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1 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 OBJETIVOS 1. Descrever o reflexo da defecação e a influência do habito alimentar no ritmo intestinal. 2. Diferenciar a constipação primária e secundária. 3. Retomar Roma IV e conceituar constipação e incontinência fecal. 4. Analisar constipação crônica funcional (classificação, diagnostico, terapêutica, incluindo a farmacologia dos laxantes) 5. Correlacionar os fatores biopsicossociais com os problemas acima. REFERÊNCIAS ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime N. Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós- graduação. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, FBG, 2016 MARTINS, Mílton de Arruda; et.al. Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. Barueri, SP: Manole, 2009. FreitasA. R.; Amorim Ítalo F. C. A influência dos hábitos de vida na constipação intestinal crônica funcional: uma revisão integrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 10, p. e8978, 11 out. 2021. REFLEXO DA DEFECAÇÃO Quando o movimento de massa força as fezes para o reto, imediatamente surge a vontade de defecar, com a contração reflexa do reto e o relaxamento dos esfíncteres anais. A passagem de material fecal pelo ânus é evitada pela constrição tônica dos: (1) esfíncter anal interno: espesso músculo liso com vários centímetros de comprimento na região do ânus; (2) esfíncter anal externo: composto por músculo estriado voluntário que circunda o esfíncter interno e estende-se distalmente a ele. É controlado por fibras nervosas do nervo pudendo, que faz parte do sistema nervoso somático (controle voluntário, consciente), sendo mantido contraído, a menos que sinais conscientes inibam a constrição. A defecação é iniciada por reflexos de defecação. Um desses reflexos é o reflexo intrínseco, mediado pelo sistema nervoso entérico local na parede do reto. Quando as fezes entram no reto, a distensão da parede retal desencadeia sinais aferentes que se propagam pelo plexo mioentérico para dar início a ondas peristálticas no cólon descendente, sigmoide e no reto, empurrando as fezes na direção do reto. À medida que a onda peristáltica se aproxima do ânus, o esfíncter anal interno se relaxa, por sinais inibidores do plexo mioentérico; se o esfíncter anal externo estiver relaxado consciente e voluntariamente, ocorre a defecação. Normalmente, quando o reflexo intrínseco mioentérico de defecação funciona, por si só, é relativamente fraco. Para que ele seja efetivo em provocar a defecação, em geral é necessário o concurso de outro reflexo, chamado reflexo de defecação parassimpático, que envolve os segmentos sacros da medula espinal. Quando as terminações nervosas no reto são estimuladas, os sinais são transmitidos para a medula espinal e de volta ao cólon descendente, sigmoide, reto e ânus, por fibras nervosas parassimpáticas nos nervos pélvicos. Esses sinais parassimpáticos intensificam bastante as ondas peristálticas e relaxam o esfíncter anal interno, convertendo, assim, o reflexo de defecação mioentérico intrínseco de efeito fraco a processo intenso de defecação que, por vezes, é efetivo para o esvaziamento do intestino grosso compreendido entre a curvatura esplênica do cólon até o ânus. Sinais de defecação que entram na medula espinal iniciam outros efeitos, tais como inspiração profunda, fechar a glote e contrair os músculos da parede abdominal, forçando os conteúdos fecais do cólon para baixo e, ao mesmo tempo, fazendo com que o assoalho pélvico se relaxe e se projete Constipação Problema 08 2 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 para baixo, empurrando o anel anal para baixo para eliminar as fezes. Quando é oportuno para a pessoa defecar, os reflexos de defecação podem ser propositadamente ativados por respiração profunda, movimento do diafragma para baixo e contração dos músculos abdominais para aumentar a pressão abdominal, forçando assim o conteúdo fecal para o reto e causando novos reflexos. Os reflexos iniciados dessa maneira, quase nunca são tão eficazes como os que surgem naturalmente, razão pela qual as pessoas que inibem com muita frequência seus reflexos naturais tendam mais a ter constipação grave. INFLUÊNCIA DA DIETA NO RITMO INTESTINAL A constipação é um problema diretamente relacionadas aos hábitos alimentares e ao padrão