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Livro Teoria da Literatura (parte 9.1)

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TÓPICOS 
AVANÇADOS 
DA TEORIA 
LITERÁRIA
Francisco de Souza Gonçalves
Teoria do romance
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: 
 � Descrever o surgimento e a ascensão do romance na história da 
literatura.
 � Identificar os tipos de romance e as suas características.
 � Analisar as características do romance em trechos literários.
Introdução
Atualmente, o romance é um dos tipos narrativos que mais granjeia 
leitores e adeptos pelo mundo afora. Nos extramuros do campo literário, 
o vocábulo “romance” tem o significado de affair, caso de amor ou cir-
cunstância que envolve pessoas apaixonadas. Todavia, para a literatura, o 
romance pode se distar, e bastante, desse universo. Nos estudos literários, 
o romance é o escrito pertencente ao gênero narrativo, que provém do 
gênero épico. Essa tipologia agrupa textos que possuem um narrador 
com o encargo de contar uma história em que as personagens atuam 
em determinado espaço e tempo.
O romance
György Lukács escreveu, entre 1915 e 1916, A teoria do romance, obra lapi-
dar dos estudos literários. Nela, o estudioso busca indicar um caminho para 
o nascimento, a evolução e a ascensão do romance moderno como gênero 
literário. Ele fala de como a epopeia clássica se transmutou, paulatinamente, 
no romance. Nessa obra, a partir de uma reflexão sobre a função dialógica 
da literatura em relação à sociedade, Lukács conclui que um povo só pode 
produzir narrativas a partir de seu modo de funcionamento. Logo, o romance 
se circunscreveria em uma nova forma de contar histórias, já que a maneira 
épica de narrar seria algo próprio do mundo clássico e não corresponderia 
mais à visão de mundo do homem moderno. O romance seria equivalente a 
uma “epopeia da era burguesa”, refletindo a estrutura paradoxal, fragmentária, 
mas disposta a alcançar certa “totalidade” desta (LUKÁCS, 2000).
Hoje, o romance é um dos principais motores de lucros e dividendos para 
o mercado literário: autores anônimos são editados e, caso cativem o grande 
público, tornam-se milionários do dia para a noite. Foi o que ocorreu com 
J. K. Rowling depois da publicação da série de livros que conta a história 
de Harry Potter; com Dan Brown e o seu Código Da Vinci; com George R. 
R. Martin e as Crônicas de Gelo e Fogo. Todavia, o romance do presente 
tudo deve às grandes obras-primas do passado, desde sua temática até sua 
estrutura. Neste capítulo, você vai estudar o surgimento e a ascensão do 
romance na história da literatura. Além disso, vai conhecer os tipos de 
romance e as suas respectivas características.
Quanto ao vocábulo “romance”, é importante delimitar a terminologia 
a partir de certas explicações. Em literatura, o termo “romântico” se refere 
ao que é relativo à corrente estética do romantismo, importante movimento 
iniciado no final do século XVIII e dominante até a metade do século XIX. 
Quando se necessita referenciar algo relativo ao romance enquanto gênero 
textual, utiliza-se o termo “romanesco”.
O vocábulo “romance” é uma evolução do termo “romanço”, nascido na 
Idade Média e utilizado para designar as línguas usadas pelos povos que es-
tiveram sob o domínio do Império Romano até o século V d.C. Essas línguas 
românicas eram uma forma popular e evolutiva do latim. Tratavam-se de um 
meio caminho para as neolatinas faladas hoje, como o português, o francês 
e o espanhol. Essas formas linguísticas, como o galego-português, o italiano 
antigo, o francês arcaico ou o catalão medieval, eram maneiras mais populares 
de expressão que rivalizavam com o latim, sendo este somente utilizado em 
foro oficial ou burocrático.
Para as artes mais próximas das camadas populares, como as cantigas ou a 
contação e/ou escrita (menos frequente) das histórias de cavalaria, não se usava 
o latim, mas o romanço. Por uma relação de contiguidade, as composições 
escritas nesse latim em mutação — em prosa ou em verso, que contavam 
histórias cheias de imaginação, fantasias e aventuras, de cunho popular e 
folclórico — também se chamavam “romanço”. Essas narrativas de cavalaria 
possuíam um narrador muito bem definido, personagens, enredo e vários 
elementos narrativos inerentes ao romance, daí alguns enxergarem nelas a 
origem desse gênero (MOISÉS, 2004). 
