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1 SÍNDROME DA APNÉIA E HIPOPNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO 1. INTRODUÇÃO A transição de formas primitivas para seres humanos modernos foi marcada por uma serie de transformações. A aquisição de uma postura ereta e um cérebro amplo foram as mais obvias, porem outras também foram importantes para a evolução da espécie. A redução da mandíbula, o remodelamento da face, a modificação do trato vocal e da laringe foram marcantes para o desenvolvimento da fala e da linguagem. No entanto, a nova anatomia da via aérea atribuiu maior relevância respiratória a faringe que foi transformada num segmento vulnerável, sem arcabouço e propensa ao colapso durante a inspiração, particularmente durante o sono. Isto tornou possível o surgimento da síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS). A SAHOS é um distúrbio caracterizado por colapsos recorrentes das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em períodos de apneia e hipopneia, dessaturacao da oxiemoglobina e despertares freqüentes, com conseqüente sonolência diurna. É uma doença crônica, evolutiva, com alta taxa de morbidade e mortalidade, apresentando um quadro clinico variado, com graves repercussões gerais hemodinâmicas, neurológicas e comportamentais. 2. FISIOLOGIA DO SONO Desde o século XIX, com a descrição da síndrome de Picwick, a sonolência excessiva sempre esteve relacionada a obesidade como fator determinante. Somente após a metade do século XX, com a descoberta das fases do sono, os distúrbios do sono foram melhor explicados. O sono é um estado fisiológico cíclico, caracterizado no ser humano por cinco estágios fundamentais, que se diferenciam de acordo com o padrão do eletroencefalograma (EEG) e a presença ou ausência de movimentos oculares rápidos (rapid eye moviment - REM; Non rapid eye moviment - NREM). O EEG mostra alentecimento progressivo com o aprofundamento do sono sem movimentos oculares rápidos (NREM) e atividade rápida dominante de baixa voltagem, semelhante a da vigília durante o sono REM. Alem disso, o bio-ritmo acompanha as variações circadianas do ciclo vigília-sono, com mudanças especificas do tônus muscular, freqüências cardíaca e respiratória, pressão arterial, secreção hormonal, entre outros de acordo com cada estagio. O sono também possui uma função anabólica e de conservação de energia para o cérebro dos mamíferos. Verifica-se que durante o seu período, o sono fornece conservação de energia, reparo de injurias celulares e defesa de danos (fundamento do coma induzido). O caráter anabólico do sono NREM, verifica-se pela restauração do glicogênio cerebral, com aumento da ação hormonal e descanso cérebro-corporal. O REM, período metabólico do sono, promove desenvolvimento cerebral e plasticidade, alem de estar relacionado a consolidação da memória. O tempo de sono ideal (7,5h a 8,5h) e a qualidade do mesmo são importantes fatores para determinar um repouso noturno adequado, uma vez que a fadiga diurna pode ser resultado da privação do sono, de uma pobre qualidade de sono ou de ambos. Em condições normais, o individuo inicia o sono pelo estagio I (adormecimento) do sono NREM após um período de latência de alguns minutos. Nesta fase, de curta duração, há diminuição das frequências cerebrais com limiar de despertar baixo, acordando-se facilmente. Em seguida, há o aprofundamento para o estagio II (sono leve), em que se torna mais difícil acordar o individuo devido a diminuição das funções neurovegetativas. Neste momento, observam-se ondas lentas no EEG, mescladas com descargas rápidas em fuso e complexos K em vertix. Após 30-60 minutos, instala-se o sono de ondas lentas (estágios III e IV), com interposições de ambos estágios nesta fase de sono profundo (Quadro 1). Após 90 minutos de sono NREM, acontece o primeiro sono 2 REM que costuma ter curta duração, completando-se o primeiro ciclo NREM-REM do sono noturno. A saída do sono REM para o NREM pode ser acompanhada de microdespertares (estágio I NREM) ou seguir direto para o estágio II, de onde se aprofundará novamente, iniciando o ciclo (cumprem-se cerca de 5 a 6 ciclos por noite). Cerca de 20-25% do sono é composto de sono REM e o restante pelo sono NREM. Quadro 1 – Estágios do Sono