de vida modernos, que acompanharam a evolução do processo industrial de produção de alimentos, a falta de tempo para realizar refeições adequadas e os modismos culturais, contribuintes principais da redução da quantidade de fibras insolúveis dos alimentos. Quando averígua-se o hábito alimentar de pessoas constipadas evidencia-se o consumo de menos calorias, menores quantidades de proteínas, gorduras e fibras. Tais condições podem proporcionar alterações na microbiota e no trânsito colônico, predispondo ou não a ocorrência de constipação. A ingestão de frutas inteiras em suas diversas formas (frescas, congeladas ou secas) são reconhecidas pelo seu grande teor de fibra, densidade de energia baixa a moderada, importante fonte de nutrientes saudáveis e fotoquímicos, os quais são capazes de proporcionar grandes benefícios para a saúde. A fibra solúvel fermentável encontrada em frutas inteiras pode aliviar os sintomas de constipação. De maneira geral, a ingestão diária de 2 porções de frutas ricas em fibras (como a manga, ameixa e kiwi) é de grande valia para a regularidade da função intestinal e proteção contra a obstipação. A ação das fibras na constipação é principalmente na melhora da regularidade das evacuações, na medida em que promove um aumento significativo na produção de fezes e no teor de água presente nelas, que por sua vez relaciona-se com a consistência das fezes. CLASSIFICAÇÃO DA CONSTIPAÇÃO A constipação intestinal está relacionada à menor frequência evacuatória (até 3x/semana é normal), à maior consistência das fezes e ao esforço para defecação, além da sensação de evacuação incompleta, tempo excessivo ou insucesso da evacuação. Na escala de Bristol, na qual as fezes são classificadas de acordo com seus diferentes formatos, os tipos 1 e 2 estão relacionados à constipação. 3 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 A constipação intestinal é classificada em dois tipos: Funcional ou primária: na qual não se encontra uma etiologia estrutural, metabólica ou farmacológica que justifique essa disfunção. Incide preferencialmente na população jovem, tem início mal demarcado, evolução insidiosa, é lentamente progressiva, de longa duração e não compromete o doente no seu estado geral e nutricional. ORGÂNICA OU SECUNDÁRIA: associado a vários fatores etiológicos (alterações estruturais decorrentes de doença de Chagas, tumores e SII; extraintestinal: doenças endócrinas e metabólicas). Habitualmente, aparece em indivíduos de maior idade, progride mais rapidamente na sua intensidade, acompanhada de outras queixas digestivas ou da doença de base que a originou. CAUSAS DE CONSTIPAÇÃO INTESTINAL SECUNDÁRIA Lesões estruturais dos cólons e da região anorretal Tumores obstrutivos, estenoses, doenças anorretais, retoceles, prolapso retal Medicamentos Analgésicos opioides, antidepressivos tricíclicos, antipsicóticos (p. ex., clorpromazina), anticolinérgicos, antiparkinsonianos, antiácidos à base de alumínio, anticonvulsivantes, betabloqueadores, furosemida Distúrbios endócrinos e metabólicos Diabete melito, hipotireoidismo, hipoparatireoidismo, porfiria, hipopotassemia,hipomagnesemia, hipercalcemia Causas neurológicas Lesões da medula espinhal, esclerose múltipla, doença de Parkinson, acidente vascular cerebral (AVC), doença de Chagas, doença de Hirschsprung Causas miopáticas Esclerose sistêmica, amiloidose CONSTIPAÇÃO INTESTINAL FUNCIONAL DEFINIÇÃO O Consenso de Roma IV define constipação intestinal funcional como uma disfunção em que predomina uma evacuação dificultosa, pouco frequente e incompleta, com início nos 6 meses precedentes e com presença mais frequente nos últimos 3 meses, incluindo 2 ou mais das seguintes características, referidas em ao menos 25% das evacuações: esforço, fezes endurecidas, sensação de eliminação incompleta, sensação de obstrução anorretal, manobras digitais para facilitar a saída do conteúdo fecal, menos que 3 evacuações espontâneas/semana e necessidade de laxativos. Esse modelo encontra-se subclassificado em 3 tipos: TRÂNSITO CÓLICO NORMAL: apesar do trânsito intestinal e da frequência evacuatória serem normais, os pacientes podem se queixar de constipação associada a desconforto e a dor abdominal. Está associado com distúrbios psicossociais, desconforto abdominal e flatulências. TRÂNSITO CÓLICO LENTO: caracterizada pela lentificação do trânsito