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Florianópolis, NUP - Núcleo de Publicações do CED 2011 Organizadora Maria Hermínia Lage Fernandes Lafin Ministério da Educação /MEC Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI GOVERNO FEDERAL PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Vana Roussef VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA Michel Miguel Elias Temer Lulia MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial e total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para a venda ou qualquer im comercial. A responsabilidade pelos conteúdos técnicos dos textos e imagens desta obra é dos autores. Tiragem 500 exemplares. 1a edição ano 2011. Reitor Vice-Reitor Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão Álvaro Toubes Prata Carlos Alberto Justo da Silva Débora Peres Menezes E24 Educação de jovens e adultos e educação na diversidade / organizadora Maria Hermínia Lage Fernandes Lain. – Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. 330 p. ISBN: 978-85-87103-64-2 Inclui bibliograia 1. Educação de adultos. 2. Educação do adolescente. 3. Direito à educação. I. Lain, Maria Hermínia Lage Fernandes. CDU: 374.7 Coordenadora do NUP Patrícia L. Torriglia Organização deste número Maria Hermínia Lage Fernandes Lain Editor Técnico Maria Hermínia Lage Fernandes Lain Revisão Adriana Cristina F. L. Castoldi Normatização Tatiana Rossi Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Camila Paz Fotografias Maria Hermínia Lage Fernandes Lain (arquivo pessoal) Comissão Editorial do Nup Araci Isaltina de Andrade Hillesheim Diana Carvalho de Carvalho Edel Ern Eneida Oto Shiroma Francisco das Chagas de Souza José André Peres Angotti Leda Scheibe Lucídio Bianchetti Maria das Dores Daros Marlene de Souza Dozol Marli Auras Olinda Evangelista Patrícia Laura Torriglia Rosely Perez Xavier Vera Lúcia Bazzo Wladimir Antônio Costa Garcia Coleção Cadernos CED 15 Universidade Federal de Santa Catarina Núcleo de Publicações do CED / NUP Centro de Ciências da Educação Campus Universitário -Trindade CEP 88010-970 Florianópolis/Santa Catarina Tel.: (048) 3721-9586 Fax: (48) 3721-9752 http://www.perspectiva.ufsc.br/ 4 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de SUMÁRIO Apresentação 01 | Legislação, Políticas Públicas e Concepções de Educação de Jovens e Adultos Anderson Sartori 02 | Projeto de Intervenção e Metodologia da Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos na Diversidade Adriana da Costa 03 | Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, Espaços e Múltiplos Saberes Dóris Regina Marroni Furini Olga Celestina da Silva Durand Pollyana dos Santos 09 12 126 158 Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 5 04 | Mediações Pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos Maria Hermínia Lage Fernandes Laf f in 05 | Prática Docente e Currículo na Educação de Jovens e Adultos Regina Bittencourt Souto 06 | Educação a Distância: Expansão e Inovação Araci Hack Catapan 246 280 312 Organizadora: MARIA HERMíNIA LAgE FERNANDES LAFFIN APRESENTAÇÃO Este livro integra um conjunto de proposições e produção de saberes de um grupo de estudiosos e pesqui- sadores em Educação de Jovens e Adultos da Universidade Federal de Santa Catarina que atuam no curso de Especia- lização em Educação de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade, o qual faz parte da Rede de Educação para a Diversidade, que tem como objetivo principal a imple- mentação de um programa de formação continuada por parte da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetiza- ção, Diversidade e Inclusão/SECADI/MEC para profes- sores e proissionais da educação nas áreas da diversidade. Nesse contexto, nos debates relacionados à forma- ção de professores de EJA esses pesquisadores apresentam os seguintes textos: Legislação, Políticas Públicas e Concep- ções de Educação de Jovens e Adultos de Anderson Sartori; Projeto de Intervenção e Metodologia da Pesquisa em Educa- ção de Jovens e Adultos e Educação na Diversidade, organi- zado por Adriana da Costa; Dóris Marroni Furini, Olga Celestina da Silva Durand e Pollyana dos Santos desen- volvem relexões acerca dos Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, Espaços e Múltiplos Saberes; Maria Hermínia Lage Fernandes Lain sistematiza debates sobre a prática A presentação docente no texto Mediações Pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos e Regina Bittencourt Souto problematiza a Prática Docente e Currículo na Educação de Jovens e Adul- tos. Por último, no texto Educação a Distância: Expansão e Inovação, Araci Hack Catapan traz contribuições para a relexão sobre as mediações das tecnologias para o ensino. No conjunto desses textos tem-se como inalidade contribuir com a formação de professores e demais sujei- tos que atuam junto aos movimentos de educação para a diversidade, visando a apropriação de novos conhecimen- tos, a proposição de práticas pedagógicas, a articulação de conhecimentos escolares e cotidianos, e o diálogo com os currículos no sentido de pensarmos a educação na diver- sidade. Objetiva-se assim, o comprometimento dos su- jeitos por práticas de inclusão e de multiplicação em redes de formação que visualizem a docência e a participação social em busca de oportunidades de ensino, aprendiza- gem e de acesso a bens culturais e materiais e à produção do trabalho docente. Maria Hermínia Lage Fernandes Lain Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos - EPEJA/UFSC A pr es en ta çã o 01. LEgISLAÇÃO, POLíTICAS PÚBLICAS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 14 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de LEgISLAÇÃO, POLíTICAS PÚBLICAS E CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ANDERSON SARTORI1 1. INTRODUÇÃO A educação brasileira sofreu alterações signiica- tivas ao longo do século XX, saindo de uma situação na qual, legalmente e socialmente, o sujeito ser escolarizado não era algo necessário e obrigatório, para tornar-se um direito fundamental de todos e todas. A educação escolar não era prioridade para a maioria dos ilhos e ilhas dos trabalhadores ou demais pessoas que viviam em condições econômicas desfavorá- veis, sendo a mão-de-obra das crianças e jovens necessá- rias para o sustento da família. Uma relação de produção, exploração e exclusão, que infelizmente, perdura ainda na sociedade brasileira. Esta condição histórica, atrelada a outros fatores, 1. Mestre em Educação, pós-graduado em História de Santa Catarina e graduado em História (licenciado e bacharel) pela UNIVALI , foi professor do curso de história da UNIVALI, coordenador do curso de EJA nessa mesma instituição, coordenador do Fórum Estadual de EJA de SC (2008-2009) e coordenador do Fórum Regional de EJA de Itajaí – SC (2005-2007; 2008-2009). Atualmente é Professor no Instituto Federal Ciência e Tecnologia Catarinense – Campus Sombrio. Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 15 gerou um processo de exclusão ao processo educacional de milhões de brasileiro, em todas as regiões brasileiras, sendo mais complexa esta situação nos espaços no qual a urbanização e o desenvolvimento industrial ocorreram de forma menos signiicativa. As populações das áreas rurais acabaram sendo as mais prejudicadas e o luxo populacional que passou a se efetivar no país, com o êxodo rural, a partir da década de 1950. Com o aumento da migração do campo para as cidades, o acesso escolar, pelas próprias diiculdades de in- fraestrutura e atendimento desses novos centros urbanos, não foi facilitado, pelo contrário, muitas vezes tornou-se ainda mais difícil. As décadasseguintes, que marcam o período em que o Brasil passa a modernizar-se, a tornar-se industrializado, através da entrada de capitais e empresas estrangeiras, marca um início, tímido, da preocupação com a qualiicação do trabalhador. Mas, uma qualiicação voltada para a indústria e não a formação do sujeito en- quanto um ator social e histórico. A importação de métodos e modelos educativos pautados na repetição de conteúdos, com currículos dis- tantes das realidades locais e nacionais, faz com que os processos educativos sejam, como bem caracterizados pelo educador Paulo Freire, como uma educação bancá- ria. Mesmo com os investimentos na educação, milhões de brasileiros, ou não tiveram acesso a escola ou concluí- am somente as primeiras séries primárias, com um domí- nio parcial ou insuiciente, da escrita, leitura e princípios 16 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de matemáticos. Neste breve retrato da realidade nacional, perce- be-se como o Estado gerou uma dívida histórica com a população, ao não ofertar a educação escolarizada como um direito de todos e todas. Com a crescente necessidade da certiicação para diferentes setores da economia e ou- tros espaços sociais, milhões de jovens e adultos, que não haviam frequentado a escola, passaram a estar em uma condição de inferioridade