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XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão onlineXLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 2177-2576 versão online Revisitando Marx: Contribuições para o Pensamento Social sob uma Visada não Marxista Autoria Fabio Vizeu - vizeu@up.edu.br Prog de Mestr e Dout em Admin - PMDA/UP - Universidade Positivo Elizeu Barroso Alves - elizeu.balves@hotmail.com Prog de Mestr e Dout em Admin - PMDA/UP - Universidade Positivo Práticas de Gestão em Contexto Organizacional (PEGO-UNINTER)/Centro Universitário Internacional UNINTER Agradecimentos O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ? Brasil (CAPES) ? Código de Financiamento 001 Resumo O presente ensaio visa recuperar o lugar que é devido a Marx de grande pensador de nosso tempo, salientando sua contribuição ao pensamento social contemporâneo, diante do forte reducionismo que testemunhamos recentemente no senso comum. Entendemos que essa tarefa é necessária especialmente para o meio acadêmico de Administração que, por não estimular uma formação mais consistente sobre pensadores clássicos do pensamento social, se vê comprometido com o mesmo reducionismo panfletário presente nas redes sociais. Assumimos que, em não sendo adeptos a nenhuma corrente marxista, os autores do presente texto demonstram ser possível uma leitura dos conceitos fundamentais do pensamento de Marx que seja contributiva a todo pesquisador da área de Administração. Também defendemos que, em se tratando de haver muitos marxismos, é possível discordar e criticar, mas aproveitando a principal contribuição deste que é um dos mais importantes pensadores de nossa era, a leitura precisa do sistema social, econômico e político de nosso tempo histórico, o capitalismo. Procuramos destacar o caráter epistemológico do materialismo histórico/dialético, dando condições para que se compreenda as possibilidades e limitações desta corrente diante de outras perspectivas onto-epistemológicas. XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 1 Revisitando Marx: Contribuições para o Pensamento Social sob uma Visada não Marxista Resumo O presente ensaio visa recuperar o lugar que é devido a Marx de grande pensador de nosso tempo, salientando sua contribuição ao pensamento social contemporâneo, diante do forte reducionismo que testemunhamos recentemente no senso comum. Entendemos que essa tarefa é necessária especialmente para o meio acadêmico de Administração que, por não estimular uma formação mais consistente sobre pensadores clássicos do pensamento social, se vê comprometido com o mesmo reducionismo panfletário presente nas redes sociais. Assumimos que, em não sendo adeptos a nenhuma corrente marxista, os autores do presente texto demonstram ser possível uma leitura dos conceitos fundamentais do pensamento de Marx que seja contributiva a todo pesquisador da área de Administração. Também defendemos que, em se tratando de haver muitos marxismos, é possível discordar e criticar, mas aproveitando a principal contribuição deste que é um dos mais importantes pensadores de nossa era, a leitura precisa do sistema social, econômico e político de nosso tempo histórico, o capitalismo. Procuramos destacar o caráter epistemológico do materialismo histórico/dialético, dando condições para que se compreenda as possibilidades e limitações desta corrente diante de outras perspectivas onto-epistemológicas. Palavras-Chave: Epistemologia; Marxismo; Pensamento Social; Materialismo Histórico. Introdução Em tempos de histeria digital, onde o pensamento social de base acadêmica é desqualificado em prol de interesses reacionários e fascistas, testemunhamos um severo ataque a intelectuais de grande importância. Isso acontece particularmente a partir de uma retórica de polarização política, onde se constrói uma visão deturpada sobre o papel e a obra de grandes teóricos sociais, comprometendo o seu legado para a sociedade. Somente para citar um exemplo brasileiro, esse fenômeno pode ser observado na demonização feita a Paulo Freire e sua seminal contribuição para a Educação: além de inverdades sobre a reverberação e o impacto da Pedagogia do Oprimido (Freire, 2001) no mundo, testemunhamos ataques depreciativos de governantes contra este que é um dos mais importantes acadêmicos brasileiros, gerando perplexidade na comunidade acadêmica. Neste cenário de entorpecimento intelectual de grande parte da sociedade brasileira, certamente o intelectual mais atacado é Karl Marx. Continuamente demonizado pelo movimento reacionário, o marxismo se tornou uma espécie de xingamento, proferido por pessoas que não conhecem minimamente a obra deste que é, sem sombra de dúvidas, um dos mais importantes intelectuais de nosso tempo. Com o objetivo de resgatar o valor de Marx para o campo de estudos sociais – onde se inclui a área de Administração e os Estudos Organizacionais – escrevemos este ensaio para retomar o valor do pensamento marxista como fundamento do pensamento social, sem o qual não é possível se fazer qualquer leitura minimamente razoável da realidade contemporânea. E esta afirmação torna-se mais contundente se considerarmos que defendemos a importância do marxismo sem sermos filiados academicamente a esta corrente de pensamento. É assim que acreditamos estar a força de nosso argumento – a defesa de Marx para o pensamento social feita por não marxistas. O que intentamos no presente ensaio é o resgate de Marx para além do Manifesto do Partido Comunista ou, considerando a cronologia de sua obra, para antes. Defendemos que, para todos os estudantes e pesquisadores de subáreas das ciências sociais que não têm o XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 2 costume de uma formação séria de textos marxinianos e mesmo dos originais de Marx, é necessário compreender claramente a contribuição histórica e epistemológica deste autor. Neste ponto, preciso reconhecer que este pensador foi um dos primeiros a trazer luz a história e as transformações socioeconômicas de fundantes de nossa época. Marx fez, durante grande parte de sua vida, uma análise das transformações em que ele viveu, transformações estas fundantes do fenômeno central para os pesquisadores de Administração e Organizações, que é a instituição do Management e sua associação com o capitalismo, a industrialização e a racionalidade moderna (Vizeu, 2010). Sobre este ponto, Paulo Netto (1987, p. 76) apresenta que “a obra de Marx fundou um modo original de pensar a sociedade burguesa e a sua dinâmica” e isto foi feito a partir de uma epistemologia original do pensamento econômico, considerando que “o marxismo foi a primeira corrente a colocar o problema do condicionamento histórico e social do pensamento e a ‘desmascarar’ as ideologias de classe por detrás do discurso pretensamente neutro e objetivo dos economistas e outros cientistas sociais” (Löwy, 1994, p. 99). Marx (2011) apresenta em suas teses as formas pelas quais o capitalismo se tornou um sistema que cria mecanismos que garantem sua prevalência como dominante. Sobre este ponto, Singer (2002) salienta que o capitalismo é fruto de uma construção histórica e este se apresenta enquanto uma ideologia dominante que prioriza certas ideias, tais como a competição, o individualismo, e a economia de mercado. Contudo, estes valores burgueses se contrapõem a outros valores da sociedade moderna, como por exemplo, os