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Ambulatorio- esteatose hepatica

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Esteato-hepatite Não Alcoólica
e Doença Hepática Alcoólica
1) Esteato-hepatite não alcoólica
- Introdução
✔ A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é considerada uma epidemia nos Estados Unidos, representando a forma
mais comum de doença hepática, que abrange um amplo espectro desde esteatose simples sem sinais inflamatórios até esteato-hepatite
e fibrose, que podem evoluir para cirrose. A esteato-hepatite não alcoólica (ENA) é caracterizada por esteatose macro ou
microvesicular, infiltrado inflamatório lobular misto e balonização hepatocelular em área da veia centrolobular (zona III),
podendo apresentar fibrose, corpúsculos de Mallory e cirrose. Esses aspectos morfológicos são indiferenciáveis da doença hepática
alcoólica em indivíduos cujo consumo diário de álcool é inferior a 20 a 40 g. A ENA pode evoluir para cirrose em 15 a 25% dos
pacientes; e 30 a 40% desses apresentam falência hepática antes de completar dez anos de diagnóstico. Por outro lado, 3% dos
pacientes com simples esteatose evoluem para doença crônica e cirrose.
- Dados epidemiológicos
✔ A DHGNA é uma doença hepática com prevalência alarmante em países industrializados e com aumento em países em
desenvolvimento. Já a prevalência da ENA é estimada em torno de 1,2 a 4,8% na população geral. Entretanto, sua frequência aumenta
consideravelmente em pacientes portadores da síndrome metabólica. No Brasil a prevalência é alarmante devido ao aumento da
prevalência de obesidade, diabetes mellitus tipo II e síndrome metabólica na população. Contudo, a alta prevalência não é exclusiva
da população caucasiana ocidental. A prevalência de DHGNA em crianças é de 2,6%, aumentando em até 53% em crianças obesas.
✔ Em pacientes portadores de obesidade grave, quando o IMC ≥ 40 kg/m2, a prevalência de DHGNA e ENA é bem maior do que na
população não portadora de obesidade mórbida, estando em torno de 95 a 100% e 20 a 50% respectivamente.
✔A DHGNA constitui um indicador clínico de resistência à insulina, estando associada ao risco de hipertensão arterial sistêmica,
doença arterial coronária e diabetes mellitus tipo II. Estudos clínicos, epidemiológicos e bioquímicos sugerem que a DHGNA é a
manifestação hepática da síndrome plurimetabólica.
- Etiologia
✔ Os fatores predisponentes relacionados à DHGNA dividem-se basicamente em duas formas principais: primários, associados à
síndrome metabólica, com obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou resistência insulínica, adiposidade visceral, dislipidemia e
hipertensão arterial; e secundários, associados ao uso de nutrição parenteral total prolongada, desnutrição, perda de peso rápida e
acentuada, uso de drogas como amiodarona, corticóide, tamoxifen, lipodistrofias, abetalipoproteinemia, doença de Wilson, e
exposição ocupacional de substâncias voláteis tóxicas, entre outras.
- Fisiopatogênese
✔ A patogênese da DHGNA é multifatorial, tendo diversas condições ou fatores relacionados à predisposição para seu
desenvolvimento. Entre eles, destacam-se obesidade, síndrome metabólica, dietas hipercalóricas, sedentarismo, presença de mutações
e polimorfismos nos genes relacionados à resistência insulínica, hipertensão arterial e anormalidades no metabolismo lipídico. Outros
fatores predisponentes detectados em menor escala são cirurgias de bypass jejunoileal, desnutrição calórico-protéica, nutrição
parenteral prolongada, uso de drogas e exposição ocupacional.
✔ A relação causal entre esteatose/ENA, fibrogênese e doença crônica do fígado e sua patogênese ainda não está totalmente
esclarecida. A teoria mais aceita se refere à teoria dos dois hits. Essa teoria aponta a resistência insulínica como condição inicial
(first hit) para o acúmulo de ácidos graxos no hepatócito (esteatose) e o estresse oxidativo como segundo estímulo (second hit) para o
desenvolvimento de inflamação e fibrose (esteato-hepatite).
