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TÓPICOS AVANÇADOS DA TEORIA LITERÁRIA Francisco de Souza Gonçalves Teoria do romance Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o surgimento e a ascensão do romance na história da literatura. � Identificar os tipos de romance e as suas características. � Analisar as características do romance em trechos literários. Introdução Atualmente, o romance é um dos tipos narrativos que mais granjeia leitores e adeptos pelo mundo afora. Nos extramuros do campo literário, o vocábulo “romance” tem o significado de affair, caso de amor ou cir- cunstância que envolve pessoas apaixonadas. Todavia, para a literatura, o romance pode se distar, e bastante, desse universo. Nos estudos literários, o romance é o escrito pertencente ao gênero narrativo, que provém do gênero épico. Essa tipologia agrupa textos que possuem um narrador com o encargo de contar uma história em que as personagens atuam em determinado espaço e tempo. O romance György Lukács escreveu, entre 1915 e 1916, A teoria do romance, obra lapi- dar dos estudos literários. Nela, o estudioso busca indicar um caminho para o nascimento, a evolução e a ascensão do romance moderno como gênero literário. Ele fala de como a epopeia clássica se transmutou, paulatinamente, no romance. Nessa obra, a partir de uma reflexão sobre a função dialógica da literatura em relação à sociedade, Lukács conclui que um povo só pode produzir narrativas a partir de seu modo de funcionamento. Logo, o romance se circunscreveria em uma nova forma de contar histórias, já que a maneira épica de narrar seria algo próprio do mundo clássico e não corresponderia mais à visão de mundo do homem moderno. O romance seria equivalente a uma “epopeia da era burguesa”, refletindo a estrutura paradoxal, fragmentária, mas disposta a alcançar certa “totalidade” desta (LUKÁCS, 2000). Hoje, o romance é um dos principais motores de lucros e dividendos para o mercado literário: autores anônimos são editados e, caso cativem o grande público, tornam-se milionários do dia para a noite. Foi o que ocorreu com J. K. Rowling depois da publicação da série de livros que conta a história de Harry Potter; com Dan Brown e o seu Código Da Vinci; com George R. R. Martin e as Crônicas de Gelo e Fogo. Todavia, o romance do presente tudo deve às grandes obras-primas do passado, desde sua temática até sua estrutura. Neste capítulo, você vai estudar o surgimento e a ascensão do romance na história da literatura. Além disso, vai conhecer os tipos de romance e as suas respectivas características. Quanto ao vocábulo “romance”, é importante delimitar a terminologia a partir de certas explicações. Em literatura, o termo “romântico” se refere ao que é relativo à corrente estética do romantismo, importante movimento iniciado no final do século XVIII e dominante até a metade do século XIX. Quando se necessita referenciar algo relativo ao romance enquanto gênero textual, utiliza-se o termo “romanesco”. O vocábulo “romance” é uma evolução do termo “romanço”, nascido na Idade Média e utilizado para designar as línguas usadas pelos povos que es- tiveram sob o domínio do Império Romano até o século V d.C. Essas línguas românicas eram uma forma popular e evolutiva do latim. Tratavam-se de um meio caminho para as neolatinas faladas hoje, como o português, o francês e o espanhol. Essas formas linguísticas, como o galego-português, o italiano antigo, o francês arcaico ou o catalão medieval, eram maneiras mais populares de expressão que rivalizavam com o latim, sendo este somente utilizado em foro oficial ou burocrático. Para as artes mais próximas das camadas populares, como as cantigas ou a contação e/ou escrita (menos frequente) das histórias de cavalaria, não se usava o latim, mas o romanço. Por uma relação de contiguidade, as composições escritas nesse latim em mutação — em prosa ou em verso, que contavam histórias cheias de imaginação, fantasias e aventuras, de cunho popular e folclórico — também se chamavam “romanço”. Essas narrativas de cavalaria possuíam um narrador muito bem definido, personagens, enredo e vários elementos narrativos