social. Apresentamos a seguir uma tabela, organizado a partir das informações disponibilizadas pelos Censos e es- timativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geograia e Es- tatística) referente ao analfabetismo na sociedade ao longo do século XX e início do século XXI, na população com 15 anos ou mais de idade. Tabela1: População Analfabeta - Séculos XX - XXI e idade de 15 anos ou mais. Fonte: Censos Demográicos e Síntese de Indicadores Sociais de 2007 (BRASIL, 2007 a) ANO 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2006 POPULAÇÃO 9.728.000 17.564.000 23.648.000 30.188.000 40.233.000 53.633.000 74.600.000 94.891.000 119.533.000 138.600.000 POPULAÇÃO ANALFABETA 6.348.000 11.409.000 13.269.000 15.272.000 15.964.000 18.100.000 19.356.000 18.682.000 16.295.000 14.391.000 TAXA DE ANALFABETISMO (%) 65,3 65,0 56,1 50,6 39,7 33,7 25,9 19,7 13,6 10,4 Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 17 Analisando a tabela temos uma redução nos da- dos percentuais, mas observa-se que se levarmos em conta os números absolutos, ponderando com o crescimento populacional, não temos uma redução signiicativa dos dados. Uma das hipóteses refere-se a diiculdade em pro- piciar as condições para os sujeitos permanecerem no ambiente escolar e as diiculdades de acesso dos jovens e adultos que não se alfabetizaram ou os que também não retornam aos bancos escolares. Os programas de alfabetização desenvolvidos pelo governo federal ao longo do século XX não consegui- ram efetivamente alfabetizar milhares dos jovens e adul- tos que passaram pelos seus bancos escolares, seja pela questão do tempo de desenvolvimento de trabalho para a alfabetização ou pelos métodos pedagógicos utilizados. O MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), promovido a partir da década de 1970 pelo governo mili- tar deixou marcas profundas e signiicativas na sociedade, sendo um estigma as pessoas não alfabetizadas. Neste contexto histórico, a falta ou precariedade de atendimento educacional por parte do Estado (em suas diferentes estâncias), gerou esta situação histórica de bai- xo nível de escolarização da população brasileira, que a partir da década de 1980, torna-se um problema social, na qual os governos passam a prestar a atenção e investir, embora nem sempre da forma mais adequada ou atenden- do as especiicidades destes sujeitos jovens e adultos. 18 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de Um dado que se torna alarmante, neste contexto, quando visualizamos a distância que separa a demanda potencial de EJA (Educação de Jovens e Adultos) para a Educação Básica e a insuiciência de vagas disponíveis para atender esta demanda. Percebe-se que este descompassado histórico é uma divida que o Estado tem para com sua população, para efetivar a garantia do direito à educação. De uma demanda de um pouco mais de 86 mi- lhões de jovens e adultos que não concluíram a educação básica, o Estado brasileiro atende cerca de quatro milhões 95.000 90.000 85.000 80.000 75.000 70.000 65.000 60.000 55.000 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 86.060 4.385 Brasil 6.734 346 Norte 26.280 784 Nordeste 34.369 1.920 Sudeste 12.650 975 Sul 6.018 361 Centro-Oeste Demanda Potencial Nº de pessoas que frequentam EJA Gráico 1: Demanda e frenquência de EJA Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 19 e meio deste público. Uma diferença extrema entre a de- manda existente e a atendida. Por que estas diferenças tão gritantes nestes números? O que impede que o Estado não consiga garantir o direito constitucional de educação básica para todos? Por que a EJA, frente a esta realidade, continua ainda relegada a um segundo plano nas políticas públicas estatais e nos próprios espaços escolares? Algumas das questões que precisam ser levantadas para compreendermos os caminhos e percursos do desenvolvi- mento da educação nacional e como a EJA foi se articu- lando neste processo histórico. Analisar este processo pos- sibilitará o entendimento das concepções que a sociedade e o próprio Estado construíram sobre esta modalidade de ensino. 1.1 AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E A EDUCAÇÃO 1.1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR: DIREITO DE TODOS E TODAS? Embora a legislação seja um tema árido e muitas vezes considerado um tema “chato”, através dos marcos legais de uma sociedade é possível analisar as represen- tações e conceituações sobre diferentes campos da vida e 20 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de das formas de organização da mesma. As representações sociais acerca da educação de jovens e adultos de hoje, estão alicerçadas nas concepções de décadas atrás. Ou seja, somos herdeiros diretos de um passado, que se não for ressigniicado, perdurará suas ideias e convicções por ge- rações que estão por vir. Os documentos legais, em especial as Constitui- ções, encerram em si as concepções de determinado tempo sobre a forma de ordenação e deinição do que é ser sujei- to, cidadão e de pertencimento a tal organização e modo de vida social. Analisar as constituições é analisar também uma determinada concepção de direito e de sociedade. A legislação não é somente um ato de legisladores, mas é o relexo do movimento social daquele momento histórico. Outro ponto fundamental refere-se à distância entre a legislação e sua efetivação, pois ter a legislação não representa efetivamente a garantia do direito dos cida- dãos, pois cumprir a lei e fazê-la ser cumprida demanda de uma série de controles e dispositivos, que nem sempre são adequados ou são interessantes naquele momento. As leis necessitam de uma constante iscalização, tanto dos poderes públicos como da sociedade para se efetivarem e garantirem a ordem que se quer estabelecer. Um dos mais graves problemas da educação em nosso país é sua distância em relação à vida e a processos sociais transformado- res. Um excessivo academicismo Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 21 e um anacronismo em relação às transformações existentes no Bra- sil e no resto do mundo, de um modo geral, condenaram a Edu- cação Fundamental, nestas últi- mas décadas, a um arcaísmo que deprecia a inteligência e a capaci- dade de alunos e professores e as características específicas de suas comunidades. Esta diretriz prevê a responsabilidade dos sistemas educacionais e das unidades esco- lares em relaçãoa uma necessária atualização de conhecimentos e valores, dentro de uma perspecti- va crítica, responsável e contextu- alizada (BRASIL, 1998, p. 11). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um dos marcos legais de uma trajetória histó- rica de lutas, especialmente por ser a Constituição que substituiu as constituintes do período do governo militar (1964-1985) e que representava a busca da democracia e da representativa da população brasileira. É a Constitui- ção que está em vigor, embora seu texto original tenha recebido uma série de mudanças, seja com supressões ou novas redações. A educação nesta Constituição é assim deinida: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí- 22 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimen- to da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali- ficação para o trabalho (BRASIL, 1989, p. 99). O Estado e a família são deinidos como os res- ponsáveis por garantir a educação, um direito de todos. Entretanto, a educação como um direito de todos e dever do Estado, não se efetivou para milhões de brasileiros ao longo destas décadas que nos separam de 1988. Os dados do IBGE, através da Pesquisa Nacio- nal por Amostragem de Domicílios (PNAD) “mostram que a taxa de analfabetismo encontrada para as pessoas de 15 anos e mais, em 2006, foi de 10,4%, o que corres- ponde a 14,4 milhões de indivíduos” (BRASIL, 2007 a, p. 40). Quanto ao analfabetismo funcional (pessoas com 15 anos ou mais de idade com menos de 4 anos comple- tos de estudo, segundo a UNESCO), temos que “a taxa era de 21,7%, o que representava cerca de 30 milhões de pessoas” (BRASIL, 2008, p. 45). Ou seja, o Estado não conseguiu sequer alcançar um patamar mínimo nos níveis de alfabetismo em sua população. Um dado que, infeliz- mente, não é tratado com a devida atenção e seriedade dentro dos investimentos e das políticas públicas na área educacional. Um exemplo desta realidade: o Plano Nacional de Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 23 Educação de 2001, no que se refere a EJA, apontava como sua primeira meta “1. Estabelecer, a partir da aprovação do PNE, programas visando alfabetizar 10 milhões de jo- vens e adultos em cinco anos e, até o inal da década, er- radicar o analfabetismo” (BRASIL, 2001). Confrontando esta meta com os dados apresentados no IBGE, percebe- -se que quase nada foi feito para modiicar esta realidade. Poderíamos ainda apresentar aqui outros dados estatísti- cos que apresentariam com ainda mais gravidade o nosso quadro de exclusão e desigualdade social e