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79 QUÍMICA FARMACÊUTICA Unidade II 5 ANTI-HIPERTENSIVOS A hipertensão é uma das doenças cardiovasculares mais frequentes em todo o mundo. De acordo com a 7ª diretriz brasileira de hipertensão arterial (2016), atinge cerca de 36 milhões de brasileiros, contribuindo de maneira direta ou indireta para 50% das mortes provocadas por doença cardiovascular e produzindo grande impacto na perda de produtividade do trabalho e da renda familiar. É geralmente definida como elevação e sustentação da pressão arterial sistólica e diastólica a níveis acima de 140/90 mmHg, sendo causada por inúmeros fatores. Os níveis de pressão arterial ocorrem em função da quantidade de sangue bombeado pelo coração e a resistência produzida nos vasos sanguíneos periféricos; em outras palavras, consistem na tensão gerada quando o sangue é bombeado e empurrado contra a parede das artérias. Diversas alterações estruturais e funcionais de órgãos como coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos ou variações metabólicas que interferem nos níveis hormonais podem afetar o volume sanguíneo e produzir estado hipertensivo em humanos. A pressão arterial pode ser agravada por diversos outros fatores de risco, como obesidade abdominal, dislipidemia e diabetes melito, sendo geralmente associada a infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, doença renal crônica e acidente vascular encefálico. A pressão arterial sanguínea é regulada por diversos fatores fisiológicos, como: frequência cardíaca, resistência vascular periférica, elasticidade dos vasos, volume e viscosidade sanguínea. Muitas substâncias endógenas apresentam papel importante na regulação da pressão arterial. O sistema vascular periférico é bastante influenciado pelo balanço simpático/parassimpático do sistema nervoso autônomo, que é originado no sistema nervoso central. O aumento da atividade adrenérgica é o principal fator para hipertensão arterial primária. Existem dois tipos de hipertensão arterial: o mais comum, com cerca de 90% dos casos, é a hipertensão primária, cuja causa ainda não pode ser determinada, mas há também a hipertensão secundária, em que a causa pode ser identificada, sendo proveniente, por exemplo, de doenças renais (hipertensão renal). O desenvolvimento dos primeiros fármacos utilizados na terapia anti-hipertensiva ocorreu entre os anos 1950 e 1960. Neste período foram descobertos os bloqueadores α-adrenérgicos. Esses compostos apresentaram diversas limitações devido a sua curta duração de ação e efeitos colaterais que impediam seu uso em longo prazo. Diversos fármacos de diferentes classes farmacológicas foram desenvolvidos e testados no mesmo período, como os diuréticos para redução do volume sanguíneo, inibidores do sistema renina-angiotensina (inibidores da enzima conversora de angiotensina – IECA) e agentes que reduzem a resistência vascular periférica (vasodilatadores, bloqueadores de canal de cálcio e depressores do sistema nervoso simpático). 80 Unidade II Atualmente existe uma grande variedade de classes farmacológicas disponíveis para o tratamento da hipertensão arterial. Veremos algumas delas a seguir: • Diuréticos. • Simpatolíticos de ação central. • β-bloqueadores. • Vasodilatadores de ação direta. • Agonistas de canal de potássio. • Bloqueadores de canal de cálcio etc. As características estruturais, bem como as propriedades moleculares de alguns destes compostos, serão apresentadas a seguir. 5.1 β-bloqueadores A ativação dos receptores β-adrenérgicos no coração promove aumento da frequência e força de contração. O bloqueio desses receptores produz redução da frequencia cardíaca, da contratilidade e da pressão arterial. São utilizados no tratamento de angina, infarto do miocárdio, arritmias e, principalmente, hipertensão arterial. A atividade anti-hipertensiva de tais fármacos se deve aos seguintes efeitos: • diminuição do débito cardíaco. • redução da liberação renal de renina, que catalisa a formação de angiotensina I, a qual é rapidamente convertida em angiotensina II, que é um poente vasoconstritor. • ação no sistema nervoso central na diminuição da atividade geral do sistema nervoso simpático. Esses fármacos podem ser classificados de acordo com sua seletividade aos receptores em β-bloqueadores não seletivos (bloqueiam receptores β1 e β2 de 1ª geração, por exemplo: propranolol, timolol etc.); β1-bloqueadores seletivos (bloqueadores cardiosseletivos de 2ª geração, como: acebutolol, atenolol, entre outros); e os β-bloqueadores não seletivos com atividade α1 agonista (3ª geração, como: labetalol e carvedilol). Os betabloqueadores de 1ª geração apresentam diversos efeitos colaterais, como: broncoconstrição (não recomendados para asmáticos), fadiga e cansaço dos membros devido à redução do débito cardíaco 81 QUÍMICA FARMACÊUTICA e efeitos centrais (tontura e sedação), principalmente para os betabloqueadores mais lipofílicos, frieza nas extremidades, entre outros. Os bloqueadores β1 adrenérgicos apresentam maior afinidade aos receptores β1 do coração e baixa afinidade aos receptores β2 localizados em outros tecidos, como no pulmão e nos vasos respectivamente responsáveis por broncodilatação e vasodilatação, podendo ser utilizados com maior segurança por pacientes com bronquite e asma brônquica. Contudo, eles ainda promovem algum efeito sobre a musculatura lisa dos brônquios, devendo ser usados nesses pacientes somente se não houver alternativa. Estruturalmente eles são similares ao agonista fisiológico noradrenalina, com a diferença da substituição das hidroxilas catecólicas por diversos substituintes aromáticos ou não aromáticos e adição de grupo extensor “OCH2” entre o anel hidrofóbico aromático e a cadeia lateral etilamina, resultando na cadeia ariloxipropanolamina que caracteriza os β-bloqueadores, além da presença de radical hidrofóbico (isopropil ou t-butil) ligado ao grupo amina. HO HO OH NH2 H OHH X R NH Noradrenalina “Protótipo“ Grupo extensor polar Anel hidrofóbico extra (naftaleno) Grupo hidofóbico (alquil) Figura 90 O propranolol é um exemplo de betabloqueador que apresenta o núcleo ariloxipropanolamina em sua estrutura, sendo derivado do sistema aromático β-naftol. Diversos outros compostos derivados desse mesmo núcleo presente na estrutura do propranolol foram sintetizados e testados com o objetivo de produzir maior afinidade ao receptor beta-1 adrenérgico e verificar a influencia de diferentes grupos em relação a sua atividade, resultando nas observações a seguir. OHH NH2O OHH NHO Cadeia ariloxipopanolamina Propanolol Figura 91 • A amina deve ser secundária, pois é essencial para formação de ligação iônica no sítio receptor. A utilização de amina terciária promove perda da atividade. 82 Unidade II • É essencial a presença de substituinte alquilico volumoso e ramificado (isopropil ou t-butil) ligado à amina, para ligação no bolso hidrofóbico no sítio de ligação. • Substituintes mais volumosos que isopropil ou t-butil ligados à amina promovem diminuição da atividade, exceto quando se utiliza a extensão deles com sistema hidrofóbico aromático (feniletil, hidroxifeniletil etc.), que promove aumento da atividade. • A presença de cadeia ariloxipropanolamina é importante para o bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos. A hidroxila no carbono-2 da cadeia lateral é essencial para atividade. • Os betabloqueadores apresentam alto grau de estereosseletividade, sendo o isômero S mais ativo que seu enantiômero com configuração R. • A introdução de radicais alquílicos na cadeia lateral promove diminuição de atividade. • A substituição do átomo de oxigênio (éter) da cadeia lateral dos betabloqueadores por outros átomos ou grupos (S, CH2 etc.) promove diminuição da atividade betabloqueadora. O O O O O N O N SN OH HO HO OH OHH H H N H N H NH N H Oxprenolol Pindolol Nadolol Timolol Figura 92 A utilização de substituintes de tamanho adequado (aceptores de ligação de hidrogênio) na posição-4(com ausência de substituintes em meta) do anel aromático promove a obtenção de β1-bloqueadores seletivos. H OH N H 83 QUÍMICA FARMACÊUTICA CH3 p-substituição Ligação de hidrogênio extra m-substituição H3C O H Hx x OOH OH O HN O + + N H2 N H N H2 Figura 93 – Betabloqueadores de 2ª geração O NH O OO O O OH OH OHOHH H H H O O O NH2 N H N H N H N H Acebutolol Metoprolol Atenolol Betaxolol Figura 94 Observação Os betabloqueadores em geral apresentam longa duração de ação e devem ser administrados de uma a duas vezes ao dia. Contudo, para uso em problemas cardíacos que podem eventualmente ocorrer em procedimentos cirúrgicos, eles não são muito recomendados. 