✔ A hiperinsulinemia (first hit) favorece a lipogênese hepática e a lipólise periférica aumentando excessivamente o aporte de ácidos
graxos ao fígado. Além disso, há um prejuízo na exportação do triglicéride pelo hepatócito. Dessa forma, a esteatose hepática
(condição inicial) é resultante de combinação de fatores, como aberrações na lipólise pós-prandial relacionada à insulina com aumento
de ácidos graxos livres, excesso de carboidratos na dieta, resultando em nova síntese hepática de ácidos graxos, falha na beta-oxidação
mitocondrial e depleção de adenosina trifosfato, além de um complexo mecanismo deficiente de transporte de triglicérides.
✔O aumento da geração de espécies reativas de oxigênio (EROS) (second hit), consequente ao excesso de ácido graxo no hepatócito
direcionado para a mitocôndria para ser oxidado, seria importante na evolução de esteatose para esteato-hepatite e fibrose. O estresse
oxidativo se estabelece quando as defesas intracelulares antioxidantes são insuficientes para detoxificar os EROS ou, também, quando
há produção excessiva de EROS. Nesse contexto, o excessivo aporte de ácidos graxos ao fígado pode promover esgotamento da
oxidação mitocondrial e aumento na produção de EROS, bem como a ativação de outras vias de oxidação lipídica (via peroxissomal e
microssomal), que geram, por sua vez, mais EROS, aumentando o estresse oxidativo hepático. Esse aumento pode causar peroxidação
lipídica cujos produtos intermediários são importantes agentes pró-inflamatórios e parecem ativar fibroblastos, favorecendo a
fibrogênese (second hit).
- Quadro clínico
História clínica
✔ DHGNA ocorre em todas as idades, embora tipicamente tenha maior prevalência na quarta ou quinta décadas de vida. Estudos
iniciais sugeriam predominância do sexo feminino; contudo sugere-se que a distribuição deva ser igual entre os sexos, embora haja
tendência maior nas mulheres de desenvolver doença avançada. Pacientes portadores de DHGNA, geralmente, são assintomáticos
e descobrem a doença por elevação das aminotransferases (ALT e AST) ou por ultrasonografia de abdome. Na verdade, a doença
hepática gordurosa é descoberta incidentalmente durante exames de rotina ou durante investigação de pacientes portadores de
obesidade grave, diabetes mellitus ou hipertensão arterial, comorbidades que representam fatores de risco para desenvolvimento de
DHGNA. Os sintomas propriamente ditos são frustros e inespecíficos. Quando ocorrem, os sintomas são inespecíficos e vagos, como
desconforto no quadrante superior direito, fadiga crônica e dispepsia. Raramente, apresentam náusea, anorexia e prurido.
Exame físico
✔No exame físico, em geral, pacientes portadores de DHGNA estão acima do peso com IMC maior de 25 kg/m2, são hipertensos e
apresentam adiposidade visceral. Foi demonstrado hepatomegalia em 50% dos pacientes portadores de DHGNA como apresentação
inicial. Estigmas de insuficiência hepática e hipertensão portal ocorrem menos frequentemente do que em outras hepatopatias
crônicas, embora a esplenomegalia possa ocorrer em até 25% dos pacientes. Acantose nigricans, com hiperpigmentação da pele em
forma de placas escuras é reconhecida como marcador clínico de resistência insulínica e diabetes e pode ser identificada em pacientes
portadores de DHGNA, principalmente na faixa pediátrica.
- Diagnóstico e exames complementares
Laboratorial
✔ Tipicamente, pacientes portadores de DHGNA apresentam elevação de alaninoaminotransferase (ALT). A DHGNA constitui a
causa mais comum de elevação persistente de ALT, embora alguns pacientes possam apresentar enzimas hepáticas normais, mesmo
que tenham esteato-hepatite à histologia. Já aspartatoaminotransferase (AST), embora tenha elevação menor do que a ALT, diferindo
da esteato-hepatite alcoólica, pode estar aumentada na presença de cirrose. Em metade dos pacientes portadores de DHGNA, coexiste
elevação da gama-glutamiltransferase (GGT), algumas vezes sendo a única enzima hepática elevada.