colônico relacionada com alterações da atividade motora dos cólons ainda não identificadas em sua totalidade. O termo inércia colônica aplica-se aos casos mais graves, em que não se observa aumento na atividade motora intestinal depois das refeições ou da administração de estimulantes farmacológicos como bisacodil e neostigmina OBSTRUÇÃO DE SAÍDA OU DISFUNÇÃO DO ASSOALHO PÉLVICO: contração da musculatura pélvica no momento da evacuação, causando oclusão do canal anal, o que impossibilita a exoneração fecal. Os fatores desencadeantes não foram esclarecidos em sua totalidade, mas foram identificados alguns fatores associados, como a dor à evacuação, trauma, dano obstétrico e abuso sexual. EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO É a segunda causa mais frequente das queixas gastrenterológicas. É 1,5 a 2 vezes mais comum entre mulheres e idosos, estando associada com o aumento da idade, com índices de até 40% nas pessoas acima de 65 anos, justificadas nas mudanças de hábitos alimentares por comprometimento mastigatório, insuficiente ingestão líquida, dificuldade para deambulação, inatividade física e frequente utilização de múltiplos medicamentos. AVALIAÇÃO CLÍNICA ANAMNESE 4 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 Na história clínica, devem ser caracterizados os sintomas relacionados à constipação: Defecação: pesquisar evacuações infrequentes, ausência de urgência evacuatória, dificuldade para evacuar, esforço inefetivo evacuatório, necessidade de manobras digitais, sensação de evacuação incompleta, dor anal ou perianal, prolapso anal ao ato evacuatório, escape fecal; Abdominais: distensão abdominal, dor ou desconforto abdominal relacionado ou não à evacuação; Sistêmico: -Hipotireoidismo: constipação associada a sintomas como lentificação, cansaço, sensação de frio, queda de cabelo e rouquidão. -Disfunção do assoalho pélvico: pode estar associado à incontinência urinária de esforço. Obs: início recente e progressivo nos indivíduos da faixa etária mais elevada, associados à emagrecimento e sangue nas fezes sugere processo neoplásico. Antecedentes obstétricos: partos múltiplos, difíceis e com uso de fórceps sugerem dano ao assoalho pélvico. História alimentar: investigar conteúdo de fibras da dieta, além de investigar mudanças recentes no estilo de vida, como a diminuição da atividade física e manifestações de depressão. Uso de drogas: podem ser a causa da constipação, devendo ser investigados. História psicossocial: o médico tem de estar atento aos fatores emocionais e psíquicos, como história de abuso sexual e depressão. EXAME FÍSICO Exame neurológico: necessário para descartar lesões centrais e, particularmente, lesões medulares. Nesses casos, a pesquisa da sensibilidade nas áreas sacrais é importante durante o exame físico. AD: pode revelar distensão, fezes endurecidas na região de palpação dos cólons ou massa inflamatória ou neoplásica. AGU: O prolapso retal pode ser revelado nas manobras de esforço e o exame digital do reto revela quando ele está vazio ou cheio de fezes. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da constipação intestinal funcional é baseado no quadro clínico, seguindo os critérios propostos pelo Roma IV: CRITÉRIOS DE CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL - ROMA IV Evacuação dificultosa, pouco frequente e incompleta Início dos sintomas há pelo menos 6 meses e com presença mais frequente nos últimos 3 meses Presença de 2 ou mais das seguintes características, referidas em ao menos 25% das evacuações: -Esforço -Fezes endurecidas -Sensação de eliminação incompleta -Sensação de obstrução anorretal -Manobras digitais para facilitar a saída do conteúdo fecal -Menos que 3 evacuações espontâneas/semana Obs: esses sintomas não podem ser totalmente explicados por outra condição médica EXAMES COMPLEMENTARES Servem para excluir possíveis causas de constipação secundária. Exames laboratoriais: hemograma completo, glicemia, hormônio estimulante da tireóide (TSH), cálcio e creatinina sérica. Colonoscopia: pacientes acima de 50 anos, com emagrecimento ou sangramento intestinal. 