desde 1858, e que não consideravam o Japão um país civilizado, o que provocava grandes prejuízos para esse país. A revolução Meiji pressionou a correção dessas desvantagens e acabou obtendo êxito. 22 se recusava a enviar emigrantes aos países com quem não mantivesse relações diplomáticas (NINOMIYA, 1995). A Revolução Meiji continuava provocando profundas transformações no interior da sociedade japonesa, fazendo que o Japão passasse de seu estado feudal para novas formas de organização social, entrando no mercado internacional e nos processos capitalistas vigentes. Contudo, essa passagem não se deu de forma tranquila, pois a estrutura social japonesa, até então predominantemente agrária, sofreu alterações tão graves que não conseguiu se recompor dentro da própria sociedade japonesa. Com um excedente populacional cada vez mais problemático no interior dessa sociedade em mudança5, a política imperialista das reformas Meiji acabava por gerar conflitos sociais que apareciam como insolúveis dentro do próprio território japonês. Os processos de industrialização adotados pelo governo criaram uma massa excedente que não se encaixava mais dentro da sociedade japonesa. A população do país pagou um preço alto pela agressividade das reformas impostas. Sendo assim, uma das maneiras encontradas para aliviar o impasse que as reformas estavam trazendo foi a ampla política de emigração adotada pelo governo japonês. Após a assinatura do primeiro tratado de emigração entre o Japão e o Havaí, em 1884, a saída de japoneses foi maciça (OHASHI, 1991, p. 5). Os primeiros portos de destino, depois do Havaí, foram os EUA6; em seguida, foram estabelecidos fluxos migratórios entre o Japão e países como o Peru e o México, em 1899; o Canadá, em 1900; as Filipinas, em 1903; a Bolívia, em 1906 (HONDA, 1986, p. 66-67). O Brasil, como resultado da resistência à aceitação desta migração, só figuraria nesse cenário em 1908, sendo um dos últimos países a estabelecer um fluxo migratório com o Japão7. consolidação e impasses da imigração japonesa no brasil: resistência de ambos os lados Quase mitificado pela colônia japonesa radicada aqui, o Kasatu Maru, primeiro navio de imigração a trazer japoneses para o Brasil, chegou em 18 5 No período do shogunato de Tokugawa, as taxas de natalidade eram controladas pelo governo, que havia fixado em 25.000.000 o limite máximo da população japonesa. Isolados do mundo, as práticas de infanticídio e de aborto eram comuns para o controle dessa imposição (OHASHI, 1991). 6 O Havaí foi anexado aos EUA como território americano somente no ano de 1897. 7 Apesar de não haver a relação completa das datas dos estabelecimentos dos fluxos migratórios que saíam do Japão, foi possível encontrar um país em que esse acordo ocorreu mais tardiamente do que no Brasil. Trata-se da Colômbia, que recebeu os primeiros imigrantes japoneses somente em 1921 (HONDA, 1986, p. 69). 23 de junho de 1908. Após negociações e contratos, esses primeiros imigrantes chegaram ao Brasil contratados pela empresa japonesa de colonização e imigração Kokoku Shokumin Kaischa (CARDOSO, 1972, p. 22). O número exato de imigrantes que estavam nesse navio é um pouco controverso, contabilizando-se a entrada de 781 japoneses, segundo o número oficial divulgado pelo Consulado do Japão. Estava estabelecida, assim, a presença japonesa no Brasil. Estes primeiros imigrantes foram encaminhados para as fazendas de café da região paulista e, como contam relatos, “enquanto aguardavam a partida para as fazendas de café (alocados na Hospedaria dos Imigrantes, na cidade de São Paulo), despertaram curiosidade nas ruas - afinal, a maioria absoluta dos brasileiros nunca tinha visto um japonês em carne e osso.” (JAPÃO AQUI, abr. 1997, p. 23). Com toda a certeza, o espanto ocorrido nas fazendas de destino não foi menor. A partir do Kasatu Maru, mais de 188 mil japoneses emigraram para o Brasil no período de 1908 a 1942, sendo que a imigração ainda sofreu uma suspensão durante os anos de 1914 a 1917, período em que a entrada de imigrantes se reduziu drasticamente, conforme pode ser observado pelos dados da tabela que será apresentada a seguir. Entre os motivos dessa suspensão estava principalmente a polêmica acima comentada, de oposição à entrada desta “raça” amarela no país, polêmica que, como colocado, durou até bem mais do que o primeiro período de aceitação do contrato de japoneses para o Brasil, em 1908. “Em 1914, a subvenção estadual foi extinta sob a alegação de que os japoneses eram instáveis como trabalhadores em fazendas.” (YOSHIOKA, 1995, p. 34). A alegação desse motivo, contudo, não parece ter sido o principal motivo, pois. como aponta Vainer, o japonês era visto pelo fazendeiro como um trabalhador muito mais “dócil” do que o imigrante europeu. Entre os documentos da época, Vainer encontrou manifestações tais como: “Qual é o auxiliar de fazendeiro paulista que resiste, tal como faz o japonês, às medidas impostas periodicamente pela economia bra- sileira, determinando preços baixos e proibição de exportação de café, o que representa muitas vezes a impossibilidade de pagamen- to dos colonos agricultores por parte dos fazendeiros? Colonos es- trangeiros, de pá em punho, fizeram, em São Paulo, os fazendeiros passar momentos difíceis, enquanto, mesmo entre as dificuldades, sorriam os colonos japoneses [...].” (VAINER, 1995, p.47, apud LOBO, 1935, p. 35). 