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1 SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL- ESTRATÉGIAS DE BEM ESTAR SOCIAL POLITICAS PÚBLICAS 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA ................................................................................. 2 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 3 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS DURANTE O GOVERNO VARGAS E O REGIME MILITAR ................................................... 6 ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS: UMA APROXIMAÇÃO CONCEITUAL ........................................................................................................................ 10 ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS. ......... 16 CONTRADIÇÕES E PERMANÊNCIAS DO ESTADO DE BEM-ESTAR NO BRASIL ..................................................................................................... 22 CONCLUSÃO ....................................................................................... 29 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 31 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO Neste contexto será abordado o processo de constituição e desenvolvimento das Políticas Sociais na sociedade capitalista contemporânea, particularizando, o caso brasileiro e as políticas de natureza socio-assistencial, que, impulsionadas pela Constituição de 1988 vem alcançando centralidade na agenda social do país. A compreensão da Assistência Social como área de Política de Estado coloca o desafio de concebê-la em interação com o conjunto das políticas sociais e com as características do Estado Social que as opera. Assim, um primeiro eixo de análise a ser desenvolvido, refere-se ao enquadramento desta Política Social na contemporaneidade, enquanto política pública de responsabilidade estatal. Nesta perspectiva a análise da Política Social associa-se à busca de “elucidação da natureza e papel do Estado, tomado como instância onde se projeta (pressiona e é pressionada por formas e intensidades diferenciadas) a complexidade de interesses societais, com 4 influência nos compromissos de políticas públicas configuradas em cada conjuntura” Desse modo, Estado e Política Social “são, pois tomados como campos cuja dinâmica e interrelação compõem um pilar analítico de referência.” (Rodrigues, F.1999:15-16). Estudar a Assistência Social na realidade brasileira, a partir desta referência, supõe desvelar suas particulares relações com o campo da provisão social estatal, inscrevendo a no contexto mais amplo do desenvolvimento da Política Social no Estado brasileiro, em seu movimento histórico e político. A abordagem histórica é reveladora “da interação de um conjunto muito rico de determinações econômicas, políticas e culturais” (Behring e Boschetti, 2006:25) que vem permeando o desempenho da Política Social no país nas últimas décadas. Nesta abordagem, não pode deixar de observar em primeiro lugar, que o Estado brasileiro, como outros na América Latina, se construiu como um importante aliado da burguesia, atendendo à lógica de expansão do capitalismo e nesse sentido, as emergentes Políticas Sociais no país, devem ser apreendidas no movimento geral e nas configurações particulares desse Estado. Nesta perspectiva, o que pode ser constatado é que a Política Social estatal surge a partir de relações sociais, que peculiarizaram a sociedade brasileira nos anos 30 do século passado, representando uma estratégia de gestão social da força de trabalho. Nas décadas seguintes, as intervenções do Estado mantiveram essa característica, modificando-se casuísticamente, em face da correlação das forças sociais, em diferentes conjunturas. (cf. Vieira, 1983). Em seu percurso histórico a Política Social brasileira vai encontrar na Constituição de 1988 uma inovação: a definição de um sistema Seguridade Social para o país, colocando se como desafio a construção de uma Seguridade Social universal, solidária, democrática e sob a primazia da responsabilidade do Estado. A Seguridade Social brasileira por definição constitucional é integrada pelas políticas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social e supõe que os cidadãos tenham acesso a um conjunto de certezas a seguranças que cubram, reduzam ou previnam situações de risco e de vulnerabilidades sociais. 5 Para a Assistência Social, com esta inclusão no âmbito da Seguridade Social tem início a construção de um tempo novo. Como política social pública, começa seu percurso para o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. Cabe lembrar que a Assistência Social, como política de Proteção Social, inserida na Seguridade Social, vem avançando muitíssimo no país, ao longo dos últimos anos, nos quais foram e vêm sendo construídos mecanismos viabilizadores da construção de direitos sociais da população usuária dessa Política, conjunto em que se destacam a Política Nacional de Assistência Social e - PNAS e o Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Este conjunto, sem dúvida, vem criando uma nova arquitetura institucional e éticopolítica para a Assistência Social brasileira. A partir dessa arquitetura e das mediações que a tecem podemos, efetivamente, realizar na esfera pública, direitos concernentes à Assistência Social. Não podemos, no entanto, esquecer que, por sua vinculação histórica com o trabalho filantrópico, voluntário e solidário, a Assistência Social brasileira carrega uma a pesada herança assistencialista que se consubstanciou a partir da “matriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando, formas enraizadas na cultura política do país, sobretudo no trato com as classes subalternas”. (Yazbek, 2007, 6ª ed.) Isso significa que, apesar dos inegáveis avanços, permanecem na Assistência Social brasileira, concepções e práticas assistencialistas, clientelistas, primeiro damistas e patrimonialistas. Décadas de clientelismo consolidaram neste país uma cultura tuteladora que não tem favorecido o protagonismo nem a emancipação dos usuários das Políticas Sociais e especialmente da Assistência Social aos mais pobres em nossa sociedade 6 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS DURANTE O GOVERNO VARGAS E O REGIME MILITAR No caso brasileiro, a relação entre direitos sociais e trabalho começou a ser traçada com a legislação trabalhista da Era Vargas. Apropriando-se de iniciativas de ajuda mútua, foram criados os institutos de previdência, que abrangiam apenas as principais categorias de trabalhadores que compunham a divisão sóciotécnica do trabalho nos anos 1940-1950. Ficaram de fora os trabalhadores rurais e os trabalhadores informais, cujo contingente tinha aumentado nos anos mais vigorosos da industrialização.A aceleração do processo de industrialização brasileiro fez com que Getúlio Vargas definisse uma política nacional progressista e uma política trabalhista destinada a atrair o apoio operário. O Getulismo