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Definicao: A pancreatite aguda é definida como uma doença inflamatória da glândula pancreática clinicamente caracterizada por dor abdominal, náuseas e vômitos. Tipicamente, o quadro é acompanhado por elevação dos níveis séricos de amilase e lipase e pela evidência radiológica de inflamação, edema e/ou necrose do órgão. Aparentemente, após o surto agudo, há recuperação completa da estrutura e da função pancreáticas. Entretanto, quando o dano celular é importante, essa recuperação pode não ser completa e, com a recorrência das crises, pode haver evolução para inflamação crônica e fibrose, que são características da pancreatite crônica. Em um número crescente de pacientes, a distinção entre um episódio de pancreatite aguda e um surto de agudização em um pâncreas cronicamente agredido pode ser difícil. A pancreatite aguda deflagra um quadro de abdomen agudo inflamatório, com um processo inflamatório intenso que pode causar uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (em inglês, SIRS). Esse processo pode desencadear um quadro grave, levando a disfunção orgânica e apresentando morbimortalidade relevante nesses casos. Fisiopatologia: A pancreatite aguda resulta da ativação prematura das enzimas digestivas no interior da glândula pancreática. A ativação do tripsinogênio para tripsina parece ser o ponto crítico inicial do processo, com a tripsina, então, ativando outras proteases ainda no interior do órgão. Essas enzimas, quando ativadas, produzem injúria e morte celular, traduzidas por necrose, apoptose e autofagia. A necrose pode envolver não apenas o pâncreas, mas também a gordura peripancreática e as estruturas adjacentes, levando ao extravasamento de fluido para os espaços retroperitoneais (perdas para o “terceiro espaço”). Quando a necrose é visível na tomografia computadorizada com contraste (TC), a doença é denominada pancreatite aguda necrosante ou pancreatite aguda grave. Nessa forma de apresentação da doença, além da lesão local, a liberação de citocinas pró- inflamatórias e das enzimas digestivas ativadas para a circulação sistêmica pode produzir a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), caracterizada por hipotensão, insuficiência renal e insuficiência respiratória. Os cálculos biliares e o álcool são responsáveis por cerca de 70% a 80% de todos os casos de pancreatite aguda, mas a causa é desconhecida em cerca de 10%. Patologicamente, a pancreatite aguda varia desde pancreatite intersticial (suprimento sanguíne doo pâncreas mantido), a qual costuma ser autoliitada, até pancreatite necrosante (suprimento sanguíneo do pâncreas interrompido). No caso da pancreatite biliar, a teoria mais aceita é a de que a passagem do cálculo pela via biliar causa lesão, inflamação e edema no ducto, o que pode causar obstrução dos ductos pancreáticos, e em algumas situações o cálculo fica impactado na porção distal do ducto colédoco, também obstruindo o ducto de Wirsung. Essa obstrução da saída dos ductos pancreáticos, provocaria lesão dos ácinos por estase dos fluidos, e contribuiria para a ativação das enzimas pancreáticas, dando início ao processo de auto-digestão que causa a lesão e inflamação característicos da pancreatite aguda. Quando ocorre lesão dos ácinos, enzimas lisossômicas podem se fundir às vesiculas que contém as pró-enzimas pancreáticas. Com a presença da tripsina na sua forma ativa no pancreas, e ativação de outras pró-enzimas, é iniciado um processo de quebra de proteínas das próprias células pancreáticas, perpetuando o processo de lesão do órgão, o que causa intense resposta inflamatória, através da ativação do Sistema do complemento, cascata de coagulação e liberação de citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-alfa. Principais Etiologias: Li tiase Bil iar : A passagem de um ou mais cálculos biliares através da ampola de Vater com obstrução transitória do ducto pancreático é o evento iniciador da pancreatite aguda biliar. Apenas cerca de 5% dos pacientes com litíase biliar irão desenvolver pancreatite. Aqueles com cálculos menores (≤ 5 mm), que podem migrar pelo ducto cístico em direção à ampola de Vater, correm maior risco. A microlitíase, definida como cálculos biliares minúsculos ou lama biliar, pode ser responsável por até 75% dos episódios de pancreatite aguda inicialmente rotulados como pancreatites agudas idiopáticas. Alcool : Para o desenvolvimento da pancreatite alcoólica, são necessários mais de 5 anos de ingestão de álcool, com uma média de cinco a oito drinques por dia. Entretanto, a maioria dos indivíduos com esse nível de ingestão não desenvolve a doença. Uma variedade de cofatores, tem sido sugerida incluindo dieta rica em gorduras, alterações genéticas e tabagismo. Ao apresentar o primeiro episódio agudo de pancreatite, a