Modernamente, o romance é uma das maneiras de composição literária mais 
populares entre os leitores de todo o globo. Trata-se de uma forma literária 
mais longa, cuja definição precisa varia de país para país. Consensualmente, 
Teoria do romance2
o termo se aplica a um relato extenso de ficção, normalmente em prosa. Hoje, 
quem ouve falar de romance logo se remete a um tipo de texto que, de alguma 
forma, difere da poesia. No entanto, ambos os gêneros textuais (a narrativa e 
o poema) um dia foram escritos em versos, já que os rudimentos do romance 
surgem na Grécia Antiga, com as grandes narrativas de Homero, Ilíada (2014) 
e Odisseia (2009), que são justamente poemas épicos. De Roma, no alvorecer 
da Era Cristã, também surgiram a narrativa épica de Virgílio, Eneida, e a 
obra-prima de Petrônio, Satiricon.
Muitos relatos sobre a vida de Homero circularam na Antiguidade Clássica, sendo o mais 
difundido o de que ele era o bardo cego de Iônia, região da Anatólia, costa da atual 
Turquia. Estudiosos modernos consideram essas histórias como lendas. Da descrença 
na existência de Homero origina-se o que se denominou “questão homérica” — con-
cernente a quem, quando, onde e sob quais circunstâncias teriam sido compostas a 
Ilíada e a Odisseia. De modo geral, a opinião acadêmica moderna se divide em dois 
grupos: o que acredita que a Odisseia seja uma das obras de um único poeta genial; 
e o que considera que os poemas homéricos são o resultado de um processo de 
trabalho e retrabalho de muitos colaboradores (Homero seria como um rótulo para 
toda uma tradição) (SIQUEIRA, 2014). 
Muitos pesquisadores acreditam que os poemas teriam sido compostos em algum 
ponto do final do século VIII ou do início do século VII a.C. Os poemas são em grego 
homérico, também conhecido como grego épico, uma língua literária que mostra uma 
mistura de características dos dialetos jônico e eólico de diferentes séculos. A maioria 
dos pesquisadores acredita que os poemas foram primeiro transmitidos oralmente 
(SIQUEIRA, 2014). Desde a Antiguidade até os dias atuais, os épicos homéricos têm sido 
de grande importância para a civilização ocidental, inspirando muitas de suas mais 
famosas obras de literatura, música, arte e cinema, assim como inspiraram também a 
cultura e a educação gregas antigas.
Na Idade Média, o gênero recebe mais um matiz com as canções de gesta, 
que consistem em narrativas em verso sobre feitos heroicos de homens es-
peciais. É o caso de A canção de Rolando, que conta façanhas bélicas de 
Rolando e de Carlos Magno, com seus Doze Pares de França, a tropa de elite 
pessoal desse rei. Nesse período, não se pode esquecer das novelas de cava-
laria, histórias repletas de peripécias aventurescas, tom fantástico singular e 
ingredientes próprios — produto da união das canções de gesta ao folclore 
autóctone dos países celtas. 
3Teoria do romance
As feições do que mais tarde seria chamado de romance já começam a 
aparecer. As obras têm por tema central as proezas dos cavaleiros andantes. 
O enredo clássico dos romances de cavalaria gira em torno de uma busca 
por fama, salvação, objetos sagrados, amadas raptadas e justiça. Tal busca é 
empreendida por um ou mais cavaleiros. Didaticamente, esses romances são 
organizados em três ciclos, segundo sua temática, como você pode ver a seguir.
 � Ciclo clássico: agrupa narrativas cuja temática é a matéria da Grécia 
e Roma Antigas, podendo incluir as façanhas de Alexandre, o Grande, 
e dos heróis da Guerra de Troia.
 � Ciclo carolíngio ou francês: abarca as narrativas que têm por prota-
gonista o rei-herói Carlos Magno e seus cavaleiros, os Doze Pares de 
França.
 � Ciclo bretão ou arturiano: mais importante dos três, é produto de umamálgama entre os temas de origem celta e as canções de gesta. Os 
textos são especialmente centrados na corte do rei Artur, seus cavaleiros 
da Távola Redonda e as fadas, rainhas, damas e bruxas que habitam 
esse universo narrativo. 