valores de liberdade, igualdade e fraternidade do iluminismo. É assim que a dinâmica social de nosso tempo é marcada por progressos e atrasos, por disputas que refletem interesses conflituosos nem sempre evidentes por todos na sociedade – mesmo por aqueles que sofrem as inequidades de nosso tempo (a pobreza sistêmica, a guerra, a fome e a miséria contemporânea).Essa contradição é explicitada pela teoria marxista como um princípio fundamental do capitalismo, que revela não somente as bases sociológicas do lado nefasto de nosso tempo, mas também, uma dinâmica que dá pistas de como se pode pensar na superação dos problemas de nossa sociedade. Sobre esse ponto, Aron (2008, p.196) salienta que, na visão de Marx, “o caráter contraditório do capitalismo se manifesta no fato de que o crescimento dos meios de produção, em vez de se traduzir pela elevação do nível de vida dos trabalhadores, leva a um duplo processo de proletarização e pauperização”. Em certo sentido, a própria depreciação do pensamento marxista é, em si mesma, fruto de tal disputa ideológica, por isso, se faz necessário a defesa isenta de Marx e sua contribuição. Isto posto, nosso objetivo neste texto é revisitar os fundamentos teóricos e epistemológicos do pensamento de Marx, apontando suas contribuições ao pensamento social crítico. Ou seja, intentamos apresentar que o cerne do pensamento marxista são pressupostos que estão em todo pensamento social com intenção emancipatória, engajado em contribuir genuinamente para a superação dos problemas em nossa sociedade. Com isso, construímos uma apreciação de Marx sem incorrer em uma defesa messiânica como muitas vezes é proferida por autores que se apresentam como ‘marxistas clássicos’ que não se preocupam em tornar didático e acessível este autor para um público diferente de seus pares, que rechaçam qualquer tipo de críticas ou mesmo discordâncias pontuais com suas proposições. Assim, entendemos que se afastar desta leitura permite dar o devido crédito a este autor fundamental para o pensamento social contemporâneo. Villaverde (1986, p. 27), afirma que “ninguém conhecerá o marxismo se não conhecer o caráter do seu criador. A obra de um autor sempre foi um reflexo de si mesmo, de sua natureza mais íntima”. Dessa forma, quando Marx em sua obra ‘A Ideologia Alemã’ fazia o chamamento para os filósofos mudarem o mundo – em sua concretude – ele estava, segundo Gadotti (1989), denunciando que as filosofias e as doutrinas são inúteis se não contribuírem XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 3 para superar a desumanidade e a alienação. Essa é a grande reflexão promovida por Marx e que marcou o pensamento social de nosso tempo. Sem esse ímpeto emancipatório, não teríamos as conquistas sociais que permitiram frear um pouco as consequências nefastas do capitalismo. Para fugir do debate polarizado de base ideológica – que também existe no meio acadêmico de Administração - partimos da premissa que Marx fez em seus estudos uma análise definitiva do capitalismo, e nada mais do que isso (Fromm, 1970; Steinberg, 1982; Harnecker, 1983; Hobsbawn, 1984; Davies, 1986; Gadotti, 1989; Aron, 2008). Não nos interessa ressaltar o engajamento político deste pensador, expressa particularmente no ‘Manifesto’, e que se concretizou nos regimes comunistas que se estabeleceram no século vinte; Apenas queremos difundir o Marx leitor do capitalismo, seus pressupostos e conceitos- chave para compreender a dinâmica social deste sistema, revelando-o como um autor fundamental para os estudiosos da administração, mesmo que estes não desejem assumir uma postura política marxista. Breve Biografia Para responder adequadamente a pergunta: ‘quem foi Karl Marx?’ é preciso saber de qual Marx estamos falando: do advogado? do jornalista? do Filósofo? do Sociólogo? do Historiador? ou do Militante, aquele de ‘O Manifesto do Partido Comunista’? Antes de tudo, é preciso entender que Marx foi um ser humano com anseios e decepções que foram lhe formatando ao longo de sua vida adulta. Neste sentido, “é de assinalar que sua obra é fruto de uma longa maturação, que ocupa pelo menos dois quintos do tempo em que Marx trabalhou” (Paulo Netto, 1987, p.23). Ou seja, sua obra está intrinsecamente relacionada com os acontecimentos de sua vida. Por exemplo, por conta de suas ideias, Marx foi obrigado a mudar de residência de forma constante, sendo expulso de países como França e Bélgica. Pertenceu ao grupo ‘Jovens Hegelianos’ no qual era composto por estudantes e jovens professores da Universidade Humboldt de Berlim que discutiam as ideias e posições do filósofo Georg Hegel (1770-1831). Karl Heinrich Marx nasceu em Trèves, hoje território alemão, anteriormente Reino da Prussia, no dia 05 de maio de 1918, filho de Heinrich Marx (1777-1838), um advogado judeu convertido ao protestantismo para poder exercer a profissão, e de Henriette Pressburg (1788– 1863). Karl Marx casou-se com Jenny von Westphalen (1814-1881) e teve 6 filhos, sendo eles: Jenny Caroline (1844-1883); Jenny Laura (1845-1911); Edgar Marx (1847-1855); Henry Edward Guy (1849-1850); Jenny Eveline Frances (1851-1852); Jenny Julia Eleanor (1855- 1898); e também houve um filho natimorto em julho de 1857 (Fougeyrollas, 1985). Em 1841 quando tinha 23 anos, Marx defendeu sua tese de doutoramento na Universidade de Iena. A tese tratava da teoria do conhecimento e fazia críticas às ideias de Hegel sobre religião (Gadotti, 1989). Em 1842, assumiu a direção do Jornal Gazeta Renana, na cidade de Colônia. Em 1844 iniciou sua vida em Paris e fortaleceu sua amizade com aquele que seria seu maior parceiro intelectual, Friedrich Engels (1820-1895). Em 1947, entrou para a Liga dos Justos – mais tarde renomeada para Liga dos Comunistas – e em 14 de março de 1883 ele faleceu. Ao longo de sua vida, publicou inúmeros artigos e livros. Marx está sepultado no cemitério de Highgate, em Londres, no setor reservado às pessoas banidas e rejeitadas pela Igreja Anglicana. As Principais Teses de Marx Para devidamente apresentar as principais ideias de Marx, é preciso dar um passo para traz e falar um pouco de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), um dos filósofos mais XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 4 influente da Alemanha na sua época. É assim que, na Universidade Humboldt de Berlim, nasceu um grupo de estudantes e professores que ficaram conhecidos como Jovens hegelianos. Pertencendo a esse grupo, a trajetória intelectual de Marx se define a partir da influência que Hegel impingiu sobre sua visão de mundo, da mesma forma que representou uma alteridade para que Marx constituísse uma proposta de base epistemológica original, no momento em que este rompe com certo princípios do pensamento hegeliano e passa assumir sua absoluta autonomia intelectual. Conforme sugere o seguinte trecho de comentadores, importantes conceitos do pensamento marxista foram originados no pensamento hegeliano: A fonte primária do materialismo dialético marxista se funda na filosofia idealista de G.W. Hegel (1770-1831). Hegel enriqueceu a teoria com um termo crucial, a alienação, que explica a inter-relação entre a lógica e a História. Em lógica, ela especifica a contradição latente em todo ato de pensar, significando que uma ideia inevitavelmente provoca uma ideia oposta. O objetivo de Hegel era resolver essa contradição pela própria consciência. Nesse modelo, a