Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 1 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 2 ANAIS VI Congresso da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE) ISSN 2175-9685 13 a 15 de Setembro de 2017 Goiânia, Goiás ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 3 EXPEDIENTE Comissão Organizadora do VI Congresso Nacional da ANPTECRE Alberto da Silva Moreira – PUC Goiás, Presidente Clóvis Ecco – PUC Goiás, Coordenador do PPGCR José Reinaldo Felipe Martins Filho – PUC Goiás, Secretário Gláucia Borges Ferreira de Souza – PUC Goiás, Tesoureira Emivaldo Silva Nogueira – PUC Goiás Celma Laurinda Freitas Costa – PUC Goiás Irene Dias de Oliveira – PUC Goiás Paulo Rogério Rodrigues Passos – PUC Goiás Pedro Sahium – PUC Goiás/UEG Rosemary Francisca Neves Silva – PUC Goiás Selma Marques de Paiva – PUC Goiás Bolsistas/CAPES-PROSUP: Gustavo Cortez Fernandez Katiuska Florencia Serafin Nieves Raquel Mendes Borges Ailton Soares dos Santos Analvari Franco Pereira Braga Lilian Ghisso Aristimunho Roberta Mayara Alves de Souza Hélyda Di Oliveira Maria Adriana Marques Conselho Diretor da ANPTECRE Gilbraz Aragão – UNICAP, Presidente Claudio Ribeiro – UMESP, Vice-Presidente Fernanda Lemos – UFPB, Secretária Comissão Científica da ANPTECRE Luiz Alexandre Solano Rossi – PUC PR (Presidente) Dilaine Soares Sampaio – UFPB Eduardo Cruz – PUC SP Geraldo de Mori – FAJE Rudolf von Sinner – EST Conselho Fiscal da ANPTECRE Newton Darwin Cabral - UNICAP Cesar Augusto Kuzma - PUC Rio Júlio Cézar Adam - EST Representantes da Área Ciências da Religião e Teologia na CAPES Flávio Augusto Senra Ribeiro – PUC Minas Mary Rute Gomes Esperandio – PUC-PR Sandra Duarte de Souza – UMESP ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 4 Organização dos ANAIS Clóvis Ecco José Reinaldo F. Martins Filho Revisão da Organização Selma Marques de Paiva Diagramação Aline Garcia Martins A revisão textual dos manuscritos originais é de responsabilidade de seus res- pectivos autores, com anuência dos coordenadores dos Grupos de Trabalho e das Sessões Temáticas. Realização: Dados Internacionais para Catalogação na Publicação Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE) ANAIS do VI Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião: Religião, Migração e Mobi- lidade Humana. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, Go, 13 a 15 de setembro de 2017. 900 p. ISSN 2175-9685 1. VI Congresso ANPTECRE. I. Religião. II. Ciências da Religião. III. Teologia. IV. Anais. V. Título. Patrocínio: ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 5 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Organizadores........................................................................................... 15 ANTROPOLOGIA, TEOLOGIA SISTEMÁTICA E TEOLOGIA PÓS-LIBERAL: O USO DA NARRATIVA BÍBLICA NA REFLEXÃO SOBRE A CONDIÇÃO HUMANA Adriani Milli Rodrigues ...................................................................................... 17 A TECNOCIÊNCIA NO “MUNDO VULNERÁVEL”. VISÃO DA ECOTEOLOGIA, A PARTIR DE JORGE RIECHMANN E A “LAUDATO SI” Afonso Tadeu Murad ....................................................................................... 25 A CONTRIBUIÇÃO DE CARLOS MESTERS PARA O ESTUDO POPULAR DA BÍBLIA NAS CEB’s DOS 1980 Ailton Soares dos Santos ................................................................................. 32 RETERRITORIALIZAÇÃO: DESAFIOS E ESTRATÉGIAS ADAPTATIVAS EM COMUNI- DADES DE TERREIRO DE BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA Alexandre Frank Silva Kaitel ............................................................................ 39 ROMARIA DE MUQUÉM: UMA ANÁLISE DA IDENTIDADE ROMEIRO À LUZ DA RE- LIGIOSIDADE POPULAR Aldemir Franzin .................................................................................................. 46 CRÍTICA AO BRILHO FRÁGIL DO FETICHE: BENJAMIN E HINKELAMMERT Allan da Silva Coelho ...................................................................................... 52 O ÊXTASE E SUAS IMPLICAÇÕES PROFÉTICAS NA TEOLOGIA DE PAUL TILLICH Almir Lima Andrade ......................................................................................... 60 O VALE DO AMANHECER E AS NARRATIVAS VISUAIS DA NOVA COSMOLOGIA: UM DIÁLOGO ENTRE RELIGIÃO E FICÇÃO CIENTÍFICA Altierez Sebastião dos Santos ......................................................................... 71 UMBANDA: ENTRE SINCRETISMO(S) E SÍNTESE(S) Ana Carolina Gomes ....................................................................................... 79 ÉTICA E ESPIRITUALIDADE NÃO RELIGIOSA EM LUDWIG WITTGENSTEIN: UM DIÁ- LOGO A PARTIR DA “CONFERÊNCIA SOBRE A ÉTICA” Ana Cláudia Archanjo Veloso Rocha ........................................................... 86 CANDOMBLÉ ANGOLA: IDENTIDADE, RITOS E RELIGIOSIDADE EM BELÉM DO PA- RÁ NA CASA "RUNDEMBO GUNZO DI BAMBURUCEMA” Ana Patrícia dos santos Vânia Maria Carvalho de Souza ................................................................... 94 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 6 AS EXPERIÊNCIAS DA MODERNIDADE E DA SECULARIZAÇÃO NO DISCURSO UL- TRAMONTANO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: UMA DISCUSSÃO A PAR- TIR DA HISTÓRIA DOS CONCEITOS Ana Rosa Cloclet da Silva .............................................................................. 101 O COMPROMISSO SOCIOPOLÍTICO CRISTÃO Antônio de Pádua Santos ............................................................................... 109 MIGRAÇÃO E TEOLOGIA EM “ANDANÇA” Antonio Manzatto ............................................................................................ 116 CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS RELATOS DE SUICÍDIO NA BÍBLIA Antônio Renato Gusso ..................................................................................... 123 ALÉM DAS FRONTEIRAS: O HINDU-CRISTIANISMO DE BEDE GRIFFITHS Angelica Tostes Thomaz .................................................................................. 131 OS DESAFIOS EM TORNO DA COMPREENSÃO DO QUE É SER LAICO NO BRASIL Aretha Beatriz Brito da Rocha ......................................................................... 136 CULTURA, RELIGIÃO E ESTADO: A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO PÁTRIO DA REPÚBLICA DOMINICANA A PARTIR DA LINGUAGEM RELIGIOSA Belkys Julissa Moya Bastardo ........................................................................... 143 CHAMADO E DISCIPULADO SEGUNDO MATEUS, EM PERSPECTIVA COMUNICA- TIVA Boris Agustín Nef Ulloa Jean Richard Lopes ......................................................................................... 149 A GRANDE PROSTITUTA E O ABJETO: UMA ANÁLISE EM APOCALIPSE 17 Camila Moreira ................................................................................................. 155 ECOTEOLOGIA DA CRIAÇÃO: NOVOS HORIZONTES PARA UMA INTELECÇÃO DA FÉ DECOLONIAL Carlos Alberto Motta Cunha .......................................................................... 162 CREDO QUIA ABSURDUM: TERTULIANO E KIERKEGAARD Carlos Campêlo da Silva ................................................................................ 169 CORPOS GROTESCOS: OS CORPOS CASTIGADOS NO ALÉM-MUNDO DO APO- CALIPSE DE PAULO E OS MORTOS QUE RETORNAM NA OBRA O LIVRO DE MA- RAVILHAS DE PHLEGON DE TRALLES Carlos Eduardo de Araújo de Mattos ........................................................... 175 O QUE AFASTA A CHUVA DE ISRAEL? Cássio Murilo Dias da Silva .............................................................................. 181 POBRES, LITURGIA E CIÊNCIA MODERNA COMO LUGARESTEOLÓGICOS César Andrade Alves ....................................................................................... 189 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 7 A CASA DAS SETE MULHERES Cláudia Danielle de Andrade Ritz ................................................................. 196 AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO PENSAMENTO DE EDITH STEIN Clélia Peretti ...................................................................................................... 204 A CONSTRUÇÃO COLETIVA DOS PARÂMETROS CURRICULARES DO ENSINO RE- LIGIOSO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS DO ESTADO DE PER- NAMBUCO Constantino José Bezerra de Melo Rosalia Soares de Sousa Wellcherline Miranda Lima ............................................................................. 211 A COLONIALIDADE DA NATUREZA: PODER – CONATUS – ENERGIA POTENCIAL Daniel Stosiek .................................................................................................... 218 FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK E A NEGAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM NOME DA SACRALIZAÇÃO DO MERCADO Daniela Leão Siqueira ..................................................................................... 225 A ESTRUTURA SOCIAL DO ATO DE COMER Danielle Lucy Bósio Frederico ........................................................................ 231 RUBEM ALVES E A POÉTICA DA LINGUAGEM RELIGIOSA Danilo Mendes .................................................................................................. 238 A MIGRAÇÃO COMO CONQUISTA EM TOLKIEN: A CHEGADA DOS NUMENORI- ANOS NA TERRA-MÉDIA Diego Klautau ................................................................................................... 245 O ESPÍRITO E A REFORMA DA IGREJA: ESBOÇO DE UMA PNEUMATOLOGIA MIS- SIONÁRIA A PARTIR DA EVANGELII GAUDIUM Diogo Marangon Pessotto .............................................................................. 252 RELIGIÃO, CAPITALISMO E COMUNITARISMO Drance Elias da Silva ........................................................................................ 260 PARTICIPAÇÃO E COMUNHÃO EM TEMPOS DE MOBILIDADE URBANA: O ‘SILÊN- CIO’ DA CARNE Edson Matias Dias ............................................................................................. 