inerentes ao romance, daí alguns enxergarem nelas a origem desse gênero (MOISÉS, 2004). Modernamente, o romance é uma das maneiras de composição literária mais populares entre os leitores de todo o globo. Trata-se de uma forma literária mais longa, cuja definição precisa varia de país para país. Consensualmente, Teoria do romance2 o termo se aplica a um relato extenso de ficção, normalmente em prosa. Hoje, quem ouve falar de romance logo se remete a um tipo de texto que, de alguma forma, difere da poesia. No entanto, ambos os gêneros textuais (a narrativa e o poema) um dia foram escritos em versos, já que os rudimentos do romance surgem na Grécia Antiga, com as grandes narrativas de Homero, Ilíada (2014) e Odisseia (2009), que são justamente poemas épicos. De Roma, no alvorecer da Era Cristã, também surgiram a narrativa épica de Virgílio, Eneida, e a obra-prima de Petrônio, Satiricon. Muitos relatos sobre a vida de Homero circularam na Antiguidade Clássica, sendo o mais difundido o de que ele era o bardo cego de Iônia, região da Anatólia, costa da atual Turquia. Estudiosos modernos consideram essas histórias como lendas. Da descrença na existência de Homero origina-se o que se denominou “questão homérica” — con- cernente a quem, quando, onde e sob quais circunstâncias teriam sido compostas a Ilíada e a Odisseia. De modo geral, a opinião acadêmica moderna se divide em dois grupos: o que acredita que a Odisseia seja uma das obras de um único poeta genial; e o que considera que os poemas homéricos são o resultado de um processo de trabalho e retrabalho de muitos colaboradores (Homero seria como um rótulo para toda uma tradição) (SIQUEIRA, 2014). Muitos pesquisadores acreditam que os poemas teriam sido compostos em algum ponto do final do século VIII ou do início do século VII a.C. Os poemas são em grego homérico, também conhecido como grego épico, uma língua literária que mostra uma mistura de características dos dialetos jônico e eólico de diferentes séculos. A maioria dos pesquisadores acredita que os poemas foram primeiro transmitidos oralmente (SIQUEIRA, 2014). Desde a Antiguidade até os dias atuais, os épicos homéricos têm sido de grande importância para a civilização ocidental, inspirando muitas de suas mais famosas obras de literatura, música, arte e cinema, assim como inspiraram também a cultura e a educação gregas antigas. Na Idade Média, o gênero recebe mais um matiz com as canções de gesta, que consistem em narrativas em verso sobre feitos heroicos de homens es- peciais. É o caso de A canção de Rolando, que conta façanhas bélicas de Rolando e de Carlos Magno, com seus Doze Pares de França, a tropa de elite pessoal desse rei. Nesse período, não se pode esquecer das novelas de cava- laria, histórias repletas de peripécias aventurescas, tom fantástico singular e ingredientes próprios — produto da união das canções de gesta ao folclore autóctone dos países celtas. 3Teoria do romance As feições do que mais tarde seria chamado de romance já começam a aparecer. As obras têm por tema central as proezas dos cavaleiros andantes. O enredo clássico dos romances de cavalaria gira em torno de uma busca por fama, salvação, objetos sagrados, amadas raptadas e justiça. Tal busca é empreendida por um ou mais cavaleiros. Didaticamente, esses romances são organizados em três ciclos, segundo sua temática, como você pode ver a seguir. � Ciclo clássico: agrupa narrativas cuja temática é a matéria da Grécia e Roma Antigas, podendo incluir as façanhas de Alexandre, o Grande, e dos heróis da Guerra de Troia. � Ciclo carolíngio ou francês: abarca as narrativas que têm por prota- gonista o rei-herói Carlos Magno e seus cavaleiros, os Doze Pares de França. � Ciclo bretão ou arturiano: mais importante dos três, é produto de umamálgama entre os temas de origem celta e as canções de gesta. Os textos são especialmente centrados na corte do rei Artur, seus cavaleiros da Távola Redonda e as fadas, rainhas, damas e bruxas que habitam esse universo narrativo. Expoentes importantes desse estilo são os anônimos A Demanda do Santo Graal (século XIII), A morte do rei Artur (século XIII) e Amadis de