Fonte: Bayley, Byron J.: Head and Neck Surgery – 3rd edition A privação total do sono em uma noite modifica a sua arquitetura normal pois o sono não se recupera em quantidade, mas em qualidade. Na primeira noite após a privação, há tendência ao aumento nas proporções de sono REM, aumento do sono NREM na segunda noite, e normalizacao do ciclo apenas na terceira noite. Quadro 2 - Características gerais do sono NREM x REM SONO NREM SONO REM Relaxamento muscular com manutenção do tônus Hipotonia ou atonia muscular Progressiva redução dos movimentos corporais Movimentos fásicos e mioclonias multifocais/ emissão de sons Aumento progressivo de ondas lentas no EEG (20 a 50% de ondas delta no sono III; mais de 50% em sono IV) EEG com predomínio de ritmos rápidos e de baixa voltagem Ausência de movimentos oculares rápidos Movimentos oculares rápidos Respiração e ECG regulares Respiração e ECG irregulares Sonhos Fonte: Pinto J A.: Ronco e Apneia do Sono 2000. 3. DOENÇAS DO SONO Vários distúrbios podem ocorrer durante as fases do sono, dependendo de algum dos complexos fatores envolvidos no mesmo. Na Classificação dos Distúrbios do Sono, os distúrbios são qualificados em quatro grandes grupos: Dissonias Parassonias Distúrbios médico-psiquiátricos Distúrbios relacionados ao sono As parassonias são fenômenos físicos indesejáveis resultantes da ativação em NREM de resposta a geradores de padrão motor central, subclassificados em distúrbios do despertar, da transição sono-acordado, associados ao sono REM e outras. 3 As dissonias são distúrbios que provocam sonolência excessiva, subdivididas em intrínsecas, extrínsecas e distúrbios do ritmo circadiano. A SAHOS esta incluída no grupo intrínseco. 4. EPIDEMIOLOGIA E DEFINIÇÕES A SAHOS e mais prevalente em homens do que em mulheres, acometendo 24% dos homens e 9% das mulheres. Na faixa etária dos 50 aos 60 anos, a prevalência sobe para 31% nos homens e 16% nas mulheres (principalmente devido ao climatério). O ronco esta presente em 90- 95% dos pacientes com SAHOS. Outro fator importante para apneia, e a obesidade: aproximadamente 70% dos pacientes com SAHOS são obesos e este e o único fator de risco de importância que e reversível. Alterações na anatomia externa da cabeça e pescoço podem ser fatores de risco para o desenvolvimento da SAHOS: micrognatia ou hipoplasia mandibular e associada com o posicionamneto posterior da base da língua, o que estreita as vias aéreas superiores. Isto também pode acontecer quando há o espessamento das paredes laterais da faringe. A American Academy of Sleep Apnea (1999) estabeleceu algumas definições para os eventos respiratórios da SAHOS: Apnéia: parada da passagem do ar pelas vias aéreas superiores com duração mínima de 10 segundos. Estas pausas podem ocorrer inúmeras vezes durante o sono e estão associadas a microdespertares e/ou dessaturacao da oxiemoglobina. Podem ser de causa central, obstrutiva ou mista. Na causa obstrutiva, observa-se a persistência dos movimentos tóraco-abdominais, na ausência de um fluxo aéreo (os músculos respiratórios são estimulados, mas o ar não chega aos pulmões por um fator obstrutivo); na causa central, não se observam fluxo aéreo ou movimentos tóraco-abdominais (ausência de estimulo neurológico para os músculos respiratórios); na causa mista, inicia- se uma apnéia centrale continua com uma apneia obstrutiva (Figura 1). Figura 1 – Tipos de apnéia Fonte: Bayley, Byron J.: Head and Neck Surgery – 3rd edition Hipopnéia: redução do fluxo aéreo superior a 50% na amplitude da curva basal de ventilação ou uma redução desta amplitude em 50% ou menos, com uma queda na saturação de oxiemoglobina acima de 3% , associada a despertares. 