270 PAUL TILLICH E A REFORMA: O PRINCÍPIO PROTESTANTE Eduardo Gross ................................................................................................... 278 GÊNERO E LITERATURA RELIGIOSA: UMA ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DE GÊ- NERO PRESENTES NA REVISTA VISÃO MISSIONÁRIA NO PERÍODO DE 1975 A 2015 Eliana Aparecida Amancio ............................................................................ 286 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 8 A RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE: UM DIÁLOGO ENTRE ZIGMUNT BAUMAN E ABRAHAM JOSHUA HESCHEL Emivaldo Silva Nogueira ................................................................................. 294 A IMAGEM DO PROGRESSO AMERICANO (DESTINO MANIFESTO) E O ESPÍRITO CALVINISTA DO ESCOLHIDO Éric de Oliveira Marins ..................................................................................... 307 RELIGIÃO E INCLUSÃO: IGREJA CATÓLICA E A PASTORAL DOS SURDOS EM URUAÇU-GO Érica Nelcina da Silva Edson Arantes Junior ........................................................................................ 314 A UTOPIA DO REINO DE DEUS: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS A PARTIR DA CRISTO- LOGIA DE JON SOBRINO Eugenio Rivas .................................................................................................... 322 A TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL E SUA APLICAÇÃO NO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO Eumar Evangelista de Menezes Júnior ......................................................... 329 NOVA ERA OU NOVA ALEXANDRIA? O HERMETISMO ALEXANDRINO E O NEO- PLATONISMO COMO ALGUMAS DAS BASES DA COSMOVISÃO DAS “ESPIRITUA- LIDADES DE VIDA” CONTEMPORÂNEAS Fabio Mendia .................................................................................................... 335 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE PROPOSTA PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE E SEUS PROBLEMAS PELA ÓPTICA DO CI- ENTISTA DA RELIGIÃO Fábio Stern ......................................................................................................... 347 PNEUMATOLOGIA E DIÁLOGO INTERRELIGIOSO: AS TENTATIVAS DE AMOS YONG E GEORGE KHODR Fabrício Veliq .................................................................................................... 353 GÊNERO NO BRASIL: BINARISMOS E REPRODUÇÕES PATRIARCAIS NO DISCURSO POLÍTICO-RELIGIOSO BRASILEIRO Fernanda Marina Feitosa Coelho .................................................................. 360 IGREJAS INCLUSIVAS: UMA FORMATAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE NA NOR- MATIVA HETEROSSEXUAL? Fernando Cesar Bertolino Junior .................................................................... 367 O MITO DO ETERNO RETORNO DE MIRCEA ELIADE NO VIDEOCLIPE BUSCA VIDA DOS PARALAMAS DO SUCESSO Flávia Medeiros ................................................................................................. 376 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 9 COMUNIDADE CAVERNA DE ADULÃO: ASPECTOS DO SUJEITO NA RELAÇÃO DO ETHOS CONTEMPORÂNEO E RELIGIÃO Flávio Lages Rodrigues .................................................................................... 383 O DIÁLOGO INTRARRELIGIOSO EM RAIMON PANIKKAR Francilaide de Queiroz Ronsi .......................................................................... 390 PAUL TILLICH, O LOGOS E O MÉTODO DA CORRELAÇÃO Gabriel Pilon Galvani ....................................................................................... 399 O ORIENTE CRISTÃO: ELEMENTOS PARA O DIÁLOGO ENTRE O PROTESTANTISMO LATINO AMERICANO E A FORMA “MAIS CÓSMICA DO CRISTIANISMO” Gilmar Ferreira da Silva .................................................................................... 406 A POLÍTICA COMO RITO E A DEMOCRACIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Glauco Barsalini Mariana Pfister .................................................................................................. 413 AS MULHERES NA VIDA COMUNITÁRIA: POR QUE NÃO EMPODERÁ-LAS? Graziela Rodrigues da Silva Chantal ............................................................ 420 O TEMPLO DE SALOMÃO: UMA NOVA CULTURA MATERIAL E VISUAL IURDIANA Helena Raquel de França Costa ................................................................... 426 O IDOSO: UM PARALELO ENTRE O CONTEXTO BÍBLICO E ATUAL Ilza Maria Guedes Torquato Paredes ............................................................... 433 TEOLOGIA CRISTÃ E ANIMAIS NÃO HUMANOS: DA DOMINAÇÃO À INCLUSÃO Helder Maioli Alvarenga ................................................................................. 441 CONSOLAÇÃO COMO HERMENÊUTICA HISTÓRICO-TEOLÓGICA: O CASO DO DÊUTERO-ISAÍAS Jaldemir Vitório ................................................................................................. 448 A IMAGEM DO AFRO-ESTADUNIDENSE SOB A PERSPECTIVA DE ELLEN WHITE NO SÉCULO XIX E SUAS IMPLICAÇÕES Jean Carlos Zukowski Germana Ponce de Leon Ramirez ............................................................... 455 JESUS E A CORRUPÇÃO DO TEMPLO DE JERUSALÉM: UMA PESQUISA BÍBLICA A PARTIR DE MC 11,15-19 João Luiz Correia Júnior .................................................................................. 461 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 10 RELATOS DE VOCAÇÃO: O SAGRADO PROVOCANDO PRÁXIS OU A PRÁXIS CONSTRUINDO O SAGRADO? – UMA LEITURA DE EX 3,1-6 A PARTIR DA SOCIO- LOGIA DE MICHAEL LÖWY Joilson de Souza Toledo .................................................................................. 469 SENDO AMBÍGUO, HÁ QUE DELIMITAR O CONCEITO RELIGIÃO José Álvaro CamposVieira ............................................................................ 476 A ABOMINAÇÃO TOEBAH E A HOMOSSEXUALIDADE: UMA ANÁLISE CRÍTICA EM LEVÍTICO 20,13 José Frederico Sardinha Franco .................................................................... 483 O LUGAR DA RELIGIÃO NA TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN José Maria da Frota ......................................................................................... 490 ESPIRITUALIDADES NÃO RELIGIOSAS EM MARIÀ CORBÍ: ELEMENTOS PARA UMA LEITURA CRÍTICA José Reinaldo F. Martins Filho Clóvis Ecco ........................................................................................................ 496 A IGREJA SARA NOSSA TERRA: NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A EMERGÊNCIA DE UMA TEOLOGIA DE GESTÃO José Roberto Alves Loiola Antônio Mendes da Costa Braga ................................................................. 504 MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO NO MAGISTÉRIO DO PAPA FRANCISCO: FUNDA- MENTO DA MISSÃO DA IGREJA José de Souza Paim ......................................................................................... 512 MÍSTICA E METAFÍSICA EM LEVINAS José Tadeu Batista de Souza .......................................................................... 519 O ESTRANGEIRO, O ÓRFÃO E A VIÚVA NOS ESCRITOS DE KHIRBET QEIYAFA E SUA CONEXÃO COM OS TEXTOS BÍBLICOS Jovanir Lage ...................................................................................................... 526 AMÉM! E NASCERAM AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS... Jussara Rocha Koury ........................................................................................ 533 ANÁLISE E CONTEXTUALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS MÁGICAS PARA O AMOR NO CRISTIANISMO PRIMITIVO, COM BASE NOS TEXTOS DE ATOS DE PAULO E TECLA E OS PAPIROS MÁGICOS GREGOS Kellen Christiane Rodrigues de Araujo .......................................................... 540 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 11 A ANTROPOLOGIA DO FEMININO: DESCONSTRUINDO ESTRUTURAS DE VIOLÊN- CIA Karen de Souza Colares .................................................................................. 547 EMPODERAMENTO DE MULHERES NO CONTEXTO DA REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI Letícia Aparecida Ferreira Lopes Rocha ...................................................... 554 RELIGIÃO E IDENTIDADE: O BATUQUE E O PENSAMENTO BATUQUEIRO Lilian Ghisso Aristimunho .................................................................................. 562 BÍBLIA E LITURGIA: A POLÊMICA ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO E A CÂMARA DO RECIFE Liniker Henrique Xavier .................................................................................... 569 NOVOS DESAFIOS À TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: O TRABALHADOR NO CON- TEXTO DA TERCEIRIZAÇÃO E DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO Luciano Gomes dos Santos ............................................................................ 576 O POETAR COMO SALVAGUARDA DA FÉ RELIGIOSA Luís Gabriel Provinciatto .................................................................................. 583 A EXPRESSÃO “DIA PHTHONON” EM MC 15,10 Luís Henrique Eloy e Silva ................................................................................. 591 LEITURA CONFLITUAL EM MATEUS 25,14-30: PARÁBOLA DOS TALENTOS Luiz Antonio Ferreira Pacheco da Costa Regina Maria de Albuquerque Franco Ramos ........................................... 597 UMA TEOLOGIA PNEUMATOLÓGICA DA PALAVRA DE DEUS: CONTRIBUIÇÕES DE FERDINAND EBNER Luiz Carlos Sureki ............................................................................................... 606 A ÚNICA COISA NECESSÁRIA – UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE LUCAS 10:38-42 Luiz Felipe Xavier ............................................................................................... 613 O SAGRADO NOS TEXTOS INDIANOS VÉDICOS, SEGUNDO RENÉ GIRARD Maiara Rúbia Miguel ....................................................................................... 