24 A questão que permanece por detrás da continuidade dos debates acerca da aceitação do “perigo amarelo” mantém-se relacionada aos critérios de condição racial dessas pessoas, e não na condição econômica que elas estavam promovendo. Consideram-se, assim, dois períodos distintos da imigração japonesa do pré-guerra, um que vai até 1914, e outro, logo após 1917. No segundo período, concentra-se o maior número de imigrantes japoneses dirigidos ao Brasil, como mostra a tabela abaixo: Entrada de Imigrantes Japoneses no Brasil (1908-1941) Ano Imigrantes Ano Imigrantes Ano Imigrantes 1908 830 1920 1.013 1932 11.678 1909 31 1921 840 1933 24.494 1910 948 1922 1.041 1934 21.390 1911 28 1923 895 1935 9.611 1912 2.909 1924 2.673 1936 3.306 1913 7.122 1925 6.330 1937 4.557 1914 3.675 1926 8.407 1938 2.524 1915 65 1927 9.084 1939 1.414 1916 165 1928 11.169 1940 1.268 1917 3.899 1929 16.648 1941 1.548 1918 5.599 1930 14.076 1942 - 1919 3.022 1931 5.632 Total 188.431 Fonte: Consulado do Japão (citado em: OHASHI, 1991). Os números exatos de imigrantes são sempre ligeiramente controversos, de acordo com a fonte que se utiliza, entretanto, a variação entre os autores é mínima. Verifica-se, pelos dados da tabela apresentada acima, que o período de maiores entradas concentra-se no início dos anos 30; os imigrantes dessa fase já possuem um novo perfil, um pouco diverso daquele dos primeiros imigrantes que se direcionaram para as fazendas de café. Esses chegaram ao Brasil com um franco apoio do governo japonês, que intencionava estabelecer aqui núcleos de colonização por meio desses imigrantes,como atitude, inclusive, da política agressiva de imperialismo da Era Meiji. A imigração para o Brasil, então, intensifica-se, e os súditos japoneses que para cá se dirigem recebem, em contrapartida, respaldo do governo japonês na possessão de territórios ultramarinos onde o Japão pudesse exercer influência posterior. 25 “Neste segundo período (1925-1941), o governo japonês demons- trou grande interesse pelo Brasil, tanto por ser praticamente o único país aberto aos nipônicos, quanto por constituir um mercado para investimento. O número de entradas desta época chega a quase 150.000, o que corresponde a mais de 75% do total de emigrados antes da II Guerra Mundial.” (CARDOSO, 1972, p. 26). Mais do que investimentos de mercado, o Japão enxergava no Brasil uma das fronteiras de sua política imperialista, posição partilhada pela elite japonesa, que fortalecia o incentivo à imigração da população desinformada de tais posições. Marco Luiz de Castro destaca a questão da posição da elite e das autoridades japonesas em relação ao contexto emigratório que envolvia o Japão naquele período. Mergulhados no espírito da era Meiji, os imigrantes japoneses que chegavam aqui no período pré-guerra dessa corrente desembarcavam em terras brasileiras tomados por um espírito nacionalista, por um sentimento de amor e de superioridade pelo Japão. A intenção desses imigrantes, no caso de uma permanência prolongada no Brasil - o que não era a intenção primeira dessa população, pois a grande maioria desejava melhorar de vida aqui e retornar ao Japão - era a de estabelecer no Brasil uma colônia que fosse verdadeiramente uma extensão do Japão. Essa ideia era amplamente partilhada por parte das autoridades e da elite japonesa, uma vez que “a presença de elementos nipônicos no Brasil representaria, para a elite japonesa, ciente das realidades interna e internacional, uma alternativa viável de expansão de seus domínios que, eventualmente, poderia ser utilizada.” (CASTRO, 1994, p. 26). Dessa forma, a elite japonesa começa a propagar todo um aparato de incentivo à emigração, com base nos ideais expansionistas do imperialismo Meiji. Com isso, começam a se efetivar as formações coloniais de japoneses, em diversos pontos do Estado de São Paulo e, logo em seguida, também no Paraná. Essas formações coloniais contavam com o apoio de diversos aparatos que o governo japonês e as companhias de colonização colocavam à disposição dos emigrados, tais como a existência de escolas onde havia professores mandados do Japão para a manutenção dos padrões japoneses entre os filhos dos emigrados, além de muitas outras formas de estabelecimento de uma espécie de “dominação” japonesa dentro do solo brasileiro. Um discurso de um governador da Província de Nagano (Sr. Toshio Homma), pronunciado na Assembleia Geral no início dos anos 20, declarava: 26 Todavia, acho que deve fazê-lo de modo a influenciar os planos do Império. Terá que fixar os imigrantes à