4 Ronco primário:e considerado uma parassonia, representando não só um distúrbio, mas também um sinal de obstrução faríngea incompleta. Normalmente, não há dessaturação de oxigênio. É definido como um ruído de baixa freqüência, mais inspiratório do que expiratório, produzido durante o sono pela vibração das partes moles da orofaringe (úvula, palato mole, tonsilas, pilares, epiglote e língua). Síndrome da Resistência das Vias Aéreas Superiores: descrita por Guilleminaut em 1993, cursa com sonolência diurna excessiva devido a microdespertares (ondas alfa no EEG) noturnos freqüentes, secundários ao aumento do esforço respiratório. Um aumento da resistência das vias aéreas determina altas pressões negativas intratorácicas, com conseqüente aumento do trabalho respiratório. Roncos podem ou não estar presentes. Geralmente ocorre em mulheres, jovens e indivíduos magros. Síndrome da Hipopnéia Obstrutiva do Sono: dessaturação parcial durante o sono. Antes considerada menos importante, verifica-se hoje a sua equivalência a apneia na capacidade em prejudicar o sono. Síndrome da Apnéia e Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS): caracteriza-se por episódios recorrentes de parada respiratória durante o sono, causada pelo colapso parcial ou total das vias aéreas superiores. Para o diagnóstico da SAHOS, é necessário que sejam preenchidos os seguintes critérios: a) Monitorização polissonográfica durante a noite, mostrando cinco ou mais eventos respiratórios obstrutivos por hora de sono (IAH maior ou igual a 5). b) Sonolência diurna excessiva não explicada por outros fatores. c) Ou no mínimo dois dos seguintes sintomas não explicados por outros fatores: engasgos durante o sono, despertares recorrentes, sono não repousante, fadiga diurna e dificuldade de concentração. A gravidade desta síndrome, adotada pela Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia pode ser classificada em: a) Leve: IAH entre 5 e 15. b) Moderada: IAH entre 15 e 30. c) Grave: IAH acima de 30. A American Academy of Sleep Apnea (1999) estabelece uma definição mais ampla para as hipopnéias e, além disso, decide formalizar a existência de um novo evento respiratório, denominado “RERA” (respiratory effort-related arousa): despertar associado ao esforço respiratório, que passa a ser somado às apnéias e hiponéias para totalizar os episódios respiratórios obstrutivos durante o sono. Recomenda-se que tal evento seja contado no calculo do índice, medida ainda não adotada universalmente, especialmente em nosso país. 5. FISIOPATOLOGIA As alterações anatômicas e físicas que diminuem o espaço aéreo da faringe por meio do aumento das partes moles ou desproporções esqueléticas levam a um aumento da resistência das vias aéreas superiores e, consequentemente, elevam a pressão negativa intratorácica para assegurar volume de fluxo aéreo normal durante a inspiração. Este aumento de pressão cria um mecanismo de sucção que puxa a arvore traqueobrônquica para baixo, estreitando o istmo da orofaringe. Isto leva a um aumento do fluxo, criando-se um vácuo nas margens desta coluna de fluido em movimento (efeito de Bernouille), levando ao colabamento das vias aéreas superiores. A patência das vias aéreas superiores também e mantida pelo equilíbrio entre as forcas dilatadoras da faringe (músculos pterigóide medial, tensor do véu palatino, genioglosso. geniohióide e esternohióide, principalmente) em resposta as forcas constrictoras (pressão negativa intratorácica gerada pela contração do diafragma). Se a atividade destes músculos for 5 descoordenada ou diminuída, a pressão negativa gerada pela contração diafragmática poderá superar a forca dos abdutores, levando a oclusão ou suboclusão da faringe. Durante o sono, sobretudo na fase REM, o volume corrente e a frequência respiratória são variáveis e há perda do tônus da musculatura das vias aéreas superiores em relação ao sono NREM. Desta forma, o sono REM é o momento de maior risco para os pacientes com apnéia do sono, com eventos graves e longos. Devido a este distúrbio da ventilação, ocorre progressivamente uma hipercapnia e hipoxemia, que persistem mesmo durante o período de vigília. Em resposta a isto, há liberação de catecolaminas promovendo HAS, hipertrofia ventricular, ICC e arritmias. 