Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fernanda Bortolazzo É uma doença inflamatória sistêmica, autoimune, crônica e progressiva, caracterizada pelo comprometimento, principalmente, da membrana sinovial e preferencialmente de articulações periféricas, podendo resultar em destruição óssea e cartilaginosa. Epidemiologia Acomete todas as raças do mundo e é uma das doenças reumáticas mais comuns. Sua incidência aumenta com a idade e é maior em mulheres. Presente em 1% da população mundial, mais comum entre 30-50 anos, em caucasianos e tem relação genética (parentes de 1º grau). Patogênese A AR tem um caráter autoimune → resposta imune exacerbada e disfuncional contra antígenos próprios, afetando células e tecidos. A etiopatogênese é heterogênea, mas existem 3 fatores considerados fundamentais: (1) quebra da tolerância imunológica relacionada a (2) fatores ambientais, como tabagismo e interação com microbioma em (3) indivíduos que possuem variantes genéticas em moléculas que controlam a resposta imune. A perda da autotolerância em indivíduos que são geneticamente predispostos gera uma ativação aberrante de respostas imune, resultando em hiperplasia sinovial e destruição óssea. Por um lado os fatores ambientais (EX: tabagismo) são como gatilhos para o aparecimento da autoimunidade e, por outro, as características genéticas, principalmente presença do epítopo compartilhado, estão relacionadas a títulos mais elevados de autoanticorpos. OBS: epítopo = menor porção do antígeno com potencial para gerar resposta imune; é nessa área que receptores de linfócitos T e os anticorpos (linfócitos B) se ligam à molécula do antígeno. (epítopo compartilhado) Além disso, a AR pode ser subdividida de acordo com presença ou ausência de ACPA (que são anticorpos contra proteínas/peptídeos citrulinados) e também presença ou ausência do fator reumatoide (FR) → a presença de 1 ou de ambos os autoanticorpos define a doença como SOROPOSITIVA. OBS: de acordo com a positividade para ACPA, a doença apresenta aspectos específicos. Por exemplo, a imunidade dependente do MHC de classe II é predominantemente restrita à forma soropositiva da AR. OBS 2: a doença soropositiva está relacionada a um curso mais agressivo, na maioria dos casos. GENÉTICA E AR Os principais fatores genéticos de risco para artrite reumatoide são as variantes alélicas no gene que codifica a cadeia beta do HLA-DRB1. O HLA-DR é um receptor da família de moléculas do complexo principal de classe II (MHC), presente nas células apresentadoras de antígenos* responsável por apresentar epítopos antigênicos para as células T. * macrófagos, células dendríticas e linfócitos B. AUTOIMUNIDADE NA AR O desencadeamento da autoimunidade a autoantígenos citrulinados ocorre nos pulmões e em outras superfícies mucosas depois da Artrite Reumatoide Artrite Reumatoide Fernanda Bortolazzo exposição a agentes ambientais nocivos que impulsionam tanto modificações pós-translacionais dos autoantígenos quanto o acúmulo local e a ativação de células apresentadoras. Fatores que funcionam como gatilhos: tabagismo, infecções, periodontite, alterações do microbioma intestinal, bactérias (micoplasma/micobactérias), e vírus (EBV, parvovírus), etc. Os peptídeos citrulinados se adaptam rapidamente ao sulco de ligação da molécula de HLA-DR e são apresentados aos linfócitos T CD4+, ativando-os. Em seguida, após ativação das células T, ocorre também ativação de linfócitos B, com consequente produção de anticorpos contra peptídeos citrulinados (EX: alfaenolase, fibrinogênio, histona, colágeno, vimentina e fibronectina). Tais anticorpos (ACPA) já podem ser patogênicos por si só, mas também podem levar à ativação de macrófagos ou ainda ativar osteoclastos. PROGRESSÃO P/ AUTOIMUNIDADE SISTÊMICA Dois fenômenos decorrem da apresentação antigênica e precedem a doença clínica: a ativação e consequente migração de linfócitos T CD4+ para os órgãos linfoides secundários, e a produção de autoanticorpos, como o ACPA ou o fator reumatoide (FR). OBS: por enquanto, tais processos ocorrem fora das articulações; os autoanticorpos