demonstrou sua enorme capacidade de captar algumas das principais reivindicações dos trabalhadores urbanos e reelaborá-las como se fossem um presente do Estado. Essa foi a base fundamental para manter seu projeto nacional-industrial. Mas, para isso, foi necessário também, como já foi dito, reprimir as lideranças operárias e sindicais de esquerda. Entende-se que as leis trabalhistas instauradas neste período fazem parte de um conjunto de medidas adotadas 7 pelo Estado com o objetivo de instaurar um novo modo de acumulação, não só atraindo o movimento operário, como também garantindo à economia empresarial um mercado de fatores regulados em que o preço da força de trabalho se encontrava reduzido. Ou seja, a legislação trabalhista coibia o excesso na exploração da mais-valia, mas reafirmava a dominação do capital. Getúlio Vargas, ao instituir a Consolidação das Leis Trabalhistas (1943), unificando as leis trabalhistas, que estavam dispersas, e a Justiça do Trabalho, possibilitou um controle maior sobre a aplicação dessas leis. Foi a partir daí que se estabeleceu o marco legal das relações de trabalho, inicialmente para o meio urbano e, posteriormente, nos anos 1960, para o meio rural. Registre-se que a decisão de quem seria incluído ou não nos programas sociais estava diretamente ligada à posição dos trabalhadores na divisão sócio- técnica do trabalho e à constatação de quais trabalhadores constituíam uma ameaça política maior para os interesses da classe dominante; por isso, o operariado urbano teve prioridade nesta questão. Alguns autores afirmam que, mais do que pensar na correlação de forças internas daquele momento histórico, o Estado Varguista buscava ao adotar determinadas ações, superar uma conjuntura internacional adversa que, com a queda do preço externo do café, dificultava a importação de tecnologias para o desenvolvimento industrial brasileiro. Além disso, os grandes centros se recuperavam da Crise de 1929, o que dificultava ainda mais alguma mudança na estrutura produtiva do país, gerando um processo de industrialização restringida, como o denomina Mello (1982). O que Vargas fez foi definir algumas medidas essenciais para um desenvolvimento industrial baseado em recursos escassos, revelando uma grande diretriz da política econômica adotada no período: o controle dos fatores produtivos enquanto instrumento de acumulação industrial. A política sindical e trabalhista adotada por Vargas seria um exemplo claro dessa ação reguladora do Estado, sendo a fixação do salário mínimo em 1940 e a obrigatoriedade de um sindicato único atrelado ao Estado as principais ilustrações dessa política. É necessário destacar que, para além de sua dimensão política, a fixação do salário mínimo foi um instrumento importante para a acumulação urbano- industrial. Isso porque, mesmo sendo fruto de mais de 200 greves da classe 8 trabalhadora, ao substituir o mercado como instância formadora do preço da força de trabalho, o salário mínimo evitava o confronto direto entre capital e trabalho. Além disso, ao ser fixado em níveis biológicos, a lei do mínimo garantia aos empresários expressiva redução de gastos com a folha de pagamento, pois deslocava a produtividade de cada ramo da base de fixação dos salários. Vemos aí, claramente, a incorporação de uma reivindicação dos trabalhadores, fazendo avançar a subordinação do trabalho ao capital. Os trabalhadores lutaram por décadas por uma série de direitos sociais como férias, redução da jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, etc. e Vargas, ao finalmente atender a estas reivindicações, o fez como se fossem dádivas de um Estado benefactor e, mais do que isso, como um pai que dá para o seu povo o que ele precisa. E foi assim que se deu o período Varguista. Vinculando manipulação e repressão, a cultura política de Vargas combinou o controle que a legislação sindical implicava com as concessões da legislação social e trabalhista, aparentemente contraditórios, mas se combinando perfeitamente como repressão e direitos sociais se combinaram e se combinariam em tantos outros momentos de nossa história política. A partir do final dos anos 1950, o ambiente de conflito protagonizado pelos trabalhadores que buscavam retomar seu espaço na política nacional alcançou níveis expressivos, e foram surgindo novas formas de articulação de interesses que passavam ao largo da estrutura sindical oficial. Sem o rígido controle estatal, essas organizações passaram a envolver diversas parcelas da sociedade, com mobilizações em torno das bandeiras centradas na questão nacional e na alteração da estrutura corporativa. Lutavam também por aumento dos salários, melhoria nas condições de trabalho, apoio à política nacionalista e reformista e se posicionavam contra a carestia e a inflação. No governo que assumiria em seguida, o vice-presidente João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, após a renúncia de Jânio Quadros, preconizou as chamadas ‘reformas de base’, o que refletiu negativamente junto às forças do centro e da direita. Ele apoiou o movimento dos trabalhadores em algumas greves e facilitou a organização do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962. Questionava-se o fato de ele estar encaminhando o país para uma ‘República Sindical’, deixando o Estado entregue aos dirigentes sindicais. 9 Chegou-se a denunciar estoque de armamentos e quebra da hierarquia do Exército e da Marinha, causando indignação em amplos setores oficiais, o que foi habilmente explorado pelos conservadores que dariam um ‘Golpe de Direita’, em março de 1964, dando início a um período de regressão autoritária. Ainda assim, foi na década de 1970 que se consolidou o sistema de políticas sociais brasileiro, ao completar o processo de construção institucional desencadeado desde os anos 1930. Durante o período militar, o aumento do número de assalariados e a incorporação de novas categorias de trabalhadores aos sistemas de proteção social, aliados à dinâmica centralizadora do autoritarismo, levaram a um deslocamento rumo à universalização dos direitos sociais. No entanto, a disseminação desses direitos não foi acompanhada por uma estrutura capaz de assegurar seu exercício, o que tornou precária a cidadania que se universalizava. Para Vianna (1998, p. 152), a modernização realizada pelos militares fez um percurso inverso à conduzida por Vargas: enquanto esta incorporou o mundo do trabalho organizado à cidadania, a ditadura militar disseminou direitos sociais entre os excluídos, mas “nivelou esta cidadania social em patamares tão baixos que a estigmatizou, afastando do sistema público os trabalhadores formais e a imensa gama de novos segmentos médios assalariados.” Além disso, no período Varguista a clientela era pequena e estratificada, mas estava incorporada ao universo da cidadania, participando de decisões importantes através de suas lideranças. No regime militar, a população beneficiária se expandiu, mas os esquemas associativos que lhe asseguravam voz foram desmantelados. Sistemas centralizados se constituíam como máquinas burocráticas que tomavam decisões cujos efeitos atingiam milhares de cidadãos sem nenhuma participação dos interessados. Neste sentido, Draibe (1998b, p. 30) considera que o sistema de políticas sociais desenvolvido no Brasil entre a década de 1930 e final dos anos 1970 pode ser apreendido sob o conceito de Estado de Bem- Estar Social, devido a suas definições, recursos institucionais mobilizados e resultados, mas o desempenho deste sistema foi “medíocre” e “sempre aquém das necessidades sociais da população.” No período militar, o binômio fortecentralização, fragmentação institucional e corporativismo versus fracas capacidades estatais e participativas conferiu pouca transparência aos sistemas 10 de políticas, “concorrendo tanto para a baixa accountability dos programas quanto para a inibição da força dos mecanismos de correção, modernização ou inovação institucional” (DRAIBE, 1998b, p. 5). ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS: UMA APROXIMAÇÃO CONCEITUAL Os Estudos sobre as políticas sociais, particularmente na periferia capitalista (Behring e Boschetti, 2006; Sposati, 1988; Vieira, 1983 e 2004;) apontam que elas são estruturalmente condicionadas pelas características políticas e econômicas do Estado e de um modo geral, “as teorias explicativas sobre a política social não dissociam em sua análise a forma como se constitui a sociedade capitalista e os conflitos e contradições que decorrem do processo de acumulação, nem as formas pelas quais as sociedades organizaram respostas para enfrentar as questões geradas pelas desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas.” (Chiachio: 2006:13) Nesta perspectiva a Política Social será abordada como modalidade de intervenção do Estado no âmbito do atendimento das necessidades sociais básicas dos cidadãos, 11 respondendo a interesses diversos, ou seja, a Política Social expressa relações, conflitos e contradições que resultam da desigualdade estrutural do capitalismo. Interesses que não são neutros ou igualitários e que reproduzem desigual e contraditoriamente relações sociais, na medida em que o Estadonão pode ser autonomizado em relação à sociedade e as políticas sociais são intervenções condicionadas pelo contexto histórico em que emergem. O papel do Estado só pode ser objeto de análise se referido a uma sociedade concreta e à dinâmica contraditória das relações entre as classes sociais nessa sociedade. É nesse sentido que o Estado é concebido como uma relação de forças, como uma arena de conflitos. Relação assimétrica e desigual que interfere tanto na viabilização da acumulação, como na reprodução social das classes subalternas. Na sociedade capitalista o Estado é perpassado pelas contradições do sistema e assim sendo, objetivado em instituições, com suas políticas, programas e projetos, apoia e organiza a reprodução das relações sociais, assumindo o papel de regulador e fiador dessas relações. A forma de organização desse Estado e suas características terão pois, um papel determinante na emergência e expansão da provisão estatal face aos interesses dos membros de uma sociedade. Desse modo, as políticas sociais públicas só podem ser pensadas politicamente, sempre referidas a relações sociais concretas e como parte das respostas que o Estado oferece às expressões da “questão social”, situando- se no confronto de interesses de grupos e classes sociais. Ao colocar a “questão social” como referência para o desenvolvimento das políticas sociais está colocando em questão a disputa pela riqueza socialmente construída em nossa sociedade. "Questão que se reformula e se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma questão estrutural que não se resolve numa formação econômico social por natureza excludente” (Yazbek, 2001:33). A questão social se expressa pelo conjunto de desigualdades sociais engendradas pelas relações sociais constitutivas do capitalismo contemporâneo. Sua gênese pode ser situada na segunda metade do século XIX quando os trabalhadores reagem à exploração de seu trabalho. Como sabem, no início da 12 Revolução Industrial, especialmente na Inglaterra, mas também na França vai ocorrer uma pauperização massiva desses primeiros trabalhadores das concentrações industriais. A expressão questão social surge então, na Europa Ocidental na terceira década do século XIX (1830) para dar conta de um fenômeno que resultava dos primórdios da industrialização: tratava-se do fenômeno do pauperismo. Sem dúvida, o empobrecimento desse primeiro proletariado, constituído por uma população flutuante, miserável, cortada de seus vínculos rurais vai ser uma característica imediata do iniciante processo de industrialização. Como observa Bresciani (1982:25-37) sobre a Inglaterra de meados do século XIX: “As péssimas condições de moradia e a superpopulação são duas anotações constantes sobre os bairros operários londrinos ... a instabilidade do mercado de trabalho acentua a extrema exploração do trabalhador e força-o a residir no centro da cidade, próximo aos lugares onde sua busca de emprego ocasional se faz possível a cada manhã. Nessas áreas, a superpopulação acelera e piora as condições sanitárias das moradias.” Com certeza, esse primeiro proletariado vai aos poucos se organizando como classe, como movimento operário, com suas lutas, e alcançando melhores condições de trabalho e proteção social. Nesse sentido, a questão social é expressão do processo de “formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (Iamamoto, 1995; 77 – 10 ed.) Através de seu protagonismo e ação organizada, os trabalhadores e suas famílias ascendem à esfera pública, colocando suas reivindicações na agenda das prioridades políticas. As desigualdades sociais não apenas são reconhecidas, como reclamam a intervenção dos poderes políticos na regulação pública das condições de vida e trabalho da classe trabalhadora. O Estado envolve-se progressivamente, numa abordagem pública da questão, criando novos mecanismos de intervenção nas relações sociais como legislações laborais, e outros esquemas de proteção social. Estes mecanismos são institucionalizados no âmbito da ação do Estado como complementares ao mercado, configurando a Política Social nas sociedades industrializadas e de democracia liberal. 