6. DOENÇAS ASSOCIADAS Doenças centrais Algumas doencas do SNC podem estar associadas aos quadros de apneia do sono (principalmente centrais e mistas), tais como: TCE, infecção, AVC bulbar ou neoplasias do SNC. Em geral, comprometem em algum grau os centros respiratórios. Doenças endocrino-metabolicas Obesidade Distúrbio freqüente nas populações modernas e desenvolvidas, definida como peso acima de 20% do IMC, cujo normal é até 25. Acromegalia É documentada uma grande incidência nestes pacientes, verificando-se uma hipertrofia de tecidos faríngeos. Apesar da etiologia ainda não estar definida (se central ou obstrutiva), acredita-se que ocorra devido a macroglossia e hipertrofia e/ou edema dos tecidos retro e parafaríngeos (NÃO ocorre por deposição de gordura, pois geralmente apresentam IMC normal). Todavia, verifica-se alteração central do controle da resposta respiratória de acordo com os níveis de atividade hormonal (GH e IGF 1). Octreotide, análogo da somatostatina, apesar de não curar a doença, controla os níveis de GH e causa regressão do tamanho dos tecidos faríngeos com melhora da SAHOS. Doença e Síndrome de Cushing Cerca de 45% destes pacientes possuem SAHOS. Sua patogênese deriva do deposito centrípeto característico de tecido adiposo, em especial no peritônio, mediastino, subcutâneo de face, pescoço e abdômen, ocorrendo provável deposito em espaços parafaríngeos. Alem disso, alterações miopáticas, comuns no hipercortisolismo, podem alterar a patência das vias aéreas superiores, pela deterioração de alguns músculos (geniohióide e genioglosso). Hipotireoidismo A SAHOS é frequente principalmente quando o mixedema esta presente. As causas derivam de dois fatores: Obstrução da vias aéreas superiores (acúmulo extravascular de albumina, levando ao edema; deposito de mucopolisacarides e extravasamento protéico em estruturas faríngeas, língua e face; obesidade; contribuição de uma miopatia hipotireoidea) e depressão do controle ventilatório (respostas alteradas a hipóxia e hipercapnia). Diabetes Mellitus No tipo I (insulino dependente), acredita-se que o desenvolvimento da neuropatia autonômica pode predispor a SAHOS. No tipo II, a obesidade e um fator comum, tanto para hipóxia noturna 6 quanto para a resistência a insulina (não há relação entre SAHOS e resistência insulínica, mas ambos se relacionam ao IMC). Alterações Mecânicas Desvio de septo, rinites alérgicas e não-alergicas, polipose nasal, atresia de coanas, colapso de válvula nasal, tumores, tamponamento, hiperplasia de adenóides e tonsilas faríngeas, estenose de rinofaringe, tumores, hiperplasia de tonsila lingual, macroglossia, micrognatia congênita e adquirida, hipoplasia mandibular, lipomatose cervical, edema/redundância de estruturas supraglóticas, paralisia de PPVV. E bom lembra que efeitos de sedativos e álcool potencializam os episódios de apneia. 7. MANIFESTAÇÕES CLÍNICASA SAHOS se caracteriza por sintomas diurnos e noturnos, resultantes da obstrução das vias aéreas superiores durante o sono. Geralmente os sintomas se desenvolvem progressivamente associados a idade, ao aumento de peso e, no caso das mulheres, na transição para a menopausa, além da pesquisa por condições clinicas associadas. A avaliação dos sintomas noturnos e melhor descrita pelos familiares ou companheiros de quarto que podem explicar como o paciente dorme. Na maioria das vezes, há relatos de ronco de tom grave, paradas respiratórias (apnéias), engasgos durante o sono, sono agitado e fragmentado, noctúria e enurese noturna (principalmente em crianças), insônia entre outros. Durante o dia, a hipersonolência e a principal seqüela da fragmentação do sono. Muitas vezes o paciente se queixa de cansaço, cefaléia matinal, indisposição, dificuldade de atenção e concentração, secura na boca ao despertar, cochilos freqüentes e hiperatividade em crianças. Além disso, a hipoxemia crônica provoca um retardo nas funções neuropsicológicas para planejamento como execução, aprendizado e raciocínio. O impacto psicossocial também e grande, levando a desajustes conjugais, familiares e profissionais. O risco de acidentes automobilísticos também aumenta, sendo de 2 a 12 vezes maior que na população normal. Em pesquisa recente, demonstrou-se que pacientes com SAHOS tem tempos de reação retardados ao dirigir, comparáveis ou pior que indivíduos alcoolizados. Os pacientes com SAHOS podem sofrer alterações hemodinâmicas agudas ou crônicas, caracterizadas por: arritmias cardíacas, HAS, hipertensão pulmonar, hipertrofia ventricular, cor pulmonale, insuficiência cardíaca direita e edema de membros inferiores. O exame físico deve incluir o exame completo da cabeça e pescoço (cavidade oral, faríngea, nasal, laríngea e região cervical), observando-se doencas identificáveis (hipertrofia tonsilar palatina e de adenóides, palato rebaixado, úvula longa, macroglossia etc), além de