são identificados vários anos antes da apresentação clínica. PROGRESSÃO PARA DOENÇA CLÍNICA No contexto de autoimunidade, a presença de um 2º sinal sobre os linfócitos T CD4+ ativados, faz com que eles migrem dos órgãos linfoides secundários para a membrana sinovial. Os osteoclastos podem ter relação com as primeiras manifestações articulares da AR. As ACPAS estimulam a ativação e a diferenciação dos osteoclastos → eles produzem a quimiocina CXCL8 (IL-8), que é indutora de desenvolvimento e maturação dessas células → esse processo resulta em erosão óssea pelos osteoclastos e também em artralgia. Também pode ocorrer uma indução aos macrófagos e FLS* para produzirem IL-6 e TNF por meio da ligação de imunocomplexos contendo ACPA e FR. * FLS = sinoviócitos fibroblasto-símiles OBS: IL-6 é uma citocina que influencia respostas imune antígeno específicas e reações inflamatórias, sendo um dos maiores mediadores da fase aguda da inflamação. OBS 2: TNF-alfa é uma citocina pró- inflamatória que regula múltiplos processos biológicos (proliferação celular, diferenciação, apoptose, metabolismo lipídico, coagulação). INFLAMAÇÃO DA MEMBRANA SINOVIAL NA DOENÇA JÁ ESTABELECIDA A inflamação da membrana sinovial é caracterizada pela infiltração de células que compõem a resposta imune inata (monócito, células dendríticas, mastócitos, neutrófilos e células linfoides inatas) e células da resposta imune adaptativa (células T helper 1, T helper 17, células B e plasmócitos). A destruição articular ocorre devido à intensa ativação do FLS, aumento do catabolismo do condrócito e maior osteoclastogênese sinovial. O ambiente inflamatório do compartimento sinovial é regulado por uma complexa rede de citocinas e quimiocinas, sendo as mais importantes o TNF, a IL-6 e o GSC-F elas levam ao agravamento da resposta inflamatória pela ativação de células endoteliais e atração de células do sistema imunitário para o interior do espaço articular e para o tecido sinovial. A ativação de células como sinoviócitos fibroblasto-símiles, monócitos, macrófagos, linfócitos T e B, resultam em aumento na osteoclastogênese (via RANKL), induzindo lise óssea.. Fernanda Bortolazzo Quadro Clínico A doença geralmente se instala de maneira insidiosa e progressiva. As manifestações clínicas podem ser articulares ou extra-articulares. Como a AR é uma doença sistêmica, é comum a ocorrência de sintomas gerais como fadiga, febre, astenia, mialgia e perda ponderal. MANIFESTAÇÕES ARTICULARES Podem ser divididas em manifestações reversíveis (relacionadas à sinovite inflamatória em sua fase inicial) ou danos estruturais irreversíveis (deformidades causadas pela sinovite persistente, destruição óssea e cartilaginosa, imobilização e alterações musculares, tendíneas e ligamentares). SINOVITE A característica básica da manifestação articular da AR é a inflamação da sinóvia (sinovite), podendo acometer qualquer uma das articulação diartrodiais do corpo. Queixa clinica: dor, edema e limitação dos movimentos das articulações acometidas. Exame físico: além da dor e edema, podem ter sinias de derrame intra-articular. Articulações profundas como quadris e ombro podem não mostrar sinais evidentes de inflamação. CARACTERÍSTICAS DA ARTRITE ACOMETIMENTO POLIARTICULAR Geralmente + de 4 articulações estão envolvidas; porém a doença também pode ser oligo ou monoarticular (em crises). ARTRITE EM MÃOS O acometimento de punho, MCF e IFP é frequente, desde o início do quadro. O acometimento de IFD é raro (ajuda a diferenciar de OA e artrite psoriásica). ARTRITE SIMÉTRICA Tem como regra um acometimento simétrico das articulações dos dois ladosdo corpo (OBS: nos casos das MCF e MTF a simetria não é necessariamente completa). ARTRITE CUMULATIVA OU ADITIVA A sinovite costuma ter um padrão cumulativo (vai acometendo progressivamente novas articulações, mas não deixa de inflamar as articulações já anteriormente afetadas). RIGIDEZ MATINAL A rigidez matinal é prolongada, caracterizada por enrijecimento e sensação de edema, diferente da breve rigidez nos casos de OA, ela dura mais de 1 hora. Articulações mais