as diiculdades de operação por parte do Estado em constituir uma efeti- va política pública, e não de governo, para a educação e a EJA, em especial. Temos um quadro estatístico alarmante e que requer medidas dos governos e da sociedade civil para garantir um direito que hoje é imprescindível. Airmamos que hoje é imprescindível pois se re- tornarmos a duas, três, quatro décadas atrás, não ter o ensino fundamental era algo que não fazia falta, na maio- ria das regiões brasileiras, especialmente as rurais, pois o próprio acesso à escola era algo bastante complicado. Efetivamente, as diiculdades com a educação não são parte de um governo em especíico, mas sim de uma construção de Estado Nacional Brasileiro, que tem início efetivamente com a independência do Brasil em 1822. Desta forma, o sistema educacional ou a organização es- colar brasileira, ganha contornos e direções a partir deste contexto. Falar de educação de jovens e adultos em perí- odos anteriores a este momento histórico é tratar de uma 24 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de outra forma de educação, que não tem características ou pertencimento ao que temos de conceito de EJA atual- mente. É anacrônico situar as origens da EJA no Brasil, por exemplo, com a vinda dos padres jesuítas no século XVI. Precisamos superar estas visões estereotipadas para avançarmos na construção de uma educação que atenda as especiicidades dos sujeitos jovens e adultos, seja ele do- cente ou discente. 1.1.2 OS TEXTOS CONSTITUCIONAIS E AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO A 1ª Constituição Brasileira foi produzida no re- gime imperial, datada de 1824. Essa Constituição man- teve-se por todo o governo imperial, sendo substituída somente após a mudança do regime político com a pro- clamação da República. O Brasil independente herdará o regime político da metrópole portuguesa e também a mesma família real. Um contexto marcado pela legalidade do uso de mão-de-obra escrava, principalmente africana, com clientelismos, repressões violentas as tentativas de re- belião ou separação (Guerra dos Farrapos, por exemplo), busca de modernização da economia, fortalecimento de mercado, entre outro aspectos que não há espaço hábil para serem descritos aqui. Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 25 Neste quadro, de um governo centralizado em atender os interesses de uma pequena parte da população com maior poder econômico, a educação, ou nos termos da época, a instrucção estava destinada: Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Ci- dadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança indi- vidual, e a propriedade, é garanti- da pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos (CAMPANHOLE; CAMPA- NHOLE, 1998, p. 832-833). Em um primeiro olhar podemos dizer que o di- reito à educação estava garantido nessa constituição, mas não efetivamente. Somente aos cidadãos esse direito era assegurado, sendo que os cidadãos eram considerados so- mente as pessoas livres ou libertas, ou seja, uma pequena parcela da população efetivamente conseguia ter acesso aos níveis elementares de escolarização. A educação, neste contexto histórico, não era objeto de preocupação e inves- timento político e econômico. A pergunta se faz necessá- ria: se para as crianças ter acesso à “instrucção primaria” era um problema, o que se pode dizer da situação de jo- vens ou adultos que buscassem querer a alfabetização, por exemplo? 26 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de Com a mudança de regime político, em 1889, com a proclamação da República, não veio esta mudança acompanhada de melhorias para o quadro educacional; ao contrário, descentralizou-se o direito, colocando ao indi- víduo e aos estados o dever de buscar e desenvolver a edu- cação. Na primeira Constituição do Brasil República, ica a cargo, então, de acordo com a Constituição de 1891, do Congresso Nacional o papel de criar os espaços de ensino, conforme descrito a seguir: Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativa- mente: 1º) velar na guarda da Constitui- ção e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter federal; 2º) animar no Pais o desenvolvi- mento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricul- tura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; 3º) criar instituições de ensino su- perior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundá- ria no Distrito Federal (CAM- PANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 759). Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 27 Uma das formas de mobilizar o cidadão a buscar sua educação escolar foi a vinculação do voto à alfabetiza- ção. No artigo 70 da Constituição de 1891, ao tratar “Das Qualidades dos Cidadãos Brasileiros”, deine que somente poderão votar os maiores de 21 anos, sendo que em seu parágrafo 2º restringe essa possibilidade somente aos al- fabetizados e excluindo os analfabetos. Em um contexto histórico marcado pela entrada maciçade imigrantes eu- ropeus, com a libertação dos escravos e o início do pro- cesso de urbanização em larga escala, temos uma Consti- tuição que coloca a alguns as possibilidades de requerem e terem acesso a seus direitos, deixando novamente uma maioria de fora. Por sua vez, os processos históricos nos anos inais do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX mostraram a necessidade de reformulação do texto legal. Os movimentos políticos e sociais foram outro fator im- portante nessa trajetória de luta dos brasileiros e brasilei- ras pela igualdade de acesso a esses direitos. Os ideais anarquistas, comunistas, socialistas, ga- nham eco no território brasileiro, seja no campo político, seja no social, com a busca pela efetivação de direitos bá- sicos, ganhando espaço assim nos centros urbanos que se desenvolviam, em especial no sudeste brasileiro. Em um contexto em que as inovações tecnológicas chegavam e demarcavam novas formas de relação com o tempo e o espaço: trens, automóveis, telefone, cinema, eletricidade... O ilme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin (1936) 28 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de é uma excelente forma de visualizar as mudanças e as for- mas como estas afetavam a estrutura social. A expansão da industrialização, da urbanização e a entrada de ideais de esquerda passaram a mobilizar segmentos da sociedade preocupados com os caminhos e descaminhos pelos quais o Brasil seguia. O impacto cau- sado pela crise de 1929 e os prejuízos gerados pelas perdas na exportação de produtos agrícolas, em especial o café, faz os regimes de contestação ganharem força resultando na Revolução de 1930. Na década de 1920, o Brasil mal alcançava a cifra de 18 milhões de habitantes em todo seu território. O processo constituinte de 1933 terá esse caráter mobilizador e de discussão com diferentes segmentos da sociedade que buscam ter seus direitos garantidos na Lei maior. Assim, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 reconhece, pela primeira vez, na história independente do país, o direito à educação para todos: Art. 149 - A educação é direito de to- dos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eicientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana (CAMPANHOLE; CAMPANHO- LE, 1998, p. 724). Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 29 Podemos perceber as inluências dos movimen- tos sociais que discutiam e propunham um novo arranjo à educação brasileira, presentes nessa escrita da nova lei. Citamos aqui o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932. A concepção de uma sociedade demo- crática passava pela escola ser um desses espaços de inte- gração e discussão fundamentais na educação do cidadão brasileiro. Outro ponto importante desta Constituição, nesse contexto, é seu artigo 150 que coloca como obriga- ção à União a elaboração do Plano Nacional de Educação, entre outras: Art 150 - Compete à União: a) fixar o plano nacional de edu- cação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fis- calizar a sua execução, em todo o território do País; b) determinar as condições de re- conhecimento oficial dos estabe- lecimentos de ensino secundário e complementar deste e dos insti- tutos de ensino superior, exercen- do sobre eles a necessária fiscali- zação; c) organizar e manter, nos Terri- tórios, sistemas educativos apro- priados aos mesmos; d) manter no Distrito Federal en- sino secundário e complementar deste, superior e universitário; 30 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiên- cia de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País, por meio de estu- dos, inquéritos, demonstrações e subvenções (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 724). Temos expresso o direito de todos à educação, es- tendendo assim aos adultos através da ação de suplência, como determina o item e o artigo citado. Um avanço no sentido do Estado assumir, efetivamente, na legislação, o