maioria dos pacientes já apresenta evidências de pancreatite crônica subjacente. O mecanismo da lesão pancreática pelo álcool provavelmente envolve associação entre toxicidade direta, estresse oxidativo e alterações na secreção enzimática do órgão. Drogas, Toxinas e Fatores Metabolicos : A pancreatite medicamentosa é um evento raro e, em geral, idiossincrático. Drogas implicadas incluem 6-mercaptopurina e azatioprina (até uma taxa de ataque de 4%), pentamidina, didanosina, ácido valproico, furosemida, sulfonamidas e aminosalicilatos. Toxinas que podem causar pancreatite aguda incluem álcool metílico, inseticidas organofosforados e o veneno de alguns escorpiões. Níveis de triglicérides séricos superiores a 500 mg/dL e, em geral, maiores que 1.000 mg/dL, podem causar pancreatite aguda, mas o mecanismo não é bem conhecido. A pancreatite por hipertrigliceridemia também pode ser causada por administração de estrógenos, o que pode piorar a hipertrigliceridemia subjacente. A hipercalcemia é uma causa rara de pancreatite aguda. Quadro Clinico: A dor abdominal é o principal sintoma da pancreatite aguda. A dor pode variar desde um desconforto leve a um sofrimento intenso, constante e incapacitante. A dor, que é constante e de natureza lancinante, localiza-se no epigástrio e na região periumbilical e, com frequência, irradia-se para as costas, o tórax, os flancos e a parte inferior do abdome. As náuseas, os vômitos e a distensão abdominal, devido à hipomotilidade gástrica e intestinal e à peritonite química, também são queixas frequentes. O exame físico costuma revelar um paciente angustiado e ansioso. Febre de baixo grau, taquicardia e hipertensão são razoavelmente comuns. O choque não é incomum e pode resultar de (1) hipovolemia secundária à exsudação de sangue e de proteínas plasmáticas para dentro do espaço retroperitoneal; (2) maior formação e liberação de peptídeos tipo cininas, que causam vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular; e (3) efeitos sistêmicos das enzimas proteolíticas e lipolíticas liberadas e lançadas na circulação. A icterícia raramente ocorre; quando presente, deve-se em geral ao edema da cabeça do pâncreas com compressão da porção intrapancreática do colédoco ou à passagem de um cálculo ou lama biliar. Raras vezes podem ocorrer nódulos cutâneos eritematosos devidos à necrose da gordura subcutânea. Em 10 a 20% dos pacientes, há achados pulmonares, como estertores nas bases, atelectasia e derrame pleural, este último mais frequentemente no lado esquerdo. A hipersensibilidade abdominal e a rigidez muscular estão presentes em graus variáveis; no entanto, em comparação com a intensa dor, esses sinais podem ser menos significativos. Os ruídos intestinais costumam estar reduzidos ou ausentes. Um pâncreas aumentado com coleção aguda de líquidos, necrose encapsulada ou pseudocisto pode ser palpável na parte superior do abdome em uma fase avançada da doença (i.e., 4 a 6 semanas). Pode-se observar uma coloração azul pálido ao redor do umbigo (sinal de Cullen), em consequência do hemoperitônio,enquanto uma coloração azul-vermelho-púrpura ou verde-castanha dos flancos (sinal de Turner) reflete o catabolismo tecidual da hemoglobina pela pancreatite necrosante severa com hemorragia. Exames Complementares: São várias as enzimas que podem ter seus valores aumentados no plasma, como a tripsina, fosfolipase e peptídeo ativador de tripsinogênio, que pode até mesmo ser utilizado como um preditor de gravidade do agravo. Contudo, duas medidas podem ser consideradas cruciais para a definição da PA: a amilase e a lipase séricas. Amilase Serica: A amilase aumenta rapidamente, já entre as primeiras 6 a 12 horas do início do quadro de pancreatite aguda, e pode voltar ao normal já em cerca de 3 a 5 dias. Valores considerados altamente indicativos de pancreatite aguda são elevações de 3 vezes do valor de referência da amilase sérica, alcançando uma sensiblidade entre 67% e 83% e especificidade de 85% a 98%. Os níveis da amilase podem não apresentar a elevação esperada, principalmente naqueles pacientes que apresentam etiologia alcoólica e por hipertrigliceridemia. Os níveis da amilase também podem já se apresentar em queda nos pacientes que demoram mais de 24 horas após o início do quadro. Lipase Serica: A medição mais sensível e específica para o diagnóstico de pancreatite alcoólica. Sua elevação se dá entre 4 e 8 horas do início dos sintomas, atingindo seu pico em 24 horas e retornando aos valores normais em 8 a 14 dias. É útil especialmente em casos de medida mais tardia, em que a amilase sérica já está em níveis normais, e no diagnóstico de pancreatite alcoólica de etiologia alcoólica e por hipertrigliceridemia. A lipase pode se encontrar elevada também em casos de pancreatite crônica, insuficiência renal, colecistite aguda e outras