13 Robert Castel (2000) ao afirmar, que, é a partir desse reconhecimento, que se constitui a moderna Seguridade Social, obviamente, em longo processo, que vai do predomínio do pensamento liberal e da consolidação da sociedade salarial (meados do século XIX, até a 3ª década do século XX) às perspectivas keynesianas e sociais democratas que propõem um Estado intervencionista no campo social e econômico. Do ponto de vista histórico “a questão social vincula- se estreitamente à questão da exploração do trabalho... à organização e mobilização da classe trabalhadora na luta pela apropriação da riqueza social. A industrialização, violenta e crescente, engendrou dessa forma, vincula-se necessariamente ao aparecimento e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no mundo da política.” (Pastorini: 2004:110). Importantes núcleos de população não só instável e em situação de pobreza, mas também miserável do ponto de vista material e moral... dessa forma, vincula-se necessariamente ao aparecimento e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no mundo da política.” (Pastorini: 2004:110), quer destacar, nesta linha argumentativa, é que o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos,” (Netto, 2001: 29) Dessa forma, a Política Social Pública permite aos cidadãos acessar recursos, bens e serviços sociais necessários, sob múltiplos aspectos e dimensões da vida: social, econômico, cultural, político, ambiental entre outros. Assim que as políticas públicas devem estar voltadas para a realização de direitos, necessidades e potencialidades dos cidadãos de um Estado. Para Jaccoud (2008:3), “as políticas sociais fazem parte de um conjunto de iniciativas públicas, com o objetivo de realizar, fora da esferaprivada, o acesso a bens, serviços e renda”. Seus objetivos são amplos e complexos, podendo organizar-se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população da questão, criando novos mecanismos de intervenção nas relações sociais como legislações laborais, e outros esquemas 14 de proteção social. Estes mecanismos são institucionalizados no âmbito da ação do Estado como complementares ao mercado, configurando a Política Social nas sociedades industrializadas e de democracia liberal. Para Robert Castel (2000), afirma que é a partir desse reconhecimento, que se constitui a moderna Seguridade Social, obviamente, em longo processo, que vai do predomínio do pensamento liberal e da consolidação da sociedade salarial (meados do século XIX, até a 3ª década do século XX) às perspectivas keynesianas e sociais democratas que propõem um Estado intervencionista no campo social e econômico. Do ponto de vista histórico “a questão social vincula- se estreitamente à questão da exploração do trabalh... à organização e mobilização da classe trabalhadora na luta pela apropriação da riqueza social. A industrialização, violenta e crescente, engendrou dessa forma, vincula-se necessariamente ao aparecimento e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no mundo da política.” (Pastorini: 2004:110) importantes núcleos de população não só instável e em situação de pobreza, mas também miserável do ponto de vista material e moral... dessa forma, vincula-se necessariamente ao aparecimento e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no mundo da política.” (Pastorini: 2004:110) O que se quer destacar, nesta linha argumentativa, é que o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos,” (Netto, 2001: 29) Dessa forma, a Política Social Pública permite aos cidadãos acessar recursos, bens e serviços sociais necessários, sob múltiplos aspectos e dimensões da vida: social, econômico, cultural, político, ambiental entre outros. É nesse sentido que as políticas públicas devem estar voltadas para a realização de direitos, necessidades e potencialidades dos cidadãos de um Estado. Para Jaccoud (2008:3), “as políticas sociais fazem parte de um conjunto de iniciativas públicas, com o objetivo de realizar, fora da esfera privada, o acesso a bens, serviços e renda. Seus objetivos são amplos e complexos, podendo organizar-se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações 15 de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população.” Ainda para a autora (2008:10) a abordagem das políticas sociais sob a ótica da cidadania deve ter como referência a construção de padrões de igualdade nos quais os direitos constituem a medida da política. Nesse sentido, combater a pobreza e a desigualdade fora da referência a direitos é abrir espaço para medidas de “gestão da pobreza”. Na mesma direção afirma Fleury (1994) que sob a égide do conceito de cidadania, as políticas sociais desenvolvem planos, projetos e programas direcionados à concretização de direitos sociais reconhecidos em uma dada sociedade, como constitutivos da condição de cidadania, gerando uma pauta de direitos e deveres entre aqueles aos quais se atribui a condição de cidadãos e seu Estado. Vieira (2004) mostra ainda que as formas de governo e de organização do Estado expressam nas suas políticas sociais, o reconhecimento de direitos, da cidadania e da justiça. Afirma: “sem justiça e sem direitos, a política social não passa de ação técnica, de medida burocrática, de mobilização controlada ou de controle da política quando consegue traduzir-se nisto” (2004:59). Complementa: “na realidade, não existe direito sem sua realização. Do contrário, os direitos e a política social continuarão presa da letra da lei irrealizada”. 16 ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS. No contexto de expansão da Política Social na sociedade moderna, cabe um especial destaque às experiências históricas que configuraram o denominado Estado de Bem Estar Social particularmente na Europa Ocidental. Nos anos recentes, de acordo com Silva, (2004) o Estado de Bem Estar Social vem sendo objeto de muitos estudos, sob diferentes aspectos como seus condicionantes históricos, seus fundamentos, suas características, sua capacidade de enfrentar a questão da desigualdade, constitutiva do capitalismo e suas contradições. Nas duas últimas décadas ampliou-se o debate e o acervo bibliográfico sobre essa temática (com destaque para os ingleses e europeus de um modo geral), foram criadas tipologias sobre possíveis modelos de EBES. Nos anos recentes cresceram as indagações sobre a compatibilidade entre BES e as relações que se estabelecem entre Estado, sociedade e mercado nos novos marcos da acumulação capitalista. “Há consenso que o EBES define-se, de modo geral, pela responsabilidade do Estado pelo bem estar de seus membros. Trata-se de manter um padrão mínimo de vida para todos os cidadãos, como 17 questão de direito social, através de um conjunto de serviços provisionados pelo Estado, em dinheiro ou em espécie.” Trata-se da intervenção do Estado no processo de reprodução e distribuição da riqueza, para garantir o bem estar dos cidadãos. (Silva, 2004:56) No século XX, a partir da crise econômica de 1929, com a quebra da bolsa de New York, e seguindo as ideias de Keynes, que defendeu uma maior intervenção do Estado na regulação das relações econômicas e sociais, ampliam-se as políticas sociais. Efetivamente, com os impactos sociais da crise econômica o governo norte americano, “buscando evitar que a fome e a miséria deteriorassem definitivamente a sociedade” (Costa, 2006:56) inicia a experiência histórica de um Estado intervencionista que vai efetivar um pacto entre interesses do capital e dos trabalhadores: o chamado consenso pós- guerra. Nesse