✔ Elevação da glicemia, colesterol e suas frações e triglicérides ocorrem, frequentemente, em pacientes portadores de DHGNA. Cerca
de 21 a 81% dos pacientes apresentam hipertrigliceridemia e mais de 75% apresentamdiabetes. Devem ser excluídas, rotineiramente,
hepatites virais B, C, auto-imune, doença de Wilson, hemocromatose e deficiência de alfa-1-antitripsina.
Imagem
✔ Métodos diagnósticos não invasivos, como ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética de
abdome, podem ser utilizados para identificar a DHGNA. Entre os três métodos, a US é a mais utilizada por ser disponível na maioria
dos centros, apresentar baixo custo e ter sensibilidade semelhante aos demais; contudo, é um exame que depende do operador ser
experiente ou não. Já a TC e a RNM independem do operador para diagnóstico da DHGNA, mas apresentam custo mais elevado.
Espectroscopia por ressonância magnética, ainda não disponível em todos os centros, é um método inovador que pretende
quantificar de modo mais preciso infiltração gordurosa hepática. Embora inúmeros métodos sejam úteis para diagnóstico da DHGNA,
nenhum é suficientemente sensível para detectar inflamação e fibrose, sendo a biópsia hepática o padrão para diagnóstico da ENA.
- Tratamento
✔ O tratamento da DHGNA baseia-se no tratamento das condições associadas como obesidade, diabetes e hipertrigliceridemia,
assim como descontinuação de drogas hepatotóxicas. A recomendação da perda do excesso de peso e exercícios físicos deve ser
sempre preconizada, independente do grau histopatológico do paciente. A perda de peso gradual leva à melhora da sensibilidade à
insulina e pode diminuir a esteatose hepática e o grau de inflamação dela decorrente. A perda recomendável não deve ser maior do
que 230 g/dia (1,6 kg/semana), pois quando rápida, pode piorar a histologia hepática.
✔Em pacientes portadores de obesidade mórbida, as cirurgias bariátricas que utilizam bypass jejunoileal devem ser evitadas, pois
acarretam perda de peso rapidamente. Gastroplastias ou bandas ajustáveis devem ser preferidas em pacientes portadores de DHGNA.
✔Em pacientes diabéticos e dislipidêmicos, o controle laboratorial dessas condições é preconizado, contudo nem sempre reverte a
DHGNA. Drogas antidiabéticas que reduzem a resistência à insulina como metformina e derivados das tiazolidinedionas têm tido
alguns resultados benéficos na redução da DHGNA e ENA em âmbitos experimental e clínico. As glitazonas (pioglitazona) vêm
sendo aventadas como mais uma possibilidade terapêutica, pois agem estimulando os receptores nucleares PPAR-gama (peroxisome
proliferator activated receptor), reduzindo a resistência insulínica e diminuindo os níveis de ácidos graxos livres.
✔O ácido ursodesoxicólico, epímero do ácido biliar quenodesoxicólico, com propriedades citoprotetora, imunológica e antioxidante.
A betaína, componente do ciclo da metionina, aumenta níveis de S-adenosilmetionina, que protege depósito de triglicerídios no
hepatócito. A n-acetilcisteína, precursora da glutationa, importante antioxidante intracelular, foi dada na dose de 1 g/dia em um
estudo com onze pacientes e demonstrou redução dos níveis de aminotransferases, contudo, o uso da N-acetilcisteína associado à
metformina reduziu aminotransferases, esteatose e fibrose após doze meses. Outras drogas antioxidantes, como vitaminas C e E,
também já demonstraram benefícios em estudos não controlados na redução das aminotransferases.