alienação é dialética, ou seja, a inadequação de uma forma de consciência transforma-se em outra, e assim, sucessivamente, até que se chegue a uma ‘ciência apropriada. (Sim; Van Loon, 2013, p. 16, grifos nossos). Hegel foi um filosofo que leu atentamente livros de economia e política (Rosenfield, 2002). Com isso, Gadotti (1989) relata que Marx aprendeu com Hegel que as coisas estão em constante movimento transformador. Só que para Hegel, a dialética enquanto força da mudança é idealista, ou seja, o movimento da realidade se estabelece nas ideias (Gadotti, 1989), e “Marx deu a ela um fundamento materialista, ou seja, ele afastou a alienação da ‘mente autocontemplativa’ para aproximá-la da luta de classes como história real da consciência em progresso” (Sim; Van Loon, 2013,p. 18). Com isso, a teoria proposta por Marx, é denominada de materialismo histórico, onde para o autor, o movimento dialético da história humana se dá com as disputas sociais estimuladas por um fundamento ontológico particular, onde a base da ação humana é reprodução material da vida, dada trabalho. Conforme explica o próprio autor: Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza (Marx, 2011, p. 211) Ou seja, Marx segue a lógica filosófica hegeliana na medida em que entende a transformação histórica a partir da dialética, mas não na contradição do pensamento lógico, e sim, na dinâmica pendular causada pelas disputas materiais concretas das necessidades humanas. Como sugere Fromm (1970, p. 19), “na terminologia filosófica ‘materialismo’ (ou ‘naturalismo’) refere-se a uma opinião filosófica segundo a qual a matéria em movimento é o elemento constitutivo fundamental do universo”. Assim, é a disputa material a base do social, e a ação humana fundamental de transformação da natureza para atender a tais necessidades materiais é o trabalho, sendo este, a base de explicação das relações sociais. De acordo com a nova leitura de Marx sobre o pensamento dialético hegeliano, a consciência humana é uma expressão da materialidade da vida humana, da contradição expressa na experiência concreta, onde as relações sociais se dão pela capacidade de transformar a natureza para atender as necessidades materiais (alimentação, abrigo, vestuário, ferramentas, etc.). É neste ponto que Marx rompe com a tradição idealista do pensamento XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 5 social, colocando no trabalho o foco central da análise sociológica, econômica e política. Conforme muito claramente explicam Marx e Engels, a principal competência humana é justamente a capacidade de produzir os meios materiais da vida, ou seja, a capacidade de trabalhar: Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria consequência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. (MARX; ENGELS, 2001, p.10-11, grifo dos autores) Assim, para Marx, não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência, e isso ocorre nessa ordem pois parte-se da premissa ontológica do indivíduo vivo e real. Com isso, o principal fato social é a produção dos meios que permitam satisfazer as necessidades da própria vida material. Complementarmente, para Marx, a centralidade da práxis humana está na produção e na reprodução da vida social, expressa pelo trabalho como ação de transformação da natureza e mediador das relações sociais. Apesar de tal premissa ter ensejado críticas ao marxismo como uma teoria que reduz a complexidade humana as relações de trabalho – crítica este que retomaremos mais adiante – Gadotti (1989) sai em defesa de Marx afirmando que ele não supervalorizou a prática negando a teoria, mas que, sempre provisória, a verdade é alcançada através da prática e da reflexão teórica sobre essa prática. Ainda se posicionando ao debate filosófico de seu tempo, Marx apresenta a diferença entre o seu materialismo para o (velho) materialismo proposto por Ludwig Feuerbach (1804- 1872) – também de inspiração Hegeliana. Diferentemente de Feuerbach, a proposta marxista enfatiza o modo de produção da vida material condicionando o processo de vida social, política e espiritual em geral. Quando se trata de sua explicação teórica sobre a História, Marx apresenta que cada época apresenta um modo de produção particular que gera uma superestrutura que lhe é correspondente e que não é mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes. É assim que Marx diferencia os conceitos de superestrutura (ideais, cultura e consciência coletiva) da infraestrutura (sistema social de reprodução material da vida), ou seja a estrutura econômica (Harnecker, 1983). Por isso, Marx e Engels afirmavam que as ideias dominantes são, em todas as épocas, as ideias das classes dominantes. A classe social que detém e/ou controla os meios de produção material dispõe com isso, ao mesmo tempo, dos meios de produção intelectual (Marx; Engels, 2001). Dividindo a História em três momentos estruturais – Antiguidade, Idade Média e era Moderna, Marx aponta que, o modo de produção antigo é caracterizado pela escravidão; o modo de produção feudal, pela servidão; o modo burguês, pelo trabalho assalariado. São três modos distintos da exploração do homem pelo homem (Aron, 2008). O desenvolvimento histórico, a sucessão e descontinuidade dos diversos modos de produção ocorrem como um processo coletivo objetivo, determinado pelo antagonismo entre as forças produtivas e as relações de produção; esse antagonismo se manifesta ao nível social como luta de classes, o desejo da classe dominante em explorar os meios de materiais da vida intensificando a opressão da classe trabalhadora aumenta a contradição sentida objetivamente (fome, violência, constrição da liberdade, etc.), fazendo com que surjam condições reais da classe dominada assumir uma nova consciência de sua situação e mobilizar-se para a superação de sua condição (revolução). Ou seja, essa tomada de consciência também ocorre de forma material e coletiva, conforme sugere Sandroni (1989, p. 189): XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 6 (...) para o materialismo histórico, as transformações histórico-sociais e as revoluções não resultam da ação de grandes personalidades, mas sim da participação ativa das massas trabalhadoras. Esse foi o mecanismo que impulsionou a sucessão entre os diversos modos de produção; mas todas as estruturas sociais extintas geraram sempre novas formas de exploração das massas por uma nova classe dominante. Contudo, o modo de produção capitalista seria o último modo de produção baseado na existência de classes e das contradições entre elas. Sua extinção seria obra do proletariado revolucionário que instauraria seu próprio poder (a ditadura do proletariado) e edificaria uma sociedade baseada na propriedade coletiva dos meios de produção. É assim que pode-se definir a teoria marxista como uma teoria de Economia Política, onde a estrutura econômica se liga ao conceito mais amplo de totalidade social. Ou seja, a estrutura social fundamental de explicação da História é a estrutura econômica da sociedade (por isso, infraestrutura), sobre a qual se ergue a superestrutura (relações jurídicas, políticas e demais formas de consciência social). Esse conjunto de ideias reafirma e justifica tanto o modo de produção quanto as relações de dominação da classe social responsável por esta produção, determinando as bases das relações sociais de produção (forma de propriedade dos bens de produção, instrumentos