sentido as políticas keynesianas buscam gerar pleno emprego, criar políticas e serviços sociais tendo em vista a criação de demanda e ampliação do mercado de consumo. Desse ponto de vista, Keynes lança o papel regulador do Estado que busca a modernização da economia, criando condições para seu desenvolvimento e pleno emprego. “O Estado interventor propunha-se reduzir a irracionalidade da economia, tendo pois um papel de administrador positivo do progresso. Neste percurso veio não só suscitar o investimento na solidariedade, tendo passado mesmo a ser responsável por ela” Dessa forma, após a 2ª Guerra Mundial o Estado de Bem Estar Social consolida-se no continente europeu. O Plano Beveridge (1942) na Inglaterra serviu de base para o sistema de proteção social britânico e de vários países europeus. Tendo como referência conceitual do sistema a noção de Seguridade Social entendida como um conjunto de programas de proteção contra a doença, o desemprego, a morte do provedor da família, a velhice, por algum tipo de deficiência, os acidentes ou contingências sociais. De modo geral, o Estado de Bem Estar Social pode ser caracterizado pela responsabilidade do Estado pelo bem estar de seus membros. Trata-se de manter um padrão mínimo de vida para todos os cidadãos, como questão de direito social, através de um conjunto de serviços provisionados pelo Estado, em dinheiro ou em espécie. 18 Para Ian Gough (1982) o Estado de Bem Estar Socialinterfere na reprodução social da força de trabalho, tanto do ponto de vista da prestação de serviços sociais, como no âmbito da legislação social, controlando a população não ativa nas sociedades capitalistas. Para Mishra (1995) são os seguintes os princípios que estruturaram o W.S. inspirado no Plano Berveridge: Responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos por meio de ações em três direções: elevado nível de emprego, prestação de serviços sociais universais como saúde, educação, segurança social, habitação e um conjunto de serviços pessoais; Universalidade dos serviços sociais, Implantação de uma rede de segurança de serviços de assistência social. Esping Andersen (1991) apresenta três tipos de Welfare. State: 1- Liberal (EUA, Canadá e Austrália com políticas focalizadas - mínimas aos comprovadamente pobres); 2- Conservador corporativista inspirado no modelo bismarkiano (França, Alemanha e Itália) com direitos ligados ao status social; 3- E o social democrata com políticas universais, com direitos estendidos à classe média (países escandinavos). Para Sonia Draibe (NEPP - UNICAMP) “trata-se de sistemas nacionais públicos, ou estatalmente regulados de educação, saúde, previdência social, integração e substituição de renda, assistência social e habitação, envolvendo também políticas de salário e emprego e a organização e produção de bens e serviço coletivos.” Um aspecto de consenso entre analistas diversos é a ligação entre as Políticas de Bem Estar Social e a necessidade de gestão das contradições resultantes do próprio modo de desenvolvimento da sociedade capitalista. Nesse sentido, o Estado social corresponde a um tipo de estado adequado às determinações econômicas no qual a Política Social corresponde ao reconhecimento de direitos sociais que são corretivos de uma estrutura de desigualdade. Nos anos 70 do século XX, surgem persistentes dúvidas quanto à viabilidade econômica do Estado de Bem Estar universalista, com influência 19 beveridgiana e keynesiana. Isso porque a articulação: trabalho, direitos e proteção social que configurou os padrões de regulação sócio-estatal do Welfare State, passa por mudanças. São mudanças que se explicam nos marcos de reestruturação do processo de acumulação do capital globalizado, que altera as relações de trabalho, produz o desemprego e a eliminação de postos de trabalho. Essas mudanças vem sendo implementadas por meio de uma reversão política conservadora, assentada no ideário neoliberal que erodiu as bases dos sistemas de proteção social e redirecionou as intervenções do Estado no âmbito da produção e distribuição da riqueza social. Na intervenção do Estado observa-se a prevalência de políticas de inserção focalizadas e seletivas para as populações mais pobres (os invalidados pela conjuntura), em detrimento de políticas universalizadas para todos os cidadãos. O que se constata é que há um denominador comum na maior parte das análises sobre as mudanças no Estado de Bem Estar Social: o “paradigma da exclusão” passou a prevalecer sobre o da luta de classes e das desigualdades constitutivas do capitalismo; a nova realidade é definida como pós-industrial, pós-trabalho, pós-moderna, etc. (Cf. Pastorini, 2004) “É importante ressaltar que ‘sob a crise do Welfare State se radica também a crise do pensamento igualitário e democrático (Schons, 1995:4)”. “Crise resultante do renascimento dos ideais liberais, que se confronta com práticas igualitárias e que traz no seu bojo propostas reducionistas na esfera da Proteção Social.” (Yazbek, 1995: 11) “Apesar dessas mudanças, não é pertinente afirmar que o Estado de Bem Estar Social, na maior parte dos países, tenha sido desmontado. O que se observa, sob a influência do neoliberalismo, é a emergência de políticas sociais de nova geração que têm como objetivo a equidade”. (Draibe, 1998). Apesar da potência da estrutura institucional de política social construída durante o século passado, ela não conseguiu alterar a situação de exclusão de amplos setores sociais e nem tampouco a enorme concentração de renda que sempre caracterizou o País. O lento período de transição democrática, que se inicia ainda em meados da década de 1970 e se acelera durante toda a década 20 de 1980 em uma conjuntura de profunda crise e estagnação econômica, trouxe de volta a voz da sociedade. A democratização teve como ápice institucional a Constituição de 1988. A noção de cidadania foi a base de construção desse novo modelo expresso no texto Constitucional. A Constituição de 1988 institui um capítulo específico para a ordem social e reconhece como direitos sociais o acesso à saúde, previdência, assistência, educação e moradia - além de segurança, lazer, trabalho. A seguridade social institucionaliza um modelo ampliado de proteção social, nos moldes dos estados de bem-estar social, com universalização do acesso, responsabilidade estatal, orçamento próprio e exclusivo e dinâmica política inovadora baseada na integração federativa e na participação da sociedade. A Constituição representou uma ruptura legal baseada em noções pouco sólidas na estrutura social brasileira, como cidadania, democracia e solidariedade social. Constitucionaliza-se ali um novo pacto social, mas suas bases foram frágeis. A ordem social prevista impunha uma nova forma de Estado em uma sociedade com baixos níveis de organização social, antidemocrática em suas instituições estatais e sociais e profundamente desigual. Do ponto de vista organizacional, a política