84 Unidade II Para tal finalidade, devem ser utilizados compostos mais hidrofílicos como o esmolol, que é um betabloqueador de curta duração com rápido início de ação. Ele é administrado por injeção intravenosa lenta durante procedimentos cirúrgicos a fim de tratar qualquer taquicardia que ocorra. O O OHH O N H Esmolol Figura 95 A introdução de extensores que promovam a formação de ligação de hidrogênio ao radical alquílico ligado à amina leva à obtenção de betabloqueadores de 3ª geração (β-bloqueadores não seletivos com atividade em receptores α1-adrenérgicos). O O O OHH N H N H Carvedilol Figura 96 5.2 Diuréticos Os diuréticos são fármacos que promovem aumento do volume e fluxo urinário. O uso deles também aumenta a taxa de excreção de eletrólitos e água sem afetar a reabsorção de proteínas, vitaminas, glicose ou aminoácidos. Eles reduzem o volume de fluido extracelular, diminuindo edemas por decréscimo dos níveis de íons Na+ Cl-, que é o principal determinante de volume dos fluidos extracelulares. Embora o uso contínuo de diurético promova perda líquida de eletrólitos, o tempo decorrido para tal efeito é limitado por mecanismos compensatórios, incluindo a ativação da via renina-angiotensina-aldosterona e o sistema nervoso simpático. 85 QUÍMICA FARMACÊUTICA Quando o sangue é filtrado no glomérulo, o fluido que entra no túbulo proximal dará origem à urina. Na medida em que o fluido passa pelo túbulo, os solutos (Na+, K+ e Cl-) são removidos do líquido e devolvidos ao sangue (reabsorção). Os diuréticos inibem a reabsorção desses íons (alteram o balanço eletrolítico), reduzindo a quantidade de água nos fluidos corporais. Eles podem exercer efeito através de diferentes mecanismos, modificando o conteúdo do filtrado (ação indireta) ou através de ação sobre células do néfron (ação direta). Os diuréticos podem ser classificados de acordo com seu mecanismo de ação em: inibidores da anidrase carbônica, diuréticos osmóticos, diuréticos de alça, tiazídicos e diuréticos poupadores de potássio inibidores de canal de sódio, antagonistas de aldosterona (mineralocorticoides). 5.2.1 Tiazídicos Os tiazídicos promovem efeito através da inibição do transporte ativo de Na+ e Cl- na membrana luminal das células epiteliais do túbulo distal contorcido, impulsionado pela bomba de Na+/K+ ATPase na membrana basolateral. Eles também são chamados de benzotiadiazidas. Os tiazídicos são derivados das sulfonamidas, que apresentam em sua estrutura o núcleo 1,1-dióxido-benzotiadiazínico, representado a seguir: N NH S OO 3 2 1 8 7 6 5 4 Figura 97 Esses compostos são ácidos fracos. O hidrogênio em N-2 é o mais ácido devido ao efeito retirador de elétrons do grupo sulfonas vizinho. A sulfonamida em C-7 introduz ponto adicional de acidez na molécula, mas é menos ácida do que o próton em N-2. Esse grupo é essencial para a atividade diurética. Tais prótons ácidos tornam possível a formação de sal sódico hidrossolúvel, que pode ser utilizado por via endovenosa. A presença de um grupo retirador de elétron (Cl, F, CF3) na posição-6 é essencial para atividade. Já a presença de grupo trifluormetil (CF3) não altera potência, mas aumenta a duração de ação devido à maior hidrofobicidade. 86 Unidade II A substituição de grupo retirador de elétron (por exemplo, Cl) por algum grupo doador de elétrons (por exemplo, CH3, OCH3 ) reduz a atividade diurética, que por sua vez é aumentada com a introdução de grupo lipofílico (haloalquil, arilalquil e tioéter) na posição-3, além de produzir longa duração de ação. A introdução de substituinte alquílico em N-2 diminui a polaridade e aumenta a duração de ação. Já a substituição ou remoção da sulfonamida em C-7 leva à obtenção de compostos sem atividade diurética. A saturação do anel tiadiazínico gera a obtenção de compostos mais potentes (cerca de 10 vezes mais ativos). NH SS O CI H2N O O O N SS H2N F3C OO O O H N NH SS O CI H2N O O O H N NH SS CI CI H2N CI OO O O H N Clorotiazida Potência relativa: 0,8 duração: 6h - 12h Triclorometazida Potência relativa: 1,7 duração: 24h Hidroclorotiazida Potência relativa: 1,4 duração: 6h - 12h Hidroflumetazida Potência relativa: 1,3 duração: 18h - 24h SS OO O O N S NH H2N CI SS OO O O N H2N CI CI CI H N Meticlotiazida Potência relativa: 1,8 duração: > 24h Benztiazida Potência relativa: 1,3 duração: 12h - 18h Figura 98 N 87 QUÍMICA FARMACÊUTICA Os diuréticos tiazídicos são administrados uma vez ao dia ou em doses diárias divididas. Vários dos compostos são rapidamente absorvidos via oral, podendo produzir efeito em até uma hora. Esses compostos não são extensivamente metabolizados e são excretados de maneira inalterada na urina. 5.2.2 Derivados tiazídicos São derivados das sulfonamidas, estruturalmente diferentes dos tiazídicos por não apresentarem anel tiadiazínico. Promovem ação pelo mesmo mecanismo, possuindo atividade terapêutica e reações adversas similares aos diuréticos tiazídicos. H N H N N N S S S S NH NH NH O O O OO O HO CI CI CICI O O O O O O H2N NH2 H2N H2N Metolazona duração: 12h - 24h Clortalidona duração: 48h - 72h Quinetazona duração: 18h - 24h Indapamida duração: 8 semanas Figura 99 5.2.3 Diuréticos de alça Os diuréticos de alça apresentam mais similaridades farmacológicas do que estruturais. Eles possuem pico diurético maior do que os outros diuréticos clinicamente utilizados, por isso são também chamados de diuréticos de alta potência. Seu principal local de ação é na alça de Henle, onde inibem a bomba Na+/K+ ATPase na membrana basolateral, impedindo a reabsorção ativa de NaCl. Ainda possibilitam efeitos adicionais aos túbulos distal e proximal. Eles são caracterizados por rápido início e curta duração de ação: seu efeito diurético inicia em aproximadamente 30 minutos e permanece por volta de 6 horas. São de 8 a 10 vezes mais potentes do que os diuréticos tiazídicos e excretam de 15% a 25% do sódio existente no filtrado. O uso prolongado de tais compostos causa hipocalemia, que pode ser evitada ou tratada através da administração simultânea de diuréticos poupadores de potássio. 88 Unidade II A furosemida é um diurético de alça derivado do ácido antranílico. A presença de sulfonamida e átomo de cloro é um fator estrutural já visto nos diuréticos apresentados anteriormente. Por possuir um ácido carboxílico livre em sua estrutura, é considerado um ácido mais forte do que os diuréticos tiazídicos. Esse fármaco é excretado principalmente de maneira inalterada. A bumetamida é outro representante dessa classe, na qual ocorreu a substituição do átomo de cloro (ou trifluormetil), comumente presente nos outros diuréticos, por um grupo fenoxi, que também é um retirador de elétrons, promovendo aumento de atividade. O grupo amina presente na posição-6 da furosemida foi deslocado para a posição-5 na bumetamida, ocasionando crescimento na potência diurética em torno de 50 vezes. Outro derivado estrutural da furosemida é a torsemida, que apresenta grupo sulfonilureia em substituição à sulfonamida, deixando o fármaco mais polar aumentar a atividade e a potência diurética. H N N S S O O S NH NH O O O OH OH O O O CI O O O H2N H2N FurosemidaPotência relativa: 1,0 duração: 6h - 8h Bumetamida Potência relativa: 4,0 duração: 4h Torsemida Potência relativa: 3,0 duração: 6h Figura 100 5.2.4 Diuréticos osmóticos Os diuréticos osmóticos são compostos de baixo peso molecular, filtrados livremente através da cápsula de Bowman nos túbulos renais. Possuem alta solubilidade em água, não são reabsorvidos nem metabolizados. Sua ação ocorre através de efeito osmótico. Eles são administrados como solução hipertônica. Esses agentes aumentam a pressão osmótica intraluminal, fazendo a água passar do corpo para o túbulo. A água associada ao agente osmótico não é reabsorvida, resultando em crescimento do volume de urina e excreção de água e todos os eletrólitos. H N H N 89 QUÍMICA FARMACÊUTICA Polióis, como manitol, sorbitol e isossorbida, e açúcares, como glicose e sacarose, podem produzir efeito diurético por esse mecanismo. H OH OH OH OH OH HO H H HHO HO OH OHH H OH OHH H O O H H OH OH Manitol Sorbitol Isossorbida Figura 101 5.2.5 Inibidores da anidrase carbônica Os inibidores da anidrase carbônica são derivados estruturalmente das sulfonamidas antibacterianas. O grupo sulfonamida é essencial para a atividade. Foi observado que as sulfonamidas não somente promoviam atividade antibacteriana, mas acidose sistêmica e alcalinização da urina, resultado da diminuição da secreção de íons hidrogênio pelas células tubulares dos rins. A inibição da anidrase carbônica resulta na diminuição da troca entre íons hidrogênio e íons sódio no túbulo renal. Moléculas de água associadas aos íons Na+ (sódio) e HCO3 - (bicarbonato) não são reabsorvidos, gerando aumento do volume de urina. Esses compostos produzem efeito diurético por inibição da formação de ácido carbônico nas células dos túbulos distal e proximal na porção descendente da alça de Henle. Observação Os inibidores da anidrase carbônica devem possuir grupo sulfonamida não substituída. Quanto maior a acidez da molécula, mais forte será a ligação à enzima. Vários dos compostos apresentam anel aromático ou heteroaromático ligado diretamente ao grupo sulfonamida. 90 Unidade II S SS S S O NH S S N N N NN O O O O O OO NH2 NH2 NH2 H2N Acetazolamida Metazolamida Sulfanilamida Protótipo Etoxzolamida NH2 O O O Figura 102 A acetazolamida, um derivado tiadiazólico, foi o primeiro diurético da classe de compostos introduzido como diurético efetivo por via oral. A metazolamida apresenta um grupo metil em substituição a um hidrogênio do anel tiadiazólico, que promoveu diminuição da polaridade e permitiu maior penetração no fluido ocular, reduzindo a pressão intraocular, no tratamento de glaucoma. A etoxzolamida tem um grupo sulfonamida ligado a um anel 1,3-benzotiazólico. 