de trabalho e seu desenvolvimento tecnológico, e mecanismos institucionais de mediação das classes sociais). Em última instância, as relações de produção representam o fio condutor que explica os fenômenos político-sociais de uma época. Contudo, é preciso considerar que a relação entre a estrutura e a superestrutura não se dá mecanicamente, é uma relação dinâmica, onde os fenômenos econômicos determinamos políticos, mas são também por eles influenciados (Sandroni, 1989). Conforme sugere um comentador do materialismo histórico: Se empregarmos a metáfora arquitetural de Marx e Engels do edifício com um alicerce ou infraestrutura e uma superestrutura que se constrói sobre esse alicerce, podemos dizer que a ideologia pertence à superestrutura. Mas a ideologia não se limita a ser apenas uma instância da superestrutura; ela desliza também pelas demais partes do edifício social, é o cimento que assegura a coesão do edifício. A ideologia dá coesão aos indivíduos em seus papéis, em suas funções e em suas relações. (Harnecker, 1983, p. 101). Outro conceito importante derivado desta interpretação da dinâmica histórica é a ideia de totalidade, representada pelo sistema infraestrutura-superestrutura. A questão de totalidade na linguagem marxista é chamada de formação econômico-social, atribuída pelas relações sociais (sobretudo, de natureza econômica), pelos meios de produção, pela cultura e pelas atitudes que caracterizam uma sociedade historicamente determinada e localizada. (Gallino, 2005). Os fatos que acontecem no mundo são parte de um todo, são aspectos parciais de uma realidade totalizante. Por isso, ao se empenhar na solução de qualquer problema (seja social, seja individual), o ser humano precisa ter uma visão do conjunto de sua realidade, entender como tudo se encaixa em um processo histórico único. É a partir dessa visão de totalidade que se pode avaliar a importância de cada elemento que compõe o sistema social. No entanto, não significa dizer que o conceito de totalidade é a simples soma das partes que a constituem: os elementos individuais assumem características que não teriam se estivem fora do conjunto (Gadotti, 1989). Assim, esta totalidade é expressa no sentido estrito, onde ‘ o todo’ é formado por um conjunto de elementos justapostos, que não têm nenhuma forma específica isoladamente. Sobre esta ideia, Harnecker (1983) dá o exemplo de um pacote de açúcar, onde este ‘todo’ é constituído por certa quantidade de pequenos cristais de açúcar que tomarão a forma do recipiente que os contempla, sem que a mudança de lugar dentro da totalidade afete em nada cada cristal isoladamente. XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 7 O conceito de totalidade é fundamental para reconhecer a possibilidade da mudança social. As relações que compõe a totalidade, não são rígidas; se adaptam as forças da contradição vivida, mas mantendo a estrutura fundamental da totalidade. Por isso, entender tal estrutura é o passo, no materialismo histórico, para compreender a possibilidade de transformação social estrutural. Como lembra um comentador: A realidade é transformação. No entanto nem todas as mudanças têm o mesmo valor; é o que demonstra o princípio da passagem da quantidade à qualidade’. O princípio da passagem da quantidade à qualidade se aplica à sociedade e mostra que a História humana se transforma através de pequenas mudanças quantitativas, que se acumulam. Essa acumulação gradual não é um processo mecânico, mas supõe uma preparação e um desenvolvimento que pode ser atravessado por crises. No momento em que a sociedade faz a passagem de um estado a outro, temos o princípio do salto qualitativo. (Gadotti, 1989, p. 63). Com isso, é preciso considerar que no centro do pensamento de Marx está sua análise e exposição do caráter contraditório do regime capitalista, sendo este considerado como abarcando forças antagônica que tem potencial para que este sistema seja o próprio responsável pela sua autodestruição (Aron, 2008). Segundo Marx e Engels (2011), a ruína do capitalismo é inevitável pois a contradição deste sistema é alimentada pelo fato de que a burguesia tem a capacidade de criação de meios de produção mais poderosos, sendo que a distribuição de renda não ocorre no mesmo ritmo, e o resultante disso é o aumento de riquezas para uma minoria e o aumento da miséria para uma maioria. Destarte, a perspectiva de Marx é que tal contradição um dia irá se transformar em uma revolução, pois o proletariado constitui a maioria da população que, como classe, ou seja, numa unidade social irá aspirar o poder e transformar as relações sociais que os subjugam a uma condição deplorável (Marx; Engels, 2011). E Marx não ignora outros grupos também participarão deste processo, tais como os artesãos, os pequenos burgueses, os comerciantes, os camponeses, e os proprietários de terra que, conforme o transcorrer do avanço do capitalismo, precisarão escolher um lado (Aron, 2008) Contudo, Gadotti (1989) e Bronner (1999) lembram que, pelo raciocínio de Marx, apenas a miséria não basta para que os povos lutem para se libertar da exploração. Com isso, considera-se que os trabalhadores precisam descobrir as leis de transformação da História, para que, assim, tenham uma visão científica das mudanças sociais. Para que tal lente se constitua, é necessário chegar a explicação das causas econômicas dos fenômenos sociais, em outras palavras, é preciso buscar informações seguras sobre a situação econômica do período histórico analisado e suas relações com a estrutura estabelecida. Somente assim, se atingirá o que Marx chama de consciência de classe. Neste ponto, há mais um importante conceito tratado por Marx para compreender o processo de tomada de consciência da classe trabalhadora sobre as forças de dominação. É o conceito de Ideologia que, segundo Dicionário do saber moderno (1982), pode ser definido como o sentido de consciência social falsa que os agentes intelectuais de uma classe dominante elaboram, obscurecendo a natureza objetiva dos interesses materiais dessa mesma classe. Conforme indica o seguinte trecho: A ideologia se destina a assegurar a coesão dos homens na estrutura geral da exploração de classe. Destina-se a assegurar a dominação de uma classe sobre as demais, fazendo os exploradores aceitar suas próprias condições de exploração como algo fundado na “vontade de Deus”, na “natureza”, ou no “dever moral” e assim por diante. (HARNECKER, 1983, p. 103-104). XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 8 Assim sendo, a ideologia se apresenta a partir de três aspectos: (i) Hipóstase, reificação, separação do contexto histórico-social originário de ideias e crenças que procedem de um determinado grupo ou classe; (ii) Sistemas de ilusões, ideias falsas de representações mistificadoras da realidade social; (iii) conjunto de ideias (conhecimento, juízos, valores) da classe dominante (Gallino, 2005). Segundo Harnecker (1983), a ideologia é uma ‘mentira piedosa’, pois apresenta uma dupla serventia, onde age por um lado sob a consciência dos explorados para fazê-los aceitar como natural sua condição de explorados, bem como age sobre os membros da classe dominante para permitir-lhes exercer como natural sua exploração e sua dominação. Conforme salienta o autor: As ideologias, como todas as realidades sociais, só se tornam inteligíveis através de sua estrutura. A ideologia