5 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 Sorologia para doença de Chagas: pode ser realizado a depender da epidemiologia do paciente. Teste de trânsito colônico: normal é inferior a 72 hrs. Inicialmente, pede o paciente para deglutir uma cápsula gelatinosa contendo os marcadores radiopacos, após 120 horas dessa deglutição, realiza um raio-X de abdômen. Caso a retenção dos marcadores seja > 20%, o trânsito é prolongado, se ainda, for de forma predominante, no cólon esquerdo e reto, sugere um distúrbio defecatório. Manometria anorretal: mede as pressões do músculo do esfíncter anal, sensação do reto e reflexos neurais. Quando o paciente força a evacuação, os músculos do esfíncter são relaxados, o que diminui a pressão, facilitando a eliminação das fezes. Assim, se os músculos não tiverem movimentos coordenados ou adequados propicia a constipação. É indicado nos casos de constipação crônica refratária ao tratamento médico. Auxilia no diagnóstico de megacólon chagásico. Balão de expulsão: insere no reto do paciente um balão de látex com 50 ml de água ou ar que deve ser expelido/defecado. É registrado o tempo que ele leva para expulsar, se o tempo for prolongado sugere uma disfunção anorretal. Defecografia: indicado nos pacientes com constipação de trânsito lento e distúrbios de defecação. Avalia o completo preenchimento do reto, ângulo anorretal, deiscência perineal e anormalidades estruturais. TRATAMENTO MEDIDAS GERAIS -Estimulação de atividade física regular: estudos mostraram melhora do hábito intestinal e do trânsito colônico associados a essa prática. -Aumento das fibras da dieta: aumenta o volume fecal, diminui a consistências das fezes, estimulando fisiologicamente a evacuação. -Consumo de ameixas secas (12 unidades ao dia): foi recentemente associado à melhora na frequência das evacuações e na consistência das fezes em um estudo com pacientes com constipação leve a moderada. -Reeducação do hábito intestinal: os pacientes devem ser estimulados a evacuar no mesmo horário e a evitar abolir o desejo de evacuar. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Nas situações em que não há melhora da constipação intestinal com a adoção de medidas gerais, o tratamento farmacológico deve ser instituído. MEDICAÇÕES USADAS PARAO TRATAMENTO DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL TIPOS MECANISMOS DE AÇÃO Fibras Farelo de trigo Psyllium Policarbofila cálcica Aumento do volume fecal por retenção de água e do trânsito colônico Laxantes osmóticos Lactulose PEG Hidróxido de magnésio Aumento osmótico dos fluidos na luz Laxantes estimulantes Bisacodil Picossulfato sódico Sene Estimulação dos plexos mioentéricos, aumento da motilidade, alteração do transporte de eletrólitos Prucaloprida Estimula o trânsito colônico Lubrificantes Óleo mineral Lubrificante das fezes Supositórios de glicerina Estimulação local do reto Enemas Distensão dos cólons, lavagem mecânica Formadores de massa/fibras: São substâncias hidrofílicas que absorvem água do lúmen intestinal, aumentam o bolo fecal, amolecem as fezes e, portanto, facilitam a evacuação. Além disso, aumentam a motilidade gastrintestinal levando à diminuição do tempo de trânsito intestinal e à maior frequência evacuatória. A introdução das fibras deve ser gradual a fim de evitar flatulência e distensão abdominal e esses medicamentos são indicados para pacientes com trânsito intestinal normal. Naqueles que apresentam trânsito colônico lento e disfunção anorretal, parecem não ter efeito. Laxantes osmóticos: são substâncias hiperosmolares que determinam secreção de água para luz intestinal, causam amolecimento das fezes e aumentam a atividade propulsora dos cólons. Incluem os salinos (p. ex., hidróxido de 6 MÓDULO I: SAÚDE DO ADULTO, DOR ABDOMINAL, DIARRÉIA, VÔMITOS E ICTERÍCIA ANA LUIZA ALVES PAIVA -6° PERÍODO 2022/2 magnésio) açúcares pouco absorvíveis (p. ex., lactulose, sorbitol) e os polietilenoglicóis (PEGs). Laxantes estimulantes: estímulo da motilidade colônica e a inibição da reabsorção de água, sódio e cloro. supositórios e enemas: são medicamentos emergenciais, cuja aplicabilidade de rotina será decidida em situações excepcionais. Procinéticos: atuam acelerando o trânsito intestinal e aumentando a freqüência das evacuações. Agem estimulando a inervação parassimpática pela ativação dos receptores da serotonina (5-HT4).Ex: tegaserode e prucaloprida Biofeedback: baseia-se em técnicas de fisioterapia do assoalho pélvico. Atualmente é recomendado como tratamento de escolha para a dissinergia do assoalho pélvico, quando não houver melhora com o tratamento clínico.