5.2.6 Diuréticos poupadores de potássio Um potente mineralocorticoide chamado aldosterona é secretado no córtex da adrenal, que promove retenção de sal e água e excreção de íons potássio e hidrogênio, alterando o balanço eletrolítico do corpo. A aldosterona exerce seu efeito através da ligação ao receptor mineralocorticoide, um fator de transcrição nuclear. O O OHHO O Aldosterona Figura 103 N 91 QUÍMICA FARMACÊUTICA Substâncias que antagonizam o efeito da aldosterona podem ser utilizadas como diurético. Tais compostos são antagonistas de receptores mineralocorticoides. A espironolactona e a eplerenona são exemplos de fármacos diuréticos poupadores de potássio. A espironolactona inibe competitivamente a ligação da aldosterona ao receptor mineralocorticoide, interferindo na reabsorção de íons sódio e cloretos associados à água. A atividade antagonista ao receptor mineralocorticoide é dependente da presença de anel lactônico no carbono-17 e substituinte no carbono-7. A presença de substituinte em C-7 promove o impedimento da interação que se forma entre a aldosterona e o receptor para ativação do receptor e subsequente transcrição, deixando o receptor mineralocorticoide em uma conformação inativa. O O O O O O O S O O O Espironolactona Eplerenona Figura 104 A presença de grupo epóxi na molécula da eplerenona diminui a afinidade ao receptor mineralocorticoide e a potência quando comparada à espironolactona, porém apresenta menos efeitos sexuais adversos (ginecomastia, diminuição da libido e impotência). A amilorida é outro poupador de potássio que apresenta efeito diurético médio, sendo usualmente utilizado em combinação com tiazídicos ou diuréticos de alça para compensar o efeito deles, que resultam na perda de potássio. Trata-se de uma base orgânica fraca que liga-se a regiões aniônicas presentes no receptor através de ligação iônica. N N NH2 NH2 Amilorida N H NHO CI H2N Figura 105 92 Unidade II 5.3 Bloqueadores de canal de cálcio Esta classe de agentes anti-hipertensivos produz seus efeitos através da interação com receptores localizados em canais de cálcio voltagem-dependentes do tipo L que estão localizados na musculatura esquelética, cardíaca e lisa (ativados por alta voltagem). O canal L é um complexo pentamérico, que apresenta cinco subunidades polipeptídicas. Na subunidade α-1 dele estão localizados os receptores para os bloqueadores de canal de cálcio. Tais fármacos se ligam ao receptor e bloqueiam a passagem de cálcio através do canal. A inibição do fluxo de cálcio através deles resulta na diminuição da força de contração do músculo cardíaco e vasodilatação. Como resultado, esses compostos são utilizados no tratamento de hipertensão arterial, angina e arritmias. Os fármacos usados como bloqueadores de canais de cálcio apresentam estrutura química diversificada e podem ser classificados como 1,4-di-hidropiridinas (por exemplo, nifedipina), fenilalquilaminas (por exemplo, verapamil), benzotiazepinas (por exemplo, diltiazem) e éteres diaminopropanol. O O O N N S O O O O O N N NO H N O O O2N Nicardipino 1,4-di-hidropiridna Verapamil Fenilalquilamina Diltiazem Benzotiazepina Bepridil Éter diaminopropanol CN Figura 106 5.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) – 1,4-Di-hidropiridinas Estes compostos foram desenvolvidos a partir de intermediários de síntese que apresentam estruturas simétricas nas quais um anel 1,4-di-hidropiridina (1,4-DHP) ligado a substituintes idênticos em posições específicas gera atividade bloqueadora de canal de cálcio. O O 93 QUÍMICA FARMACÊUTICA H N R3R2 X Estrutura geral 1 4 26 5 3 R1 Figura 107 Diversas modificações moleculares foram propostas para determinar quais seriam os requisitos estruturais ideais para esse grupo de compostos. A partir dos estudos, foram identificados os seguintes fatores estruturais mais importantes para a atividade deles: • O anel 1,4-DHP é essencial para atividade. Grupos substituintes em N-1 ou uso de anéis oxidados ou reduzidos diminuem consideravelmente ou anulam a atividade biológica. • Fenil na posição-4 do anel 1,4-DHP aumenta a atividade biológica. A substituição por anéis heteroaromáticos como a piridina promove toxicidade, portanto não são utilizados. A troca por grupos alquil ou cicloalquil pequenos diminui a atividade biológica. • Compostos que apresentam grupos substituintes na posição orto ou meta do anel fenil apresentam atividade ótima, enquanto os compostos não substituídos ou que possuam substituinte na posição para possuem significante diminuição da atividade. Esses grupos em orto ou meta possibilitam que os compostos tenham volume e conformação ideal para interação no receptor. • Grupos ésteres em C-3 e C-5 melhoram a atividade. A substituição por outros grupos atratores de elétrons (por exemplo, NO2) promove alteração da atividade antagonista para agonista, produzindo ativadores de canais de cálcio. O O N N H N O NO2 Atrator de elétrons Ativador de canal de cálcio Figura 108 94 Unidade II Simetria não é um fator essencial para atividade. Estudos demonstram que moléculas assimétricas apresentam maior seletividade aos receptores (quando os substituintes emC-3 e C-5 são diferentes). O O O O O O O O O O O O O O N N H N H N H N H N H N H N O O O O O OO O OO O O CI CI CI O2N O2N O2N Amlodipino Isradipino Nicardipino Felodipino Nifedipino Nisoldipino Figura 109 5.4 Nitratos orgânicos Os nitratos orgânicos são ésteres de álcoois ou polióis simples com ácido nítrico. Eles são utilizados para produzir relaxamento do músculo liso vascular e dilatar a artéria coronária. Esses vasodilatadores reduzem o trabalho cardíaco e restauram o equilíbrio entre o suprimento e a demanda de oxigênio. Esses compostos são geralmente líquidos voláteis pouco solúveis em água e solúveis em álcool, devido ao caráter apolar dos nitratos. Tais fármacos são muito eficientes no tratamento emergencial de episódios de angina devido à natureza lipofílica dos ésteres, fazendo com que sejam rapidamente absorvidos. H2N 95 QUÍMICA FARMACÊUTICA Os fármacos mais lipofílicos têm maior duração de ação e são mais potentes. OO O O O O O O O O OO O O O O O2N O2N O2N O2N O2N O2N NO2 NO2 NO2 NO2 NO2 NO2 NO2 NO Tetranitrato de eritritila Início de ação: 15 min. Duração de ação: 150 min. Nitrito de amilo Início de ação: 0,25 min. Duração de ação: 1 min. Dinitrato de isossorbida Início de ação: 3 min. Duração de ação: 60 min. Tetranitrato de pentaeritritol Início de ação: 15 min. Duração de ação: 1 min. Nitroglicerina Início de ação: 2 min. Duração de ação: 30 min. Figura 110 5.5 Agentes que atuam no sistema renina-angiotensina-aldosterona Trata-se de um complexo sistema hormonal que possui papel importante na regulação de volume sanguíneo, balanço eletrolítico e pressão arterial sanguínea. Ele é composto de duas enzimas principais, a renina e a enzima conversora de angiotensina (ECA), que tem como papel principal a síntese de angiotensina II a partir de seu precursor angiotensinogênio. A angiotensina II é um potente vasoconstritor que afeta a resistência vascular periférica, a função renal e a estrutura cardiovascular. Estimula ainda a secreção de aldosterona e desempenha papel central no controle da excreção de sódio e volume de líquido, bem como o tônus vascular. Fármacos que atuam inibindo a enzima conversora de angiotensina ou bloqueando os receptores de angiotensina II atenuam as ações desse sistema devido ao fato de a angiotensina II ser responsável pela maioria dos efeitos atribuídos a esta via. 5.5.1 Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) Os inibidores da ECA foram os primeiros compostos desse grupo a serem utilizados clinicamente no tratamento da hipertensão. Eles podem ser classificados em três grupos de acordo com suas características estruturais. Todos esses compostos apresentam efeitos terapêuticos e fisiológicos similares, diferenciando principalmente em relação à potência e aos parâmetros farmacocinéticos. 