causas diversas, dessa maneira, a lipase elevada por si só não fecha o diagnóstico de pancreatite aguda Outras Enzimas e Produtos : Peptídeo de ativação do tripsinogênio, é um peptídeo de cinco cadeias que é resultado da clivagem do tripsinogênio ao produzir tripsina ativada, e está elevado na pancreatite aguda. Uma vez que a ativação da tripsina é provavelmente um evento precoce na patogênese da pancreatite aguda, esse peptídeo pode ser útil na detecção precoce da pancreatite aguda e também como preditor de gravidade do quadro. A leucocitose é comum, principalmente nos casos graves, podendo chegar até 30.000/mm³, refletindo grau de inflamação sistêmica. O aumento da proteína C reativa é outro marco laboratorial de gravidade, já que mede a intensidade da resposta inflamatória. A hiperglicemia é uma alteração comum, no início do quadro é devida à SIRS, e posteriormente, pode ser secundária a uma destruição maciça das ilhotas de Lahngerhans. Hipocalcemia é um achado frequente, decorre da saponificação do cálcio circulante pela gordura peripancreática necrosada, e tem relação direta com a gravidade do quadro (quanto mais necrose, mais hipocalcemia). Alargamento do TAP e TTPA também são encontrados. Também podemos encontrar aumento das aminotransferases (TGO, TGP), bilirrubina e fosfatase alcalina. O aumento das aminotransferases, além de ter valor prognóstico, pode sugerir o diagnóstico etiológico da pancreatite. Rx de Abdome e Torax : Nos casos leves e moderados pode não ser vista nenhuma alteração, entretanto os achados podem incluir íleo paralítico em um segmento intestinal e sinal de cut-off (distensão de segmentos do cólon) em casos mais graves. USG de Abdome: Em pacientes com pancreatite aguda, o pâncreas aparece difusamente aumentado no ultrassom abdominal. Litíase biliar pode ser visualizada no ducto biliar. Fluido peripancreático aparece como uma coleção anecoica no ultrassom abdominal. Essas coleções podem demonstrar ecos internos na vigência de necrose pancreática. A ultrassonografia não é um dos melhores exames para avaliar pacientes com pancreatite aguda, pois a localização retroperitoneal do pancreas favorece para que em aproximadamente 25% dos pacientes, gases intestinais devido ao íleo paralítico dificultem ou mesmo impossibilitem a visualização do pâncreas e das vias biliares. Além disso, o ultrassom não pode delinear claramente a extensão da inflamação extrapancreática ou identificar necrose dentro do pancreas, não sendo útil dessa forma para esclarecimento da gravidade do quadro através de exames de imagem. TC: Os achados da pancreatite aguda intersticial na tomografia de abdome incluem alargamento focal ou difuso do pâncreas com realce heterogêneo com contraste intravenoso. A necrose do tecido pancreático, um importante marcado de gravidade, é reconhecida quando não há realce após a administração de contraste intravenoso, demonstrando a falta de vascularização do tecido necrótico. Quando realizada após os primeiros 3 dias do início da dor abdominal, a tomografia pode estabelecer de maneira confiável a presença de extensão da necrose pancreática, complicações locais, além de predizer a gravidade da doença. RM: Na ressonância magnética podem ser encontradas imagens de supressão de gordura, alargamento difuso ou focal da glândula pancreática e as margens do pâncreas podem estar borradas. A ressonância tem uma maior sensibilidade no diagnóstico no início da doença quando comparada com a tomografia com contraste e pode caracterizar melhor a gravidade e complicações peripancreáticas. Tratamento: Criterios de Ranson: É muito antigo e cada vez menos utilizado, mas ainda cai em provas. Reflete a gravidade e extensão do processo inflamatório, baseado em 11 critérios, sendo 5 na admissão e 6 nas primeiras 48h: ➢ Pancreatite aguda leve: não apresenta complicações locais nem falência de órgãos; é autolimitada e regride de modo espontaneo dentro de 3-7 dias após a instituição do tratamento; ingesta oral pode ser reinstituída se o paciente estiver faminto, apresentar função intestinal normal e não tiver náusea ou vômitos. ➢ Pancreatite aguda moderadamente grave: caracteriza-se por falência de órgãos transitória (melhora em <48h) ou complicações locais ou sistêmicas na ausência de falência orgânica persistente. ➢ Pancreatite aguda grave: se caracteriza por falência organiza persistente (>48h). Portanto: <3 pontos: forma leve; >= 3: UTI – mortalidade 15-50%; >5: alta mortalidade. Referencias Bibliograficas: • Schafer AI, Go ldman.L. Cecil Tratado de Medicina Interna. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2018. • Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL. Medicina Interna de Harrison. 20ª Ed. Amgh Editora; 2020. • SuperMaterial SanarFlix: Pancreatite Aguda
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