Gaula (obra do século XIII com posterior recompilação em 1508 por Garcia Rodrí- guez de Montalvo). No século XVII, já em plena Idade Moderna, ocorre a primeira grande transformação no âmbito do romance, com a publicação de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha (1605/1615), de Miguel de Cervantes (1978), que já aplainaria as veredas para o advento do romance moderno. Essa obra-prima espanhola definiu os caminhos que a prosa europeia e mundial tomou nos séculos sucessivos à sua publicação, estabelecendo parâmetros para a definição de um estilo de escrita próprio. Por isso é tido por muitos pesquisadores da área de literatura, como o eminente russo Mikhail Bakhtin, como o marco inicial do romance enquanto gênero literário. O livro de Cervantes seria o “[...] modelo clássico e mais puro do gênero romanesco [...], que realizou com profundidade e amplitude excepcionais todas as possibilidades literárias do discurso romanesco plurilíngue e internamente dialogizado [...]” (BAKHTIN, 1988, p. 27). Com isso, o teórico quer dizer que, nesse romance, há pelo menos duas vozes, duas linguagens, a partir de Teoria do romance4 ao menos dois locutores: o personagem e o autor, cuja opinião é refratada ou desviada. Isso acaba formando um diálogo e dando voz a várias visões de mundo, que, portanto, coexistem na narrativa. Não só Bakhtin, mas também o francês Michel Foucault (1999) salientou a importância da obra de Cervantes para o gênero romance. Ele destacou-a como máxima representação de um novo momento na evolução do pensamento humano, no qual a narrativa ficcional recebe um lugar diferente do que possuía. De acordo com Foucault (1999), o homem do século XVII passa a perceber a realidade e a constituição do mundo exterior de forma fragmentada, des- contínua, instável. Libertando-se dos resquícios medievais e renascentistas, a arte perde a sua função de decifradora dos enigmas universais para se afirmar como pura representação, ou seja, como criação. No século XIX, no contexto da Revolução Industrial e da definitiva ascensão burguesa ao poder, o romance atinge o apogeu de sua popularidade, tornando- -se o principal entretenimento para um público consumidor recém-formado e crescente, o que o alocou na categoria de literatura predominantemente popular. Passou a ser publicado, quase sempre, aos poucos, de maneira seriada (em capítulos) nos jornais, conhecidos então como folhetins, famosos na época. O romance burguês, oitocentista, é marcado especialmente pelo surgimento do herói problemático, que consiste no indivíduo que se debate na busca de sentido para a própria existência. Ademais, o uso recorrente de recursos como o da paródia, o da intertextualidade e o da apresentação de vários pontos de vista ou perspectivas auxilia na caracterização do gênero como misto e impuro por críticos mais rigorosos (MOISÉS, 2006). Entre os romancistas desse período, você pode considerar: os franceses Gustave Flaubert (Madame Bovary), Honoré de Balzac (A Comédia Humana) e Émile Zola (O Germinal); o britânico Charles Dickens (David Copperfield, Oliver Twist); o norte-americano Mark Twain (Tom Sawyer, As Aventuras de Huckleberry Finn); os russos Leon Tolstói (Guerra e Paz, Anna Kariênina) e Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo, Os Irmãos Karamázov); e o brasileiro Machado de Assis (Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas). O século XX testemunhou o surgimento de grandes romancistas, como o francês Marcel Proust (Em Busca do Tempo Perdido), o irlandês James Joyce (Ulisses), o português José Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo), o brasileiro Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, Sagarana) e o colombiano Gabriel García Márquez (Cem Anos de Solidão). 