96 Unidade II Foram desenvolvidos a partir da descoberta de que o veneno da jararaca brasileira tinha a presença de fatores que potencializavam o efeito da bradicinina (potente vasodilatador). Tais fatores foram isolados e descobriu-se que se tratava de peptídeos formados de 5 a 13 unidades de resíduos de aminoácidos. Posteriormente comprovou-se que a ação deles era proveniente da inibição da degradação de bradicinina e da inibição da enzima conversora de angiotensina (ECA). Um nonapeptídeo isolado do veneno da jararaca (teprotideo) apresentou maior potência em testes in vivo relacionados à diminuição da pressão arterial, mas devido a sua natureza peptídica e à falta de biodisponibilidade oral tinha sua utilização terapêutica limitada. A partir de pesquisas utilizando o modelo hipotético do sítio ativo da ECA, pesquisadores observaram que a interação do substrato ao sítio enzimático envolvia três interações principais. A primeira observação foi que um resíduo carregado positivamente na enzima serve para formação de ligação iônica com íons carboxilato presentes no substrato. A segunda diz que um bolso hidrofóbico presente na enzima possibilita a interação com resíduos aromáticos apolares. Por fim, a terceira afirma que a presença de íon zinco na enzima serve para estabilizar fragmentos carregados negativamente no substrato e está diretamente envolvida com o mecanismo de hidrólise do peptídeo em aminoácidos. N H N H H N O O O O-R2 R3 H3N + R1 HX Zn+ ECA ECA Sítio de ligação adicional com cadeias laterais Sítio de ligação adicional com cadeias laterais *Ligação lábil Peptídeo Sítio de ligação iônica Sítio de ligação de hidrogênio Figura 111 Similar à interação do substrato com a enzima, os fármacos inibidores da ECA envolvem três ou quatro interações com o sítio de ligação. 97 QUÍMICA FARMACÊUTICA N O R COOH COOH CH2HS O CBA OH n CH2 x X = A, B ou C Estrutura geral inibidores da ECA PCH N H Figura 112 Após a obtenção de diversos compostos, foi observado que para inibição da ECA os seguintes requisitos estruturais precisam ser verificados: • Anel N-heterocíclico deve conter ácido carboxílico para mimetizar o carboxilato dos substratos da ECA. • Anéis heterocíclicos volumosos aumentam a potência e alteram parâmetros farmacocinéticos. • Grupo X para interagir com íon zinco: pode ser sulfidrila (A), ácido carboxílico (B) ou ácido fosfínico (C). • A presença de grupo tiol é responsável por alteração de paladar (gosto metálico na boca) e hipersensibilidade cutânea, porém é o que melhor produz ligação ao zinco. Para compensar ausência de SH, deve ser utilizado grupo hidrofóbico (fenil, etilfenil etc.) a fim de utilizar regiões adicionais de interação. • A esterificação do grupo carboxilato ou fosfinato origina compostos com biodisponibilidade oral. • A presença de metil como substituinte em R promove aumento da atividade na série dos dicarboxilatos (compostos ativos por via oral). Compostos que apresentam n-butil em R são ativos oralmente sem necessidade de pró-fármacos. Observação Pró-fármacos ocasionam a esterificação do ácido carboxílico ou do ácido fosfínico para aumento de lipofilicidade e ajuste de biodisponibilidade oral. 98 Unidade II N O N H O Trandolapril O COOH N P O O OO O Fosinopril COOH N O N H OO Enalapril COOH N O N H O O Ramipril COOH N O Captopril COOH CH3 HS Figura 113 5.5.2 Antagonistas de angiotensina II São fármacos utilizados para promover diminuição da pressão arterial através do antagonismo competitivo dos receptores de angiotensina II do tipo AT1, pois estudos demonstraram que o estímulo deles promove vasoconstrição, síntese e liberação de aldosterona, diminuição do fluxo sanguíneo renal, receptação de sódio no túbulo renal, além de vários outros eventos fisiológicos. Todos os bloqueadores de receptor de angiotensina II possuem a seguinte estrutura geral: N N R1 HO2C CO2H N N N H N B CA Estrutura geral dos antagonistas de angiotensina II Grupo ácido Grupos ácidos: Figura 114 99 QUÍMICA FARMACÊUTICA Há aqui a presença de grupo ácido para mimetizar o carboxilato presente na estrutura da angiotensina II, o qual pode ser fenil ácido carboxílico (A), fenil tetrazol (B) ou fenil carboxilato (C). Nos compostos bifenílicos, os grupos tetrazol e carboxilato devem estar em posição orto para ótima atividade. O grupo tetrazol é superior em termos de estabilidade metabólica, lipofilicidade e biodisponibilidade oral. O grupo n-butil existente na molécula produz ligação hidrofóbica e mimetiza a cadeia lateral presente na estrutura da angiotensina II, mas pode ser substituída por n-propil ou etil éter. H N N H N H H N NH NH N N N N HN NH O O O O OH NH2 NH2 H3N NO2 CI O O O O O O O O O + + - - - 3 S-8038 2 1 Figura 115 – Comparação estrutural entre a angiotensina II e o análogo S-8038 (protótipo utilizado no desenvolvimento dos antagonistas de angiotensina II) O anel imidazólico presente na estrutura é essencial, pois mimetiza o resíduo de histidina da cadeia lateral da angiotensina II,mas pode ser substituído por anel equivalente (isóstero). O substituinte em R pode variar entre ácido carboxílico, hidroximetil, cetona, anel benzimidazol, entre outros, uma vez que permite a formação de interação no receptor AT1 por ligação iônica, ligação de hidrogênio, dipolo-dipolo e íon-dipolo. 100 Unidade II N NN N N N N NNN NN N N N N N N N N N O O HO Losartano Irbesartano Valsartano Candesartano Telmisartano O HO2C CO2H CI OHH N H N H N H N Figura 116 Saiba mais A fim de melhor compreender a importância dos agentes anti-hipertensivos, leia o seguinte artigo: MARTELLI, A.; LONGO, M. A. T.; SERIANI, C. Aspectos clínicos e mecanismo de ação das principais classes farmacológicas usadas no tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Estudos de Biologia, v. 30, n. 70-72, p. 149-156, 2008. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/ estudosdebiologia/article/view/22820/21923. Acesso em: 11 ago. 2020. 6 AGENTES ANTIMICROBIANOS: PENICILINAS, CEFALOSPORINAS, SULFONAMIDAS, TETRACICLINAS E QUINOLONAS 6.1 Introdução e histórico A luta contra as infecções é uma história de grande sucesso da química farmacêutica. A hipótese de que os microrganismos eram responsáveis pelas doenças foi levantada somente no século XIX, quando Pasteur demonstrou que a fermentação dependia de cepas específicas de bactérias largamente espalhadas na natureza. N N O 101 QUÍMICA FARMACÊUTICA Quem primeiro defendeu a “teoria microbiana da doença” foi Lister, que introduziu ácido carbólico (fenol ou hidroxibenzeno) como agente esterilizante e antisséptico. Na segunda metade do século XIX, cientistas como Koch identificaram microrganismos responsáveis pelas doenças, como cólera, tuberculose e tifo. Então, métodos como a vacinação foram estudados para combater infecções. OH Figura 117 – Estrutura química do fenol Foi Paul Ehrlich, o pai da quimioterapia moderna, que lançou o termo quimioterapia. O Princípio da Quimioterapia de Ehrlich diz que o composto químico pode interferir na proliferação de microrganismos em concentração tolerada pelo hospedeiro. Popularmente é conhecida como a “bala mágica”, uma bala que atinge o microrganismo invasor sem afetar o hospedeiro. Trata-se de uma toxicidade seletiva, o composto químico mostra grande toxicidade ao microrganismo alvo para a célula do hospedeiro. Em 1910, Ehrlich apresentou o primeiro fármaco sintético, um arsenical, chamado salvarsan, usado até 1945. Não era fármaco de largo espectro; ele era usado contra doenças causadas por protozoários como a tripanosomíase e espiroquetas (sífilis). Durante vinte anos, o progresso foi somente contra variedades de doenças causadas por protozoários. As As OH HO H2N NH2 Figura 118 – Estrutura química do salvarsan Em 1934, foi lançado o fármaco proflavina, uma aminoacridina de cor amarela e usada contra infecções bacterianas em feridas superficiais graves durante a Segunda Guerra Mundial, tendo como alvo o DNA das bactérias. Este fármaco não atinge a infecção bacteriana da corrente sanguínea, permanecendo a necessidade de um fármaco para esse tipo de infecção. NN H2N NH2 I II Figura 119 – Estruturas químicas da acridina (I) e proflavina (II) Em 1935, foi descrito o prontosil, um corante vermelho ativo contra infecção estreptocócica in vivo, representando o primeiro fármaco efetivo contra bactéria, permanecendo até o descobrimento da penicilina. Como será discutido mais adiante, o prontosil é o pró-fármaco da sulfanilamida. 102 Unidade II H2N N O O N NH2 NH2 S Figura 120 – Estrutura química do Prontosil rubrum A penicilina foi descoberta em 1928 por Fleming, ao acaso. Ele notou que uma cultura de bactéria tinha sido contaminada por uma colônia de fungo Penicillium, matando a bactéria ao seu redor. Fleming investigou por vários anos a substância antibacteriana, inócua para humanos, mas não conseguiu isolá-la porque era instável. Somente em 1938 que Florey e Chain o fizeram por liofilização e ela foi lançada oficialmente em 1940. S N C O O COOH R H N Figura 121 – Estrutura química geral das penicilinas Com a possibilidade de que os fungos pudessem ser fontes de novas substâncias antibacterianas os antibióticos levaram os cientistas a árduas investigações de novas culturas. Outros antibióticos foram descobertos, mantendo muitas infecções bacterianas sob controle. Por exemplo, em 1944 foi descoberta a estreptomicina, um aminoglicosídeo; em 1947, cloranfenicol; em 1948, clortetraciclina; em 1952, eritromicina; em 1955, cicloserina e as cefalosporinas; em 1962, ácido nalidíxico; em 1987, a segunda geração dessa classe de fármacos foi introduzida com a ciprofloxacina. Antibiótico significa contra a vida – substância produzida por organismo vivo que é empregada para combater microrganismos. O O O O C C CNH NH NH CH2 O H HO HO H3C HO OH OH OH OH HN NH NH2 NH2 CH3 Figura 122 – Estrutura química da estreptomicina 103 QUÍMICA FARMACÊUTICA C C NH C O HH O H * * O2N CHCI2 CH2OH Figura 123 – Estrutura química do cloranfenicol O O OOHOH OH OH H H H N(CH3)2CI OH CH3 NH2 Figura 124 – Estrutura química da clortetraciclina O O O O O N O O OH OHOH OH OH CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3H3C OCH3 CH3 CH3 CH2 CH3 CH3 CH3 6 4 3 2 1 13 12 11 10 9 8 7 5 Figura 125 – Estrutura química da eritromicina O O NH H2N Figura 126 – Estrutura química da ciclosserina S N C O O H H N COO- H+ Na+ K+ CH2 R2 R1 R3 Figura 127 – Estrutura química geral das cefalosporinas 104 Unidade II Os antibióticos de origem natural e seus derivados semissintéticos compreendem a maioria dos antibióticos em uso clínico e podem ser classificados em β-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, carbapeninas, oxapeninas e monobactamas), tetraciclinas, aminoglicosídeos, macrolídeos, peptídicos cíclicos (glicopeptídeos, lipodepsipeptídeos), estreptograminas, entre outros (lincosamidas, cloranfenicol, rifamicinas etc.). Os antibióticos de origem sintética são classificados em sulfonamidas, fluoroquinolonas e oxazolidinonas (GUIMARÃES; MOMESSO; PUPO, 2010). Lembrete O anel betalactâmico das penicilinas e cefalosporinas é o grupo tetragonal cíclico. Neste capítulo vamos destacar os seguintes agentes antimicrobianos: penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, tetraciclinas e quinolonas. 