2) Doença hepática alcoólica (DHA)
- Introdução
✔ Estudos epidemiológicos demonstraram uma relação direta entre mortalidade por cirrose hepática e grau de consumo de álcool.
Vale ressaltar que nos períodos de baixo consumo de álcool, notou-se queda nos níveis de mortalidade devido à cirrose.
✔O etanol pode produzir efeitos adversos em diversos órgãos, entre eles fígado, esôfago, estômago, intestino, pâncreas, coração e
cérebro, prejudicando as principais funções vitais. Desses, o fígado é o mais afetado no organismo, sendo a doença hepática alcoólica
(DHA) uma das doenças hepáticas mais comuns do mundo ocidental. Usualmente, a doença hepática alcoólica é dividida em três
formas que podem sobrepor-se: esteatose, hepatite alcoólica e cirrose. Outras lesões hepáticas associadas ao consumo excessivo de
álcool têm sido descritas, como fibrose perivenular, hepatite crônica ativa e hepatocarcinoma.
- Dados epidemiológicos
✔O alcoolismo tem sido considerado grande problema de saúde pública no Brasil, principalmente porque a principal bebida alcoólica
consumida é o destilado de cana, que apresenta elevado teor alcoólico, baixo custo e é acessível a qualquer faixa etária e classe social,
sendo amplamente consumido no país. Todavia, o aumento do consumo de bebidas alcoólicas não é particularidade só do Brasil.
- Etiologia
✔Vários fatores influenciam na gênese das doenças alcoólicas, em geral, e, especialmente, nas doenças do fígado. A dose ingerida é
o fator mais importante. No homem, sabe-se que doses de 40 a 80 g/dia podem levar à cirrose. As mulheres, apesar de consumirem
menos álcool do que os homens, têm um limiar menor de risco para o desenvolvimento de cirrose, de apenas 20 a 60 g/dia. Além
disso, a DHA desenvolve-se e progride mais rapidamente na mulher. Entre diversos outros fatores para a maior suscetibilidade
feminina à lesão hepática, estão aumento na permeabilidade do tubo digestivo para o álcool, menor atividade da álcool
desidrogenase gástrica e diminuição na taxa de eliminação do álcool. O tempo total de duração do alcoolismo também é
diretamente proporcional ao risco de doença hepática, sendo fator agravante a ingestão regular, eventualmente diária.
- Fisiopatogênese
✔Após ingestão, o álcool é absorvido pelas mucosas gástrica (cerca de 75%) e do intestino (25%) por difusão passiva simples sem
necessitar de processos de digestão. Pequena quantidade pode ser absorvida pelas membranas das mucosas da boca e do esôfago. A
taxa de absorção aumenta com o esvaziamento gástrico acelerado e, também, na ausência de proteínas, gorduras ou carboidratos.
✔No estômago, ocorre o primeiro passo da metabolização do etanol, existindo três isoenzimas de álcool desidrogenase gástrica. O
metabolismo inicial do álcool no estômago pode sofrer influência quanto a variações sexuais e raciais, variações na barreira de
proteção a efeitos sistêmicos e alteração da motilidade dose-dependente.
✔No fígado, existem três vias de metabolização do etanol que produzem acetaldeído: álcool desidrogenase hepática no citosol; o
sistema oxidativo do etanol no microssomo; e catalase nos peroxissomos. Consequentemente, ocorrem distúrbios metabólicos, como
hiperlactacidemia, acidose, redução da capacidade renal de excretar ácido, que levam a uma hiperuricemia secundária. Clinicamente,
podemos observar crises de gota relacionadas à ingestão de álcool. A hipoglicemia decorrente pode ser grave levando à morte súbita.
Sob algumas condições, o etilismo pode induzir hiperglicemia.
✔A esteatose hepática pelo álcool resulta de vários fatores metabólicos, como desvio de substratos normais do catabolismo para a
síntese de lipídeos, aumento da mobilização da gordura periférica, piora da secreção de lipoproteínas, aumento da captação de
lípides circulantes; e, principalmente, por redução da oxidação de ácidos gordurosos.