Expoentes importantes desse estilo são os anônimos A Demanda do Santo 
Graal (século XIII), A morte do rei Artur (século XIII) e Amadis de Gaula 
(obra do século XIII com posterior recompilação em 1508 por Garcia Rodrí-
guez de Montalvo).
No século XVII, já em plena Idade Moderna, ocorre a primeira grande 
transformação no âmbito do romance, com a publicação de O Engenhoso 
Fidalgo Dom Quixote de La Mancha (1605/1615), de Miguel de Cervantes 
(1978), que já aplainaria as veredas para o advento do romance moderno. Essa 
obra-prima espanhola definiu os caminhos que a prosa europeia e mundial 
tomou nos séculos sucessivos à sua publicação, estabelecendo parâmetros 
para a definição de um estilo de escrita próprio. Por isso é tido por muitos 
pesquisadores da área de literatura, como o eminente russo Mikhail Bakhtin, 
como o marco inicial do romance enquanto gênero literário. 
O livro de Cervantes seria o “[...] modelo clássico e mais puro do gênero 
romanesco [...], que realizou com profundidade e amplitude excepcionais todas 
as possibilidades literárias do discurso romanesco plurilíngue e internamente 
dialogizado [...]” (BAKHTIN, 1988, p. 27). Com isso, o teórico quer dizer 
que, nesse romance, há pelo menos duas vozes, duas linguagens, a partir de 
Teoria do romance4
ao menos dois locutores: o personagem e o autor, cuja opinião é refratada ou 
desviada. Isso acaba formando um diálogo e dando voz a várias visões de 
mundo, que, portanto, coexistem na narrativa.
Não só Bakhtin, mas também o francês Michel Foucault (1999) salientou 
a importância da obra de Cervantes para o gênero romance. Ele destacou-a 
como máxima representação de um novo momento na evolução do pensamento 
humano, no qual a narrativa ficcional recebe um lugar diferente do que possuía. 
De acordo com Foucault (1999), o homem do século XVII passa a perceber 
a realidade e a constituição do mundo exterior de forma fragmentada, des-
contínua, instável. Libertando-se dos resquícios medievais e renascentistas, a 
arte perde a sua função de decifradora dos enigmas universais para se afirmar 
como pura representação, ou seja, como criação.
No século XIX, no contexto da Revolução Industrial e da definitiva ascensão 
burguesa ao poder, o romance atinge o apogeu de sua popularidade, tornando-
-se o principal entretenimento para um público consumidor recém-formado e 
crescente, o que o alocou na categoria de literatura predominantemente popular. 
Passou a ser publicado, quase sempre, aos poucos, de maneira seriada (em 
capítulos) nos jornais, conhecidos então como folhetins, famosos na época. 
O romance burguês, oitocentista, é marcado especialmente pelo surgimento 
do herói problemático, que consiste no indivíduo que se debate na busca de 
sentido para a própria existência. Ademais, o uso recorrente de recursos como 
o da paródia, o da intertextualidade e o da apresentação de vários pontos de 
vista ou perspectivas auxilia na caracterização do gênero como misto e impuro 
por críticos mais rigorosos (MOISÉS, 2006).
Entre os romancistas desse período, você pode considerar: os franceses 
Gustave Flaubert (Madame Bovary), Honoré de Balzac (A Comédia Humana) 
e Émile Zola (O Germinal); o britânico Charles Dickens (David Copperfield, 
Oliver Twist); o norte-americano Mark Twain (Tom Sawyer, As Aventuras de 
Huckleberry Finn); os russos Leon Tolstói (Guerra e Paz, Anna Kariênina) e 
Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo, Os Irmãos Karamázov); e o brasileiro 
Machado de Assis (Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas).
O século XX testemunhou o surgimento de grandes romancistas, como o 
francês Marcel Proust (Em Busca do Tempo Perdido), o irlandês James Joyce 
(Ulisses), o português José Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo), o 
brasileiro Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, Sagarana) e o colombiano 
Gabriel García Márquez (Cem Anos de Solidão).