6.1.1 Mecanismo geral de ação antibacteriana O sucesso dos agentes antibacterianos específicos ou seletivos contra células bacterianas é consequência das diferenças entre células bacterianas e humanas (animais). A distinção principal é que as células bacterianas contêm uma parede celular não existente na célula animal, além da membrana celular. Membrana citoplasmática Membrana citoplasmática Mureína Mureína Lipoproteína Membrana externa Bactérias gram-positivas Bactérias gram-negativas Poro Lipopolissacarídeo Figura 128 – Arquitetura da parede celular bacteriana A parede celular é crucial para a sobrevivência da bactéria. A bactéria tem que sobreviver à influência de grande variedade da vizinhança e à pressão osmótica. Sem a parede celular, e colocada na vizinhança aquosa de baixa concentração de sal, a água penetra na célula bacteriana devido à pressão osmótica, ocasionando o inchamento da célula e sua morte. Além da parede celular, existem outras diferenças; a célula bacteriana não tem núcleo definido, a animal sim. A célula animal possui variedade de estrutura chamada organela, enquanto a bacteriana é relativamente simples. A bioquímica das células difere significantemente, a bacteriana pode sintetizar 105 QUÍMICA FARMACÊUTICA vitaminas essenciais, porque a célula bacteriana contém enzimas necessárias para a síntese; já a animal adquire seus nutrientes a partir dos alimentos. Os agentes antibacterianos agem principalmente de cinco maneiras diferentes, isto é, como: • agentes antimetabólitos; • inibidores da síntese da parede bacteriana; • interação com a membrana plasmática; • interrupçãoda síntese proteica; • inibidores da transcrição e replicação de ácido nucleico. Inibidores da síntese e da integridade do DNA Sulfonamidas Trimetoprim Quinolonas Inibidores da transcrição e da tradução Inibidores da síntese da parede celular Parede celular de peptidoglicano Plasmídio Proteína Pteridina PABA PirimidinasPurinas mRNA DNA DHFTHF Ribossomo 50S 30S Rifampicina Aminoglicosídeos Espectinomicina Tetraciclinas Macrolídeos Fosfomicina Ciclosserina Vancomicina Penicilinas Cefalosporinas Cloranfenicol Lincosamidas Estreptograminas Oxazolidinonas Monobactâmicos Carbapenêmicos Etambutol Pirazinamida Isoniazida Figura 129 – Locais de ação das classes de agentes antibacterianos Lembrete O grupo dos principais agentes antibacterianos é composto de agentes antimetabólitos; inibidores da síntese da parede bacteriana; interação com a membrana plasmática; interrupção da síntese proteica; inibidores da transcrição e replicação de ácido nucleico. 106 Unidade II 6.2 Agentes antimicrobianos: penicilinas 6.2.1 Introdução e histórico Descobertas em 1928, por Fleming, permanecem até hoje como uma excelente classe de antimicrobianos. São divididas em: • Penicilinas naturais ou benzilpenicilinas. • Aminopenicilinas. • Penicilinas resistentes às penicilinases. • Penicilinas de amplo espectro, as quais foram desenvolvidas na tentativa de evitar a aquisição de resistência das bactérias. Figura 130 – Cultura de Fleming (foto original) A penicilina G, ou benzilpenicilina, foi descrita em 1929 como agente antibiótico, porém somente foi introduzida como agente terapêutico nos anos 1940. Após seu processo de industrialização, especialmente em consequência da Segunda Guerra Mundial, observou-se um rápido crescimento na descoberta e desenvolvimento de novos antibióticos (GUIMARÃES; MOMESSO; PUPO, 2010). 107 QUÍMICA FARMACÊUTICA S N O HHHO COO- H+ Na+ K+ NCCH2 Figura 131 – Estrutura química da benzilpenicilina A estrutura da penicilina, motivo de muitos debates, foi determinada em 1945 por Hodgkins, empregando raios X. A síntese total, molécula altamente tensionada, foi conseguida em 1957, por Sheehan, que obteve a penicilina V com rendimento de 1%. A estrutura da penicilina é um sistema bicíclico, altamente instável, formado por um anel tetragonal β-lactâmico fundido com um anel pentagonal tiazolidínico. A análise sugere que deriva-se da cisteína e valina. A forma total é como um livro meio aberto. A cadeia lateral acila (R) é variável, dependendo do meio de fermentação. Usando o licor de milho obtém-se a penicilina G, devido à presença de alta concentração de ácido fenilacético. A síntese total de qualquer penicilina não é economicamente viável. Um método é adicionar ácidos carboxílicos ao meio de fermentação, mas trata-se de um processo restrito. Em 1960, Beechams isolou um intermediário biossintético, o mesmo da síntese de Sheehan, o ácido-6-aminopenicilânico (6-APA), o qual é utilizado para a obtenção de penicilinas semissintéticas. S N O COOH H2N Figura 132 – Estrutura química do 6-APA A obtenção de análogos é para tentar eliminar certas desvantagens apresentadas pela penicilina G, uma vez que ela é ativa contra bacilos gram-positivos, mas não todos os gram-negativos. Não é tóxica, está entre os fármacos mais seguros. Ela não é ativa contra um largo espectro de bactérias. Não é efetiva oralmente, apresenta grande sensibilidade a ácidos e β-lactamase e possui alguma reação alérgica. 108 Unidade II Síntese da ampicilina OO S N O COOH 6-APA Ampicilina Ampicilina sililada H2N S S S N N N NCC C C C O O O O O O OSiMe3 +2Me3SiCI Et3N Me2NPh CH2CI2 SiMe3 OSiMe3 OSiMe3 Me3Si PhCHPhCH CI NH3NH2 H N H N PhCH — C — CI O NH3CI - + -+ Figura 133 – Um dos processos de obtenção da ampicilina a partir do 6-APA 6.2.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR) As partes essenciais das penicilinas para atividade são: anel bicíclico, carboxila, cadeia lateral amida e configuração do anel bicíclico. H 6 7 5H CH3 CH3 COOH O O H R N S NH 1 2 4 3 Figura 134 – Estrutura química geral das penicilinas A penicilina G é sensível aos ácidos por três razões: • o anel bicíclico sofre grande tensão angular e torcional (torção); • a carbonila (posição 7) do anel β-lactâmico é altamente suscetível a nucleófilos; 109 QUÍMICA FARMACÊUTICA • a carbonila do grupo acila lateral (posição 6) participa ativamente (participação do grupo vizinho) no mecanismo de abertura do anel lactâmico. O anel β-lactâmico faz parte do grupo farmacofórico e deve ser mantido para evitar a perda da atividade. Portanto, os dois fatores iniciais citados são impossíveis de serem atacados; somente a participação do grupo vizinho pode ser alterada. S N O O O O O O O OO R R R R R H H2N Penicilamina Ácido peniloico Ácido peniciloico Penilaldeído Penilamina Ácido penicílico Penicilina Ácido 6-aminopenicilâmico+ R-COOH Ácido penáldico HgC I 2 HgCI 2 HgCI2 H+ ou HgCI2 H+ HOH HOH HOH Amidase HO o u β- lac ta m as e R SH COOH COOH COOH COOH COOH COOH -CO2 -CO2 -CO2 + COOH COOH R H N S N O COOH H2N S ∆ S S S N N N N N H N H N H N H N H H N - HO H+ Figura 135 – Inativação de penicilinas por enzimas e íons Um grupo (R) retirador de elétrons ligado ao grupo acila diminui a possibilidade de o oxigênio da carbonila agir como nucleófilo. É o caso da penicilina V (fenoximetilpenicilina), mais estável em meio ácido, podendo ser administrada oralmente porque resiste ao ácido estomacal. Outras penicilinas análogas são bem-sucedidas. Trata-se das dissubstituídas no carbono α ao grupo carbonila. É o caso de ampicilina e oxacilina. 110 Unidade II Quadro 3 – Grupos (R) retiradores de elétrons Penicilina Grupo R- Penicilina V (fenoximetilpenicilina) O CH2 Ampicilina CH NH2 Oxacilina CH3 N O Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 587-588). S S S N N C C O C O COOH COOHCOOH COOH R -H* R R O O H N H N N H N H * * Figura 136 – Esquema geral das penicilinas acidorresistentes Lembrete As partes estruturais essenciais das penicilinas para atividade são: anel bicíclico, carboxila, cadeia lateral amida e configuração do anel bicíclico. A β-lactamase é uma enzima produzida por bactérias penicilinas resistentes que catalisa, como os ácidos, a abertura do anel tetragonal lactâmico. 