5Teoria do romance As características do romance Um romance apresenta quatro elementos principais em sua estrutura: nar- rador, personagem, enredo, tempo e espaço. Ele pertence ao tipo narrativo da literatura, pois apresenta uma sequência de ações ou eventos interliga- dos, que ocorrem ao longo de certo tempo. A marca principal desse tipo de texto é a relação temporal que se estabelece entre os fatos: mesmo que não sejam narrados na sequência temporal em que ocorreram, é sempre possível reconstituir essa sequência. Os alicerces que estruturam o texto romanesco também são chamados de elementos da narrativa: narrador, personagem, enredo, tempo e espaço. O romance, como gênero literário, tem como característica principal a sua flexibilidade. Isto é, dentro da obra, há espaço e liberdade para a combinação de Narrador É a voz construída pelo autor, que consiste em um foco narrativo: um ou mais pontos de vista, por meio dos quais é narrado o desenrolar da história. Não pode ser confundido com o autor. Personagens São seres ficcionais, seres humanos ou humanizados (como animais, por exemplo), e podem ser descritos a partir de uma perspectiva física e/ou psicológica. Eles praticam as ações e desencadeiam o desenvolvimento da história. Lembre-se de que a personagem principal do romance denomina-se protagonista. Enredo Trata-se da sequência dos eventos da narrativa, apresentando situações conflituosas. A partir delas, se constrói a obra. O termo “enredo” se aproxima de rede, que sugere um entrelaçamento de elementos, como as ações narradas. Tempo Os atos das personagens acontecem num tempo. Em um romance, podem existir o tempo cronológico e o tempo psicológico. O tempo cronológico é aquele exterior, sinalizado pela passagem de meses, de horas, de dias. Os acontecimentos do enredo se organizam numa sequência de antes e depois, isto é, numa sucessão temporal. O tempo psicológico é o tempo interior, que transcorre dentro da mente das personagens e, portanto, é subjetivo, não pode ser medido ou calculado. É o tempo da memória, das reflexões. Quadro 1. Elementos estruturadores do romance (Continua) Teoria do romance6 outros gêneros (como novelas, cartas, narrativas de viagem), estilos e linguagens. No Quadro 1 a seguir você pode ver os elementos que estruturam os romances. Os tipos de romance A classificação dos romances é problemática porque depende de pontos de vista distintos. Por isso, todas as tentativas são sujeitas a debate. Aqui, você vai ver algumas dessas tipologias. A ideia é que elas sirvam como referencial didático. � Romance urbano ou de costume: retrata e critica os costumes sociais dos que habitam os espaços urbanos. � Romance sertanejo ou regionalista: é tipicamente brasileiro. Acerca-se de questões sociais concernentes a determinadas regiões interioranas do Brasil, destacando suas características. Foi a fascinação pelo pitoresco e o anseio de apresentar e buscar o Brasil do interior que levaram os autores românticos a atentarem à vida e aos hábitos das populações que vivem fora das cidades. � Romance histórico: nasceu no começo do século XIX e possuía como marca a reconstrução dos costumes, da fala e das instituições do pas- sado. Com essa finalidade, servia-se de enredo fictício e da mistura de personagens históricos e de ficção. O primeiro romance histórico da literatura universal, segundo Moisés (2006), foi Waverley (1814), de Sir Walter Scott. Porém, o que serviu de modelo a todos os outros foi O Coração de Midlothian (1818), também de Walter Scott. Esse texto apresenta a icônica personagem Jeanie Deans, uma camponesa puritana. Espaço Corresponde ao cenário de ação, onde as personagens se movem. Também pode ser constituído pelo ambiente social e pelo espaço interior da personagem, com as suas vivências, os seus pensamentos e os seus sentimentos. Quadro 1. Elementos estruturadoresdo romance (Continuação) 7Teoria do romance O maior de todos os romances históricos, segundo os críticos, por sua força narrativa e capacidade de colocar em palavras eventos históricos, é Guerra e Paz, de Tolstói. Derivou-se do romance histórico, além disso, o subgênero chamado “romance de capa e espada”, do qual o francês Alexandre Dumas, autor de Os Três Mosqueteiros, foi representante. No Brasil, o romance histórico foi um dos principais meios descobertos pelos românticos para a releitura nacionalista de fatos e personagens da história, em uma idealização e em uma revalorização do passado. Alguns autores importantes são: José de Alencar, com As Minas de Prata