comporta representações, imagens, sinais, etc., mas estes elementos considerados isoladamente não fazem a ideologia; é o sistema, seu modo de combinar-se, o que lhes dá sentido; é sua estrutura que determina seu significado e função. Pelo fato de estar determinada por sua estrutura, a ideologia supera como realidade todas as formas nas quais é vivida subjetivamente por este indivíduo. A ideologia, portanto, não se reduz às formas individuais nas quais é vivida e, por isso, pode ser objeto de um estudo objetivo. É por isso que podemos falar da natureza e da função da ideologia e estuda-la. (Harnecker, 1983, p. 104). Uma forma de olhar a ideologia é pelo conceito de Marx sobre a alienação do operário, que significa não só que o seu trabalho se torna um objeto, uma existência exterior a si prórpio, mastambém que este mesmo trabalho existe fora dele, independentemente dele, estranho a ele e se converte numa potência autônoma relativamente a ele; que a vida que ele emprestou ao seu objeto se lhe opõe como algo hostil e estranho. Neste ponto, Marx partiu da teoria da alienação de Ludwig Feuerbach (1804-1872), filósofo alemão que mostrou como o homem abdica de sua própria essência ao criar a imagem de um ser absoluto e superior – Deus – que, embora criado pelo homem, é visto por este como seu criador. Para Marx, a alienação ocorre não apenas nesse plano religioso (do homem em relação a Deus) como sugeriu Feuerbach, mas em muitos outros domínios: a alienação do cidadão em relação ao Estado, do soldado em relação a sua bandeira, e, principalmente, do trabalhador em relação ao capital. No sistema capitalista, segundo Marx, os produtos do trabalho passam a ser meras mercadorias que subjugam o homem, invertendo a lógica da potência humana do homo faber (aquele que transforma a natureza para atender a sua necessidade de produção da vida); ao invés de servirem a ele, o que deveria acontecer, já que são criações suas, os produtos do seu trabalho lhe aprisionam a sua condição de dominado e explorado (DICIONÁRIO DE ECONOMIA, 1989). Assim, no cerne de seu pensamento estava que “Marx acreditava ser a classe operária a mais alienada; daí a emancipação da alienação ter de começar necessariamente pela libertação dessa classe” (Fromm, 1970, p. 60). Vale lembrar que Marx testemunhou uma revolução – a Burguesa – a qual derrubou o regime monárquico. E, o por quê isso não poderia se repetir com o proletariado? Para explicitar esse processo, Marx usa três termos: (i) Entäusserung; (ii) Verässerung e (iii) Entfremdung, sendo que estes são traduzidos muitas vezes como alienação. Entretanto, de acordo com Aron (2008, p. 235), “o termo que corresponde, aproximadamente, à palavra alienação é o último, que etimologicamente significa: torna-se estranho a si mesmo”. É assim que, para Marx, “há duas modalidades econômicas: a alienação imputável à propriedade privada dos meios de produção (proletários) e a segunda à anarquia do mercado (burgueses)” (ARON, 2008, p.236). A alienação somente é possível pela transfiguração das ideias, promovida pela ideologia. Em termos de síntese histórica explicitada por Marx, temos a superestrutura como ideologia, pois esta representa um modo de pensar característico do comportamento de classe (o que nós ‘tomamos como dado’, como natural). “A ideologia é literalmente baseada na XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 9 infraestrutura econômica – os meios pelos quais ela produz a si mesma, sua riqueza, e quem possui tais meios de produção”. (Sim; Van Loon, 2013, p. 21). Ou seja, a totalidade histórica permanece explicada pelos conceitos de infraestrutura e superestrutura, sendo que, na era Moderna, a estrutura econômica fundamental é o modo de produção capitalista constituído a partir da emergência de duas classes: o burguês, aquele que detém o controle dos meios de produção vigentes em nossa época – expressos pelo sistema do capital – e a classe trabalhadora (proletário), a quem resta, neste sistema, traduzir o único bem que lhe é ontologicamente próprio – sua capacidade de trabalhar – como elemento da lógica de reprodução do capital. É assim que Marx explica pela sua teoria de valor que a lógica do capital é a produção de mercadoria, sendo o trabalho alienado ao trabalhador na medida que, no capitalismo, ele se transfigura como mercadoria. Marx, assim como Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), considerava que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Assim, mercadoria é aquilo que se produz para o mercado – para ser vendido ou trocado – e não para o uso próprio de quem produz. No quadro da produção capitalista, a força humana não serve a quem a exerce, mas a quem a emprega. Assim, os trabalhadores são transformados em instrumentos e o processo de produção passa a dominar o ser humano (Gadotti, 1989, p. 71). Ou seja, a mercadoria é a reificação da lógica mercantil, a do valor de troca. Isso ocorre com a inversão histórica do dinheiro como meio de equivalência para tornar-se um valor em si mesmo, o dinheiro em estado puro, em outras palavras, o capital. A lógica de mercado é a lógica da troca que potencializa a reprodução do dinheiro em estado puro, criando a capacidade deste acumular (quando reinvestido na mercadoria) e concentrar-se. Por isso, para Marx, o Capital é uma entidade separada do homem, o ente que se autoreproduz desconectado com a essência do ser humano, a sua capacidade de produzir seus meios de viver. É troca e a acumulação primitiva do capital que faz com que esse processo natural – trabalho – seja subvertido a uma lógica de exploração, é a troca de mercadorias mediada pela reprodução do dinheiro que explica o sistema de dominação vigente em nosso tempo. Conforme indica Aron: A troca que vai da mercadoria a mercadoria é, pode-se dizer, troca imediatamente inteligível, imediatamente humana, mas é também troca que não proporciona lucro ou excedente. Enquanto passamos da mercadoria para a mercadoria, mantemo-nos numa relação de igualdade. (...) Contudo, há um segundo tipo de troca, que vai do dinheiro ao dinheiro, passando pela mercadoria, com a particularidade de que no fim do processo de troca possuímos uma quantia em dinheiro superior àquela da fase inicial. (Aron, 2008, p. 210). Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte, etc.), se este trabalhar além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas o valor correspondente ao de sua força de trabalho (que lhe é pago pelo capitalista na forma de salário), mas também um valor a mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia. É desta fonte (o trabalho não pago) que a parte fundamental do lucro é produzida, tornando o processo de exploração do trabalho – otimização da produção de mais-valia – uma medida fundamental do sistema capitalista. Aliado ao conceito de mais- valia, temos o conceito de Fetichismo da mercadoria, onde nas condições da produção mercantil baseada na propriedade privada dos meios de produção desenvolve-se a ilusão ou representação ideológica de que as mercadorias são dotadas de propriedades inatas, forças XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 10 extra-humanas que terminam por influir no destino das pessoas. Assim, o fetichismo das mercadorias é a tendência de tratá-las como fetiches, ou seja, objetos dotados de propriedades mágicas que lhes conferem uma vida própria. Neste sentido, Vizeu (2010) aponta que o