621 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DOS HAITIANOS IMIGRANTES EM BELO HORIZONTE Márcio Flávio Martins ....................................................................................... 628 IMPACTO DE CONCEITOS DE “ESPAÇO DE FLUXOS” E DE “VIRTUALIDADE REAL” NO CONCEITO DE “ESPAÇO SAGRADO”: ESTUDOS PRELIMINARES Marcos Rodrigues Simas .................................................................................. 636 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 12 A MANIFESTAÇÃO DOS JUÍZOS DIVINOS CONFORME AP 15,3-4 Marcus Aurélio Alves Mareano ...................................................................... 643 DA SECULARIZAÇÃO À SINGULARIZAÇÃO: ESTUDO DE CASO DE UM CULTO UM- BANDISTA–KARDECISTA E REIKIANO Maria Augusta B. Gentilini ............................................................................... 651 GÊNERO E RELIGIÃO NO CONGRESSO NACIONAL: A TRAJETÓRIA DE VIDA E ATUAÇÃO DE BENEDITA DA SILVA NA 55ª LEGISLATURA Maria de Lourdes Ventura de Oliveira ......................................................... 657 ATIVISMO DIGITAL NA LUTA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: UM ESTUDO COM KAYLLANE Maria do Carmo de Morais Mata Rodrigues ............................................... 664 O NATURALISMO DA RELIGIÃO EM PAUTA: O CASO DA CIÊNCIA COGNITIVA Matheus Fernando Felix Ribeiro ...................................................................... 671 VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO DISCURSO RELIGIOSO MIDIÁTICO NEOPENTECOSTAL Maurílio Ribeiro da Silva .................................................................................. 676 A ARTICULAÇÃO ENTRE CRISTOLOGIA E PNEUMATOLOGIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA E ECUMÊNICA Paulo Sérgio Lopes Gonçalves ...................................................................... 683 REVIVAL RELIGIOSO JOVEM E SISTEMA MULTIMÍDIA Pedro Fernando Sahium ................................................................................. 690 O PROTESTANTISMO COMO RELIGIÃO DO CORPO: UMA ABORDAGEM DO JE- SUS HISTÓRICO COMO O LUGAR DOS SEM-LUGAR Priscila Alves Gonçalves da Silva .................................................................... 697 O POVO DO LIVRO NAS “MEMÓRIAS DO LIVRO” Priscilla da Silva Góes Luciana Gama de Andrade .......................................................................... 705 AS RELIGIÕES DOS TAMBORES NA BATIDA DO RAP: A PRESENÇA DE ELEMENTOS AFRO RELIGIOSOS NAS LETRAS DOS RAPPERS EMICIDA E CRIOLO Raquel Turetti Scotton ..................................................................................... 712 UMA APROXIMAÇÃO TEOLÓGICO-CRISTÃ SOBRE O CORPO HUMANO Renato Alves de Oliveira ................................................................................. 719 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS DA IGREJA CATÓLICA EM VISTA DO BEM DO IMIGRANTE E DO ANFITRIÃO Renato Arnellas Coelho .................................................................................. 728 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 13 O REINO DE DEUS COMO REVELAÇÃO DA ENCARNAÇÃO SEGUNDO JOSEPH MOINGT Renato Gomes Alves ....................................................................................... 736 UM FILÓSOFO SEM ABSOLUTO: A INFLUÊNCIA DE PIERRE THÉVENAZ NO “ÚLTIMO RICOEUR” René Dentz ........................................................................................................ 743 RELIGIÃO E POLÍTICA: A CONSOLIDAÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO DOS EVANGÉ- LICOS NEOPENTECOSTAIS ATRAVÉS DA MARCHA RESGATE NO MUNICÍPIO DO CABO DE SANTO AGOSTINHO-PE Ricardo Jorge Silveira Gomes Adriana Guilherme Dias da Silva Figueirêdo ............................................... 751 A JUSTIÇA SOCIAL NO SERMÃO ESCATOLÓGICO DE MATEUS 25,34-36.40 COM ÊNFASE NA CATEGORIA FORASTEIRO Rubens Alves Costa .........................................................................................758 UMBANDA: ESBOÇO SOBRE SUA PRÁTICA E SUSTENTABILIDADE Sandra Chaves ................................................................................................. 766 VICARIATO FEMININO: UMA IMPACTANTE EXPERIÊNCIA NO NORDESTE BRASI- LEIRO Sandra Helena Rios de Araújo Luzia Valladão Ferreira .................................................................................... 772 UMA ABORDAGEM SIMBÓLICA NA GENEALOGIA DE JESUS Selma Marques de Paiva ................................................................................ 779 ENTRE AFLIÇÕES E BOM ÂNIMO: ANSIEDADE, DEPRESSÃO E RELIGIOSIDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS Sérgio da Cunha Falcão ................................................................................. 788 ENSINO DE RELIGIÃO: A PARTIR DO REFERENCIAL ECLESIAL Sérgio Rogério Azevedo Junqueira ............................................................... 795 UM PASSEIO PELO “JARDIM ENCANTADO” DA PÓS-MODERNIDADE DE MAFFE- SOLI Sérgio Sezino Douets Vasconcelos Hélio Pereira Lima ............................................................................................. 800 OS DISCURSOS DE VERDADE SOBRE A FAMÍLIA: A NORMALIZAÇÃO DA FAMÍLIA HETEROSSEXUAL, MONOGÂMICA E PATRIARCAL NA POLÍTICA BRASILEIRA Tainah Biela Dias ............................................................................................... 807 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 14 MARCA DA ITINERÂNCIA NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL DE CLARICE LISPEC- TOR Tânia Dias Jordão ............................................................................................ 815 RELIGIÃO E PRÓ-SOCIABILIDADE: UMA SÍNTESE INTRODUTÓRIA Thales Moreira Maia Silva ................................................................................ 821 SAGRADO E PROFANO NAS EXPRESSÕES RELIGIOSAS NEOPENTECOSTAIS: O DI- NHEIRO COMO DÁDIVA Valdivino José Ferreira ..................................................................................... 828 A LUZ COMO SÍMBOLO DA JUSTIÇA Valmor da Silva ................................................................................................. 835 CONTEXTUALIZANDO O ENSINO RELIGIOSO NO MUNICÍPIO DE CARUARU/PE Vantuir Raimundo ............................................................................................ 842 A SABEDORIA DA CRUZ DE CRISTO ENQUANTO RAZÃO DA FÉ CRISTÃ NA PÓS- MODERNIDADE Vera Lúcia Membrive Casagrande .............................................................. 849 IDENTIDADES JUVENIS E MOBILIDADE HUMANA: DIÁLOGOS ENTRE E SOCIABILI- DADE DE ADOLESCENTES REFUGIADOS E O CONCEITO DE ALTERIDADE EM EM- MANUEL LEVINAS Vinnícius Almeida ............................................................................................. 856 A TEOLOGIA EM ESCRITOS DE MICHEL DE CERTEAU: VISLUMBRANDO DEUS NO CONTEMPORÂNEO Virgínia Buarque ............................................................................................... 863 É POSSÍVEL FALAR EM UMA MITOLOGIA DOS SERES CÓSMICOS? Vítor de Lima Campanha ............................................................................... 872 É SHOW OU É CULTO? UMA QUESTÃO POLÍTICA DA MÚSICA GOSPEL Waldney de Souza Rodrigues Costa ............................................................. 878 IMAGENS DE DEUS E PLURALISMO: CONTRIBUIÇÃO DA MÍSTICA DO PSEUDO- DIONÍSIO PARA O DIÁLOGO RELIGIOSO Werbert Cirilo Gonçalves ................................................................................ 885 A REDE DAS MULHERES DE TERREIRO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA Zuleica Dantas pereira Campos .................................................................... 892 ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 15 APRESENTAÇÃO É com grande prazer que apresentamos os ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE, com o tema “Religião, Migração e Mobilidade Humana”, organiza- dos pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião – Mestrado e Doutorado – da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. O VI Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE), que foi sediado na cidade de Goiânia (GO), entre os dias 13 a 15 de setembro de 2017, foi idealizado com o esforço conjunto dos Programas da área de Ciências da Religião e Teologia com o intuito de investigar e compartilhar os resultados das pesquisas sobre os múltiplos aspectos da religião, na sua mais ampla acepção, espacialidade e temporalidade. Por ocasião deste VI Congresso Nacional da ANPTECRE comemoramos os dez anos de fundação da Associação, celebrado com um magnífico jantar festivo. Esta data também marcou o amadurecimento dos Programas de Pós- Graduação da área, que de um número reduzido quando da fundação da AN- PTECRE, atinge hoje um total de vinte e um, sediados em universidades públi- cas, privadas e comunitárias. A data também serviu de escopo para que os professores e alunos envolvidos na Pós-graduação em Ciências da Religião e Teologia, bem como de outras áreas afins, comemorassem com todo mérito a consolidação de suas linhas de pesquisa, o amadurecimento de seus projetos de investigação, sua extensa publicação e suas inúmeras parcerias com outros colegas do Brasil e do exterior. O VI Congresso da ANPTECRE discutiu o tema Religião, Migração e Mobilidade Humana, assunto de relevância em face da atual conjuntura social e política não apenas do Brasil, mas do mundo. Para isso foi indispensável o financiamento por parte das agências de fomento, quais sejam, CAPES, CNPq e FAPEG, as quais não apenas tornaram possível o nosso evento, mas suscita- ram maior visibilidade e credibilidade às pesquisas desenvolvidas no Brasil, tanto em âmbito nacional como internacional. Preparamos com muito esmero todas as atividades que aqui foram desenvolvidas. A PUC Goiás, anfitriã do evento, juntamente com a