terra, cercando-os de segu- rança e bem-estar de modo a que não se sintam inseguros. Deverá transformá-los em proprietários de terras, para que se sintam como se estivessem na Pátria, experimentando a mesma felicidade que na Pátria de origem. (citado em: YOSHIOKA, 1995, p. 50). Era clara a intenção do governo e da elite japonesa, e o Brasil entrou nesse processo como um dos alvos principais, devido, inclusive, à extensão de terras ainda disponíveis. É certo que todos esses fatores que caracterizaram especificamente essa corrente migratória acabaram por refletir em sua composição no Brasil. Os japoneses, desde o início, foram tomados e recebidos como um grupo à parte dentro dos grupos imigrantes, e eles, por sua vez, buscaram encontrar no Brasil não um novo espaço e uma nova pátria, mas sim a criação de uma extensão do Japão no outro lado do mundo. Isso sem adentrarmos muito no peso do fator racial que esteve presente nessa situação por parte do próprio Japão, pois, se o Brasil enxergava o asiático como uma raça inferior, sem sombra de dúvida essa mesma conotação devia fazer parte do imaginário japonês, que havia passado pelo shogunato de 300 anos de isolamento perante o resto do mundo com receio de se “contaminar” (OHASHI, 1991, p. 5). Além disso, as ideias eugênicas desse período, embora possa parecer um contrassenso, também seduziram a elite intelectual japonesa, da mesma forma que seduziram a brasileira. Lá, porém, foi o orgulho do “ser japonês” que se vinculou aos ideais ancestrais de superioridade. Assim: “[...] a eugenia japonesa, apesar de inspirada nas teorias eugenistas do Ocidente, desenvolveu noções de inferioridade que colocaram no extremo oposto a raça caucasiana branca. Dessa forma, o ‘or- gulho’ japonês foi desenvolvido ao longo de princípios do século XX baseado nas noções de civilidade e saúde, na transição do Ja- pão imperial para o Japão moderno pré-Segunda Guerra Mundial. Feministas e reformistas sociais foram os principais adeptos das ideias do médico Osawa Kenji, pioneiro no discurso medicalizante e da melhoria da raça no Japão.” (DIWAN, 2007, p. 75). Podemos inferir algumas questões a partir dessa sentença: uma delas é a curiosa, contudo, não inesperada presença de um médico à frente da intteligensia eugênica no Japão, tal qual o cenário brasileiro. A segunda é que, se os japoneses depreciam a “raça branca caucasiana”, que dirá da 27 mestiçagem brasileira, tão alicerçada nos progenitores negros e indígenas. Compreende-se, destarte, por que “o imigrante, [...] tinha compromisso de retornar ao seu país como um vencedor, um ‘herói’ que conquistou a América. Preso a este ideal, não podia retornar com cinturões de moedas de ouro, rodeados de filhos ‘caboclos’, analfabetos em japonês.” (HANADA, 1986, p. 262). Assim, escolas com professores japoneses eram as escolas dessas crianças, os livros didáticos e o material escolar vinham do Japão, os hábitos japoneses deveriam ser mantidos, os registros deviam constar nos Consulados japoneses. Dentro das colônias, que a partir da década de 20 passaram a ser apoiadas largamente pelo governo militarista japonês, a instrumentalização de escolas e associações, em que os filhos desses japoneses e os próprios imigrantes japoneses podiam desfrutar de um modo de vida altamente nipônico, faz parte desse ideal de retorno, vivamente presente entre estes imigrantes. Pode-se afirmar que, durante os anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, de ambos os lados, os ânimos se exaltaram. Se, por parte do Governo japonês, o Brasil passou a ser um território vislumbrado como potencial “arma” na expansão do Império japonês, entre nós, as discussões tomaram ímpetos cada vez mais calorosos, haja vista que a atmosfera político-científica anterior à Segunda Guerra inebriava todo o cenário internacional, atingindo ambos os países em questão. o “perigo amarelo” assola a “formação da raça” Para difundir os preceitos eugênicos, foram criados alguns veículos de divulgação científica que compilavam os estudos e as concepções de diversos pesquisadores eugenistas. Nesse contexto foi lançado, em janeiro de 1929, o primeiro volume do Boletim de Eugenia, dirigido por Renato Kehl, sob os auspícios do “Instituto Brasileiro de Eugenia”. Em tal publicação, nos seus vários volumes lançados, é possível observar, dentre outros temas de interesse eugênico, o discurso que visava difundir os riscos de o Brasil seguir importando mão de obra japonesa. Um exemplo disso pode ser encontrado no vol. 11 (nov. de 1929, p. 3), no resumo de uma conferência realizada por Queiroz Telles no Rotary Club de São Paulo. No referido texto, no qual o autor versa sobre “O problema immigratorio e o futuro do Brasil”, pode-se observar que o autor, apesar 28 de afirmar que não tem “preconceito de raças, pois em todas reconheço qualidades dignas de admiração”, sobre os japoneses assim se manifesta: “Na organização da nossa casa, porém, penso que nos assiste o direito de escolher