uma avaliação geral completa na busca do comprometimento hemodinâmico da SAHOS. O exame da faringe e laringe deve ser realizado nas posições sentada e supina, com endoscópio flexível. Após avaliadas laringe, hipo/oro/nasofaringe, base de língua e área nasal posterior (retropalatal), afastando-se a presença de massas, cistos e tumores, executa-se o exame da válvula velofaríngea, verificando-se os padrões de fechamento: coronal (anteroposterior) e circular (medial) através da manobra de Mueller. Inicialmente, tal manobra é feita ao nível do palato mole, descendo até a base da língua (cria-se pressão negativa, forçada pela aspiração com cavidade nasal e oral fechadas), quantificando-se o grau de colapso nos tecidos faríngeos. Não existe uma classificação universal, sendo no HCFMUSP utilizada uma escala subjetiva de 1 a 4, correspondendo cada nível a 25% da luz. Em geral, são as paredes laterais as que mais colabam (circular). Ainda durante a endoscopia, a recriação do ronco palatal pode identificar os lugares de vibração: a úvula e a porção distal do palato mole somente, todo o palato mole, ou somente a parede lateral faríngea ou tecidos supraglóticos. A intubação difícil pode estar associada com a SAHOS, pois a língua apresenta um importante papel na previsão desta dificuldade. Baseado nisso, em 1985 Mallampati descreveu 7 um método para avaliar a relação entre a língua e a cavidade oral como indicador de uma intubação endotraqueal relativamente difícil quando o paciente protrui a língua (índice de Mallampati). Em 1999, Friedman e colaboradores modificaram a técnica de Mallampati, realizando-a sem a protrusão da língua por considerá-la mais natural e fisiológica, demonstrando que quanto maior o grau, maior é a possibilidade de SAHOS grave (Figura 2). Outro fator preditivo de SAHOS é o tamanho das tonsilas palatinas (classificadas em cinco graus- Figura 3). Figura 2 – Classificação de Mallampati Modificada I-permite observação da úvula e das tonsilas; II-permite observação apenas da úvula: III-permite observação apenas do palato mole; IV-permite observação apenas do palato duro. Fonte: Bayley, Byron J.: Head and Neck Surgery – 3rd edition Figura 3 – Graduação da Amígdala 0- amigdalectomizados; 1- amígdala dentro dos pilares, escondida por eles; 2- amígdala evidente, mas até o limite dos pilares; 3- amígdala além dos pilares, sem se tocar na linha média; 4- amígdala se toca na linha média. 8 Fonte: Bayley, Byron J.: Head and Neck Surgery – 3rd edition Os objetivos principais do exame do paciente suspeito de SAHOS são: identificar a obstrução patológica, selecionar o tipo de procedimento cirúrgico e prever, de acordo com a classificação de Friedman et al, o sucesso da cirurgia (Quadro 2). Tal classificação se baseia em 3 achados: (1) tamanho da amígdala, (2) avaliação do palato e (3) ídice de massa corpórea (IMC). O índice de sucesso verificado nos pacientes tratados com uvulopalatofaringoplastia, segundo este estadiamento num estudo retrospectivo foi: estádio I: 80%; estádio II: 37,9%; estádio III: 8,1% e estadio IV: proposto cirurgia bariátrica ou traqueostomia. Quadro 3 – Estadiamento de Friedman em pacientes com SAHOS Fonte: Friedman et al. Staging of Obstructive sleep apnea/hypopnea syndrome: a guide to appropriate treatment 8. EXAMES DIAGNÓSTICOS Escalas de avaliação da sonolência: visam quantificar de forma subjetiva o grau de sonolência, por meio de questionários formulados aos pacientes. As mais utilizadas são as de Epworth (Quadro 4) e de Stanford. São graduadas em pontos, de acordo com as diversas situações em que o paciente se encontra no dia a dia, sendo a sonolência diretamente proporcional ao número de pontos. Quadro 4 – Escala Epworth 9 Fonte: Selaimen, Cruz e colaboradores; Otorrinolaringologia princípios e práticas, 2ª edição Teste múltiplo de latência do sono: É o padrão mais preciso para a quantificação objetiva da sonolência diurna. Consiste em 4 a 5 registros poligráficos durante o dia, em laboratório específico, realizados em intervalos de duas horas, com duração de vinte minutos. Em cada registro, mede-se o tempo em que o indivíduo demora para dormir, calculando-se, então, a latência média do sono. Um valor inferior a 10-15minutos (valor normal) indica sono diurno excessivo. Pode