111 QUÍMICA FARMACÊUTICA O uso desordenado de penicilinas provocou o aparecimento de raças (cepas, famílias) de bactérias resistentes, como a infecção hospitalar por Staphylococcus aureus. Para a solução do problema, era necessário projetar penicilinas penicilinases resistentes a fim de conter a ação da enzima. Com o objetivo de alcançar o resultado é necessário bloquear a possibilidade de a penicilina atingir o sítio ativo da enzima. A estratégia é colocar um grupo volumoso apolar na cadeia lateral. O grupo ideal é aquele que evita a ação da β-lactamase sem bloquear a ação sobre a enzima responsável pela síntese da parede celular. Felizmente foi encontrado o bloqueador que consegue tal discriminação, obtendo-se a meticilina, primeira penicilina semissintética não afetada pela β-lactamase e exatamente para tratamento das infecções provocadas por Staphylococcus aureus. É importante a presença de duas metoxilas. Sua desvantagem é ser ácido sensível, por não conter grupo de efeito negativo. Só pode ser usada como injetável. Quadro 4 – Grupos (R) volumosos apolares na cadeia lateral Penicilina Grupo R- Meticilina O O CH3 CH3 Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 587). Com a introdução de grupo volumoso contendo núcleo heterocíclico que retira elétrons chegou-se às penicilinas ácido e β-lactamase resistentes, são elas: oxacilina, cloxacilina e flucloxacilina. Quadro 5 – Grupos (R) volumosos com núcleo heterocíclico que retira elétrons Penicilina Grupo R- Oxacilina CH3 N O 112 Unidade II Penicilina Grupo R-Cloxacilina CH3 Cl O N Flucloxacilina CH3 Cl O N F Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 587-588). A diferença entre as três é a presença de halogênios. A distinção de atividade depende da farmacocinética. A cloxacilina é melhor absorvida pelo intestino, enquanto a flucloxacilina liga-se menos à proteína plasmática, resultando em alto nível sanguíneo. Sendo menos ativas que as outras penicilinas, elas são indicadas para terapia na presença de enzimas. Um dos problemas das penicilinas é a pequena atividade contra bactérias gram-negativas. Algumas das razões para essa resistência estão a seguir: • Barreira de permeabilidade: a dificuldade de a penicilina invadir a célula da bactéria gram-negativa é por causa do tipo de parede celular. Tais bactérias têm uma camada externa das suas paredes celulares formada por misturas de gorduras (lipídios), açúcares (carboidratos) e proteínas, agindo como uma barreira de várias maneiras para as penicilinas. O excesso de fosfatidilglicerol na parede resulta em uma carga total aniônica que repele as penicilinas com carboxila ionizada. Alternativamente, a camada de gordura age como barreira para molécula polar hidrofílica das penicilinas. • Alto nível de enzima transpeptidase: a enzima atacada pela penicilina é produzida em grande quantidade, tornando-se impossível de ser atacada totalmente. Ainda, uma mutação da bactéria pode produzir uma transpeptidase não atacada pela penicilina. • Presença de β-lactamase: entre a parede celular e a camada externa encontra-se a β-lactamase que degrada a penicilina. Há também a possibilidade da transferência do código da β-lactamase por uma porção de DNA de uma célula para outra, tornando-a imune à penicilina. Dessa maneira, torna-se difícil atacar todos os problemas citados. Tentativas têm sido feitas, como as exibidas na sequência, para obter penicilinas de amplo espectro, envolvendo grande variedade de análogos, sempre pela variação da cadeia lateral: 113 QUÍMICA FARMACÊUTICA • Grupo hidrofóbico lateral: grupo hidrofóbico na cadeia lateral, como na penicilina G, favorece a atividade contra bactérias gram-positivas e diminui a atividade contra as gram-negativas. Quadro 6 – Grupos (R) hidrofóbicos em cadeia lateral Penicilina Grupo R- Penicilina G (benzilpenicilina) CH2 Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 587). • Grupo hidrofílico lateral: com o aumento do caráter hidrofílico da cadeia lateral, as penicilinas tornam-se menos ativas contra bactérias gram-positivas e crescem sua atividade sobre as gram-negativas. As penicilinas com atividade sobre bactérias gram-positivas e negativas, antibióticos de amplo espectro, são de duas classes. As da Classe I contêm no carbono α como grupo hidrofílico, o amino grupo, por exemplo, a ampicilina e a amoxacilina. Na outra, Classe II, o grupo hidrofílico é a carboxila, como na carbenicilina e carfecilina. Quadro 7 – Grupos (R) hidrofílicos Penicilina Grupo R- Ampicilina (Classe I) CH NH2 Amoxacilina (Classe I) CH NH2 HO Carbenicilina (Classe II) CH COO- Na+ Carfecilina (Classe II) CH COO Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 587-588). 114 Unidade II A ampicilina é a segunda mais usada na medicina. A amoxacilina tem propriedades semelhantes, mas é melhor absorvida pela parede intestinal. A ampicilina e a amoxacilina apresentam as seguintes propriedades: • ativas sobre bactérias gram-positivas e contra as gram-negativas que produzem penicilinases; • ácidos resistentes e podem ser administradas por via oral; • atóxicas e sensíveis à penicilinase; • provocam diarreia, porque são pouco absorvidas pela parede intestinal e alteram a microbiota intestinal. O problema da pequena absorção através da parede intestinal origina-se do caráter dipolar, porque apresenta amino grupo e carboxila que formam sais. Ele pode ser aliviado empregando-se o pró-fármaco em que o grupo ácido é mascarado com grupo protetor. Esse grupo é removido metabolicamente, uma vez absorvido pela parede intestinal. Por exemplo, pivampicilina, talampicilina e bacampicilina, três penicilinas que são ésteres, usadas para mascarar a carboxila, com grupos complicados. H N S N C O OO O O O NH2 Figura 137 – Estrutura química da bacampicilina (pró-fármaco da ampicilina) A carbenicilina é mais ativa contra bactérias gram-negativas que a ampicilina, além de ser penicilinase resistente. Ela é ativa contra pseudomonas aeruginosa, bactéria conhecida como oportunista, presente no corpo humano, mas mantida sob controle, e age quando o corpo é enfraquecido, sendo problema para infecção hospitalar. A atividade da carbenicilina é consequência do caráter hidrofílico da cadeia lateral e somente um dos enantiômeros é ativo. S N NC O COO- Na+ COO- Na+ O H H H CH Figura 138 – Estrutura química da carbenicilina 115 QUÍMICA FARMACÊUTICA Lembrete Com a introdução de grupo volumoso contendo núcleo heterocíclico, que retira elétrons, chegou-se às penicilinas ácido e β-lactamase resistentes, são elas: oxacilina, cloxacilina e flucloxacilina. 6.2.3 Sinergismo das penicilinas com outros fármacos Na medicina existem muito exemplos nos quais a presença de um fármaco aumenta a atividade de outro. Em diversas ocasiões pode ser uma situação perigosa, levando à overdose, mas em outros é muito útil. No caso das penicilinas, podem ser citados dois casos interessantes: • A probenecida é um ácido carboxílico moderadamente lipofílico, semelhante à penicilina. Ela diminui o transporte da penicilina através dos túbulos renais com redução da possibilidade de eliminação da penicilina. Não ocorrendo a eliminação esperada, aumenta o nível da penicilina na corrente sanguínea e a atividade antibacteriana. SN OH OO O Figura 139 – Estrutura química da probenecida • O ácido clavulânico, isolado do Streptomyces clavuligerus, é um composto de baixa atividade antibacteriana, mas um poderoso inibidor da β-lactamase, diminuindo a dose necessária da penicilina. N O O COOH CH2OH Figura 140 – Estrutura química do ácido clavulânico 6.3 Agentes antimicrobianos: cefalosporinas 6.3.1 Introdução e histórico A primeira cefalosporina, isolada em 1948 de um fungo encontrado em água de esgoto na Ilha da Sardenha, foi a cefalosporina C. Mesmo com a atividade antibacteriana reconhecida, tornou-se 116 Unidade II realmente útil somente em 1961, quando sua estrutura foi estabelecida. A estrutura da cefalosporina C é muito semelhante àquela da penicilina. H N S N O O O COOH COOH H2N Figura 141 – Estrutura química da cefalosporina C A cefalosporina C é um composto difícil de ser isolado e purificado porque é pouco estável, menos potente que a penicilina G, não tóxico, baixo risco de reação alérgica, não absorvida oralmente, relativamente resistente a ácidos e penicilinase e muito importante, com atividade contra bactérias gram-positivas e negativas. Ela é de pequeno uso clínico por ser pouco ativa. No entanto, é importante como modelo para desenvolvimento de análogos e principalmente pela sua atividade contra bactérias gram-positivas e negativas. As cefalosporinas são antimicrobianos β-lactâmicos de amplo espectro. Classificam-se em gerações que se referem à atividade antimicrobiana, além de possuírem características farmacocinéticas e farmacodinâmicas e não necessariamente a cronologia de comercialização. Vejamos a classificação: • Cefalosporinas de primeira geração: são muito ativas contra cocos gram-positivos e têm atividade moderada contra E. coli, Proteus mirabilis e Klebisiella pneumoniae adquiridos na comunidade. Não têm atividade contra Haemophilus influenzae e não agem contra estafilococos resistentes à oxacilina, pneumococos resistentes à penicilina, Enterococcus spp. e anaeróbios. Podem ser usadas durante a gestação. Tabela 2 – Cefalosporinas de primeira geração Antimicrobiano Via de ADM Dose Intervalo (horas) Dose e intervalo ajustado conforme CC (mL/min) Suplementar após HD Criança Adulto 90 a 50 50a 10 <10 Cefalotina IV 80 a 160 mg/kg/dia 0,5 a 2 g 4 a 6 DH 1 a 1,5 g 6h 0,5 g 8h 0,5 g Cefazolina IV/IM 25 a 100 mg/kg/dia 0,5 a 1,5 g 6 a 8 DH 8h 0,5 a 1 g 8 a 12h 0,5 a 1 g 8 a 24h 0,25 a 05 g Cefalexina VO 25 a 100 mg/kg/dia 0,25 a 1 g 6 DH DH 8 a 12h DH 24 a 48h 0,25 a 1 g Cefadroxila VO 30 mg/kg/dia 0,5 a 1 g 12 DH12 a 24h DH 24h DH 36 a 48h 0,5 a 1 g CC = clearence de creatinina, DH = dose habitual, g = gramas, HD = hemodiálise, h = horas, IM = intramuscular, IV = intravenosa, kg = quilogramas, min = minutos, mg = miligramas, U = unidades, VO = via oral, ADM = administração Adaptada de: Anvisa (2007a). 