e A guerra dos Mascates; Bernardo Guimarães, com Lendas e Romances e Histórias e Tradições da Província de Minas Gerais; e Franklin Távora, com O Matuto e Lourenço. Exemplos mais atuais de romance histórico são Agosto, de Rubem Fonseca, que narra alguns acontecimentos políticos que conduziram Getúlio Vargas ao suicídio, e Olga, de Fernando Morais, que relata a história da esposa de Luís Carlos Prestes, entregue aos alemães nazistas pelo governo de Getúlio. � Romance indianista: o índio e os costumes indígenas tornam-se um ponto de destaque na narrativa. No período romântico, o romance indianista foi considerado uma legítima demonstração de nacionalidade. Nele, o índio era altamente idealizado, mostrado como um símbolo da pureza e da inocência, o ícone do bon sauvage. Ele representava o homem não corrompido pela sociedade, além de assemelhar-se aos heróis medievais. Algumas obras que podem ser citados como exemplo são O guarani (1857), de José de Alencar; Homens elegantes (2016), de Samir Machado de Machado; Um mapa todo seu (2015), de Ana Maria Machado; A má- quina de madeira (2012), de Miguel Sanches Neto. � Romance psicológico: é aquele que perscruta e analisa os motivos mais recônditos das decisões e indecisões das personagens. O principal modelo do gênero é o clássico francês As ligações Perigosas (1782), de Choderlos de Laclos. Todavia, o romance psicológico só chegou ao auge em 1880, com a descoberta do trabalho de Stendhal e as traduções de Dostoiévski: Crime e Castigo é uma das obras-primas do gênero. O marco inicial do romance psicológico na literatura brasileira é Dom Casmurro, de Machado de Assis. Você ainda pode considerar: Perto do Coração Selvagem e Laços de Família, de Clarice Lispector; São Bernardo, de Graciliano Ramos; A Menina Morta, de Cornélio Pena; e Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso. � Romance gótico: nasce como resposta ao racionalismo iluminista e, concomitantemente, ao aristocratismo. Iniciou-se na Inglaterra e Teoria do romance8 caracterizou-se pelo retorno aos valores medievais: a arquitetura gótica, as sociedades secretas, a Inquisição, os monges. Geralmente, é ambien- tado em cenário lúgubre e desolado: conventos, castelos assombrados, cemitérios. Aborda toda série de horrores, mistérios terrificantes, tortu- ras, etc. No Brasil, Álvares de Azevedo deixou muitos poemas, contos e peças teatrais com elementos que o tornam o mais importante autor brasileiro da literatura gótica: a obra A Noite na Taverna, publicada postumamente, é tida como o exemplo mais bem acabado do gênero na literatura brasileira. É considerada por vezes como uma novela por se tratar de uma narrativa-moldura, composta por diversos contos, narrados por personagens que conversam em uma taverna. � Romance policial: é um tipo de narrativa que mostra uma investigação fictícia de um fato, enigma ou crime e a posterior revelação do crimi- noso ou do mistério. Nesse tipo literário, o ponto fulcral é o processo de resolução do mistério, trabalho a encargo de um detetive que visa a elucidar o crime graças à sua coragem e à sua inteligência. A narrativa se apoia em um jogo dedutivo realizado pelo protagonista, com base em pistas, testemunhos e em sua perspicácia para interpretá-las. O desfecho consiste no desvendar dos segredos da trama. Você deve notar que essa fórmula é suscetível a mudanças em alguns aspectos: Agatha Christie, por exemplo, por meio de seus protagonistas Hercule Poirot e Miss Marple, privilegia uma investigação baseada mais em aspectos psicológicos, em detrimento da especulação dedutiva baseada nas provas e pistas. O marco inicial desse estilo é Dois Crimes na Rua Morgue (1841), de Edgar Allan Poe, tida como a primeira narrativa policial moderna. Alguns dos principais autores brasileiros nesse estilo são Rubem Fonseca, Jô Soares, Luís Fernando Verissimo, Pedro Bandeira, Tony Bellotto, entre outros. � Romance de tese: é o romance provido de uma função moralizadora, denunciando os aspectos negativos da sociedade, induzindo os leitores a fazerem uma reflexão ou algo para melhorar a realidade. Muito apreciado nas escolas realista e naturalista. Como exemplos, você pode considerar: O seminarista, de Bernardo Guimarães; O crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz; e O bom crioulo, de Adolfo Caminha. � Romance de aventuras: essa tipologia de romance surge no fim do século XIX e se propõe a narrar aventuras de cunho fictício, o que permite o exagero em ações inesperadas e fantasiosas. Eis a sua fórmula: há um herói de personalidade cativante que é arrebatado de sua rotina e se acha compelido a enfrentar situações perigosas e extraordinárias. 