ser feito também o diagnóstico de narcolepsia que se caracteriza por uma latência de sono menor do que cinco minutos e o aparecimento de sono REM durante dois ou mais cochilos em um teste de cinco cochilos. Polissonografia: É o padrão-ouro para o diagnóstico de SAHOS, documentando também a gravidade da doença. Pode ser feito em laboratório ou em casa (PSG portátil). É realizado durante o sono do paciente, onde diversas variáveis fisiológicas são registradas: reconhecimento das fases do sono através do EEG, eletromiograma e eletroculograma (EOG); monitorização cardíaca para o reconhecimento de arritmias através do ECG; monitorização dos padrões respiratórios através da observação do fluxo aéreo nasal e oral, do esforço respiratório torácico e abdominal e dos gases sanguíneos (SaO2 e CO2). Os principais índices a serem considerados neste exame são: IAH, IH e a menor dessaturacao de oxiemoglobina. Cefalometria: Permite a avaliação do esqueleto facial e também das partes moles das vias aéreas superiores, permitindo avaliação objetiva do estreitamento destas regiões. É feita traçando-se medidas dos pontos radiológicos cefálicos em uma radiografia de perfil absoluto do paciente sentado, com a cabeça em posição neutra, olhar fixo paralelo ao chão edentes cerrados, colocando-se contraste no rosto. Neste exame, são avaliados: a obstrução do espaço da via aérea posterior, a extensão do palato mole, o deslocamento inferior do osso hióide em relação ao plano mandibular, a extensão da língua e o grau de severidade das alterações esqueléticas da base do crânio, da maxila e da mandíbula. O achado mais importante obtido através da cefalometria nos pacientes apnéicos é a redução do espaço velofaríngeo (espaço posterior superior situado entre a parede posterior da faringe e o limite inferior da úvula) que tende a ocorrer em 86% dos casos. A cefalometria é obrigatória nos planejamentos cirúrgicos das obstruções retrolinguais e nas displasias esqueléticas. 10 TC e RM: A RM é coniderada superior à TC, pois possibilita a realização de estudo dinâmico e tridimensional das vias aéreas superiores. O alto custo é um grande inconveniente destes exames. Somnoendoscopia: Descrita em 1991 por Croft e Pringle, esta técnica diagnostica e baseada na avaliação direta e dinâmica, sob visão endoscópica, das vias aéreas superiores durante o sono induzido. Através deste método e possível avaliar com maior objetividade o(s) sitio(s) da obstrução e a área responsável pela producao do ruído em condições que mimetizam o sono fisiológico. No entanto, o nível correto de sedação e de extrema importância na obtenção de um relaxamento muscular suficiente para recriar o ronco e o colapso parcial/total das vias aéreas superiores, sem que haja apneia ou depressao respiratória. Desta forma, há uma grande preocupação em desenvolver técnicas de sedação adequadas, bem como padronizar a atuação dos anestesiologistas de forma que tais variáveis não interfiram na reprodutibilidade do sono fisiológico. 9. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Existem poucas doencas que podem ser confundidas com a apneia do sono. Normalmente, deve-se diferenciar a apneia do sono. Em casos mais drásticos, deve-se lembrar da Síndrome de Pickwick. A narcolepsia apresenta-se como crises de sono episódicas, invencíceis e superficiais que duram cerca de 15 minutos, em qualquer momento do dia, sem relação temporal entre os episódios. Acomete igualmente homens e mulheres, na faixa etária dos 10-20 anos. Quando acompanhada de hipotonia generalizada e redução dos sinais vitais, chama-se de cataplepsia. Outros diagnósticos diferenciais são: privação do sono; hipotireoidismo; Síndrome de Kleine-Levin (distúrbio funcional hipotalâmico com hipersonia, bulimia e alterações do comportamento), entre outros. 11 10. REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS 1. Cahali M, Faringoplastia Lateral vs Uvulopalatofaringoplastia no tratamento da síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono. Tese de Doutorado. ORL- HCFMUSP 2002. 2. Tratado de ORL da Sociedade Brasileira de ORL, Vol 3, 2002. 3. Friedman et. al. Staging of Obstructive Sleep Apnea/Hypopnea Syndrome: A Guide to Appropriate Treatment. 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