precoces: MCF, IFP, punhos e MTF. Outras articulações que podem ser acometidas: cotovelos, joelhos, tornozelos, ombros e quadril; coluna cervical (principalmente subluxação atlanto-axial); ATM, crico-aritenoide (paciente fica mais Fernanda Bortolazzo rouco), ossículos do ouvido (leva à surdez), esternoclaviculares; MANIFESTAÇÕES PERIARTICULARES: dedo em gatilho, tenossinovite DeQuervain, STC (síndrome do túnel do carpo - compressão do nervo mediano), roturas tendíneas, bursites e cistos.. OBS: as manifestações articulares, a longo prazo podem levar à instabilidade e deformidade. MANIFESTAÇÕES EXTRA-ARTICULARES Embora as manifestações articulares sejam as mais características, pode ter acometimento específico em outros órgãos e sistemas. As manifestações extra-articulares são mais frequentes em pacientes com doença grave e poliarticular, FR positivo e com nódulos reumatoides. Há também uma possível predisposição genética (HLA-DRB1*0401). EXEMPLOS: - nódulos subcutâneos (+ frequentes); - vasculites (cutâneas, viscerais, etc.); - coração (pericardite, miocardite, nódulos, etc.); - pulmão (derrame pleural, fibroses – PIU, PINE); - SNC (nódulos, vasculites, mielopatia, etc.); - rins (amiloidose secundária, medicamentoso); - olhos (esclerite, ceratoconjuntivite seca, etc.); - muito comum paciente fazer sarcopenia; OBS: síndrome de Felty = AR (artrite reumatoide) + esplenomegalia + granulocitopenia. AMILOIDOSE (VERMELHO DO CONGO): pode ser primária (AL), secundária (AA), familiar (ATTR) ou associada à diálise (Aβ2M). A amiloidose primária é a + frequente (pele, tecido SC, fígado, baço, coração, rins e pulmões). A secundária é associada a doenças autoimunes (IL-1, IL-6, TNF) em AR, AIJ, EA, EFM, DII (fígado, baço e rins). MANIFESTAÇÕES LABORATORIAIS No hemograma é possível encontrar: anemia normo/normo, leucocitose, eosinofilia e trombocitose. Outros exames: VHS e PCR, autoanticorpos (FR, anti-ccp e FAN) e análise do líquido sinovial. MANIFESTAÇÕES RADIOLÓGICAS Características do RX: pequenas articulações + precoces, erosões são clássicas, osteopenia justa-articular e edema de partes moles são sinais precoces, enquanto a redução do espaço articular, deformidades e cistos são achados tardios (aparecem a longo prazo). Além disso, pode-se usar RM (ressonância), USG com doppler e TC (+ precoces também). Fernanda Bortolazzo Prognóstico FATORES DE PIOR PROGNÓSTICO: fadiga e perda rápida da capacidade funcional, fibromialgia associada, proliferação sinovial de início rápido, nódulos SC, envolvimento visceral, vasculite, alterações radiográficas precoces, fator reumatoide em altos títulos, VHS e PCR persistentemente altos, líquido sinovial com > 50,000 células/mm3. Diagnóstico Segundo o Colégio Americano de Reumatologia, o diagnóstico de artrite reumatoide é feito quando pelo menos 4 dos seguintes critérios estão presentes por pelo menos 6 semanas: - Rigidez articular matinal durando pelo menos 1 hora - Artrite em pelo menos três áreas articulares - Artrite de articulações das mãos - Artrite simétrica - Presença de nódulos reumatoides - Presença de FR no sangue - Alterações radiográficas (erosões articulares ou descalcificações em RX de mãos e punhos) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Outras colagenoses (EX: LES), espondiloartrites, infecções virais (EX: hepatite B, parvovírus, rubéola e HIV), artrite séptica, OA, polimialgia reumática. Tratamento Baseado na educação do paciente (exercícios, proteção articular, fisioterapia e reabilitação, ajuste de equipamentos domésticos, etc.). Para tratar a dor: repouso, AINES, CTC (prednisona dose ≤ 15mg/dia), infiltração. DMARDs sintéticos: metotrexato (padrão ouro) 10-25mg/semana, antimaláricos, sulfassalazina e leflunomide. DMARDs biológicos: anti-TNFα (etanercepte, adalimumabe, infliximabe, golimumabe, certolizumabe pegol), bloqueador de IL-6 (tocilizumabe), inibidor coestimulação LT (abatacepte) e anti-CD20 (rituximabe). OBS: DMARDs = drogas antirreumáticas modificadoras de doença. Imunossupressores: azatrioprina, ciclofosfamida e ciclosporina. Fernanda Bortolazzo
Compartilhar