9Teoria do romance Depois de muitos percalços, ele é exitoso em dominá-las. Via de regra, o protagonista é acompanhado por um amigo fiel ou apoiado por um mentor, uma figura de autoridade. Ao fim da aventura, o herói é recom- pensado e se reintegra ao seu cotidiano. A Ilha do Tesouro (1883), de Robert Louis Stevenson, e As Minas do Rei Salomão (1886), de Rider Haggard, são considerados os marcos modernos desse estilo. Mais atualmente, poderiam ser citados como exemplos O Senhor dos Anéis, de Tolkien, e a série Harry Potter, de J. K. Rowling. � Romance epistolar: constrói seu enredo e o desenvolve por meio de um contexto de trocas de cartas, embora também sejam usadas entradas de diários e notícias de jornais. O objetivo desse estilo de composição, ao ser criado, era trazer maior efeito de realidade à obra escrita. O romance epistolar teve seu ápice no século XVIII, declinando no século XIX. Entre os grandes romances desse estilo, você pode considerar Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), de Goethe, e Memórias de duas jovens esposas (1841), de Honoré de Balzac. Além disso, há romances que também participam do gênero epistolar por utilizarem a ferramenta da troca de cartas na narrativa, como Drácula, de Bram Stoker; Carrie, A Estranha, de Stephen King; e A Cor Púrpura, de Alice Walker. Esse tipo de romance vem ganhando novo fôlego ul- timamente. Você pode considerar ainda obras que fazem sucesso entre o público infanto-juvenil, como As Vantagens de Ser Invisível, de Stephen Chbosky, e a série de Meg Cabot, que inclui O garoto da casa ao lado. Nesta última, a fórmula adotada foi migrar das cartas para os e-mails. Não existe apenas um remetente e um destinatário: as correspondências são múltiplas. Assim, os leitores são convidados a observar toda a conversa entre as personagens e não deixam de se entreter muito com essa possibilidade. São muitos os tipos de romance. Afinal, a criatividade do ser humano e a sua habilidade de contar histórias são imensas. Neste capítulo, você pôde analisar como os caminhos que o romance fez ao longo dos séculos contribuíram para que ele chegasse ao século XXI em plena forma. Exemplo claro disso são as adaptações cinematográficas de obras literárias, que vêm em enxurrada todos os anos. Tanto os autores do passado quanto os autores do presente sinalizam, por meio de suas obras, que essa tipologia do texto narrativo ainda tem muito potencial para crescer e se expandir. Teoria do romance10 BAKHTIN, M. A teoria de romance. São Paulo: Unesp, 1988. CERVANTES, M. S. Dom Quixote de La Mancha. São Paulo: Abril Cultural, 1978. FONSECA, R. A grandearte. São Paulo: Saraiva, 2015. FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Marins Fontes, 1999. HOMERO. A Odisseia. São Paulo: Ateliê, 2009. HOMERO. Ilíada. São Paulo: Cosac Naify, 2014. LISPECTOR, C. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. LUKÁCS, G. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2000. MOISÉS, M. A criação literária. São Paulo: Cultrix, 2006. MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004. ROTH, V. Convergente: uma escolha vai te definir. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. SIQUEIRA, J. R. Prefácio. In HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Cosac Naify, 2014. Leituras recomendadas BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoíévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. CALVINO, I. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 1993. EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 11Teoria do romance
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