Management se torna uma importante instituição do capitalismo industrial na medida que seu objetivo é maximizar pela eficiência do trabalho, por meio de uma racionalização que potencializa tecnicamente o processo produtivo mais também e principalmente, cria condições materiais de mais-valia. É assim que testemunhamos ao longo de toda a trajetória do pensamento administrativo moderno a intenção de garantir o aumento da produtividade pela sofisticação da exploração do trabalhador, especialmente pela construção ideológica do discurso gerencial (Vizeu, 2019). Enquanto a taxa de lucro, dada pela relação entre a mais-valia e o capital total necessário para produzi-la, define a rentabilidade do capital, a taxa de mais valia – a relação entre a mais-valia e o capital variável (salários) – define o grau de exploração sobre o trabalhador. Mantendo-se inalterados os salários, a taxa de mais-valia tende a elevar-se quando a jornada e/ou a intensidade do trabalho aumenta (aumentando a mais-valia absoluta), ou como aumento da produtividade nos setores que produzem os artigos de consumo habitual dos trabalhadores (aumentando a mais-valia relativa), (DICIONÁRIO DO SABER MODERNO, 1982). A o processo de exploração dado com a conversão de todo o valor econômico de nosso tempo ao dinheiro, conforme aponta o próprio Marx: “o dinheiro é a mercadoria absolutamente alienável, por ser a forma a que se convertem todas as outras mercadorias ou o produto da alienação geral delas” (Marx, 2011, p. 137). É o dinheiro em estado puro que se estabelece como mola propulsora da exploração global do regime capitalista (Santos, 2000). Essa é a contradição fundamental de nosso século, a mola do progresso e da desgraça contemporâneos, identificada pela leitura sociológica do materialismo histórico. Conforme aponta o seguinte comentador: O século das revoluções e suas ideias têm seus limites, mas a sociedade não foi pensada de certo modo para que pudesse abrigar transformações de tal monta? A pergunta vai além: se o capitalismo é contraditório, pois se apresenta como o sistema mais racional de produção de riquezas ao mesmo tempo que produz a maior pobreza associada a ela, o que pode levar à sua superação? Note-se a dupla face do problema. De um lado, demanda uma explicação científica do capitalismo existente – nesse ponto a proposta política de Marx e Engels pretende avançar em relação àquela dos socialistas utópicos, que não cuidam de examinar no pormenor os movimentos do capital (Giannotti, 2000, p. 8). Assim, a verdadeira questão dialética para Marx é entender como que, mesmo abarcando uma forte contradição interna, o capitalismo se reproduz e se mantém. A resposta dada pelo pensador é que o faz com que o Capitalismo perdure são dois mecanismos normalmente camuflados, os quais Marx objetiva expor e trazer à consciência revolucionária. O primeiro é o consumismo – que alimenta o ímpeto pela produção de mercadorias; o segundo mecanismo é a produção da mais-valia, por meio da qual a produção capitalista prospera em explorar mais tempo do trabalho do que o que é realmente pago. Essa é uma análise complexa, da qual precisamos reter apenas o essencial - a natureza oculta, camuflada ou inconsciente do sistema em funcionamento (Sim; Van Loon, 2013). Muitos Marxismos: Debate entre os Interpretes, Comentadores e Críticos de Marx Nosso objetivo nesta subseção é buscamos trazer luz as contradições sobre os pensamentos de Marx que ganharam corpo – seja pela constante reflexão sobre os acontecimentos históricos que sucederam a morte de Marx, seja pela ampliação da reflexão social dada a partir da pluralidade epistemológica que se estabeleceu na primeira metade do XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 11 século XX. Neste contexto, temos diversas interpretações sobre o que Marx quis dizer ou então o que Marx diria em tal situação; também testemunhamos revoluções que impactaram em um novo cenário geopolítico, como foi o caso da Revolução Russa, justificada a partir de uma interpretação de Lenin sobre a aplicação das ideias marxistas na conjuntura social de seu país, uma sociedade de base agrícola e nada industrializada (o que gera dúvida sobre a inevitabilidade da revolução proletariada, já que Marx apontava a Revolução Comunista como a consequência inevitável da contradição social de países industrializados). Conforme afirma Aron (2008, p. 186) Não tem muito interesse, portanto, indagar se Marx foi stalinista, trotskista, partidário de Khruchtchev ou de Mao. Karl Marx teve a sorte, ou a infelicidade, de ter vivido há um século. Não deu respostas às questões que formulamos hoje. Podemos procurar responde-las por ele, mas as respostas serão nossas, não dele (...) perguntar o que teria pensado Marx significa querer saber o que um outro Marx teria pensado no lugar do verdadeiro Marx. A resposta, contudo, é possível, mas é aleatória e de pouco interesse. Com isso, temos que há até os dias atuais muitos ‘marxismos’, ou melhor, muitas correntes do pensamento social que assume fundamentos das ideias de Marx. Com essa premissa, sugerimos que, não somente o pensamento social declaradamente marxista (ou marxiano) expressa o marxismo, mas todo pensamento social de base emancipatória e que intenta realizar a crítica social em nosso tempo. Ao se debruçar nas linhas teóricas de base marxista vemos uma diversidade nem sempre fácil de diferenciar, como o debate entre as pretensamente ‘correntes oficiais’, como, por exemplo, a disputa entre o leninismo-estalinismo e a posição de Rosa Luxemburgo (1871- 1919), que combatia o ‘socialismo por decreto’ instaurado por Lenin (Hobsbawm, 1984), ou mesmo a crise entre os pensadores marxistas alemães que induziu o nascimento da Escola de Frankfurt (Freitag, 2004). Fravre e Fravre (1991) lembram que, com a morte de Engels em 1895, se dá a partida cronológica dos marxismos pós o período contemporâneo de Marx, pois até então, Engels era o responsável pela representação das ideias do marxismo. Fromm (1970) chama a atenção para a ironia da História que é justamente não ter limites para as deturpações e erros de interpretação das teorias de Marx, mesmo em uma época com abrangente fontes de dados. Marx não viveu o suficiente para ver Lenin e ‘seus camaradas’ tomarem o poder na Rússia czarista e agrícola; não viveu para ver a linha de montagem que fora aplicada por Henry Ford (1863-1947); também não viu Adolf Hitler (1889-1945) amendrontar o mundo na Segunda Guerra Mundial, e não viu as inovações em produtos e serviços oriundos dessa Guerra, bem como a ascensão dos Estados Unidos da América como potência econômica- militar; não viu a bolsa de valores desse país ter um colapso em 1929 e seu reflexo no mundo; não viu as ideias de Einstein viabilizarem a criação da bomba atômica; e, finalmente, não testemunhou Mao Tsé-Tung (1893-1976) e sua China Revolucionária. Por isso, não é possível atribuir a Marx as críticas e discrepâncias dos marxismos; como sugerimos nesse ensaio, para entender Marx se faz necessário considerar o mundo em que ele vivia e como essa moldava o seu pensar, sendo esse pensar, fortemente delimitado pelos conceitos de sua época, apesar de termos destacado a originalidade do pensamento de Marx e o fato de que seus conceitos fazem muito sentido para explicar os dias atuais. Por isso, a base do pluralismo marxista – os muitos marxismos – é justamente o complexo desenrolar da