social apresentava uma potente estrutura de oferta e garantia de bens sociais, mas de baixa cobertura, restrita às parcelas médias e ao mercado formal, burocratizada, permeada por particularismos e com alto grau de corrupção. O modelo constitucional teria que conviver com o passado das políticas sociais, com os projetos governamentais que lhe sucederam e com os valores da sociedade que o adotou. E daí resultaria o padrão incompleto e insuficiente de nosso estado de bem-estar social. Nos quase 30 anos de Constituição, pode-se afirmar que as políticas sociais avançaram em aspectos cruciais, como o aparato político-organizacional e a concepção da questão social. Do ponto de vista do aparato político- organizacional, destacam-se a construção de sistemas nacionais tais como os de saúde e assistência social, a expansão de burocracias públicas descentralizadas e unificadas, a participação inédita dos três níveis de governo e a construção dos mecanismos de participação e controle social. E do ponto de vista da concepção da questão social, destacam-se os elementos de 21 'constitucionalização' - incorporação da noção de direito (COUTO, 2008; FLEURY, 2006), de 'abrangência' -, de publicização e incorporação, na agenda pública, de novos temas sociais, e de 'ampliação' - reconhecimento da produção social e da inter-relação dos problemas sociais (LOBATO, 2009). Esses avanços conviveram com restrições significativas, fartamente analisadas pela literatura da área. Contudo, nenhum prognóstico previu a inflexão que atinge as políticas sociais na conjuntura atual. Essa inflexão tem representação na proposta de Emenda Constitucional 55, em discussão no Congresso Nacional, embora seja mais ampla, já que se contrapõe ao pacto Constitucional de 1988 tanto no que toca aos direitos sociais como ao papel do Estado na sua garantia. Até aqui as restrições aos direitos sociais se deram, por um lado, por meio de constrangimentos à expansão do investimento nas áreas sociais, criados ou mantidos pelos sucessivos governos, como é o caso da reedição sistemática da Desvinculação dos Recursos da União ou o impedimento à exclusão das áreas sociais da Lei de Responsabilidade Fiscal ou a disputa acirrada pela definição de mínimos de gastos para os entes federados. Poroutro lado, por disputas intergovernamentais, por meio de projetos políticos distintos em relação à abrangência dos direitos sociais e à amplitude da intervenção estatal, como as diferenças entre o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e o governo do presidente Lula da Silva na condução da política de assistência ou entre esses mesmos governos e as políticas de igualdade racial, por exemplo. Ainda, por disputas entre atores nas arenas setoriais específicas, por recursos ou direção na formulação e implementação de políticas, como a configuração do Sistema Único de Assistência Social (Suas), ou por disputas na descentralização de responsabilidades no Sistema Único de Saúde (SUS). A não ser em manifestações específicas, por meio de discursos de autoridades ou por meio de tentativas ou sucessos na aprovação de legislações restritivas e setoriais, não houve, desde a Constituição, projeto político explícito 22 para reconfiguração ampliada dos direitos sociais previstos na Constituição e materializada no amplo arcabouço de políticas públicas que lhes dá sustentação. Esse projeto hoje existe e está sendo levado a cabo em meio a uma crise política grave, sem base em um programa eleito e que jamais foi apresentado como tal à sociedade. E, mais espantoso, com razoável apoio social das camadas médias. É de fato um projeto de ruptura com a trajetória que vinha sendo delineada e com o modelo de estado de bem-estar social desenhado na Constituição. CONTRADIÇÕES E PERMANÊNCIAS DO ESTADO DE BEM- ESTAR NO BRASIL A literatura de estados de bem-estar seleciona elementos de sua emergência e desenvolvimento que, de explicações históricas, se transformaram em teorias com enfoques mais econômicos (WILENSKY, 1975) ou institucionais (CASTLES, 1989) (AMENTA, 2003; ARRETCHE, 1995). Independentemente do enfoque teórico, há elementos comuns que operam em maior ou menor grau na configuração de políticas sociais e, nesse sentido, servem como categorias para 23 a análise dos casos particulares. Dentre esses elementos, destacam-se o grau de desmercantilização, o compromisso entre capital e trabalho, as relações entre o mercado e o setor público, o papel da burocracia e da autoridade central e o papel das classes médias. Esses elementos são bem conhecidos da literatura brasileira de welfare state, mas, à exceção do papel da burocracia e da autoridade central, não são muito aplicados em pesquisas empíricas para conhecer a intervenção da ou na política social. A desmercantilização, categoria desenvolvida por Esping-Andersen (1990), diz respeito à autonomia dos indivíduos em relação à dependência do mercado de trabalho. As políticas sociais, ao fornecerem bens e serviços independentemente da inserção do indivíduo no mercado, garantem essa autonomia e, nesse sentido, os estados de bem-estar seriam reguladores por excelência do mercado de trabalho. Por outro lado, quanto mais as relações sociais são desmercantilizadas, mais fortalecidos ficam os trabalhadores para reivindicar direitos (ZIMMERMANN; SILVA, 2009). Assim, a desmercantilização envolve o aspecto econômico e também político. No caso brasileiro, as políticas sociais pós Constituição não teriam criado relações sociais inteiramente desmercantilizadas. Mais impactantes na desmercantilização foram medidas tais como a aposentadoria rural e o estabelecimento do mínimo de um salário mínimo para todos os benefícios previdenciários. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), importante benefício para idosos e pessoas com deficiência, com alto impacto positivo na vida desses segmentos, sofreu constrangimentos tanto pela baixíssima faixa de renda de elegibilidade (renda per capita familiar de até 1/4 do salário mínimo) como pelas normatizações excludentes de avaliação médica para as pessoas com deficiência. Esse rigor foi amainado recentemente com a inclusão da avaliação social, que considera impedimentos sociais e não só biomédicos para a concessão do benefício (LOBATO; BURLANDY; PEREIRA, 2016). O impacto dessa medida ainda não é totalmente conhecido. Entretanto, quando combinada com a renda e com as regras para a análise da composição familiar, não parece que o acesso das pessoas com deficiência ao benefício poderá ser estendido de forma significativa. 