5Teoria do romance
As características do romance
Um romance apresenta quatro elementos principais em sua estrutura: nar-
rador, personagem, enredo, tempo e espaço. Ele pertence ao tipo narrativo 
da literatura, pois apresenta uma sequência de ações ou eventos interliga-
dos, que ocorrem ao longo de certo tempo. A marca principal desse tipo de 
texto é a relação temporal que se estabelece entre os fatos: mesmo que não 
sejam narrados na sequência temporal em que ocorreram, é sempre possível 
reconstituir essa sequência. Os alicerces que estruturam o texto romanesco 
também são chamados de elementos da narrativa: narrador, personagem, 
enredo, tempo e espaço. 
O romance, como gênero literário, tem como característica principal a sua 
flexibilidade. Isto é, dentro da obra, há espaço e liberdade para a combinação de 
Narrador É a voz construída pelo autor, que consiste em um 
foco narrativo: um ou mais pontos de vista, por 
meio dos quais é narrado o desenrolar da história. 
Não pode ser confundido com o autor.
Personagens São seres ficcionais, seres humanos ou humanizados 
(como animais, por exemplo), e podem ser descritos a 
partir de uma perspectiva física e/ou psicológica. Eles 
praticam as ações e desencadeiam o desenvolvimento 
da história. Lembre-se de que a personagem principal 
do romance denomina-se protagonista.
Enredo Trata-se da sequência dos eventos da narrativa, apresentando 
situações conflituosas. A partir delas, se constrói a obra. 
O termo “enredo” se aproxima de rede, que sugere um 
entrelaçamento de elementos, como as ações narradas.
Tempo Os atos das personagens acontecem num tempo. Em 
um romance, podem existir o tempo cronológico e 
o tempo psicológico. O tempo cronológico é aquele 
exterior, sinalizado pela passagem de meses, de horas, 
de dias. Os acontecimentos do enredo se organizam 
numa sequência de antes e depois, isto é, numa sucessão 
temporal. O tempo psicológico é o tempo interior, 
que transcorre dentro da mente das personagens 
e, portanto, é subjetivo, não pode ser medido ou 
calculado. É o tempo da memória, das reflexões.
Quadro 1. Elementos estruturadores do romance
(Continua)
Teoria do romance6
outros gêneros (como novelas, cartas, narrativas de viagem), estilos e linguagens. 
No Quadro 1 a seguir você pode ver os elementos que estruturam os romances.
Os tipos de romance
A classificação dos romances é problemática porque depende de pontos de vista 
distintos. Por isso, todas as tentativas são sujeitas a debate. Aqui, você vai ver 
algumas dessas tipologias. A ideia é que elas sirvam como referencial didático.
 � Romance urbano ou de costume: retrata e critica os costumes sociais 
dos que habitam os espaços urbanos.
 � Romance sertanejo ou regionalista: é tipicamente brasileiro. Acerca-se 
de questões sociais concernentes a determinadas regiões interioranas do 
Brasil, destacando suas características. Foi a fascinação pelo pitoresco 
e o anseio de apresentar e buscar o Brasil do interior que levaram os 
autores românticos a atentarem à vida e aos hábitos das populações 
que vivem fora das cidades. 
 � Romance histórico: nasceu no começo do século XIX e possuía como 
marca a reconstrução dos costumes, da fala e das instituições do pas-
sado. Com essa finalidade, servia-se de enredo fictício e da mistura 
de personagens históricos e de ficção. O primeiro romance histórico 
da literatura universal, segundo Moisés (2006), foi Waverley (1814), de 
Sir Walter Scott. Porém, o que serviu de modelo a todos os outros foi 
O Coração de Midlothian (1818), também de Walter Scott. Esse texto 
apresenta a icônica personagem Jeanie Deans, uma camponesa puritana. 
Espaço Corresponde ao cenário de ação, onde as personagens 
se movem. Também pode ser constituído pelo ambiente 
social e pelo espaço interior da personagem, com as suas 
vivências, os seus pensamentos e os seus sentimentos.
Quadro 1. Elementos estruturadoresdo romance
(Continuação)
7Teoria do romance
O maior de todos os romances históricos, segundo os críticos, por sua 
força narrativa e capacidade de colocar em palavras eventos históricos, 
é Guerra e Paz, de Tolstói. Derivou-se do romance histórico, além disso, 
o subgênero chamado “romance de capa e espada”, do qual o francês 
Alexandre Dumas, autor de Os Três Mosqueteiros, foi representante. 
No Brasil, o romance histórico foi um dos principais meios descobertos 
pelos românticos para a releitura nacionalista de fatos e personagens 
da história, em uma idealização e em uma revalorização do passado. 