presença do Coordenador da área junto à CAPES, Prof. Dr. Flávio Senra, também não pouparam esforços para ajudar na organi- zação desse egrégio Congresso. Apesar do caráter científico, a importância do Congresso transcende a pesquisa e a atualização do conhecimento transforma o indivíduo na busca de ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 16 seu aperfeiçoamento intelectual. Trazemos, nas páginas destes Anais, mais de uma centena de textos apresentados, naquela que é a parte propulsora de qualquer Congresso, como segue: as comunicações expostas em GTs e STs. Liderados por professores dos diferentes programas da área, cada comunica- dor pôde trazer sua riqueza investigativa em torno da temática do Congresso. Assim, se na abertura do evento apresentamos o Caderno de Resumos e mais um livro impresso, organizado pelo Presidente do Congresso, Prof. Dr. Alberto da Silva Moreira, contendo a expressão das Conferências e Palestras de mesas redondas, agora entregamos, em via virtual, a reflexão dos comunicadores compactada nestes Anais. São diversas as contribuições, transcritas em suas novecentas páginas. Conferindo uma a uma, nota-se a efetivação e a consoli- dação da investigação científica, especialmente pela ocasião do referido Con- gresso. O êxito do evento é uma conseqüência não somente do número eleva- do de congressistas e de trabalhos científicos inscritos, mas especialmente pe- la pertinência dos temas eleitos e qualidade dos convidados que fizeram parte da programação científica. Cada palestrante, debatedor e comunicador trouxe para o Centro-Oeste perspectivas estimulantes para o cenário científico, em torno de suas próprias pesquisas e da temática em foco. Por isso, comunica- dores e congressistas, agradecemos a presença e o esforço de vocês que abri- lhantaram e participaram do evento, levando o seu saber e a sua cultura à belíssima cidade de Goiânia, em prol do enriquecimento acadêmico e do apri- moramento da pesquisa. Com esta publicaçãovirtual dos Anais do VI Con- gresso da ANPTECRE, completamos as obras impressas e virtuais que proje- tamos. Desejamos uma boa leitura a todos e que os textos, aqui disponibiliza- dos, proporcionem momentos profícuos de aprendizagem, troca de saberes e também contribuam para o aprofundamento das questões discutidas. Até o próximo Congresso, que ocorrerá na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 2019! Os organizadores ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 17 ANTROPOLOGIA, TEOLOGIA SISTEMÁTICA E TEOLOGIA PÓS-LIBERAL: O USO DA NARRATIVA BÍBLICA NA REFLEXÃO SOBRE A CONDIÇÃO HUMANA Adriani Milli Rodrigues – Doutor – UNASP Resumo: A partir do final do século XX, a construção teológico-sistemática tem sido contrastada com a abordagem narrativa da teologia pós-liberal. Nes- se contraste, enquanto a elaboração sistemática tradicional é percebida como um empreendimento informado pela epistemologia moderna da tradição ilu- minista, a reflexão narrativa é tida como paradigma metodológico não- metafísico da pós-modernidade. A presente comunicação não pretende con- trapor os sistemas teológicos tradicionais com a teologia narrativa pós-liberal, visto que tal contraposição correria o risco de ignorar a rica contribuição dos tratados de teologia sistemática, ao se favorecer a abordagem narrativa, ou o risco de desconsiderar os importantes pontos levantados pela teologia pós- liberal, ao se favorecer os sistemas teológicos tradicionais. Em vez de uma contraposição, este estudo objetiva identificar perspectivas epistemológicas nas quais a teologia sistemática pode ser enriquecida pela abordagem narrati- va. A presente comunicação procura alcançar esse objetivo por meio de três passos. Em primeiro lugar, há uma breve descrição da teologia narrativa ou pós-liberal. Em um segundo momento, este estudo se volta para os aspectos epistemológicos da narrativa. Finalmente, à luz do diálogo com a teologia pós- liberal e nas possibilidades epistemológicas da narrativa, o terceiro passo su- gere que a reflexão antropológica na teologia sistemática pode ser profunda- mente enriquecida pela abordagem narrativa. Mais especificamente, a leitura teológica de narrativas bíblicas abre janelas epistemológicas para reflexões significativas acerca da condição humana. Assim, a comunicação conclui que, ao se levar em conta aspectos da abordagem narrativa, a teologia sistemática pode continuar articulando propostas teológicas claras e coerentes, sem ne- cessariamente adotar uma epistemologia de matriz iluminista. Palavras-chave: Antropologia; Abordagem narrativa; Teologia sistemática; Teologia pós-liberal; Narrativas bíblicas. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 18 TEOLOGIA PÓS-LIBERAL E A NARRATIVA Na introdução de seu livro sobre sistema e história, Heide (2009) enfa- tiza que um dos debates mais interessantes na teologia contemporânea diz respeito à legitimidade epistemológica do uso de sistema como ferramental hermenêutico para a investigação e construção teológica. O questionamento dessa legitimidade se fundamenta especialmente na crítica de que a estrutura da teologia sistemática tradicional é, a rigor, produto do racionalismo e da me- tafísica moderna. O grupo de teólogos que normalmente expressa essa crítica é denominado, de forma geral, de teólogos narrativos ou pós-liberais, sendo associado particularmente à Universidade de Yale. Aliás, “a escola de teologia de Yale” é uma expressão por vezes utilizada como sinônima de teologia nar- rativa ou pós-liberal. Portanto, não é coincidência que os três principais nomes desse movimento estejam fortemente associados à Yale, a saber, Hans Frei (1922-1988) e George Lindbeck (1923- ), que tanto estudaram quanto traba- lharam nessa universidade, e Stanley Hauerwas (1940- ), que estudou em Yale. A teologia narrativa ou pós-liberal, no entanto, não é um movimento monolítico. Frei, Lindbeck e Hauerwas têm ênfases distintas. De fato, Frei (1974) critica “o eclipse da narrativa bíblica” nas abordagens desenvolvidas pela teologia moderna, que basicamente se resumiam pela busca de recons- truir ou especular sobre o que estaria por trás das narrativas do ponto de vista do contexto histórico e intelectual, e ressalta a importância de se dar atenção à natureza narrativa bíblica em si. Essa atenção se concentra mais nas pró- prias narrativas, e menos na tentativa de explicar o significado ou a verdade que elas contêm. De acordo com essa proposta, ao invés de conclusões rápi- das que reduzem a narrativa bíblica a algum conceito teológico, o teólogo pre- cisa ruminar os detalhes da narrativa por algum tempo para, então, traçar conclusões. Com efeito, o propósito da Bíblia enquanto narrativa não é mera- mente apresentar conceitos, mas convidar os leitores a mergulharem no mun- do da narrativa e se identificarem pessoalmente com os personagens e a tra- ma. Para isso, o teólogo precisa ser um leitor atento aos detalhes e ao movi- mento da narrativa. (GOODSON, 2015). Se o foco de Frei está na narrativa bíblica, a ênfase de Lindbeck se en- contra na natureza da doutrina. Lindbeck (1984) critica duas posturas distintas na teologia moderna na compreensão de doutrina. Uma é a posição ortodoxa tradicional, que ele denomina modelo proposicional de doutrina. Nesse mode- lo, a doutrina se define pela descrição cognitiva de verdades acerca de reali- dades objetivas da crença religiosa. A outra posição a ser criticada é a da teo- ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 19 logia liberal, que ele designa como modelo experiencial. Nesse caso, a doutri- na não é de natureza cognitiva, mas se constitui de símbolos que expressam profundos sentimentos e orientações existenciais. O elemento comum dos dois modelos é a centralidade dos referentes ontológicos da doutrina, seja a reali- dade objetiva (modelo proposicional) ou subjetiva (modelo experiencial). Na crítica de Lindbeck, ambos os modelos se lançam precipitadamente para a dis- cussão dos referentes e se olvidam de observar atentamente a própria lingua- gem da doutrina e sua função. Como alternativa, ele propõe o modelo linguís- tico-cultural, no qual a doutrina é o idioma cultural de uma comunidade religi- osa, isto é, uma gramática regulativa da comunidade em termos de sua lin- guagem sobre seus valores e formas de vida. Como o próprio Lindbeck reco- nhece, sua proposta é fortemente influenciada por conceitos da filosofia da linguagem de Wittgenstein, especialmente a noção de jogos de linguagem. Ao passo que Lindbeck discute a doutrina enquanto linguagem de uma comunidade religiosa, Hauerwas (2000; 2015) tem como foco as práticas des- sa própria comunidade na construção narrativa. Em suas palavras, “como Is- rael, a igreja tem uma história para contar na qual Deus é personagem princi- pal. Mas a igreja não pode contar essa história sem se tornar parte da trama” (HAUERWAS, 2000, p. 186, tradução livre). Obviamente, essa breve descrição do pós-liberalismo não faz adequada justiça à elaboração detalhada desenvolvida por esses autores. Além disso, a despeito da importância de Frei, Lindbeck e Hauerwas na discussão da teolo- gia pós-liberal, a teologia narrativa não se restringe à escola de Yale. De fato, inúmeros autores indicam que a teologia de Karl Barth serviu de considerável inspiração para o desenvolvimento de uma teologia narrativa, e essa inspira- ção é reconhecida por teólogos católicos como Krieg (1977; 1978; 1988), Hahnenberg (2010) e Rocchetta (1994), bem como por teólogos protestantes como Ford (2008), Heide (2012) e Brennan III (2013). Contudo, o fator pre- ponderante para o desenvolvimento de uma teologia narrativa em diversas vertentes teológicas parece ter sido a virada linguística do século XX no pen- samento contemporâneo (ESKOLA, 2015). Nessa virada, o foco no fenômeno da linguagem associado à crítica ao pensamento metafísico moderno exigem uma nova reflexão epistemológicanos