24 O BPC atinge cobertura significativa para os idosos em extrema pobreza, mas não parece que vá ampliar sua cobertura ao amplo contingente de pessoas com deficiência, muitas das quais crianças e pessoas com transtornos mentais, cujas deficiências tornam pouco provável a inserção de muitas delas no mercado de trabalho. A insuficiência de serviços correlatos de saúde, de assistência e de educação para inclusão nas escolas de crianças e jovens com deficiência, compromete a inclusão social e o futuro destes, assim como aumenta o comprometimento familiar com o cuidado domiciliar, restringindo o acesso ao trabalho de membros da família, principalmente das mulheres, que permanecem dependentes de atividades pouco qualificadas e irregulares. O crescimento do emprego nos anos do governo do presidente Lula da Silva foi expressivo, com a criação de 22 milhões de novos empregos, 90% deles empregos formais. Mas foram empregos de baixa qualificação, principalmente no setor de serviços, onde 95% dos empregados recebia até dois salários mínimos (POCHMANN, 2014). O crescimento do emprego no setor de serviços está relacionado ao intenso processo de desindustrialização registrado a partir da década de 1990 e, embora a formalização reduza a precariedade do trabalho, já que permite o acesso a diretos tais como o seguro desemprego, envolve funções de baixa qualificação não ocupadas pelas camadas médias, permanecendo, portanto, 'gargalos' em áreas onde há exigência de qualificação (MONTALI; LESSA, 2016). A dinâmica em si do trabalho permanece insegura, haja vista o crescimento expressivo do benefício do auxílio doença previdenciário, que, de cerca de 30% das concessões do Regime Geral em 2000, passou a 55, 6% em 2006 (estabilizando-se em torno de 45% nos anos seguintes) (FREITAS, 2013). Vários fatores contribuíram para esse aumento, que recentemente gerou medidas de controle por parte da Previdência Social, e dentre eles estão as restrições para o reconhecimento dos acidentes de trabalho que geram o auxílio- doença acidentário. Analisando a mobilidade de renda em regiões brasileiras, Montali e Lessa (2016) confirmam que o aumento da renda registrado entre 2001 e 2012 'não foi acompanhado por melhorias substanciais em outros indicadores, tais 25 como qualidade do emprego e educação', apesar das diversas políticas e ações nesse sentido. Acrescentam que, apesar do progresso registrado no acesso aos serviços públicos urbanos entre 2001 e 2012, ainda há distância significativa entre setores de renda. Precariedade do emprego, baixo nível educacional, insegurança em relação ao acesso a benefícios quando em situação de risco e insuficiência dos serviços universais mostram a fragilidade do processo de desmercantilização do nosso estado de bem-estar. Também, precisam ser considerados os efeitos da globalização sobre os estados de bem-estar, ainda são pouco conhecidos no Brasil, principalmente a abertura do mercado nacional sobre os setores relacionados aos serviços sociais (CORTEZ, 2008). Essa nova configuração influencia também a conformação e os interesses dos atores. Exemplos na área de saúde seriam novos atores e principalmente arranjos de interesses advindos das mudanças no mercado hospitalar privado no Brasil, nas empresas de planos de saúde ou o crescimento das empresas de serviços médicos, como as Organizações Sociais. As mudanças na organização produtiva impactam a organização coletiva e as demandas por direitos coletivos. A desmercantilização não depende somente da oferta segura de benefíciose serviços; ela precisa de reconhecimento por parte dos sujeitos coletivos. Pochmann chama à atenção para o fato que a recente ascensão de amplas camadas ao emprego não foi acompanhada de maior participação em sindicatos ou associações (POCHMANN, 2014). Os estudos de política social precisam se voltar mais para a compreensão da dinâmica coletiva, resultado da expansão do nosso estado de bem-estar, para identificar estratégias futuras. A fragilidade do processo de desmercantilização se associa a outro elemento importante à sustentação dos estados de bem-estar, que são os valores (ROSANVALLON, 2000; ESPING-ANDERSEN, 1999). A noção de cidadania, base política da construção do modelo constitucional, parece não ter alcançado o fundamento da solidariedade social que lhe é inerente. A noção prevalente é a do direito; direito à educação, à saúde etc., e da responsabilidade do Estado. Mas esse direito não está necessariamente 26 acompanhado da noção de igualdade, expressa na prestação pública e coletiva, mas, antes, no direito individual. Embora os sistemas públicos sejam sabidamente usados por todos, não há encontro entre os diferentes segmentos, já que se mantém, nos sistemas de proteção, a estratificação social presente na sociedade. É o caso da diferenciação no acesso à escola púbica e superior, do acesso a procedimentos de maior complexidade e do uso regular dos serviços no SUS ou da assistência dirigida preferencialmente à população vulnerável quando um conjunto de violações de direitos são riscos coletivos e podem atingir a todos. O fato de parcela significativa da população ter acesso a seguros privados de saúde não é trivial do ponto de vista da construção coletiva do direito à saúde e dificulta a difusão de uma cultura favorável à proteção social ampliada e igualitária. A construção do nosso estado de bem-estar social democrático, previsto na Constituição de 1988, não contou com um pacto de classes. Mesmo os setores de ponta da classe trabalhadora, que deram suporte ao SUS, mantiveram apoio, mas demandam planos privados de saúde em seus acordos coletivos e não incorporaram os benefícios não contributivos como parte da previdência social. Por outro lado, empresários resistiram à predominância do setor público e à ampliação do papel do Estado no processo Constituinte. O fenômeno da quebra de consenso do welfare é comum aos países que construíram estados de bem-estar, e os teóricos reforçam a dificuldade de se manter a solidariedade social em tempos de globalização e mudança do perfil do trabalho (CORTEZ, 2008). Para esses países, a questão seria como manter sistemas de proteção sem a base valorativa que lhes deu sustentação. Segundo Cortez, 'parece haver crescente deslocamento entre a provisão dos serviços sociais e a manutenção dos pilares que garantiriam uma 'coesão' social (CORTEZ, 2008, P. 164). No caso brasileiro, talvez isso se aplique, e poderia ser identificado pela exigência de serviços sem a correspondente associação com a solidariedade social. Isso explicaria a ausência de associação entre as condições de garantia dos princípios do SUS, como integralidade e equidade e a oferta prioritária e fragmentada de serviços pelo setor privado. 27 Para a assistência social, essa falta de consenso é ainda mais problemática. A construção do Suas tem caminhado pari passu à preferência pelos benefícios de transferência de renda, que, em 2011, representaram 86% da despesa federal na assistência social, restando pouco para a manutenção do sistema e sua rede sócio assistencial (SPOSATI, 2015). Isso não só compromete o sistema como reforça a noção da assistência como forma de política para pobres e, mais, para pobres de renda. Apesar do avanço normativo da assistência social por meio de medidas tais como a tipificação dos serviços assistenciais, o que muda a lógica de relacionamento com entidades voluntárias de prestação de serviços, e da Lei nº 1. 