✔O estresse oxidativo parece ter papel central na lesão determinada pelo álcool. A ingestão alcoólica crônica resulta em indução da
CYP2E1 (citocromos P-450) e na região centrolobular do fígado, o que aumenta a peroxidação lipídica e a produção de EROS. As
EROS reagem com proteínas celulares, lesando as membranas das organelas e alterando a função dos hepatócitos. A peroxidação
lipídica aumenta a produção de outros radicais livres e, consequentemente, a lesão às membranas de células. Como efeito importante
do estresse oxidativo, a mitocôndria acaba tendo função e estrutura alteradas, criando um ciclo vicioso com mais lesão hepatocitária.
✔O aumento da permeabilidade do intestino delgado a endotoxinas está associado à ingesta alcoólica, pois são capazes de
desencadear eventos inflamatórios no fígado, incluindo ativação de células de Kupffer, produção de citocinas e EROS. O papel do
sistema imune não pode ser subestimado, inclusive na perpetuaçãoda lesão hepática após parada da ingestão alcoólica que ocorre em
alguns casos.
✔O papel da desnutrição na iniciação ou agravamento da doença hepática alcoólica merece atenção dos pontos de vistas patogenético
e terapêutico. A desnutrição em função de dieta pobre é bem conhecida no alcoólatra, mas desnutrição secundária ocorre em
bebedores nos quais a dieta é adequada. Tudo indica que, acima de determinado nível de ingestão alcoólica diária, não é possível
qualquer proteção por fatores dietéticos. Por sua vez, desnutrição secundária à ingesta alcoólica pode ser devida a uma série de
fatores, incluindo má-absorção por disfunção dos enterócitos, piora da secreção de proteínas pelos hepatócitos e piora do
metabolismo hepático das vitaminas.
- Quadro clínico e diagnóstico
✔A DHA tem maior prevalência em indivíduos acima da quarta década de vida, podendo ocorrer em pessoas mais jovens. As
mulheres apresentam maior suscetibilidade em desenvolver dano hepático pelo etanol com maior gravidade, mesmo com volumes de
álcool menores comparados ao dos homens e em períodos mais curtos de uso do álcool. As mulheres também apresentam índices de
mortalidade por cirrose alcoólica mais elevados do que homens. A maior prevalência de doença grave nas mulheres poderia ser
explicada por menor atividade da ADH gástrica e maior etanolemia, menor água corpórea e maior predisposição a doenças
auto-imunes, o que facilitaria a lesão parenquimatosa induzida pelo álcool e seus metabólitos.
✔A esteatose hepática é a lesão hepática álcool-induzida mais frequente e usualmente segue a ingestão leve a moderada de álcool.
Cerca de 90% dos alcoolistas desenvolvem esteatose, que é completamente reversível com a abstinência, desaparecendo em duas a
quatro semanas. Apesar de classicamente considerada uma forma benigna de doença hepática alcoólica, cerca de 10 a 15% dos
portadores de esteatose terão evolução para cirrose. Ao contrário da DHGNA, em que a maioria dos pacientes é assintomática, os
pacientes com DHA podem apresentar anorexia, náuseas, vômitos e dor abdominal no epigástrio e no hipocôndrio direito, embora
alguns possam ser assintomáticos como na DHGNA. No exame físico, observa-se hepatomegalia em grande número de casos,
icterícia em 15% dos pacientes e sinais de desnutrição e carência vitamínica. Nos exames laboratoriais, observa-se elevação da
gama-GT em todas as formas de DHA.
✔Contudo, embora a gama-GT tenha elevada sensibilidade entre os marcadores de alcoolismo, pode se elevar em muitas outras
condições, como em DHGNA, hepatite C, obesidade, drogas indutoras do sistema enzimático do citocromo P450, como
anticonvulsivantes, aminofilina, digitálicos, diabetes, pancreatites e insuficiência cardíaca. Os níveis de gama-GT podem permanecer
discretamente elevados se houver alguma hepatopatia crônica, e a abstinência acompanha-se de uma redução progressiva da gama-GT
sérica, normalizando-se ao fim de seis a oito semanas.