não atendimento e acesso desse segmento da população. E ainda nesse artigo, ao referir-se ao Plano Nacional, esse direito aos adultos é novamente reairmado: Parágrafo único - O plano nacio- nal de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e , só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às se- guintes normas: a) ensino primário integral gra- tuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos; [...] (CAM- PANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 724) Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 31 Com o golpe que instituiu o Estado Novo em 1937, o referido Plano Nacional de Educação, produzido entre 1936/37, não chegou sequer a ser votado. A Cons- tituição oriunda desse golpe procura resguardar determi- nados segmentos da elite frente às demandas de maior democratização da sociedade, bem como representa a pro- posta de um projeto modernizador, embora excludente. Na introdução dessa constituição expressam-se as justiicativas desse novo texto legal devido, entre outros elementos, aos fatores de desordem gerados pela propa- ganda ideológica e partidária e a iniltração comunista. No que se refere à educação temos, ao determinar a organização nacional, em seu artigo 15, a competência privativa da União em [...] “IX - ixar as bases e determi- nar os quadros da educação nacional, traçando as dire- trizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude;” (FÁVERO, 2001, p. 307). Outro ponto importante a destacarmos é a preocu- pação dessa Constituição com a infância e a juventude. Ao referir-se à Família, temos as seguintes obrigações, em consonância com o Estado: Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o di- reito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, co- laborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências 32 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de e lacunas da educação particular. [...] Art 127 - A infância e a juventu- de devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as me- didas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvi- mento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos respon- sáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê- -las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o di- reito de invocar o auxílio e prote- ção do Estado para a subsistência e educação da sua prole (CAM- PANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 621-622). A preocupação com a presença de ideologias co- munistas e anarquistas, aliada à expansão do nazismo e fascismo na Europa impregnavam o imaginário com as mais terríveis possibilidades para uma nação como a bra- sileira. As medidas repressoras e saneadores vieram ao en- contro de um modelo de sociedade almejado e proposto Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 33 por uma elite, e ica expresso na legislação esse abismo social, com o Estado contribuindo àqueles com menores ou sem as mínimas condições inanceiras. As medidas de nacionalização do ensino desse pe- ríodo, com o fechamento das escolas coloniais e aquelas que ministrassem suas aulas em língua que não fosse a pátria gerou um novo processo de exclusão dosespaços es- colares e aumentou o analfabetismo, pois muitas crianças, pelas próprias condições sociais e econômicas, abandona- vam a escola. O falar e o saber ler e escrever em uma língua es- trangeira, como ocorria em larga escala nas colônias de imigrantes no sul do Brasil, era tido como um perigo a ser combatido, se necessário, com o uso da força policial, como efetivamente aconteceu. O período de 1939 a 1945 é marcado pela 2ª Guerra Mundial e todas as consequências que ela desen- cadeou, gerando com o im do conlito a volta do regime democrático ao Brasil. Com a democracia, os movimentos sociais e po- pulares retomam suas lutas, agora sem o perigo da re- pressão por parte dos poderes estatais. A Constituição de 1946 estabelece assim o direito à educação: Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na es- cola. Deve inspirar-se nos princí- pios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. 34 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Po- deres Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino ofi- cial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, co- merciais e agrícolas, em que tra- balhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primá- rio gratuito para os seus servido- res e os filhos destes; IV - as empresas indústrias e co- merciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respei- tados os direitos dos professores; (CAMPANHOLE; CAMPA- NHOLE, 1998, p. 517). Como se pode ver, a concepção de educação como direito de todos é retomada, embora se deva observar, no artigo 168, que somente o ensino primário era obrigató- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 35 rio, com o comprometimento das empresas em ofertarem também o ensino primário gratuito a seus empregados e ilhos. Devido às heranças históricas do período do Estado Novo, não teremos avanços signiicativos no que se refe- re a uma legislação que regulamentasse o exposto nessa Constituição. Os conlitos para deinição entre público e privado, ensino laico ou religioso, centralizar ou descen- tralizar, demandaram muito tempo de discussão, gerando assim este descompasso. Somente em 1961 teremos a pri- meira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/61. BRASIL, 1961). O golpe militar de 1964, com a derrubada do go- verno de João Goulart abre um novo momento da história nacional, retornando a política a um regime autoritário e militar. A democracia, que estava se efetivando, foi nova- mente abortada em seu processo de consolidação. Com isso, os movimentos sociais se viram atro- pelados pelos interesses das elites conservadoras, com as portas de diálogo e discussão social sendo fechadas pelo sistema repressor instalado. Táticas e estratégias tiveram que ser efetivadas para tentar romper com o controle mi- litar. Não podemos esquecer que nesse contexto histórico temos os trabalhos do Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento de Cultura Popular (MCP) como exemplos de atividades que eram desenvolvidas nas comu- nidades de diferentes regiões do Brasil. A Constituição de 1967, como não poderia deixar de ser, espelha esse contexto em sua redação. No tocante 36 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de à educação, temos os seguintes pontos que merecem ser destacados do texto constitucional: Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de soli- dariedade humana. 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Pú- blicos. 2º - Respeitadas as disposições le- gais, o ensino é livre à Iniciativa particu- lar, a qual merecerá o amparo téc- nico e financeiro dos Poderes Pú- blicos, inclusive bolsas de estudo. 3º - A legislação do ensino adota- rá os seguintes princípios e nor- mas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino dos sete aos quator- ze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratui- to para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 37 falta ou insuficiência de recur- sos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o poste- rior reembolso no caso de ensino de grau superior; IV - o ensino religioso, de matrí- cula facultativa, constituirá dis- ciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio (CAMPANHOLE; CAMPA- NHOLE, 1998, p. 438). Além da manutenção da concepção de educação como direito de todos, esta Constituição deine, pela pri- meira vez, a extensão da escolarização obrigatória até os 14 anos, princípio legal que se mantém na atualidade. A partir dessa proposição cria-se efetivamente a faixa etária “a partir dos 15 anos”, idade que passa a ser considerada aos jovens. Em seu artigo 170 é retomado o princípio da Constituição de 1946 ao deinir que: As empresas comerciais, indus- triais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a lei esta- belecer, o ensino primário gratui- to de seus empregados e dos filhos destes. Parágrafo único - As empresas 38 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de comerciais e industriais são ain- da obrigadas a ministrar, em co- operação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores (CAM- PANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 439). Devido ao aumento da repressão interna, com o Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968, e a centralização nas mãos do poder executivo, com o “reces- so” do Congresso Nacional, em 24 de janeiro de 1969, é promulgada em outubro de 1969 a Emenda Constitucio- nal, modiicando a redação da Constituição de 1967. Nessa nova redação, temos mais uma novidade no que se refere ao direito à educação: Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solida- riedade humana, é direito de to- dos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola. 1º O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Pú- blicos. 