Alguns autores importantes são: José de Alencar, com As Minas de 
Prata e A guerra dos Mascates; Bernardo Guimarães, com Lendas e 
Romances e Histórias e Tradições da Província de Minas Gerais; e 
Franklin Távora, com O Matuto e Lourenço. Exemplos mais atuais de 
romance histórico são Agosto, de Rubem Fonseca, que narra alguns 
acontecimentos políticos que conduziram Getúlio Vargas ao suicídio, 
e Olga, de Fernando Morais, que relata a história da esposa de Luís 
Carlos Prestes, entregue aos alemães nazistas pelo governo de Getúlio.
 � Romance indianista: o índio e os costumes indígenas tornam-se um ponto 
de destaque na narrativa. No período romântico, o romance indianista 
foi considerado uma legítima demonstração de nacionalidade. Nele, o 
índio era altamente idealizado, mostrado como um símbolo da pureza 
e da inocência, o ícone do bon sauvage. Ele representava o homem não 
corrompido pela sociedade, além de assemelhar-se aos heróis medievais. 
Algumas obras que podem ser citados como exemplo são O guarani 
(1857), de José de Alencar; Homens elegantes (2016), de Samir Machado 
de Machado; Um mapa todo seu (2015), de Ana Maria Machado; A má-
quina de madeira (2012), de Miguel Sanches Neto.
 � Romance psicológico: é aquele que perscruta e analisa os motivos 
mais recônditos das decisões e indecisões das personagens. O principal 
modelo do gênero é o clássico francês As ligações Perigosas (1782), 
de Choderlos de Laclos. Todavia, o romance psicológico só chegou ao 
auge em 1880, com a descoberta do trabalho de Stendhal e as traduções 
de Dostoiévski: Crime e Castigo é uma das obras-primas do gênero. 
O marco inicial do romance psicológico na literatura brasileira é Dom 
Casmurro, de Machado de Assis. Você ainda pode considerar: Perto 
do Coração Selvagem e Laços de Família, de Clarice Lispector; São 
Bernardo, de Graciliano Ramos; A Menina Morta, de Cornélio Pena; 
e Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso.
 � Romance gótico: nasce como resposta ao racionalismo iluminista 
e, concomitantemente, ao aristocratismo. Iniciou-se na Inglaterra e 
Teoria do romance8
caracterizou-se pelo retorno aos valores medievais: a arquitetura gótica, 
as sociedades secretas, a Inquisição, os monges. Geralmente, é ambien-
tado em cenário lúgubre e desolado: conventos, castelos assombrados, 
cemitérios. Aborda toda série de horrores, mistérios terrificantes, tortu-
ras, etc. No Brasil, Álvares de Azevedo deixou muitos poemas, contos 
e peças teatrais com elementos que o tornam o mais importante autor 
brasileiro da literatura gótica: a obra A Noite na Taverna, publicada 
postumamente, é tida como o exemplo mais bem acabado do gênero 
na literatura brasileira. É considerada por vezes como uma novela por 
se tratar de uma narrativa-moldura, composta por diversos contos, 
narrados por personagens que conversam em uma taverna.
 � Romance policial: é um tipo de narrativa que mostra uma investigação 
fictícia de um fato, enigma ou crime e a posterior revelação do crimi-
noso ou do mistério. Nesse tipo literário, o ponto fulcral é o processo 
de resolução do mistério, trabalho a encargo de um detetive que visa a 
elucidar o crime graças à sua coragem e à sua inteligência. A narrativa 
se apoia em um jogo dedutivo realizado pelo protagonista, com base 
em pistas, testemunhos e em sua perspicácia para interpretá-las. O 
desfecho consiste no desvendar dos segredos da trama. Você deve notar 
que essa fórmula é suscetível a mudanças em alguns aspectos: Agatha 
Christie, por exemplo, por meio de seus protagonistas Hercule Poirot 
e Miss Marple, privilegia uma investigação baseada mais em aspectos 
psicológicos, em detrimento da especulação dedutiva baseada nas provas 
e pistas. O marco inicial desse estilo é Dois Crimes na Rua Morgue 
(1841), de Edgar Allan Poe, tida como a primeira narrativa policial 
moderna. Alguns dos principais autores brasileiros nesse estilo são 
Rubem Fonseca, Jô Soares, Luís Fernando Verissimo, Pedro Bandeira, 
Tony Bellotto, entre outros.