✔Outra enzima que se eleva com frequência no alcoolismo é a AST, que costuma estar mais elevada do que a ALT, sendo a relação
AST/ALT maior do que dois altamente indicativa de DHA. O volume corpuscular médio encontra-se elevado em alcoolistas e
hepatopatas sem anemia. O VCM normaliza-se após três a quatro meses de abstinência e volta a se elevar se houver recaída.
✔Histologicamente, a esteatose apresenta-se, inicialmente, com padrão microvesicular, que aparece como gotículas de gordura
ligadas à membrana do retículo endoplasmático, evoluindo para a forma macrovesicular com a continuidade da ingesta. Nas formas
mais leves, a lesão aparece na região centrolobular, mas pode acometer todo o ácido hepático.
✔A hepatite alcoólica é a lesão mais típica da doença hepática produzida pelo álcool e está presente em 10 a 35% dos alcoolistas. É,
por vezes, chamada hepatite aguda alcoólica, designação clínica, já que quadro clínico inclui febre, colestase e leucocitose no sangue
periférico. Os sintomas surgem, em geral, após aumento recente da ingesta alcoólica. Os pacientes apresentam anorexia, astenia, perda
de peso, dor abdominal no hipocôndrio direito, náuseas, vômitos e icterícia. A forma grave pode cursar com hemorragia digestiva alta
por sangramento de varizes esôfago-gástricas, encefalopatia hepática, ascite, uremia e insuficiência hepática, podendo evoluir para
óbito. No exame físico, sinais periféricos de insuficiência hepática e hipertensão portal podem estar presentes, como eritema palmar,
ginecomastia, aranha vascular, circulação colateral visível no abdome, hepatoesplenomegalia, edema de membros inferiores e febre.
✔Os exames laboratoriais são semelhantes aos descritos para esteatose hepática; contudo, existe maior gravidade com elevação
importante da AST, gama-GT, fosfatase alcalina, associados a alterações no tempo de protrombina, albumina e bilirrubinas,
configurando disfunção hepática. Também na hepatite alcoólica, observa-se leucocitose com neutrofilia no sangue periférico.
✔Os principais achados histológicos da hepatite alcoólica são balonização e focos de necrose dos hepatócitos, presença de
corpúsculos de Mallory, infiltrado inflamatório lobular rico em neutrófilos e fibrose perivenular e perissinusoidal, além de esteatose.
Um achado adicional da hepatite alcoólica é a necrose hialina esclerosante, caracterizada pela presença de necrose extensa de
hepatócitos perivenulares e associada com o desenvolvimento da fibrose perivenular. A probabilidade de desenvolvimento de cirrose
em pacientes com hepatite alcoólica é de cerca de 10 a 20% ao ano. Aproximadamente 70% deles irão se tornar cirróticos.
✔Na doença alcoólica do fígado, sobretudo na hepatite alcoólica, o padrão da fibrose é caracterizado pela deposição de colágeno
I já nas fases iniciais. Sua localização é perivenular, tendendo a envolver os hepatócitos da zona III do ácino de Rappaport que pode
levar à estenose das vênulas hepáticas, resultando em síndrome de padrão veno-oclusivo com hipertensão portal pós-sinusoidal.
Há a fibrose peri-sinusoidal com padrão em tela de galinheiro que se desenvolve na hepatite alcoólica e juntamente a fibrose
perivenular da necrose hialina esclerosante. Na evolução da hepatite alcoólica, o colágeno passa a depositar-se nos espaços-porta,
estabelecendo pontes porta-centro que, sofrendo rápida retração cicatricial, incorporam a vênula hepática terminal aos tratos portais,
lesão também conhecida como extinção do parênquima, cuja história natural é atribuída em grande parte à lesão venular centilobular.