2º Respeitadas as disposições le- gais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o am- paro técnico e financeiro dos Po- deres Públicos, inclusive median- te bolsas de estudos. Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 39 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino primário é obrigató- rio para todos, dos sete aos qua- torze anos, e gratuito nos estabe- lecimentos oficiais; III - o ensino público será igual- mente gratuito para quantos, no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo aprovei- tamento e provarem falta ou in- suficiência de recursos; (CAM- PANHOLE; CAMPANHOLE, 1998, p. 324-325). Qual a inovação? Lendo com atenção o artigo 176, temos pela primeira vez o Estado tendo como dever a educação, pois até então garantia se o direito de todos à educação, mas o Estado não era chamado a assumir esse dever. 1.1.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988: AS BASES DO PRINCIPIO LEgAL VIgENTE Nesta breve trajetóriahistórica pelos textos cons- titucionais, a Constituição de 1988, foi redigida em um 40 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de contexto marcado pelo processo de abertura política e de retomada da democracia e do amplo direito de manifesta- ção e organização. Um momento histórico no qual buscou-se garan- tir-se os direitos individuais e coletivos, duramente repri- midos pelos 21 anos de ditadura militar. O preâmbulo da Constituição expressa os sentimentos e desejos reinantes naquele contexto: Nós, representantes do povo bra- sileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para insti- tuir um Estado Democrático, des- tinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a li- berdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, plura- lista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprome- tida, na ordem interna e interna- cional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚ- BLICA FEDERATIVA DO BRA- SIL (BRASIL, 1989, p. 01). Esta Constituição possui avanços se a comparar- mos aos textos anteriores, pois a trajetória histórica e o Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 41 próprio contexto eram favoráveis a ampliação da experi- ência democrática e republicana de direitos. Embora na legislação os avanços sejam visíveis, na prática o texto le- gal não se efetivou, com o direito à educação restrito a determinados segmentos sociais, em diferentes regiões do Brasil. O artigo 208 dessa Constituição apresenta as ga- rantias e o do dever do Estado com a educação, sendo que a redação do mesmo foi atualizada, conforme indicado pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996. Destacamos que os grifos apresentados abaixo indicam os itens que foram alterados da referida legislação. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado median- te a garantia de: I -ensino fundamental, obrigató- rio e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obri- gatoriedade e gratuidade ao ensi- no médio; I - ensino fundamental, obrigató- rio e gratuito, assegurada, inclusi- ve, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) II - progressiva universalização do 42 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; IV - educação infantil, em cre- che e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) V - acesso aos níveis mais eleva- dos do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capa- cidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno re- gular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, trans- porte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obriga- tório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 43 ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da au- toridade competente. § 3º - Compete ao Poder Públi- co recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola (CAMPANHOLE; CAM- PANHOLE, 1998, p. 127). Este é o marco legal que deine os caminhos da educação brasileira na atualidade e todas as leis advindas, seja em nível federal, estadual ou municipal, não podem se contrapor à constituição, como já se sabe. Ou seja, qualquer regulamentação proposta em território nacional para a educação não pode ser contrário ao disposto neste artigo. Importante destacar a garantia do direito ao ensi- no fundamental gratuito a todos, independente da idade. Nesse caso, temos o direito subjetivo, ou seja, aquele di- reito em que é necessária a expressão do sujeito de querer valer-se dele para sua efetivação. Mas como funciona esse direito subjetivo? Como é deinido? Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cum- primento de um dever e de uma 44 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direi- to subjetivo ou seja ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujei- to deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, tra- ta-se de uma regra jurídica que re- gula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cida- dãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a pro- teção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qual- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 45 quer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exi- gi-lo e o juiz deve deferir imedia- tamente, obrigando as autorida- des constituídas a cumpri-lo sem mais demora (BRASIL, 2000, p. 22-23). Analisando os textos constitucionais, é possível compreender como os direitos e as exclusões geradas pela letra da lei, foram fruto das historicamente de determina- dos contextos, produzindo representações e imaginários sobre a educação em geral e criando uma ideia da não prioridade ou necessidade de maiores investimentos na educação de jovens e adultos. A priorização da educação das crianças até os 14 anos e os investimentos no ensi- no superior, que caracterizaram grande parte da década de 1990 e inícios dos anos 2000, deixaram ainda mais a margem os sujeitos jovens e adultos do acesso à educação básica. A política pública, ou a falta dela, geraram formas de tentar suprir as deiciências no atendimento a esta po- pulação. O professor Carlos Roberto Jamil Cury, em seu parecer para o Conselho Nacional de Educação (CNE), referente às Diretrizes Nacionais para a EJA aponta: De todo modo, pode-se assinalar que, em todas as Constituições, atribui-se, de algum modo, à 46 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de União o papel de suprir as defici- ências dos sistemas, de conceder assistência técnica e financeira no desenvolvimento de programas estaduais e municipais, de arti- cular o conjunto das iniciativas exigindo alguma adequação do então supletivo aos princípios ge- rais do ensino atendido na idade própria (BRASIL, 2000, p. 21). Mas além do texto constitucional, no caso bra- sileiro, as leis que regulamentaram a educação nacional também merecem uma análise, mesmo que breve, neste caso a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mais conhecida pela sigla LDB (LDBEN). 1.2 A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E AS CONCEPÇÕES DE EJA AsLeis de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- nal constituem o marco regulatório da educação, deinin- do a organização, as formas, as modalidades, as nomen- claturas, tempos, idades, enim, organizando as práticas nacionais para a oferta da educação em seus diferentes níveis. Isto porque Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 47 O direito à educação parte do re- conhecimento de que o saber sis- temático é mais do que uma im- portante herança cultural. Como parte do patrimônio cultural, o cidadão torna-se capaz de se apos- sar de padrões cognitivos e for- mativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e cola- borar na sua transformação. Ter o domínio de conhecimentos sis- temáticos é também um patamar sinequa non a fim de poder alargar o campo e o horizonte desses e de novos conhecimentos. O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de auto- construção, de reconhecimento em relação à capacidade de ter opções conscientes e críticas e de estima de si (CURY, 2005, p. 20). Diferentemente das constituições, que ao longo da República tiveram várias versões, no que se refere às Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN ou LDB, como é comumente utilizado) temos somente duas nesse mesmo período histórico. A primeira LDB é datada de 20 de dezembro de 1961, conhecida como a Lei 4.024. E a outra LDB é a 48 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de vigente atualmente, deinida pela Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. É comum nos curso de formação inicial e/ou continuada serem citadas outras duas LDBs, o que não procede, pois o que ocorreu efetivamente foi a reforma da lei 4.024, devido às mudanças provocadas pelo regime militar instaurado em 1964. Esta reforma produziu duas leis: a Lei 5.540 de 1968 e a conhecida Lei 5.692, de 1971. A primeira ateve- -se à reforma da estrutura do ensino superior, enquanto a segunda centrou-se em reformar o