117 QUÍMICA FARMACÊUTICA SS N O CH2 CH2 CO CH3 C H N O O H COO- H H+ Na+ K+ Figura 142 – Estrutura química da cefalotina S SS CCH2 CH2 N N N N N N N H N O O COO- CH3 H+ Na+ K+ H H Figura 143 – Estrutura química da cefazolina S CCH CH2 N H N O O H HH COO- H+ Na+ K+ NH2 Figura 144 – Estrutura química da cefalexina S N N H O O O HO H H H HO CH3 H2N Figura 145 – Estrutura química da cefadroxila • Cefalosporinas de segunda geração: em comparação às de primeira geração, apresentam maior atividade contra Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, Neisseria meningitidis, Neisseria gonorrhoeae e em determinadas circunstâncias aumento da atividade in vitro contra 118 Unidade II algumas enterobacteriaceae. São aquelas que estão disponíveis no Brasil: cefoxitina (cefamicina), cefuroxima, cefuroxima axetil e cefaclor. Tabela 3 – Cefalosporinas de segunda geração Antimicrobiano Via de ADM Dose Intervalo (horas) Dose e intervalo ajustado conforme CC (mL/min) Suplementar após HD Criança Adulto 90 a 50 50 a 10 <10 Cefoxitina IV/IM 60 a 80 mg/kg/dia 3 a 6x 1 a 2 g 6 a 8 DH 8 a 12h DH 12 a 24h DH 24 a 48h 1 a 2 g Cefuroxima VO 0,125 a 0,5 g 0,125 a 0,5 g 12 DH DH 0,5 g 24h 0,75 g IV/IM 50 a 100 mg/kg/dia 0,75 a 1,5 g 8 DH DH 8 a 12h 0,75g 24h __ Cefaclor VO 20 a 40 mg/kg/dia 0,25 a 0,5 g 8 DH DH DH 0,25 a 0,5 g CC = clearence de creatinina, DH = dose habitual, g = gramas, HD = hemodiálise, h = horas, IM = intramuscular, IV = intravenosa, kg = quilogramas, min = minutos, mg = miligramas, U = unidades, VO = via oral, ADM = administração Adaptada de: Anvisa (2007b). S S O O CH2 CH2 C C N H N O O O H NH2 COO- CH3 H+ Na+ K+ Figura 146 – Estrutura química da cefoxitina N S O O O O N O H N O O O O O H NH2 Figura 147 – Estrutura química da cefuroxima axetil 119 QUÍMICA FARMACÊUTICA S O O O N N N H O O OH H2N O O CH3 Figura 148 – Estrutura química da cefuroxima S N H N O O O CI OH H NH2 Figura 149 – Estrutura química do cefaclor • Cefalosporina de terceira geração: são mais potentes contra bacilos gram-negativos facultativos e têm atividade antimicrobiana superior contra Streptococcus pneumoniae (incluindo aqueles com sensibilidade intermediária às penicilinas), Streptococcus pyogenes e outros estreptococos. Com exceção da ceftazidima, possuem atividade moderada contra o Staphylococcus aureus sensível à oxacilina, por outro lado, somente a ceftazidina tem atividade contra Pseudomonas aeruginosa. São aquelas que estão disponíveis no Brasil: cefalosporinas de terceira geração na apresentação parenteral (ceftriaxona, cefotaxima e ceftazidima). Tabela 4 – Cefalosporinas parenterais de terceira geração Antimicrobiano Via de ADM Dose Intervalo (horas) Dose e intervalo ajustado conforme CC (mL/min) Suplementar após HD Criança Adulto 90 a 50 50 a 10 <10 Cefotaxima IV/IM 50 a 200 mg/kg/dia 0,5 a 2 g 4 a 8 DH 8 a 12h DH 12 a 24h DH 24h 0,5 a 2 g Ceftriaxona IV/IM 50 a 100 mg/kg/dia 1,0 a 2 g 12 a 24 DH DH DH __ Ceftazidima IV/IM 100 mg/kg/dia 0,5 a 2 g 8 DH 8 a 12h 1 a 1,5 g 12 a 24h 0,5 a 0,75 g 24 a 48h 1 g CC = clearence de creatinina, DH = dose habitual, g = gramas, HD = hemodiálise, h = horas, IM = intramuscular, IV = intravenosa, kg = quilogramas, min = minutos, mg = miligramas, U = unidades, VO = via oral, ADM = administração Adaptada de: Anvisa (2007c). 120 Unidade II S S O O N N N H N OH H2N O O O O H Figura 150 – Estrutura química da cefotaxima S S S O O N N N HN N N N H HO O O O O H NH2 Figura 151 – Estrutura química da ceftriaxona S S O N N N N+ H N H2N OH O O- O O O H Figura 152 – Estrutura química da ceftazidima • Cefalosporinas de quarta geração: conservam a ação sobre bactérias gram-negativas, incluindo atividade antipseudomonas, além de apresentarem atividade contra cocos gram-positivos, especialmente estafilococos sensíveis à oxacilina. Atravessam as meninges quando inflamadas. Também são resistentes às β-lactamases e pouco indutoras da sua produção. No Brasil, a que está disponível é a cefepima. 121 QUÍMICA FARMACÊUTICA Tabela 5 – Cefalosporinas de quarta geração Antimicrobiano Via de ADM Dose Intervalo (horas) Dose e intervalo ajustado conforme CC (mL/min) Suplementar Após HD Criança Adulto 90 a 50 50 a 10 <10 Cefepima IV 50 a 100 mg/kg/dia 0,5 a 2 g 8 a 12 DH 0,5 a 1 g 24h 0,25 a 0,5g 24h 0,25 g CC = clearence de creatinina, DH = dose habitual, g = gramas, HD = hemodiálise, h = horas, IM = intramuscular, IV = intravenosa, kg = quilogramas, min = minutos, mg = miligramas, U = unidades, VO = via oral, ADM = administração Adaptada de: Anvisa (2007d). S S O N N N N+ H N O- H2N O O O H Figura 153 – Estrutura química da cefepima • Cefalosporinas de quinta geração: ceftaroline é uma droga da classe das cefalosporinas (quinta geração), com atividade in vitro contra gram-positivos (incluindo Staphylococcus aureus resistente à meticilina [MRSA]) e algumas bactérias gram-negativas. Apresentam ação bactericida e adequada opção para alérgicos a oxacilina, glicopeptídeos. O seu uso é aprovado para tratamento de pneumonia da comunidade e infecções de pele e partes moles (aprovado para uso no Brasil em dezembro de 2015) nas doses de 600 mg 12/12 horas (SPENGLER et al., 2016). S SP S S O N N N N N N+ H N H N O- O O O O HO HO Figura 154 – Estrutura química da ceftaroline 122 Unidade II Lembrete As cefalosporinas são classificadas em: primeira, segunda, terceira, quarta e quinta gerações. 6.3.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR) Muitos análogos da cefalosporina C foram obtidos e permitiram tirar as seguintes conclusões: anel β-lactâmico, grupo carboxila, sistema bicíclico e estereoquímica são essenciais para a atividade. S ON H H R O O OCOOH NH 7 8 6 5 1 4 2 3 Figura 155 – Estrutura química geral das cefalosporinas Diferentemente das penicilinas, não é possível obter análogos, com a variação do grupo 7-acilamino, por meio de fermentação. Igualmente, não dá para conseguir o ácido 7-aminocefalosporina (7-ACA) por meio de fermentação ou hidrólise enzimática da cefalosporina C, como a obtenção de 6-APA, somente por caminho alternativo. O análogo normalmente utilizado é a cefalotina, com as seguintes propriedades: • menos ativa contra bactérias gram-positivas e mais ativa contra as gram-negativas que a penicilina G; • resistente à penicilinase; • menor possibilidade de ocorrência de reação alérgica; • não é absorvida pelo trato gastrointestinal. 123 QUÍMICA FARMACÊUTICA SS N O CH2 CH2 CO CH3 C H N O O H COO- H H+ Na+ K+ Figura 156 – Estrutura química da cefalotina Outros análogos mostraram a SAR da cadeia lateral 7-acilamino. Maior atividade é alcançada se o carbono α é monossubstituído; grupo lipofílico no anel aromático ou heteroaromático aumenta a atividade contra bactérias gram-positivas e diminui contra as negativas. Foi observado que a eliminação do grupo 3-acetila libera o grupo álcool e ocorre queda da atividade. A hidrólise ocorre metabolicamente, sendo interessante bloquear tal processo e prolongar a atividade. Um exemplo é a cefaloridina. Por ser mais estável metabolicamente, mais solúvel em água, liga-se menos na proteína sérica, mantendobom nível do fármaco livre na circulação, possui excelente atividade contra bactérias gram-positivas e atividade em gram-negativas semelhantes à cefalotina. SS N CH2 CH2 C H N O O H COO- H + H+ Na+ K+ N Figura 157 – Estrutura química da cefaloridina Outro exemplo é a cefalexina, composto contendo somente uma metila na posição 3. Pode ser administrada oralmente, sendo bem absorvida pela parede intestinal. A importância do grupo metila não está esclarecida porque o mecanismo de absorção, através da parede intestinal, não é ainda bem compreendido. A obtenção de 3-metilcefalosporinas, a partir das cefalosporinas, é muito difícil. São obtidas partindo da penicilina. 