2435/2011, que regulamenta o Suas e cria a estrutura de proteção básica e especial, rompendo com a lógica de atenção por segmentos, o sistema é ainda marginal na configuração da proteção social. Dois mecanismos presentes no Bolsa Família, que é a vitrine da proteção aos pobres, comprometem a desmercantilização; são eles a contrapartida exigida para o benefício e a ideia de porta de saída. Noções comuns na concepção contemporânea do workfare, esses mecanismos tratam o recurso à assistência como risco eventual. A contrapartida, mesmo que seja do tipo soft, ou seja, evite penalizar o beneficiário que não cumpre as exigências de vacinação e frequência escolar - ao menos era assim até agora - reforça a noção clássica liberal de controle sobre os pobres. Já a porta de saída, ou a criação de oportunidades para reinserção dos beneficiários no mercado de trabalho, é mais perversa, já que trata processos de amplitude diversas - a situação de pobreza ou pobreza extrema - no mesmo nível da recepção de uma dada qualificação e consequente entrada no mercado de trabalho. Se essa concepção de porta de saída não tem mostrado efeitos significativos em países com maior escolaridade e melhores condições de trabalho, quiçá aqui. O modelo constitucional também careceu de uma coalizão político- partidária de apoio. Estados de bem-estar podem ser menos dependentes dos partidos, sindicatos e movimentos sociais quando estão consolidados, passando a contar com o apoio de usuários e profissionais dos serviços. No caso brasileiro, 28 as coalizões foram setoriais, como na saúde e na assistência, formadas principalmente de profissionais e servidores, e, pouco, de partidos. Essas coalizões centraram esforços na construção dos sistemas por meio da formação de políticas públicas. Tal estratégia foi bem sucedida, porque, mesmo sem apoio partidário forte e sendo marginais aos projetos econômicos, os sistemas de proteção públicos cumpriram papel político para os distintos governos, fosse como parte do projeto de 'modernização' do Estado - como no caso do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso - ou como parte de um projeto 'neodesenvolvimentista' - como nos governos do presidente Lula da Silva e parte do governo da presidente Dilma Roussef. A capacidade reformadora da política pública, contudo, mostrou seu limite frente às fragilidades estruturais de baixa inserção na política econômica, baixo grau de desmercantilização, ausência de valores igualitários e baixo apoio político-partidário. A prioridade à institucionalização por meio de políticas públicas foi extremamente positiva do ponto de vista legal e da construção dos sistemas nacionais, mas não atingiu, da mesma forma, as esferas subnacionais. Um dos preceitos mais inovadores das políticas sociais pós 1988 foi a descentralização como mecanismo de fortalecimento da democracia contra a tradição centralizadora, embora pareça ter sido um dos problemas da expansão dos sistemas nacionais. As instâncias de pactuação como mecanismos inovadores de negociação nas políticas sociais não têm sido capazes de enfrentar os conflitos federativos e o modelo de competição partidária nos estados e municípios. 29 CONCLUSÃO A ordem social instituída na Constituição de 1988 inaugurou um modelo avançado de estado de bem-estar, exercendo importante impacto nas condições de vida da população até aqui. Mas elementos estruturais à sustentação de tal modelo não puderam ser alterados ou o fizeram de forma tímida. Dados os sucessivos contextos desfavoráveis à consolidação do modelo, seu desenvolvimento priorizou a dinâmica estatal, principalmente em nível federal, por meio de políticas setoriais, serviços e benefícios, o que não lhe dá solidez para enfrentar conjunturas de retração. A prioridade à dinâmica estatal foi também um tipo de 'estratégia de barricada' de defesa das políticas sociaisfrente à sua dissociação dos modelos econômicos sucessivamente adotados, em especial na saúde. Mesmo o chamado no desenvolvimentismo não encontrou lugar para a expansão da universalização na área social, sendo mais ativo no incentivo ao consumo e aos mercados e na prioridade aos programas de transferência de renda. Nem nesse momento propício, a saúde, apesar de sua importância como setor industrial, recebeu lugar de destaque, ao contrário, aprofundou sua dependência do mercado externo. Esse também foi o caso em outros países latino-americanos, onde o modelo progressista não conseguiu romper a herança das políticas econômicas do período liberal que o precedeu. Apesar dos avanços desse modelo, há que se debitar também à antinomia entre expansão ampliada do bem-estar e políticas macroeconômicas os entraves vividos hoje. A relação positiva e bem sucedida entre expansão de políticas sociais e democracia no Brasil, expressa na transição democrática, na Constituição de 1988 e posteriormente no desenho das políticas sociais, se tomada frente ao retrocesso que se avizinha, parece ter se esgotado e há que ser recriada. Sabe- se que democracia e políticas sociais não andam necessariamente juntas, e a história brasileira é um bom exemplo. Mas o esforço empreendido nos últimos 30 anos de relacioná-las autorizava a suposição de que algumas etapas haviam sido vencidas e não seriam alteradas, apesar dos embates constantes nas áreas de financiamento e gestão das políticas e nas dificuldades de superar as formas 30 tradicionais de intermediação de interesses, muito presentes na dinâmica real das políticas sociais, que é aquela vivida pela população. Como recriar o sentido democrático dos direitos sociais e da cidadania social? Qual democracia é capaz de dar o sentido pleno às políticas sociais? Que políticas sociais adensam efetivamente a democracia? O Brasil e os casos latino-americanos desafiam a literatura sobre estado de bem estar social a responder a essas perguntas. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) tem indicado a necessidade de aprofundamento da democracia deliberativa; de inserção do bem-estar como mecanismo de desenvolvimento econômico; de valorização das manifestações sociais ainda pouco visíveis, como os movimentos de moradia e terra, de cultura, de favelas, mulheres, negros, homossexuais, onde a política social é menos institucional e mais identitária, onde o acesso a serviços é resultado de direitos substantivos e não o contrário. As respostas estão por vir, mas, nos seus 40 anos, o Cebes mostra juventude para começar de novo, se preciso for. 31 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTLES, F. G. The comparative history of public policy Oxford: Oxford University, 1989. COUTO, B. R. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2008. CORTEZ, R. P. S. Globalização e Proteção Social nos países desenvolvidos: uma análise da literatura. Rev. Sociol. 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