ensino primário e médio. Para compreendermos este processo, iremos retro- ceder brevemente no tempo, novamente. No período do Estado Novo e sua Constituição, airma-se ser da competência da União a ixação das bases e a determinação dos quadros da educação. Partindo desse pressuposto, o ministro da educação da época, Gustavo Capanema, elabora e implanta as Leis Orgânicas do Ensi- no, através de decretos lei, no período de 1942 a 1946. Através desse conjunto de decretos lei deiniu-se o ensino secundário, o ensino industrial, agrícola, primá- rio e normal. Também foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em 1942; o Servi- ço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) em 1946, icando ambos sob o controle do setor empresarial e comercial correspondente. Importante destacar nesse conjunto de leis orgânicas a seguinte, que apresenta o pri- mário supletivo: O Decreto-lei nº 8.529 de 2/1/1946, Lei Orgânica do En- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 49 sino Primário, reserva o capítulo III do Título II ao curso primário supletivo. Voltado para adoles- centes e adultos, tinha disciplinas obrigatórias e teria dois anos de duração, devendo seguir os mes- mos princípios do ensino primá- rio fundamental (BRASIL, 2000, p. 19). Em 1946, com o im da ditadura do Estado Novo, com o novo governo e a nova Constituição, temos pela primeira vez a expressão “diretrizes e bases”, remetendo- -se à educação nacional. Dessa forma, Clemente Mariani, Ministro da Educação na época, constituiu uma comissão para iniciar os trabalhos de estudos e produção do Projeto de Lei da LDB, que após algumas alterações realizadas pelo Ministério da Educação, foi encaminhado pelo então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, à Câmara Federal, em outubro de 1948. Com uma tramitação de- morada, a primeira LDB brasileira somente é aprovada em 20 de dezembro de 1961. A nossa primeira Lei de Diretri- zes e Bases da Educação Nacio- nal, Lei nº 4.024/61, reconhece a educação como direito de todos e no Título VI, capítulo II, ao tra- tar do ensino primário diz no art. 27: 50 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de O ensino primário é obrigatório a partir dos 7 anos e só será minis- trado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes espe- ciais [Não confundir esta expres- são com o que hoje se entende por classes especiais. Naquele mo- mento, tal expressão se aproxima do que hoje denominamos classes de aceleração] ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de de- senvolvimento. A Lei nº 4.024/61 determinava ainda, no seu art. 99: aos maiores de 16 anos será permitida a obten- ção de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a presta- ção de exames de madureza, após estudos realizados sem observância de regime escolar. único: Nas mesmas condições per- mitir-se-á a obtenção do certifica- do de conclusão de curso colegial aos maiores de 19 anos (BRASIL, 2000, p. 19). Os exames citados nessa legislação poderiam ser aplicados tanto pelas escolas oiciais como pelas priva- das, desde que devidamente autorizadas pelos respectivos Conselhos ou Secretarias. Importante fazermos a relação desta LDB com a constituição em vigor, pois esta Lei vem Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 51 regulamentar os dispostos no texto constitucional. Vale lembrar que o golpe militar de 1964, como vimos anteriormente, modiica as relações entre a socieda- de e o Estado, com um “espírito modernizador” e repres- sor dos movimentos de contestação. Dentro dessa concep- ção modernizadora, o analfabetismo dos adultos era um problema a ser enfrentado, pois com a industrialização as exigências por mão deobra mais qualiicada tornava-se crescente. Como forma de atender a esta demanda de anal- fabetos, é criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) através da Lei 5.379/67, com o objetivo de erradicar o analfabetismo do país, que na década de 1960 contava com uma população de 15.964.000 analfabetos. O MOBRAL existiu durante todo o regime mi- litar, sendo extinto somente com o processo de redemo- cratização na década de 1980, deixando um estigma para muitos adultos, pois frequentar este “programa” tornou- -se, em determinados locais, sinônimo de ignorância e miserabilidade. Ainda hoje, muitas vezes, ouvimos deter- minadas piadas e brincadeiras que recomendam a pessoa “voltar ao MOBRAL”, dependendo de suas diiculdades de aprendizagem. O regime autoritário implementado em 1964 neces- sitava adequar também a educação escolar aos princípios do novo governo. Dessa forma, modiicou a LDB de 1961: a pri- meira mudança ocorre em 1968 com a Lei 5.540, mais conhe- cida como reforma universitária, pois tratava especiicamente sobre esse tema. 52 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de Essa Lei foi fruto de um grupo de trabalho nome- ado pelo Marechal Artur da Costa e Silva (1899-1969), presidente do país à época que deiniu como prazo para a execução dos estudos 30 dias. Os estudantes universi- tários foram incluídos oicialmente como participantes deste grupo de trabalho, mas negaram-se a participar mantendo assim o processo de resistência ao regime mi- litar. Como nosso objeto de estudos, no momento, não é desta modalidade, vejamos então as modiicações no en- sino primário, com a segunda reforma empreendida pelo governo militar. 1.2.1 A REFORMA DA LDB DE 1971 Após ter sido delagrada e aprovada a reforma do ensino universitário, o ensino primário e o médio tor- nam-se o alvo dos militares no poder. Temos aqui tam- bém a nomeação de um Grupo de Trabalho dentro do Ministério da Educação, pelo presidente General Emílio Garrastazu Médici, que tinha 60 dias para apresentara conclusão dos estudos. Percorrido o trâmite legal após a entrega do docu- mento pelo grupo de trabalho, em 11 de agosto de 1971 era promulgada a Lei 5.692/71, que alterava a estrutura da educação escolar existente no Brasil até então. Saviani assim escreve sobre o assunto: Em lugar de um curso primário com duração de quatro anos se- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 53 guidos de um ensino médio sub- dividido verticalmente em um curso ginasial de quatro anos e um curso colegial de três anos, passamos a ter um ensino de primeiro grau com a duração de oito anos e um ensino de segun- do grau de três anos, como regra geral. Em lugar de um ensino mé- dio subdividido horizontalmente em ramos, instituiu-se um curso de segundo grau unificado, de ca- ráter profissionalizante, albergan- do, ao menos como possibilidade, um leque amplo de habilitações profissionais (SAVIANI, 2004, p. 31). Primeiramente o ensino supletivo, como foi cha- mado nessa legislação, teve um capítulo próprio com cin- co artigos. Vejamos a formulação da Lei 5.692 no que se refere ao ensino de adultos: Um deles dizia que este ensino se destinava a “suprir a escolari- zação regular para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido ou concluído na idade própria”. Este ensino podia, então, abran- ger o processo de alfabetização, a aprendizagem, a qualificação, algumas disciplinas e também 54 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de atualização. Os cursos poderiam acontecer via ensino a distância, por correspondência ou por ou- tros meios adequados. Os cursos e os exames seriam organizados dentro dos sistemas estaduais de acordo com seus respectivos Con- selhos de Educação. Os exames, de acordo com o art. 26, ou se- riam entregues a “estabelecimentos oficiais ou reconhecidos” cuja vali- dade de indicação seria anual, ou “unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino ou parte des- te”, cujo polo seria um grau maior de centralização administrativa. E o número de horas, consoante o art. 25, ajustar-se-ia de acordo com o “tipo especial de aluno a que se destinam”, resultando daí uma grande flexibilidade curricu- lar (BRASIL, 2000, p. 21). Nessa legislação abre-se a possibilidade dos cursos acontecerem à distância ou por meios adequados, embo- ra esta concepção não esteja clara no texto. Importante observarmos que muitas das práticas pedagógicas desen- volvidas em EJA, na atualidade, estão com suas bases na concepção de suplência oriundas da Lei 5.692, em espe- cial as que mantêm suas propostas de trabalho à distância ou semipresencialmente. Mesmo com novas legislações e Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 55 práticas diferenciadas, as permanências são difíceis de se- rem rompidas nessa modalidade de ensino, especialmente pela manutenção da concepção de funções da EJA, tam- bém oriundas e difundidas por esta legislação, conforme se veriica a seguir: Esse Parecer (nº 699/72 do Con- selho Federal de Educação) desta- ca quatro funções do então ensino supletivo: a suplência (substitui- ção compensatória do ensino re- gular pelo supletivo via cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1º grau para maiores de 18 anos e de ensino de 2º grau para maiores de 21 anos), o su- primento (completação do inaca- bado por meio de cursos de aper- feiçoamento e de atualização.), a aprendizagem e a qualificação. Elas se desenvolviam por fora dos então denominados ensinos de 1º e 2º graus regulares. Este foi um momento de intenso investimen- to público no ensino supletivo e um início de uma redefinição da aprendizagem e qualificação na órbita do Ministério do Trabalho (BRASIL, 2000, p. 21) Dentro do contexto de restrição à participação política e democrática da sociedade e a preocupação mo- dernizadora e industrial do regime militar, a educação de 56 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de adultos é tratada de forma técnica, sem uma preocupação maior com os aspectos de aprendizagem ou especiicida- des desse público. Estas considerações referem-se, para i- car claro, aos aspectos legais e de sua implementação em muitos espaços escolares, sem ser a regra. Embora o texto legal efetivasse o predomínio desse tipo de ensino, as iniciativas de educação popular, por exemplo e não somente, vão buscar romper com esse conceito de suplência buscando constituir novos saberes e práticas a serem desenvolvidas com os jovens e adultos que não tiverem acesso à educação escolar, não restringin- do-se a cidade e atuando também no campo, propondo assim uma outra concepção de educação. 