✔Cabe ao patologista avaliar a gravidade da doença hepática alcoólica com base nos achados histológicos que servem também para
estabelecer prognóstico e expectativa de vida, além dos dados clínicos e laboratoriais. É importante estadiar a esteato-hepatite
alcoólica, já que as curvas de sobrevida encerram prognóstico pior quanto mais avançada a fase da doença hepática alcoólica:
I. Fibrose limitada à zona 3 dos ácinos, quase apenas perivenulares, com discreto ou nenhum comprometimento dos espaços-porta.
II. Envolvimento mais extenso dos lóbulos partindo da lesão perivenular e peri-sinusoidal e já formando septos que unem estruturas
vasculares adjacentes entre si.
III. Acentuada alteração estrutural, com septos centro-porta abundantes, esboçando alguns nódulos. Embora próximo da fase
cirrótica, neste estádio é ainda possível identificar-se com clareza algumas vênulas centrolobulares e espaços-porta.
IV. Cirrose hepática.
✔A cirrose alcoólica é a forma final e, possivelmente, irreversível de doença hepática alcoólica que evolui de forma lenta e
insidiosa, tendo sua incidência oscilando entre 12 e 30%. Quando presentes, os principais sintomas são icterícia, hematêmese, melena,
anorexia, ascite, impotência, perda de peso, confusão mental, tremores nas mãos, irritabilidade, perda de memória e convulsão.
✔Nos exames laboratoriais, observam-se com mais frequência hipoalbuminemia, alargamento no tempo de protrombina, deficiência
do fator V e icterícia, além de anemia, uremia e elevação das enzimas hepáticas.
✔Na histopatologia,inicialmente o fígado está aumentado de volume e com aspecto esteatótico; mas, ao longo dos anos, torna-se
retraído, acastanhado e firme. Esta fase da doença desenvolve-se mais rapidamente na presença de hepatite alcoólica. A cirrose
micronodular é o padrão mais visto em associação com o álcool, sendo caracterizada pela presença de nódulos regenerativos de
tamanho relativamente uniforme, em torno de 3 mm de diâmetro.
✔A cirrose, no entanto, pode tornar-se macronodular, em especial em pacientes que param de beber. A associação entre consumo
crônico de álcool e desenvolvimento de cirrose e da cirrose com o desenvolvimento de câncer é bem documentada. No entanto, uma
correlação direta entre consumo de álcool e carcinoma hepatocelular ainda não está bem estabelecida, especialmente por causa
da associação de outros possíveis agentes transformadores.
- Tratamento
✔A principal medida terapêutica para DHA é a abstenção alcoólica, que deve ser preconizada em todos os casos, embora a
abstinência etílica não impeça a progressão para óbito em muitos pacientes com cirrose descompensada já instalada ou hepatite
alcoólica grave. Todavia, a cessação do consumo do etanol pode melhorar a função hepática, reduzindo ascite, risco de hematêmese e
síndrome hepato-renal, melhorando a sobrevida. Além da abstinência, o tratamento de suporte para infecções, hemorragia digestiva do
trato gastrintestinal, ascite, encefalopatia hepática e síndrome hepato-renal deve ser preconizado. Outro aspecto importante a ser
comentado é o aporte nutricional a ser oferecido ao paciente etilista crônico, já que a grande maioria dos pacientes alcoolistas é
desnutrida e portadora de deficiências vitamínicas. A manutenção do balanço nitrogenado positivo e o adequado aporte
nutricional constituem medidas vitais para esses pacientes.
✔Pacientes hospitalizados com hepatite alcoólica com icterícia e coagulopatia apresentam mortalidade acima de 50%. A abstinência
etílica não é suficiente para melhorar morbidade e mortalidade na maioria dos casos. O tratamento farmacológico para hepatite
alcoólica permanece ainda controverso e sujeito à investigação. O uso de corticosteróide para tratá-la, ainda controverso pelo
número pequeno de pacientes nos estudos e por falhas metodológicas. Recentemente, novas opções têm sido motivo de investigação
como uso de pentoxifilina e infliximab para inibir ou neutralizar a produção de TNF, exacerbada na hepatite alcoólica.

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