 � Romance de tese: é o romance provido de uma função moralizadora, 
denunciando os aspectos negativos da sociedade, induzindo os leitores a 
fazerem uma reflexão ou algo para melhorar a realidade. Muito apreciado 
nas escolas realista e naturalista. Como exemplos, você pode considerar: 
O seminarista, de Bernardo Guimarães; O crime do Padre Amaro, de 
Eça de Queiroz; e O bom crioulo, de Adolfo Caminha.
 � Romance de aventuras: essa tipologia de romance surge no fim do 
século XIX e se propõe a narrar aventuras de cunho fictício, o que 
permite o exagero em ações inesperadas e fantasiosas. Eis a sua fórmula: 
há um herói de personalidade cativante que é arrebatado de sua rotina 
e se acha compelido a enfrentar situações perigosas e extraordinárias. 
9Teoria do romance
Depois de muitos percalços, ele é exitoso em dominá-las. Via de regra, 
o protagonista é acompanhado por um amigo fiel ou apoiado por um 
mentor, uma figura de autoridade. Ao fim da aventura, o herói é recom-
pensado e se reintegra ao seu cotidiano. A Ilha do Tesouro (1883), de 
Robert Louis Stevenson, e As Minas do Rei Salomão (1886), de Rider 
Haggard, são considerados os marcos modernos desse estilo. Mais 
atualmente, poderiam ser citados como exemplos O Senhor dos Anéis, 
de Tolkien, e a série Harry Potter, de J. K. Rowling.
 � Romance epistolar: constrói seu enredo e o desenvolve por meio de 
um contexto de trocas de cartas, embora também sejam usadas entradas 
de diários e notícias de jornais. O objetivo desse estilo de composição, 
ao ser criado, era trazer maior efeito de realidade à obra escrita. O 
romance epistolar teve seu ápice no século XVIII, declinando no século 
XIX. Entre os grandes romances desse estilo, você pode considerar 
Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), de Goethe, e Memórias 
de duas jovens esposas (1841), de Honoré de Balzac. Além disso, há 
romances que também participam do gênero epistolar por utilizarem 
a ferramenta da troca de cartas na narrativa, como Drácula, de Bram 
Stoker; Carrie, A Estranha, de Stephen King; e A Cor Púrpura, de 
Alice Walker. Esse tipo de romance vem ganhando novo fôlego ul-
timamente. Você pode considerar ainda obras que fazem sucesso 
entre o público infanto-juvenil, como As Vantagens de Ser Invisível, 
de Stephen Chbosky, e a série de Meg Cabot, que inclui O garoto da 
casa ao lado. Nesta última, a fórmula adotada foi migrar das cartas 
para os e-mails. Não existe apenas um remetente e um destinatário: 
as correspondências são múltiplas. Assim, os leitores são convidados 
a observar toda a conversa entre as personagens e não deixam de se 
entreter muito com essa possibilidade.
São muitos os tipos de romance. Afinal, a criatividade do ser humano e a sua habilidade 
de contar histórias são imensas. Neste capítulo, você pôde analisar como os caminhos 
que o romance fez ao longo dos séculos contribuíram para que ele chegasse ao século 
XXI em plena forma. Exemplo claro disso são as adaptações cinematográficas de obras 
literárias, que vêm em enxurrada todos os anos. Tanto os autores do passado quanto 
os autores do presente sinalizam, por meio de suas obras, que essa tipologia do texto 
narrativo ainda tem muito potencial para crescer e se expandir.
Teoria do romance10
BAKHTIN, M. A teoria de romance. São Paulo: Unesp, 1988.
CERVANTES, M. S. Dom Quixote de La Mancha. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
FONSECA, R. A grandearte. São Paulo: Saraiva, 2015.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Marins Fontes, 1999.
HOMERO. A Odisseia. São Paulo: Ateliê, 2009.
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
LISPECTOR, C. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LUKÁCS, G. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2000.
MOISÉS, M. A criação literária. São Paulo: Cultrix, 2006.
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004. 
ROTH, V. Convergente: uma escolha vai te definir. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
SIQUEIRA, J. R. Prefácio. In HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
Leituras recomendadas
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoíévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
2005.
CALVINO, I. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 
11Teoria do romance

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