1.2.2 A LE I DE DIRETR IZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL: 1996 Retomando nossa trajetória legal, com o processo de abertura política na década de 1980 iniciaram-se os debates sobre a educação nesses tempos de democracia, antes mesmo da nova Constituição. Assim esclarece Sa- viani: A comunidade educacional orga- nizada se mobilizou fortemente em face do tratamento a ser dado à educação na Constituição Federal que iria resultar dos trabalhos do Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 57 Congresso Nacional Constituinte instalado em fevereiro de 1987. Antes mesmo que os constituin- tes entrassem em ação, a IV Con- ferência Brasileira de Educação, realizada em Goiânia em agosto de 1986, teve como tema central ‘A educação e a constituinte’. E na assembleia de encerramento dessa Conferência foi aprovada a ‘Carta de Goiânia’ contendo as propostas dos educadores para o capítulo da Constituição referido à educação. Aí previa-se a ma- nutenção do artigo que definia como competência da União le- gislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Mantida a mobilização no senti- do de garantir que os pontos da ‘Carta de Goiânia’ fossem incor- porados ao texto da Constituição, o que se conseguiu quase total- mente, iniciou-se concomitan- temente em 1987 o movimento em torno da elaboração das novas diretrizes e bases da educação na- cional (SAVIANI, 2004, p. 35). A redemocratização mobilizou os diferentes se- tores da sociedade que desejavam estar contemplados no novo texto constitucional. A nova LDB resultante desse 58 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de processo passa por um longo caminho até ser aprovada em dezembro de 1996: decorreram-se quase 10 anos. Um ponto a ser ressaltado inicialmente foi a im- possibilidade de efetivação de um sistema nacional de educação que buscasse construir, na atualidade, caminhos para sua implementação e constituição, por diferentes de- mandas da sociedade civil organizada e do próprio Minis- tério da Educação. Centrando o olhar acerca da educação de jovens e adultos, um dos grandes avanços foi a EJA inalmente ser compreendida e incorporada como uma modalidade de ensino dentro da Educação Básica, deixando assim de ser considerada uma suplência e de estar fora do chamado ensino regular. Mais uma expressão que herdada da Lei 5.692 e que é preciso desconstruir: a EJA é tão regular como o ensino ministrado às crianças e adolescentes que estão na idade considerada como “correta” na relação ida- de/série. No texto da LDB 9.394/96 há dois capítulos es- pecíicos para a EJA: Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou con- tinuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. 1º Os sistemas de ensino assegu- rarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 59 efetuar os estudos na idade regu- lar, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as ca- racterísticas do alunado, seus in- teresses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exa- mes. 2º O Poder Públicoviabilizará e estimulará o acesso e a perma- nência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e com- plementares entre si. 3º A educação de jovens e adul- tos deverá articular-se, prefe- rencialmente, com a educação profissional, na forma do regu- lamento. (Nova Redação – Lei 11.471 (18/07/2008) Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames suple- tivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensi- no fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do en- sino médio, para os maiores de dezoito anos. 60 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de 2º Os conhecimentos e habilida- des adquiridos pelos educandos por meios informais serão afe- ridos e reconhecidos mediante exames(BRASIL, 1996). Em 2008 ocorre a modiicação do texto original do artigo 37 na busca pela articulação dos cursos de EJA com a educação proissional, a partir das orientações e encaminhamentos da política do governo federal sobre a expansão das escolas e do ensino técnico e proissionali- zante. Vale destacar que temos dois artigos que deinem a EJA, mas que foi preciso um marco regulatório do Con- selho Nacional de Educação (CNE), através da Câmara de Educação Básica (CEB), para redimir as dúvidas que pairavam sobre a EJA. A questão da idade de ingresso era um desses temas de dúvida, pois a LDB somente cita os exames com a idade mínima de ingresso. O artigo 37 so- fria interpretações, como sofre ainda, demonstrando a ne- cessidade de estudos sobre a EJA, marcada historicamente no Brasil por representações variadas, seja por parte dos poderes públicos, seja por parte da população em geral. O relator incumbido pelo Conselho para essa ta- refa foi o professor Carlos Roberto Jamil Cury, que redi- giu e produziu o Parecer CNE/CEB 2000. A partir desse parecer foi publicada a Resolução CEB/CNE 01, de 01 de julho de 2000, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 61 Segundo o Parecer citado anteriormente, temos uma interessante análise das funções da EJA na forma como foram apresentadas na LDB. É importante compre- endermos os cursos e os exames e sua efetividade dentro dos sistemas de ensino. Para isso, vejamos o que dizem os documentos oiciais: A proporcionalidade, como orientação de procedimentos, por sua vez, é uma dimensão da equi- dade que tem a ver com a apli- cação circunstanciada da justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas infe- riorizam as pessoas. Ela impede o crescimento das desigualdades por meio do tratamento desi- gual dos desiguais, consideradas as condições concretas, a fim de que estes eliminem uma barreira discriminatória e se tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades face a um bem indispensável como o é o acesso à educação escolar. Dizer que os cursos da EJA e exames supletivos devem habilitar ao prosseguimento de estudos em caráter regular (art. 38 da LDB) significa que os estu- dantes da EJA também devem se equiparar aos que sempre tiveram acesso à escolaridade e nela pude- 62 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de ram permanecer. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política consequente e diferenciada. Por isso o art. 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tive- ram acesso ou continuidade de estu- dos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingen- te plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o des- tinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada, específica a este contingente, que não teve acesso à escolarização no momento da escolaridade universal obrigató- ria, via oportunidades educacionais apropriadas. A oferta dos cur- sos em estabelecimentos oficiais, afirmada pelas normas legais, e a dos exames supletivos da EJA, pelos poderes públicos, é garanti- da pelo art. 37 § 1º da LDB. A associação entre gratuidade e a oferta periódica mais frequente e Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 63 descentralizada da prestação dos exames pode reforçar o dever do Estado para com esta modalidade de educação. Para tanto, os esta- belecimentos públicos dos respec- tivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de oportu- nidades e de acesso aos cursos e exames supletivos sob o princípio da gratuidade (BRASIL, 2000, p. 27). Como há várias redes de ensino, podemos ter va- riadas normatizações em estados e municípios, embora não possam ir contra o disposto em nível federal. Encon- tramos diferentes EJAs sendo constituídas pelas norma- tivas de Conselhos, que nem sempre levam em conta as especiicidades dos jovens e adultos, embora