diferentes campos do saber, inclusive na teologia sistemática. Com essa nova reflexão, a crítica ao racionalismo de matriz iluminista proporciona a va- lorização das narrativas e histórias na chamada pós-modernidade. Como Lu- cie-Smith (2016, p. 195) sublinha, “histórias não apenas ilustram o entendi- mento, elas também o criam”. De fato, as narrativas e histórias deixam de ser meras ilustrações aproximadas e superficiais de uma articulação conceitual ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 20 abstrata profunda, e passam a assumir o palco principal da formulação do pensamento. Em outras palavras, o lugar privilegiado da construção do pen- samento não é o âmbito da abstração conceitual, mas o da concretude da nar- rativa. Essa ousada constatação resulta do reconhecimento de que a narrativa possui uma forma de racionalidade (ROCCHETTA, 1994; LUCIE-SMITH, 2016), muitas vezes discreta, mas perspicaz e vigorosa. Sua sutileza tende a ocultar o fato de que a narrativa tem uma racionalidade de primeira ordem. Contudo, o aspecto epistemológico da narrativa não pode ser devidamente apreciado en- quanto o foco de nossa atenção se encontra no questionamento da objetivi- dade da narrativa em relação à realidade do evento narrado. Nem tampouco na mera discussão da subjetividade e relatividade da história enquanto inter- pretação. As duas posturas olvidam o aspecto da interpretação em si, sendo incapazes de observar como o fenômeno da interpretação se dá por meio da construção narrativa, que pode ou não incluir aspectos objetivos e/ou subjeti- vos. Portanto, uma das principais contribuições da teologia pós-liberal ou narrativa é a abertura de horizontes para se refletir acerca da profundidade epistemológica da narrativa, suas formas de racionalidade e sua capacidade de articulação sistemática não-abstrata. Essa reflexão parece ser promissora para o labor da teologia sistemática contemporânea, promovendo novas for- mas de engajamento com a narrativa bíblica e no pensar a condição humana. Nas linhas abaixo, serão resumidas algumas características da narrativa en- quanto forma de pensamento. O ASPECTO EPISTEMOLÓGICO DA NARRATIVA Uma característica normalmente observada na narrativa é a capacida- de secundária de ilustrar um conceito abstrato. No entanto, Krieg (1977; 1988) sugere, de maneira perspicaz, que ela não meramente ilustra, mas pri- mariamente aprofunda o conceito, agregando-lhe mais especificidade por meio do raciocínio contextual concreto. De fato, “histórias mostram o que não pode ser dito diretamente” (KRIEG, 1977, p. 190). Por exemplo, quando des- crevemos abstratamente uma pessoa como sábia, um aprofundamento dessa descrição exigirá uma narrativa sobre essa pessoa para uma compreensão mais específica de sua sabedoria (KRIEG, 1977). Krieg encontra essa dinâmica na doutrina de Deus de Barth, particularmente na exposição das perfeições divinas. “Em ‘A Realidade de Deus’, Dogmática da Igreja, II/1, Barth conta his- tórias bíblicas sobre Deus, e com base nelas ele faz declarações acerca dos atributos divinos. Por exemplo, Barth conta como Deus atuou em relação a ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 21 Isaías e em relação a Jesus Cristo, e então assevera que Deus é santo” (KRI- EG, 1977, p. 191). O mesmo princípio de especificidade pode ser aplicado na reflexão antropológica da condição humana. Aliás, uma forte característica da narrativa é a sua relação com a expe- riência da vida humana. Como Hahnenberg (2010, p. 163, tradução livre) res- salta, a “narrativa é a forma básica da vida”. Similarmente, Lucie-Smith (2016, p. 7, tradução livre) salienta que a experiência tem essencialmente uma “qua- lidade narrativa”. Do ponto de vista individual, o ser humano é “uma corporifi- cação viva de uma história particular”, que não apenas representa uma narra- tiva mas atua também como narrador, visto que ele(a) é um(a) contador(a) de histórias (LUCIE-SMITH, 2016, p. 7, tradução livre). Da perspectiva coleti- va, o ser humano em sua narrativa viva está “envolto em uma multidão de narrativas sendo vividas por muitas pessoas” (HAHNENBERG, 2010, p. 163, tradução livre). De fato, além da experiência concreta da sequencialidade de eventos que marcam a vida humana, a narrativa também é capaz de abarcar de alguma forma o complexo e multiforme campo das emoções humanas, que não são adequadamente retratadas no discurso abstrato conceitual. Além dis- so, o complexo campo da memória humana, que provê identidade pessoal e coletiva, tem caráter fundamentalmente narrativo, uma vez que falar sobre a memória é narrar eventos da experiência. Em terceiro lugar, a narrativa normalmente é articulada a partir de uma perspectiva que traz sentido à eventos. Em geral, contar uma história significa interpretar eventos de modo que eles possuam uma ordem ou coe- rência interna, normalmente em termos de relações implícitas ou explícitas de causa e efeito entre eles (LUCIE-SMITH, 2016; FIDDES, 2009). Para Paul Ri- couer (1997, p. 9-10), a narrativa é “uma obra de síntese: virtude da intriga, objetivos, causas, acasos, são reunidos sob a unidade temporal de uma ação total e completa”, isto é, a narrativa é uma “síntese do heterogêneo”. Assim, Ricouer (1997, vol. 1, p. 12) estipula que a narrativa é “o meio privilegiado pelo qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa e, no limite, muda”. Essa unificação coerente da experiência humana ambígua e, muitas vezes, confusa revela a capacidade sistematizadora da narrativa para a produ- ção de sentido da vida humana. No entanto, essa capacidade de sistematização não deve ser entendida no sentido técnico moderno de mera abstração conceitual de forte tendência reducionista, mas no sentido geral de organização do pensamento. Em reali- dade, as narrativas têm mais competência do que a abstração conceitual para explorar a complexidade da ambiguidade da experiência e as possibilidades de seus múltiplos significados (FIDDES, 2009) que se abrem para o fértil campo ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 22 da interpretação. Além disso, como Lucie-Smith (2016) enfatiza, cada história é inacabada e dá o sentido de algo a ser continuado. Diferente da tendência característica dos sistemas modernos de serem produtos acabados, as narrati- vas estão em um estado de devir, pois são produtos em processo de forma- ção, por assim dizer. A NARRATIVA BÍBLICA E A REFLEXÃO SOBRE A CONDIÇÃO HUMANA Curiosamente, a reflexão acerca do caráter epistemológico da narrativa aponta para uma dimensão essencialmente antropológica. De fato, a estrutura do pensamento narrativo reflete em grande medida a estrutura da própria condição humana. Portanto, a força do pensamento narrativo parece derivar de sua conexão com a experiência humana concreta. Em outros termos, pen- sar sobre a epistemologia narrativa significa refletir antropologicamente. Nessa perspectiva, a observação das narrativas bíblicas proporciona horizontes para pensar a condição humana, não apenas em termos de conteúdo narrativo, mas também em termos de estrutura epistemológica. Um exemplo notável dessa possibilidade é a reflexão sobre o que Lucie-Smith (2016) chama de princípio de distanciamento da narrativa. De acordo com esse princípio, ao ou- virmos uma história, o autor nos convida a entrar em um mundo que nos é familiar, mas que, geralmente, não é o nosso mundo. Lucie-Smith observa esse princípio na narrativa do diálogo entre o pro- feta Natã e o rei Davi em 2 Sm 12,1-15. De forma perspicaz, este autor subli- nha que a nota tônica desse diálogo é a crítica à tirania do poder para a afir- mação da justiça. Ao lidar com o poder tirano, a reflexão narrativa é mais sutil e poderosa que o discurso conceitual direto e, desse modo, Natã dialoga com o poderoso rei Davi por meio de uma história de injustiça e tirania. Ao convi- dar o rei para entrar no mundo distante da história de Natã, a narrativa bíblica parecesugerir que Davi se torna capaz de identificar instantaneamente um comportamento injusto inaceitável que aparentemente ele não estaria obser- vando com esse nível de clareza em suas próprias ações. Por conta do princí- pio de distanciamento, a narrativa permite uma reflexão mais clara acerca da condição humana. Quando observo a história do outro, consigo refletir melhor sobre a minha própria história. Mas isso só é possível porque, o mundo distan- te da narrativa é concretamente similar ao meu mundo e, portanto, relaciona- do concretamente com a minha forma de pensar. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 23 REFERÊNCIAS BRENNAN III, W. J. Karl Barth among the postliberals. Lexington, KY: Emeth Press, 2013. ESKOLA, T. A narrative theology of the new testament: exploring the metanarrative of exile and restoration. Tübingen: Mohr Siebeck, 2015. FIDDES, P. S. Concept, image and story in systematic theology. Internation- al journal of systematic theology, jan. 2009. v. 11, n. 1, p. 3–23. FORD, D. F. Barth and God’s story: biblical narrative and the theological method of Karl Barth in the Church Dogmatics. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2008. FREI, H. W. The eclipse of biblical narrative: a study in eighteenth and nineteenth century hermeneutics. New Haven: Yale University Press, 1974. GOODSON, J. L. Narrative theology and the hermeneutical virtues: hu- mility, patience, prudence. New York: Lexington Books, 2015. HAHNENBERG, E. P. Awakening vocation: a theology of christian call. Mah- wah, NJ: Liturgical Press, 2010. HAUERWAS, S. The church as God’s new language. In: GREEN, G. (Org.). Scriptural authority and narrative interpretation. Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, 2000, p. 179–198. HAUERWAS, S. Performing the faith: Bonhoeffer and the practice of nonviolence. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2015. HEIDE, G. System and story: narrative critique and construction in theology. Kindle ed. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2009. HEIDE, G. Timeless truth in the hands of history: a short history of system in theology. Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, 2012. KRIEG, R. A. Narrative as a linguistic rule: Fyodor Dostoyevski and Karl Barth. International journal for philosophy of religion, 1977. v. 8, n. 3, p. 190– 205. KRIEG, R. A. The theologian as narrator: a study of Karl Barth on the divine perfections. Notre Dame, IN: University of Notre Dame, 1978. Ph.D. dissertation. KRIEG, R. A. Story-shaped christology: the role of narratives in identifying Jesus Christ. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1988. LINDBECK, G. A. The nature of doctrine: religion and theology in a postlib- eral age. Louisville: Westminster John Knox Press, 1984. LUCIE-SMITH, A. Narrative theology and moral theology: the infinite horizon. New York: Routledge, 2016. RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Vol. 1. Campinas: Papirus, 1997. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 24 ROCCHETTA, C. Narrative Theology. In: Dictionary of fundamental theol- ogy. New York: Crossroad, 1994. p. 1084–1087. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 25 A TECNOCIÊNCIA NO “MUNDO VULNERÁVEL”. VISÃO DA ECOTEOLOGIA, A PARTIR DE JORGE RIECHMANN E A “LAUDATO SI” Afonso Tadeu Murad – Doutor – FAJE Resumo: A ecoteologia tem se confrontado cada vez mais com o desafio da tecnociência. De um lado, essa possibilitou grandes conquistas para a huma- nidade. De outro, constituiu-se com uma ideologia autojustificadora, que em nome do antropocentrismo, incrementa processos destrutivos nos sistemas de vida do planeta. O objetivo de nosso trabalho é descortinar uma visão crítica da tecnociência, que sirva para estabelecer um diálogo produtivo com a eco- teologia. Na primeira parte, apresentaremos a análise do filósofo espanhol Jorge Riechmann, a respeito da tecnociência e seu impacto na fragilização do mundo. Desenvolveremos os seguintes aspectos: (1) Por que “mundo vulnerá- vel”, (2) Natureza, biosfera e tecnosfera. Segundo Riechmann, descobre-se que a biosfera é uma entidade finita, mortal, vulnerável e ameaçada pelo ex- cesso de intervenção humana. Vivemos na época de crise ecológica global, pois ela afeta a biosfera inteira, alcançando as dimensões do planeta. A nova vulnerabilidade do mundo nos interpela dramaticamente como agentes morais e cidadãos de uma comunidade política. Então, a ecologia deve ser concebida como pensamento dos limites. A tecnociência modifica não somente a nature- za, mas também o mundo social. Acontece uma verdadeira revolução técnico- científica, um novo modo de produção do conhecimento e se modifica a estru- tura da atividade científica. Trata-se de uma crescente instrumentalização do conhecimento científico-tecnológico, para outras finalidades, além dele mes- mo. A tecnociência se tornou uma poderosa ideologia na sociedade de merca- do. A título de conclusão, confrontaremos brevemente o pensamento de Riechmann com a reflexão do Papa Francisco na Encíclica “Laudato Si”, que compreende: (1) criatividade e poder da tecnociência, (2) Riscos do paradig- ma tecnocrático. Com isso, esperamos estimular o crescente diálogo da ecote- ologia com as ciências humanas, em vista de uma sociedade justa e sustentá- vel. Este “paper” é apenas o fragmento de um trabalho mais extenso sobre o tema, ainda em desenvolvimento. Palavras-chave: Tecnociência; Laudato Si; Mundo vulnerável; Ecoteologia; Riechmann. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 26 INTRODUÇÃO Muitos autores contemporâneos, de várias áreas do conhecimento, re- fletem sobre a tecnociência. Escolhermos um deles, que tem sido objeto de nossa pesquisa em ecoteologia. Trata-se de Jorge Riechmann, professor de Filosofia Moral na Universidade de Barcelona, poeta e literato, pesquisador em questões ecológico-sociais e colaborador em movimentos de cidadania no seu país. O autor, praticamente desconhecido no Brasil, tem uma ampla e comple- xa obra. Dentre elas o conjunto que ele denominou “Trilogia da autoconten- ção" (RIECHMANN, 2004, 2005a, 2005b). O conjunto da obra de Riechmann fascina seus leitores/as. O autor transita por várias disciplinas e áreas de estudo, com precisão. Recorre a mui- tos pesquisadores, o que torna seus livros uns verdadeiros compêndios. Com- bina conceitos com analogias criativas. Oferece sínteses e chaves de leitura imprescindíveis para compreender o mundo contemporâneo, no horizonte ecossocial. E, como ele mesmo diz, estimula a fazer a transição para socieda- des sustentáveis. Essa comunicação apresentará alguns pontos do pensamento de Riechmann acerca dos desafios da tecnociência, em vista de edificar um mun- do habitável. Recorreremos principalmente à sua obra “Un mundo vulnerable. Ensayos sobre ecología, ética e tecnociência” (2005a). A título de conclusão aberta, delinearemos os pontos de contato com a ecoteologia, a partir do cap.III da Laudato Si, do Papa Francisco. POR QUE “MUNDO VULNERÁVEL”? Propaga-se que a tecnociência tornou o ser humano mais forte e capaz de enfrentar os desafios ecológicos e sociais. Sem negar todas suas inestimá- veis contribuições, Riechmann enfatiza outro lado da questão. Para ele, a tec- nociência se transformou numa ideologia perigosa, auto-justificadora, sem controle social, destruidora do planeta. A biosfera aparece então como uma entidade finita, extremamente frágill, ameaçada pelo excesso de intervenção humana. Vivemos na época de crise ecológica global, pois ela afeta a biosfera inteira, alcançando as dimen- sões do planeta. A nova vulnerabilidade do mundo nos interpela dramatica- mente como agentes morais e cidadãos de uma comunidade política (RIECH- MANN, 2005a, p.18.98.135). Nosso tempo se caracteriza como a época moral de longo alcance, pois as consequências do que fazemos ou deixamos de fazer chegam cada vez mais longe no espaço e no tempo. ANAIS doVI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 27 A humanidade hoje influi decisivamente em catástrofes antes tidas como naturais, como é o caso dos furacões. Esses se tornam mais agressivos, devido às mudanças climáticas. Além disso, a desigualdade social, especial- mente o abismo Norte-Sul (países ricos e os do “terceiro mundo”) se liga in- dissociavelmente com os problemas ecológicos. Nós nos encontramos hoje numa situação de gravidade extrema. Há uma intensificação exponencial, da- do o aumento crescente do fluxo de energia nos processos de produção e consumo. O ser humano está alterando a biosfera e os grandes ciclos bioquí- micos e fisio-geológicos do planeta (RIECHMANN, 2005a, p.41-44,137). Então, a ecologia deve ser concebida como pensamento dos limites. Existem tecnologias tão poderosas que se classificam como intrinsecamente perigosas, por sua desproporção com a fragilidade, falibilidade e vulnerabilida- de do humano. Aliás, as tecnologias não são nem independentes do sistema de valores, nem inevitáveis (RIECHMANN, 2005a, p. 51). Cada vez mais a ciência se torna tecnológica. Por este motivo, usa-se o neologismo “tecnociência”. Desaparece o ideal clássico da ciência como ativi- dade teorético-contemplativa pura e desinteressada. A tecnociência leva em suas entranhas a modificação do mundo: é sempre operatividade, produtivi- dade e transformação do dado. Por isso, os problemas éticos relacionados com ela não tem a ver somente com sua aplicação, e sim com a própria base da investigação. A tecnociência modifica não somente a natureza, mas também o mun- do social. Realiza-se um novo modo de produção do conhecimento e se modi- fica a estrutura da atividade científica. Uma revolução praxeológica! Há uma crescente instrumentalização do conhecimento científico-tecnológico, para ou- tras finalidades, além dele mesmo (RIECHMANN, 2005a, p. 411-412). O capitalismo tem a tendência estrutural à mercantilização total; a que o valor monetário suplante a todos os demais valores; a destruir as comunida- des sociopolíticas que dão sentido à vida moral, ao esvaziamento das bases biofísicas e socioculturais das sociedades humanas. A produção capitalista, inerentemente expansiva, implica crescente extração de recursos e emissão de contaminantes. Um subsistema econômico em expansão dentro de uma bios- fera finita produz um conflito ecológico inevitável (RIECHMANN, 2005a, p.53). As sociedades industrializadas, marcadas pelas engrenagens da produ- ção capitalista que tendem a mercantilizar tudo, extrapolam os limites ecológi- cos e sociais. Apropriam-se da totalidade do espaço ecológico do planeta e tendem a não assumir a responsabilidade por seus atos, pela via da externali- zação dos danos ambientais. Então essa se torna uma questão vital para a ética ecológica (RIECHMANN, 2005a, p.54.179). ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 28 PODER CRESCENTE DA TECNOSFERA A partir de COMMONER (1992), considera-se se que os humanos vive- mos em três mundos: (a) o natural (biosfera ou ecosfera); (b) a tecnosfera, um sistema de estruturas artificiais inserido na ecosfera; (c) a socioesfera: re- de de relações sociais, assim como as entidades e instituições (políticas, eco- nômicas e culturais), criadas pelo ser humano, mas sem a consistência mate- rial da tecnosfera (RIECHMANN, 2005a, p., p.105, nota 30 p.131). Diferentemente dos outros animais, o humano não satisfaz suas neces- sidades adaptando-se à natureza. Introduz entre ele e o mundo natural a me- diação que chamamos de “tecnosfera”. Na época da tecnociência sintética, saímos da transformação para a criação. Leva-se até as últimas consequências o ideal de (re)criar uma natureza sintética, incluindo o próprio corpo do ser humano. Sem incorrer na visão ingênua de uma “ecolatria”, deve-se levar em conta que “a natureza sabe o que faz”. E isso exige um distanciamento crítico em relação à absolutização da tecnociência (RIECHMANN, 2005a, p.108-109). A ecoesfera é resultado de um imenso e longo processo de erros e acertos, que tornaram possível a continuidade da vida no nosso planeta. O ser humano, como animal capaz de ação intencional, previsão e ra- ciocínio, pode e deve realizar mudanças para melhorar a natureza. No entan- to, dados a ignorância humana, os riscos inerentes, as distorções introduzidas pelo modo de produção capitalista e outros aspectos das nossas relações soci- ais, impõe-se uma atitude de prudência extrema ao intervir na natureza. Há que se pensar muitas vezes, antes de manipular a constituição molecular dos organismos vivos ou interferir no funcionamento dos ecossistemas. Não por- que esses sejam sagradas ou intocáveis, e sim devido à alta probabilidade de efeitos imprevistos. Hoje estamos modificando a biosfera de forma que a fazemos crescen- temente inabitável para nós. Fazemos a natureza perder certa capacidade de se autoregular. O que está em jogo na crise ecológica não seria tanto a conti- nuidade da vida sobre o planeta, e sim a sobrevivência da espécie humana. (RIECHMANN, 2005a, p.109-110,122-123). Os poderes de destruição da humanidade sobre o planeta se multipli- caram. Hoje somos capazes de destruir muito mais do que podemos reparar ou criar. O ser humano se transformou numa força geológica planetária, com terríveis consequências para a biosfera, como: (a) apropriação enorme da bi- omassa terrestre, (b) alteração dos ecossistemas terrestres, (c) extinção mas- siva de espécies animais e vegetais, (d) intervenção da mineração na superfí- ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 29 cie terrestre, arrastando milhões de toneladas de sedimentos para os leitos dos rios, (e) modificação da composição química da atmosfera. Portanto, está em curso um grande movimento para a artificialização total, historicamente nova e de enorme importância. O poder de intervenção das sociedades industriais sobre o planeta é incomparavelmente maior do que todos os outros períodos da história humana. A atual crise ecológica resulta de desajustes na interação entre biosfera e tecnosfera. Os processos lineares que regem a tecnosfera industrial chocam-se violentamente contra os processos cíclicos que prevalecem na biosfera. Estas absorvem cada vez mais matéria e energia e excretam resíduos a um ritmo insustentável (= intensificação). Prejudicar a biosfera é moralmente problemático, pois põe em risco a qualidade de vida de bilhões de seres humanos no presente e no futuro, bem como as centenas de milhões de seres vivos com os quais compartilhamos es- te planeta. Eles são dignos de consideração moral por si mesmos (RIECH- MANN, 2005b, p.92,227). Por isso, devemos nos preocupar moralmente por sua sobrevivência e suas oportunidades vitais. Para maiores poderes, maiores responsabilidades. Tal contexto implica a questão moral, singular e irrenunci- ável, de reconstrução ecológica das sociedades industriais, de forma que che- guem a ser sustentáveis (RIECHMANN, 2005a, p. 114-115, 118). Riechmann denuncia o ethos radicalmente imoral da tecnologia mo- derna (RIECHMANN, 2005a, p. 119-122). Essa se auto-justifica assim: (a) Po- de-se fazer tudo; tudo é tecnicamente factível. O que hoje é impossível será viável amanhã, graças ao progresso técnico sem fim. (b) Aquilo que pode ser feito tecnicamente, está justificado moralmente. O ideal da tecnologia sintética pressupõe que a realidade é indefinidamente maleável e sujeita à ação huma- na. Em contrapartida, segundo o pensamento ecológico, a realidade tem con- sistência e estrutura, e isso impõe limites à ação humana. Um ethos otimista sobre a atuação tecnocientífica no mundo não parece adequado para o atual momento histórico. Melhor seria o de assombro e medo do homo faber diante de suas próprias obras. Segundo MANZINI (1992, p.49-50), o homem contemporâneo é um demiurgo débil. Pode criar na esfera local, mas não consegue controlar a glo- bal. O sistema artificial se transforma numa segunda natureza, complexa etão difícil de conhecer como a primeira. Ora, se a crise ecológica é resultado de ações coletivas humanas, temos a responsabilidade de nos dotar de meios efi- cazes coletivos, para enfrentá-la (RIECHMANN, 2005a, p. 138). A crise ecoló- gica, na qual está inserida a tecnociência, lança-nos para o âmbito da ética. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 30 CONCLUSÕES ABERTAS: CONVERGÊNCIA COM A LAUDATO SI A reflexão sobre a Tecnociência se encontra no capitulo III da Laudato Si, com o título: “raiz humana da crise ecológica”. Nela se destacam: ambigui- dade da tecnociência (LS 102-105), globalização do paradigma tecnocrático (LS 106-114), relação da tecnocracia com um antropocentrismo despótico (LS 115-121), critérios de juízo sobre a biotecnologia (LS 130-136). A posição do Papa Francisco converge com aquela defendida por Riechmann, embora te- nham pontos de partida distintos. Vejamos brevemente a contribuição da Lau- dato Si, em forma de tópicos. (a) Luzes e sombras da tecnociência: A humanidade entrou numa nova era, em que o poder da tecnologia nos põe diante duma encruzilhada. De um lado, essa contribui para o progresso humano em muitos âmbitos. Pro- duz coisas belas. Se bem orientada, leva a melhorar a qualidade de vida (LS 102-103). De outro lado, confere um poder tremendo aos que detém o conhe- cimento e o poder econômico. E tal concentração de poder, sem controle, põe em risco a humanidade e o planeta (LS 104-105). Há um descompasso cres- cente, pois o imenso crescimento tecnológico não é acompanhado por uma evolução quanto à responsabilidade, aos valores e à consciência (LS 105). Isso remete a questão fundamental: o ser humano atual carece de uma ética sóli- da, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham limite, dentro de um lúcido domínio de si (LS 105). (b) Um modelo de compreensão arrasador: a tecnociência não está colocada no âmbito instrumental dos meios a utilizar. Ela se transformou em um “paradigma homogêneo e unidimensional” Sua lógica consiste na pos- se, domínio e máxima exploração dos outros seres, reduzidos a meras coisas. Perde-se assim a dimensão de relação. Alimenta-se a ilusão do progresso ilimi- tado e a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta (LS 106). (c) Impacto na vida das pessoas: O paradigma tecnocrático influ- encia a vida dos indivíduos, o funcionamento da sociedade e meio ambiente. Seus produtos condicionam “os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados grupos de poder” (LS 107). É muito difícil utilizar seus recursos sem ser dominado por sua lógica ferrenha. Com isso, reduz-se a capacidade de decisão, a liberdade e o espaço para a criatividade das pessoas (LS 108). (d) Domínio sobre a economia e a política: Essas são direciona- das em função da maximização dos lucros, em detrimento dos mais pobres e dos ecossistemas. Ora, o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvi- mento humano integral, nem a inclusão social (LS 109). ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 31 (e) Unidimensionalidade do saber: A crescente especialização, conduzida pela tecnociência, comporta grande dificuldade de realizar um olhar de conjunto. O saber fragmentado leva à perda de sentido da totalidade. A vida é reduzida às circunstâncias condicionadas pela técnica, como recurso principal (e quase único) de interpretar a existência (LS 110). Tanto Riechmann quanto Francisco denunciam que a tecnociência, no formato como se impõe na atualidade, torna o planeta mais vulnerável, e a humanidade, refém de um poder sem limites. Diante de um quadro tão gritan- te, que alternativas se colocam? Qual a contribuição de Riechmann e da Lau- dato Si para um mundo sustentável? O que a teologia tem a dizer? Essa é a questão chave que desenvolveremos a seguir, na nossa pesquisa. REFERÊNCIAS COMMONER, Barry. En paz con el planeta. Barcelon: Crítica, 1992 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. “O Paradigma tecnocrático” em: MURAD, Afonso; TAVARES, Sinivaldo (orgs). Cuidar da Casa Comum. São Paulo: Paulinas, 2015, p.129-145. Papa FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si. Sobre o cuidado da Casa Comum. São Paulo: Paulinas, 2015. RIECHMANN, Jorge. Un mundo vulnerable. Ensayos sobre ecologia, ética y tecnociencia. Madrid: Catarata, 2 ed, 2005 (a). -------------. Todos los animales somos Hermanos. Ensayos sobre el lugar de los animales en las sociedades industrializadas. Madrid: Catarata, 2005 (b). -------------. Gente que no quiere viajar a Marte. Ensayos sobre ecologia, ética y autolimitación. Madrid: Catarata, 2004 -------------. Biomímesis. Ensayos sobre la imitación de la naturaleza, ecoso- cialismo y autocontención. Madrid: Catarata, 2006. ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 32 A CONTRIBUIÇÃO DE CARLOS MESTERS PARA O ESTUDO POPULAR DA BÍBLIA NAS CEB’s DOS 1980 Ailton Soares dos Santos – Mestrando – PUC Goiás Resumo: As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) emergiram no Brasil na década de 1960. Como parte do movimento católico da Teologia da Liberta- ção, procuraram lutar contra as injustiças sociais vigentes no Brasil e defender os direitos dos trabalhadores e dos setores marginalizados da população. Den- tro desse movimento surgiu à figura de frei Carlos Mesters, um frade carmelita holandês radicado no Brasil, como um dos mais importantes mentores da lei- tura popular da Bíblia. Uma das formas de difusão da leitura popular da Bíblia que ele mais ajudou a propagar foram justamente os Círculos Bíblicos. Essas reuniões periódicas das pessoas se caracterizam pela leitura e discussão de livretos escritos em linguagem popular, que constituíam um material de apoio para a reflexão sobre os textos das Sagradas Escrituras, lidas numa perspecti- va libertadora. Os Círculos Bíblicos acontecem muitas vezes fora do espaço da Igreja; normalmente os fieis se reúnem nas suas próprias casas ou nos espa- ços pastorais. O foco das CEB’s, seguindo a linha da Teologia da Libertação, está no povo pobre e simples (os oprimidos) que compõe a maioria das comu- nidades cristãs. O objetivo desta comunicação é fazer um estudo dos livretos dos Círculos Bíblicos para iniciantes, produzidos por frei Carlos Mesters e pu- blicados pela editora do CEBI. O foco da análise recai sobre seu uso pelos pe- quenos grupos leigos na Arquidiocese de Goiânia nos anos de 1980. Palavras chave: Comunidades Eclesiais de Base; Leitura popular da Bíblia; Círculos Bíblicos; Teologia da Libertação. INTRODUÇÃO Ler a Bíblia olhando a realidade da vida é como salgar a comida do dia a dia; é como plantar uma semente boa em terra fértil; é como acender uma lamparina em noite sem luar. São estas palavras simples que circunda as Co- munidades Eclesiais de Base às chamadas CEB’s (MESTERS). Estas comunida- des cristãs de base emergiram em âmbito internacional com o Concílio Vatica- no II e no Brasil emergiu na década de 1960 como uma resposta a uma Amé- rica Latina empobrecida. Como parte do movimento católico da Teologia da ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 33 Libertação, procuraram lutar contra as injustiças sociais vigentes no Brasil e defender os direitos dos trabalhadores e dos setores marginalizados da popu- lação. Dentro desse movimento surgiu a figura de frei Carlos Mesters, como um dos mais importantes mentores da leitura popular da Bíblia. Justamente é através dessa figura tão importante que vamos analisar uma das formas mais importantes de difusão e propagação das comunidades de base: os chamados círculos bíblicos populares. Estes encontros religiosos se caracterizam pela lei- tura e discussão de livretos escritos em linguagem popular, que constituíam um material de apoio para a reflexão sobre os textos das Sagradas Escrituras, lidas numa perspectiva libertadora (CEBI, 2011). Os Círculos Bíblicos aconte- cem fora do espaço da Igreja; normalmente os fieis se reúnem nas suas pró-prias casas ou nos espaços pastorais. FREI CARLOS MESTERS, 80 ANOS DE PARTILHA E VIVÊNCIA. As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) emergiram no Brasil na dé- cada de 1960 e teve o seu apogeu na década de 1980, chegando a ter quase 100 mil comunidades de base. Como parte do movimento católico da Teologia da Libertação, estas comunidades procuraram lutar contra as injustiças sociais vigentes no Brasil e defender os direitos dos trabalhadores e dos setores mar- ginalizados da população. Dentro desse movimento surgiu à figura de frei Car- los Mesters, um frade carmelita holandês radicado no Brasil, como um dos mais importantes mentores da leitura popular da Bíblia. Neste ano (em 20 de outubro de 2017), Frei Carlos Mesters completa 80 anos de muita vida e luta. Como grande parte dela foi dedicada ao CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). Segundo nos relata Eliseu Lopes, o jovem Jacobus Mesters, com 17 anos na época, escolheu o Brasil como sua futura atividade missionária. No dia 6 de janeiro de 1949, ele e seu amigo Vital Wilderink tomaram o navio rumo ao Brasil. Foram duas semanas entre o céu e o mar. No dia 20 de janeiro, o navio lançou chegou ao porto do Rio de Janeiro. Era a festa do padroeiro da cidade, São Sebastião. Uma numerosa procissão caminhava pelas ruas, e aquele es- petáculo marcou suas primeiras impressões da terra que adotara como sua nova pátria. Frei Carlos se foi se tornando mais brasileiro tão bem que, no en- contro intereclesial das CEB’s em João Pessoa (PB), quando os peritos foram disseram que: Pelo testemunho de alguns de seus ex-alunos, a Exegese, até então considerada uma matéria árida e secundária, passou a merecer um grande interesse, graças às virtudes didáticas e, ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 34 sobretudo ao entusiasmo contagiante do jovem mestre. Seu desempenho como professor não passou despercebido: em 1967, foi convocado para dar aulas no Colégio Internacional Santo Alberto, em Roma (LOPES, 2017). A luta do carmelita Carlos Mesters se confunde com a história das CEB’s no Brasil, uma luta contra as injustiças e uma resistência contra o capi- talismo selvagem. Para o clero sair da sacristia e ir de encontro ao povo e rea- lizar a obra em favor dos mais abandonados não é e nunca será algo fácil. Mesters em sua didática dessa proximidade ao povo simples desenvolveu for- mas simples e próximas da realidade para trabalho com este nicho de pesso- as, utilizando umas das suas expressões favoritas: um raio-X da vida a luz da Bíblia (MESTERS, 2015). UMA EXPLICAÇÃO DA BÍBLIA A PARTIR DO POVO Segundo frei Carlos Mesters, a Bíblia não é a única fonte em que Deus se revela para a humanidade. O primeiro livro é a criação, ou seja, a natureza. Esta palavra de Deus é percebida e lida através do tempo, dos acontecimentos históricos e tudo perpassa pela vida do povo, é toda a realidade que nos en- volve. É justamente nesta mensagem de amor, através da sua criação, Deus se revela a seu povo, em uma mensagem de liberdade e justiça. Mas os ho- mens envoltos em seu egoísmo e ganância recria uma sociedade totalmente fora dos planos do seu Criador. Por isto vem à necessidade da Bíblia, pois se- gundo Mesters, “a Bíblia não veio ocupar o lugar da vida” (1983). A Bíblia é um dos livros mais lidos da história da humanidade. Milhões de pessoas se inspiram e se inspiraram neste livro considerado sagrado para tantas religiões e dentro dela encontraram sentido para a sua vida. Este dado nos indica, portanto, um alto numero de leitores. No entanto, que tipo de lei- tura se faz da Bíblia? Uma leitura superficial? Uma leitura fundamentalista? Uma leitura popular? Assim como nos afirma Carlos Mesters, a Bíblia é palavra de Deus que se fez conhecer através das raízes de seu povo. Neste sentido, ela não caiu pronta do céu, ela surgiu da terra, “surgiu como inspiração divina e do esforço humano” 1 (1983, p. 12-13). Entrando um pouco dentro da história da Bíblia. O cânone bíblico foi fi- xado por volta do ano 110 D.C no Sínodo de Jâmnia. No entanto, nos 100 primeiros anos a comunidade cristã lia o Antigo Testamento, ela usava uma versão grega chamada Septuaginta (LXX). Nestes primeiros anos só existiam 1 grifo do autor ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 35 algumas Cartas de Paulo, somente por volta do ano 150 foi formado o que conhecemos hoje por Evangelho (DREHER, 2006). Com o passar do tempo e as grandes mudanças produzidas na huma- nidade a partir dos séculos XIX e XX levaram os cristãos das várias igrejas, não somente a Igreja Católica, a olhar a realidade e a Bíblia de modo diferen- te. Como Por exemplo, na Alemanha, a experiência de R. Bultmann nas trin- cheiras como capelão militar, durante a primeira guerra mundial, 1914 a 1918, levando-o a um novo jeito de lê a Bíblia que influenciou a exegese bíblica do século XX em praticamente todas as Igrejas. Ação Católica trouxe uma nova maneira de se considerar e experimentar a ação reveladora de Deus na histó- ria. Antes de se procurar saber o que Deus falou no passado, procura-se Ver a situação do povo hoje. Em seguida, com a ajuda de textos da Bíblia e da tradição das igrejas, procura-se Julgar a situação. E são eles, os fatos, que assim se tornam os transmissores da Palavra e do apelo de Deus e que levam a Agir de maneira nova. Portanto, o método mais usado na Leitura Popular da Bíblia é o ver-julgar-agir (MESTERS; OROFINO, 2007). Fruto do Concílio Vaticano II (1964), nascida para atualizar e adaptar a Igreja ao mundo atual, as Comunidades Eclesiais de Base - CEB’s, procurou assumir um maior protagonismo dos leigos/as no âmbito de cultivar uma Igre- ja libertadora (DORNELAS, 2005). Nas CEB’s a fé é transmitida de uma “nova leitura” da Bíblia, principalmente uma leitura a partir do pobre, da mulher, das diferentes culturas (etnias), dentre outros excluídos. Nas décadas do auge das CEB’s entre 1970 e 1980, especialmente no Brasil houve um levante muito grande de pesquisas e reflexões sobre este novo jeito de ser Igreja (COSTA, 2005). Surge muitos teólogos que vão elaborar vários materiais para os círcu- los bíblicos, um desses grandes teólogos que é o alvo deste estudo é frei Car- los Mesters, com os círculos bíblicos. No entanto o que é um círculo bíblico que tanto foi difundido nas CEB’s? Vejamos o que o próprio nos diz: Círculo bíblico não é uma coisa nova. O primeiro encontro em torno da Palavra de Deus vem do próprio Jesus, quando andava com os dois discípulos na estrada de Emaús. Antes disso, ele mesmo, durante os trinta anos que vi- veu em Nazaré, todo sábado, participava da reunião da comunidade na sina- goga, onde se faziam três coisas, que até hoje fazemos nos círculos bíblicos: Primeiro, eles rezavam e cantavam juntos. Segundo, eles liam e meditavam um trecho da Bíblia. Terceiro, eles procuravam ver como podiam ajudar-se mutuamente para colocar em prática a Palavra e, assim, resolver os problemas da vida (MESTERS, 2016). ANAIS do VI Congresso da ANPTECRE – ISSN 2175-9685 36 Neste sentido, é preciso fazer para que a Palavra de Deus possa abrir os olhos e nos faça perceber Jesus presente no meio de nós. Segundo ainda Carlos Mesters na leitura que as Comunidades de Base fazem da Bíblia, apesar das diferenças próprias de cada país ou região, existe um método, cujas ca- racterísticas básicas são comuns a todos. O método dos pobres se caracteriza por estes três critérios: 1. Os pobres levam consigo, para dentro da Bíblia, os proble- mas da sua vida. Leem a Bíblia a partir da sua luta e da sua Realidade. 2. A leitura é feita em Comunidade. É, antes de tudo, uma lei- tura comunitária, uma prática orante, um ato de fé. 3. Eles fazem uma leitura obediente: respeitam o Texto e se co- locam à escuta do que Deus tem a dizer, dispostos a mudar se Ele o exigir. (MESTERS; OROFINO, 2007). Estes três critérios: texto, comunidade
Compartilhar