história após Marx e Engels, no extremo século XX, parafraseando Eric Hobsbawm em seu texto de fechamento da coleção das eras que estabeleceram a modernidade. Baseado no pluralismo ensejado pelas múltiplas interpretações da obra de Marx, Codato e Perissinotto (2011) apresentam algumas críticas em como o marxismo se estabelece XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 12 nestas múltiplas visadas: (i) o determinismo marxista; (ii) o fatalismo histórico, onde, após a transformação social do Estado Comunista, se encerra a História; (iii) O viés cientificista e positivista de Marx, negado por parte das correntes marxistas; (iv) a dificuldade de se conhecer qual o verdadeiro Marx; (v) o engajamento messiânico que prescreve um marxismo puro e duro; (vi) O oportunismo de um marxismo construído a partir de uma ideologia universitária, com convicções políticas; (vii) a disputa entre diversos comentadores de Marx; (viii) A superação da crise do pensamento marxista do início do século XX por um neomarxismo; (ix) a dureza de uma ortodoxia marxista; (x) a existência de um marxismo com viés funcionalista; (xi) as dificuldades de interpretação ensejadas pelas múltiplas facetas de Marx (historiador, O filósofo, O jornalista e cientista) (xii) a presunção do marxismo analítico. Os autores ainda consideram que, a despeito dos esforços do marxismo do século XX se posicionar contrariamente às ciênciassociais positivistas, ainda mantém características fundamentais da perspectiva sociológica clássica. Neste sentido, como lembrou Theda Skocpol (1947-), os marxistas posteriores a Marx não abandonaram a sua perspectiva funcionalista, cujo o apontamento básico era explicar a função do Estado na dominação, acumulação e reprodução do capitalismo. De um lado, Marx entende o Estado como um ente social constituído a partir de uma perspectiva essencialmente funcional, vendo no Estado a organização responsável pela reprodução das relações de dominação de uma dada sociedade; no caso do marxismo, pretende-se explicar determinados fenômenos sociais sempre a partir das consequências benéficas que eles produzem para a classe dominante, ou por outra, sempre a partir da funcionalidade desses fenômenos para a reprodução dos mecanismos de dominação de classe (Codato; Perissinotto, 2011) Os aspectos levantados anteriormente revelam que, entre os muitos marxismos, há disputas por interpretações, e até mesmo críticas a certos fundamentos explicitados nos textos originais do autor. Quanto a isso, Barbara Freitag, devedora da Escola de Frankfurt – denominada por muitos como o neomarxismo (Lara; Vizeu, 2019) – aponta três grandes equívocos da teoria Marxista (Freitag, 2004, p. 40): Ø a tese da proletarização progressiva da classe operaria não se confirmou, não ocorrendo a revolução proletária como se esperava, em consequência de uma constante degradação das condições da vida dessa classe. Horkheimer admite que o capitalismo conseguiu produzir um excedente de riquezas que desativou o conflito de classes, radicalizando a ideologização das consciências, cooptadas pelo sistema. Ø a tese das crises cíclicas do capitalismo, decorrentes das alternâncias da produção excessiva e da falta de consumo, por um lado, e de consumo excessivo que leva a falta de produtos, por outro, devido à intervenção crescente da atividade estatal sobre a organização da economia. Ø a esperança de Marx de que a justiça poderia se realizar simultaneamente com a liberdade revelou-se ilusória. Efetivamente, o capitalismo conseguiu criar riquezas que a longo prazo até podem assegurar um grau de justiça maior, reduzindo as desigualdades materiais entre os homens, mas ao preço da redução sistemática da liberdade. Villaverde (1986) também comenta que Marx apresentou algumas contradições internas, ou seja, certos fundamentos que induziriam a uma inevitável ruína do capitalismo. Tais fundamentos são tomados como leis – no estrito sentido positivista do imperativo social como lei universal – e que são: (i) Lei da Queda dos Lucros (ii) Lei do Aumento da Pobreza; e (iii) Lei da Concentração do capital. A partir dessas leis – afirma o comentador – que Marx preconizava que teríamos inevitavelmente o colapso do sistema, baseado na seguinte sequência de fatos: ao competirem entre si, os capitalistas tenderiam a adquirir novos maquinários no intuito de reduzir seus custos de produção, e tal movimento iria provocar uma queda geral nos lucros, já que adquirir tecnologias mais sofisticadas de produção seria algo possível apenas pelos grandes capitalistas, levando assim, a falência dos menores, passando estes a integrar a classe dos proletários; ainda, a aquisição de novas e modernas máquinas XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 13 resultaria na dispensa de mão-de-obra, gerando desemprego. De acordo com a tese de Marx, isso iria gerar, de um lado, um pequeno número de ‘super-capitalistas’ e, do outro, uma colossal massa de proletários miseráveis, sem meios para comprar os bens por eles produzidos. Neste contexto social, teríamos uma recessão, uma consequente revolta e, finalmente, à revolução violenta que destruiria o capitalismo. A crítica a esta visão fatalista da revolução proletária e contestada pelos eventos históricos que se sucederam, que testemunharam a grande concentração do capital, mas sem transcorrer na crise social que se preconizou. Badaloni (1987), também apresenta a crítica feita a Marx por marxistas celebrados, como é o caso de Antonio Gramsci (1891-1937). Segundo este autor, as saídas propostas por Marx foram constituídas tendo como referência a forma como ao seu tempo se testemunhava novas formações políticas e sociais, ou seja, através da organização política e da luta, mecanismos mediadores da constituição das consciências e das vontades. Porém, Gramsci aponta que na Rússia de Lenin-Stalin o processo histórico queimou todas as etapas, sem que se estabelecesse a nova ordem proclamada, demonstrando, assim, os limites do pensamento de Marx, seu gradualismo diante da transformação e o risco de que tal gradualismo pudesse ser apreendido e dominado pela prática burguesa. Finalmente, Sader (1991) comenta que, na atualidade, o marxismo perdura de dois modos diferentes. Por um lado, ele é tratado como uma ideologia ou sistema totalizador, pelo qual certos intelectuais produzem a ‘ciência da História’ nas mais diferentes disciplinas e onde burocratas e ditadores justificam suas ações políticas e organizam a realidade onde agem. De outro, o marxismo atual se apresenta como uma fonte de elaborações sobre aspectos pontuais de nossa realidade, de forma a ajudar a intelectuais produzirem novos conhecimentos, permitindo que militantes de diferentes movimentos sociais formulem seus projetos e formas de ação. Essa forma é expressa nos temas que reconhecemos a todo momento nos noticiários, tais como a luta pelo direito à moradia, movimentos por reforma agrária, movimentos ambientalistas, entre outros. Por isso, cabe observar que esse segundo modo de marxismo já não é mais a totalização capaz de nos explicar o sentido absoluto da ação social. De acordo com Sader (1991), essa tarefa cabe a cada um de nós, em cada uma das aventuras intelectuais ou políticas que nos engajamos. Essa é talvez, uma das maiores lições que os movimentos sociais recentes nos deixaram. A despeito das críticas ao marxismo, entendemos que além das limitações e