atendam à legislação federal. Muitas vezes o próprio desconhecimen- to das Diretrizes Nacionais para esta modalidade colabo- ra com essa outra diiculdade enfrentada pelos cursos de EJA, sem citarmos aqui as práticas metodológicas, que são das mais diversas. Mas os avanços apresentados pela LDB foram ofuscados, de certa maneira, por uma outra lei, aprovada no mesmo ano (1996), que criava um fundo para a manu- tenção da educação nacional, além dos investimentos que devem ser priorizados pelos poderes públicos. Na verdade, o teor da Lei nº 64 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de 9.424/96 que regulamentou a Emenda nº 14/96 deixa fora do cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) a Educa- ção de Jovens e Adultos. O FUN- DEF se aplica tão só ao ensino fundamental no momento em que muitos trabalhadores e mães de família, afastados dos estudos por longos anos, pressionam por uma entrada ou retorno na edu- cação escolar, seja para melhorar a renda familiar, seja para a busca de mobilidade social. O aluno da EJA, integrante da etapa corres- pondente ao ensino obrigatório da educação básica, na forma de ensino presencial e com avaliação no processo, não é computado para o cálculo dos investimentos próprios deste fundo. É preciso retomar a equidade também sob o foco da alocação de recursos de maneira a encaminhar mais a quem mais necessita, com rigor, eficiência e transparência (BRA- SIL, 2000, p. 24-25). Embora considerada uma modalidade, a legisla- ção aprovada na sequência (no caso o FUNDEF), não incorpora a EJA e demais modalidades como o ensino Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 65 médio. Mais uma luta que a EJA necessitou e necessita ainda, que é a busca pela equidade no inanciamento, pois muitas ações e propostas não são desenvolvidas devi- do, muitas vezes, à falta de um inanciamento maior. Um outro ponto que merecemos destacar desse parecer que normatiza o disposto na LDB refere-se às fun- ções e às necessidades de atendimentos dos grupos margi- nalizados e excluídos do sistema escolar. De todo modo, o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código es- crito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particu- larmente danoso para a conquista de uma cidadania plena. Suas raí- zes sãode ordem histórico-social. No Brasil, esta realidade resulta do caráter subalterno atribuído pelas elites dirigentes à educação escolar de negros escravizados, ín- dios reduzidos, caboclos migran- tes e trabalhadores braçais, entre outros. Impedidos da plena cida- dania, os descendentes destes gru- pos ainda hoje sofrem as consequ- 66 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de ências desta realidade histórica. Disto nos dão prova as inúmeras estatísticas oficiais. A rigor, estes segmentos sociais, com especial razão negros e índios, não eram considerados como titulares do registro maior da modernidade: uma igualdade que não reconhece qualquer forma de discriminação e de preconceito com base em ori- gem, raça, sexo, cor, idade, reli- gião e sangue entre outros. Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o adven- to para todos deste princípio de igualdade (BRASIL, 2000, p. 06). Desse modo, a EJA é entendida como dívida so- cial, um direito negado em determinado momento histó- rico a jovens e adultos, e os poderes públicos são chama- dos a buscar formas de recompor esse direito através da legislação. Atender jovens e adultos não mais com campa- nhas ou programas, mas com propostas apropriadas e de acordo com as necessidades desses sujeitos históricos. Atualmente a concepção proposta para EJA é a busca por metodologias que não venham novamente re- petir o processo de fracasso escolar, muito menos formas aligeiradas de reprodução e adequação de conteúdos tra- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 67 balhados no ensino fundamental ou médio, com os sujei- tos, na suas respectivas idades/séries correspondentes. 1.2.3 AS CONCEPÇÕES E FUNÇÕES O Parecer CNE/CEB 11/2000 aponta a necessi- dade de compreensão da mudança do estatuto da edu- cação de jovens e adultos, não somente no ordenamento jurídico, mas na própria concepção do que vem a ser esta EJA (BRASIL, 2000). Um ponto de ruptura fundamental para a ressigniicação das práticas de escolarização realiza- das ao longo do século XX. Face ao deslocamento de atribui- ções e em que pese a determina- ção financeira constritiva da Lei nº 9.424/96, uma vez que as ma- trículas da EJA não fazem parte do cálculo do FUNDEF, a Lei nº 9.394/96 rompe com a concep- ção posta na Lei nº 5.692/71, seja pelo disposto no art. 92 da nova Lei, seja pela nova concepção da EJA. Desaparece a noção de En- sino Supletivo existente na Lei nº 5.692/71. A atual LDB abriga no seu Títu- lo V (Dos Níveis e Modalidades 68 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) a seção V denominada Da Educação de Jovens e Adultos. Os artigos 37 e 38 compõem esta seção. Logo, a EJA é uma modalidade da edu- cação básica, nas suas etapas fundamental e média (BRASIL, 2000, p. 26). Uma outra concepção se torna corrente neste mesmo Parecer: a educação ao longo da vida, ou seja, a educação para além do processo de certiicação. Criar condições e oportunidades para que o sujeito possa con- tinuar aprendendo, independente da conclusão de uma determinada etapa de ensino. A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento de sua obriga- toriedade, inclusive possibilitan- do aos interessados a opção por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o conceito de edu- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 69 cação básica que preside a orga- nização da educação nacional em suas etapas. As necessidades con- temporâneas se alargaram, exigin- do mais e mais educação, por isso, mais do que o ensino fundamen- tal, as pessoas buscam a educação básica como um todo. A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma pro- gramática ou um desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir (BRASIL, 2000, p. 66). Partindo desta mudança de concepção, o Parecer, na relatoria de Cury, apresenta três funções para a EJA nesta nova coniguração proposta: reparadora, equaliza- dora e qualiicadora. A função reparadora, como a própria nomencla- tura nos remete, busca reparar o direito negado a esses sujeitos, reconhecendo assim a perda do direito a um bem real, social e simbolicamente pertinente. Principalmente os sujeitos privados do acesso ao conhecimento da leitura e da escrita, veem-se assim excluídos de uma determinada comunidade de sentidos, tornando-se invisíveis e sendo invisibilizados nesse processo. As novas competências exigidas pelas transformações da base eco- nômica do mundo contemporâ- 70 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de neo, o usufruto de direitos pró- prios da cidadania, a importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de comunicação assentados na mi- croeletrônica requerem cada vez mais o acesso a saberes diversifi- cados. A igualdade e a desigual- dade continuam a ter relação ime- diata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos apli- cados e das atualizações requeri- das podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mu- danças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se veem desprovidos de bens tão básicos como a es- crita e a leitura. O acesso ao co- nhecimento sempre teve um pa- Educação de Jovens e A dultos e Educação na D iversidade | 71 pel significativo na estratificação social, ainda mais hoje quando novas exigências intelectuais, bá- sicas e aplicadas, vão se tornando exigências até mesmo para a vida cotidiana. Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável em função das especificidades sócio- -culturais destes segmentos para os quais se espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita ser pensada como um modelo pe- dagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos (BRASIL, 2000, p. 08-09). Mas reparar o acesso dos sujeitos a um direito subjetivo propiciando a inserção em um espaço democrá- tico dentro do ambiente escolar não satisfaz plenamente as necessidades desses jovens e adultos, marcadas pela de- sigualdade existente e presente na sociedade. É necessário também equalizar o princípio educativo, ou seja, possibi- litar aos desfavorecidos maiores oportunidades de aces- so, permanência e sucesso escolar. É o chamado feito na 72 | E du ca çã o de J ov en s e A du lto s e Ed uc aç ão n a D iv er si da de citação anterior ao apontar a necessidade de um modelo pedagógico próprio para a EJA. A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhado- res e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, mi- grantes, aposentados e encarce- rados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela re- petência ou pela evasão, seja pe- las desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas,
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