diferenças das muitas vertentes do marxismo, o que permanece é seu núcleo duro onto-espistemológico, que suporta tanto a explicação teórica do capitalismo, onde conceitos fundamentais deste corpo teórico são fundamentais para entender as dimensões históricas, sociais, políticas e culturais de nosso tempo, mas também quanto ao método de investigação proposto por Marx, que tem por premissa fundamental a dialética das contradições sociais como ponto de investigação das questões não aparentes das complexas relações sociais. Entendemos que, tanto os conceitos teóricos criados por Marx quanto sua postura metodológica podem ser úteis para qualquer pesquisador social, mesmo que este não assuma-se como um marxista, o signatários de algum dos muitos marxismos que se desenvolveram diante das disputas de interpretação da obra do pensador frente a realidade social que sucedeu após sua morte (Hobsbawm, 1982). Considerações Finais: as Contribuição de Marx para o Pensamento Social De um lado, tido como um santo; de outro tido como um vagabundo, pai de todos os fascistas. De um lado, o que ‘sonhou’ em um mundo melhor para os pobres; de outro, o que criou uma teoria para justificar a morte de milhões de pessoas. Seja para o bem ou para o mal, Karl Marx, até os dias atuais é lembrado. Porém, faz-se mister que seu legado seja recuperado XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 14 diante da crise ideológica atual, onde ainda se trava a mesma disputa de interesses de classe, da luta entre elites e dominados, privilegiados e excluídos. Todavia, vale lembrar que a atual disputa política foi incrementada pela tecnologia da informação, que manipula as ideias de forma mais sofisticada, que induz ao erro pessoas aparentemente esclarecidas, como é o caso da comunidade acadêmica. Nosso ensaio foi construídopara dialogar com essa comunidade, para que não se tenha dúvidas da contribuição para os pesquisadores sociais da obra de Marx sobre as interpretações que temos de nosso cotidiano, mesmo que nos permitamos discordar das muitas versões do marxismo. Na leitura de Marx sobre o período histórico moderno, o célebre pensador explicou como a burguesia foi a primeira elite a mostrar o que a atividade humana é capaz de realizar. Se, por um lado, nunca antes tivemos tanto avanço tecnológico e conquistas materiais, por outro, também temos inequidades nunca antes vistas. O capitalismo transformou as relações das pessoas com as outras e consigo mesmas, ou seja, a realidade do capitalismo era o diferente de tudo visto até então, e seus impactos estão e foram enraizados em todas as camadas das sociedades contemporâneas, desde a forma como as leis são promulgadas até o jeito do viver em família. Quem revelou a lógica deste sistema, quem desvelou os meandros de nosso tempo, permitindo que pudéssemos reconhecer caminhos possíveis de superação de nossas contradições – mesmo que apontados por outras vertentes do pensamento crítico – foi Marx. Ele é o grande pensador de nosso tempo, e, a ele, deve ser dado o devido crédito. Isso não significa dizer que todo pesquisador social precisa assumir o marxismo como ideologia; na verdade, o que propusemos é que é sim preciso assumir a importância do materialismo histórico para a compreensão do capitalismo. Sem isso, é improvável que se teria constituído qualquer explicação consistente sobre as complexas relações sociais contemporâneas, presentes no pensamento geopolítico, na relação entre a saúde e tecnologia, na crise ambiental, nos movimentos migratórios recentes, etc. Para o acadêmico da área de Administração, acompanhamos o pensamento de Vizeu (2010; 2019), que aponta como fundamental a compreensão da Administração sob o olhar acadêmico a explicação de Marx sobre o sistema capitalista. A administração como campo social tem seu sentido histórico, é surgiu deste processo. Na verdade, entendemos que o capitalismo recente deve muito a própria técnica e conhecimento administrativo, seja pela sofisticação da reprodução dos mecanismos do sistema de autoreprodução, seja como ideologia justificadora de práticas nefastas. A literatura de administração está repleta de exemplos que revelam essa contradição, e faz-se necessário que se reconheça o quanto a área deve a Marx, e precisa compreendê-lo de forma isenta. Assim sendo, longe do Marx pregado nas redes sociais e fake news como o incitador de massas e dos oportunistas, temos que Marx é um dos maiores intelectuais de nosso tempo, pois avança no campo sociológico sobre a proposta de utópicos como Robert Owen (1771- 1858), sem necessariamente desrespeitar suas iniciativas. O que Marx realiza em seu tempo é a denúncia do olhar idealista que se omitia a época dos acontecimentos políticos que consolidavam um novo regime institucional, fazendo um verdadeiro chamamento para que os intelectuais de seu tempo não somente se preocupassem em descrever o mundo, mas também, em contribuir para sua transformação (Marx; Engels, 2001). Isso significa que “a meta de Marx era a emancipação espiritual do homem, sua libertação dos grilhões do determinismo econômico, sua reintegração como ser humano, sua aptidão para encontrar unidade e harmonia com seus semelhantes e com a natureza” (Fromm, 1970, p.15). conforme salienta um comentador: Marx denuncia os limites da emancipação política, quando não acompanhada da emancipação social, onde este expõe: ‘a emancipação política é a redução do homem a membro da sociedade civil, a indivíduo egoísta e independente, por um lado, e, por outro, o cidadão, a pessoa moral. Somente quando o homem real, individual, tiver XLIV ENCONTRO DA ANPAD - EnANPAD 2020 Evento on-line - 14 a 16 de outubro de 2020 - 2177-2576 versão online 15 reencontrado em si mesmo o cidadão abstrato e se tiver tornado, em sua ida empírica, em seu trabalho e em suas relações individuais, um ser coletivo... é que a emancipação humana se realizará’ (Fougeyrollas, 1985, p.14) Assim, seguindo a leitura feita por Lara e Vizeu (2019), queremos chamar a atenção dps acadêmicos da área de Administração para um conceito central no pensamento de Marx, que embora possa ter sido deturpado por ditadores e interpretes, está presente mesmo nestes, e recuperado com veemência pela Escola de Frankfurt – a emancipação. Neste sentido, segundo Fromm (1970, p. 55) a “meta de Marx não se limita à emancipação da classe operária, mas visa a emancipação de todo ser humano através do retorno a atividades não-alienadas”. Em que o homem se reconheça como tal, visto que mesmo os burgueses sofrem pela autorregulamentação do mercado. Rompa com a cortina da ideologia que desumana os homens, tornando-os mercadorias. E, se ao menos hoje, há espaço para discussão sobre os papeis do mercado na vida – tanto da classe trabalhadora, quanto do capitalista – isso deve-se a Marx. Recuperar o valor deste grande pensador foi a principal intenção deste breve ensaio. Referências ALVES, Alceli Ribeiro. Geografia econômica e geografia política. Curitiba: InterSaberes, 2015. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BADALONI, Nicola. Gramsci: a filosofia da práxis como previsão. In HOBSBAWN, Eric J. História do Marxismo X: o marxismo na época da Terceira Internacional: de Gramsci à crise do stalinismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. DAVIES, R. W. As opções econômicas da URSS. In HOBSBAWM, Eric J. 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