124 Unidade II S CCH2 CH2 N H N O O H HH COO- H+ Na+ K+ NH2 Figura 158 – Estrutura química da cefalexina Um avanço foi conseguido pela descoberta de cefalosporinas com substituintes na posição 7. Uma substituição que tem mostrado ser útil é a introdução de grupo metoxila para dar a classe de compostos conhecidos como cefamicinas. O composto fundamental, a cefamicina C, foi isolada da cultura de Streptomyces clavuligerus, constituindo o primeiro antibiótico β-lactâmico isolado de bactérias. A modificação na cadeia lateral originou a cefoxitina, a qual mostrou um largo espectro de atividade por causa da grande resistência à penicilinase. Essa resistência pode ser devido ao impedimento estérico provocado pelo grupo metoxila. Deve ser notado que a introdução de metoxila na posição 6 das penicilinas resulta na perda da atividade. As mudanças nas cefamicinas aumentam a atividade contra bactérias gram-positivas, mantendo a atividade contra as gram-negativas. S S O O CH2 CH2 C C N H N O O O H NH2 COO- CH3 H+ Na+ K+ Figura 159 – Estrutura química da cefoxitina As pesquisas continuam para descobrir cefalosporinas com espectro de atividade aumentada ou aquelas ativas contra bactérias particularmente resistentes. Um grupo resultante dos esforços é o da oximinocefalosporinas, sendo o primeiro agente útil, a cefuroxima, com boa resistência contra β-lactamases e esterases de mamíferos. O fármaco é muito seguro, tem largo espectro de atividade, além de ser útil contra microrganismos resistentes às penicilinas. 125 QUÍMICA FARMACÊUTICA Várias modificações têm resultado em outra cefalosporina injetável, a ceftazidima. É particularmente importante por ser ativa contra Pseudomonas aeruginosa. A introdução de novo anel pentagonal tiazolidínico é vantajosa, como é mostrado em vários trabalhos científicos. A presença de anel piridínico aumenta a estabilidade metabólica. Lembrete O anel β-lactâmico, grupo carboxila, sistema bicíclico e estereoquímica são essenciais para a atividade antibacteriana das cefalosporinas. 6.3.3 Mecanismo de ação das penicilinas e cefalosporinas As bactérias têm que viver em condições muito adversas, como variação de pH, temperatura, pressão osmótica, necessitando, assim, de uma parede celular resistente. A parede celular, alvo das penicilinas e cefalosporinas, é um peptidioglicano, formado por unidades de peptídeo e açúcares. O grupo de antimicrobianos classificados como β-lactâmicos possui em comum no seu núcleo estrutural o anel β-lactâmico, o qual confere atividade bactericida. Conforme a característica da cadeia lateral definem-se seu espectro de ação e suas propriedades farmacológicas. O mecanismo de ação dos antimicrobianos β-lactâmicos resulta em parte da sua habilidade de interferir com a síntese do peptideoglicano (responsável pela integridade da parede bacteriana). É necessário para que isso ocorra (ANVISA, 2007g): • penetrar na bactéria através das porinas presentes na membrana externa da parede celular bacteriana; • não ser destruídos pelas β-lactamases produzidas pelas bactérias; • ligar-se e inibir as proteínas ligadoras de penicilina (PLP) responsáveis pelo passo final da síntese da parede bacteriana. 126 Unidade II Figura 160 – Biossíntese da parede celular bacteriana e sua inibição por agentes farmacológicos Lembrete O mecanismo de ação dos antimicrobianos β-lactâmicos resulta em parte da sua habilidade de interferir com a síntese do peptideoglicano (responsável pela integridade da parede bacteriana). 127 QUÍMICA FARMACÊUTICA 6.4 Outros antibióticos β-lactâmicos – relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR) As penicilinas e cefalosporinas são os mais conhecidos e estudados antibióticos β-lactâmicos. No entanto, existem outros β-lactâmicos antibacterianos de grande interesse: • Ácido clavulânico: isolado do Streptomyces clavuligerus por Beechams em 1976, tem pequena e sem importância atividade antibiótica, mas é um inibidor irreversível da maioria de β-lactamases e, assim, usado em associação com penicilinas tradicionais, como a amoxacilina, consegue diminuir a quantidade da dose e aumentar o espectro de atividade da amoxacilina. Muitos análogos foram obtidos e as partes essenciais para a atividade são: anel β-lactâmico, dupla ligação com cofiguração Z, posição 6 sem substituintes, grupo carboxila e configuração R em 2 e 5. A possibilidade de variação fica limitada para a hidroxila. Grupos pequenos são ideais, sugerindo que a hidroxila está envolvida na interação com o sítio ativo da enzima por meio de ponte de hidrogênio. A inibição irreversível da β-lactamase pelo ácido clavulânico parece ocorrer por duas ligações com nucleófilos do sítio ativo da enzima. O N COOH CH2OH O Figura 161 – Estrutura química do ácido clavulânico • Tienamicina: isolada de Streptomyces cattleya, é potente, com largo espectro de atividade, contra bactérias gram-positivas e negativas, com baixa toxicidade e resistente à β-lactamase. O grupo lateral hidroxietila é responsável pela resistência. A grande surpresa na estrutura da tienamicina é a ausência de enxofre e do grupo acilamino lateral, considerados essenciais para a atividade antibacteriana. Mais ainda, a configuração na posição 6 é contrária àquela das penicilinas. N S COO H OH NH3 O - + Figura 162 – Estrutura química da tienamicina • Ácido olivânico: isolado do Streptomyces olivaceus, tem a mesma estrutura carbopenam da tienamicina. Possui grande atividade sobre β-lactamase, sendo mil vezes mais potente que o 128 Unidade II ácido clavulânico e é ativo contra β-lactamase que decompõe as cefalosporinas, as quais são afetadas pelo ácido clavulânico. Infelizmente é suscetível à degradação metabólica. N S COO H OH NH3 O - + Figura 163 – Estrutura química do ácido olivânico • Norcadicinas: várias foram isoladas de fontes naturais por pesquisadores japoneses. Mostraram atividade moderada, in vitro, contra um pequeno grupo de bactérias gram-negativas, incluindo Pseudomonas aeruginosa. A surpresa fica por conta de alguma atividade desse anel β-lactâmico que não está fundido com o segundo anel, considerado essencial para a atividade antibacteriana. A explicação é que podem operar por um mecanismo diferente das penicilinas e cefalosporinas, tendo como evidência a sua inatividade contra bactérias gram-positivas. Pode ser que a ação seja contra uma enzima diferente responsável pela síntese da parede celular. N OCH2CH2CH C N C H N NH2 HOOC OH COOHH O O OH Figura 164 – Estrutura química da nocardicina A Lembrete Outros β-lactâmicos antibacterianos de grande interesse são: ácido clavulânico, tienamicina, ácido olivânico. 6.5 Outros fármacos que agem na biossíntese da parede celular Além das penicilinas e cefalosporinas, existem fármacos que inibem a biossíntese da parede celular, atuando em um estágio diferente das penicilinas e cefalosporinas. Por exemplo: • A vancomicina, um glicopeptídeo, evita a liberação do dissacarídeo do transporte lipídico. Não é absorvida por via oral. 129 QUÍMICA FARMACÊUTICA O HN O O O O O O O H N HN H N H N N H N H O O O O O O AA-3 AA-1 AA-7 AA-5 AA-4 AA-2 AA-6 HO CI CI NH2 HO HO HO H2N HO OH OH OH OH OH C ED B A Figura 165 – Estrutura químicada vancomicina • A bacitracina, um peptídeo complexo, interfere no mecanismo de transporte que leva o dissacarídeo através da membrana celular, privando a parede celular de dissacarídeo, uma unidade de construção. N H N H N H H N H N H N O O PhO O O O O NH2 H2N H2N OO OO O O S N N HN HN HN HN NH NH O OH HO Figura 166 – Estrutura química da bacitracina • A ciclosserina, uma molécula simples produzida por Streptomyces garyphalus, age dentro do citoplasma, evitando a adição das unidades de D-alanina, necessárias para o crescimento da cadeia peptídica ligada no NAM (ácido N-acetil murâmico). 130 Unidade II O O NH H2N Figura 167 – Estrutura química da ciclosserina 6.6 Agentes antimicrobianos: sulfonamidas (sulfas) 6.6.1 Introdução e histórico Em 1935 foi lançado o prontosil, um antibacteriano ativo in vivo e inativo in vitro. Não tem atividade no crescimento da bactéria em tubo de ensaio; é ativo somente quando metabolizado no intestino animal em sulfanilamida, o verdadeiro antibacteriano. A sulfanilamida foi o primeiro antibacteriano sintético e ativo contra grande número de infecções. S S NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 H2N N N O O O O H2N H2NProntosil rubrum Sulfanilamida Figura 168 – Metabolização do prontosil rubrum em sulfanilamida A sulfacrisoidina foi o primeiro agente antimicrobiano utilizado clinicamente, em 1935, marcando o início da moderna era da quimioterapia antimicrobiana. São bacteriostáticos derivados da sulfanilamida, que têm estrutura similar à do ácido para-aminobenzoico. S H2N NH2 NH2 O O N N O HO Figura 169 – Estrutura química da sulfacrisoidina 131 QUÍMICA FARMACÊUTICA O grupo das sulfonamidas compreende seis drogas principais: sulfanilamida, sulfisoxazol, sulfacetamida, ácido para-aminobenzoico, sulfadiazina e sulfametoxazol, sendo as duas últimas de maior importância clínica (ANVISA, 2007h). Quadro 8 – Nomes e estruturas químicas de algumas sulfonamidas Nome Estrutura química Sulfanilamida S NH2 O O H2N Sulfacetamida S NH COCH3 O O H2N Sulfadiazina S NH O O H2N Sulfametoxazol S NH O O H2N CH3 N O Adaptado de: Korolkovas; Burckhalter (1988, p. 549). A sulfanilamida é sintetizada a partir da acetanilida. Muitas outras sínteses permitiram a obtenção das sulfonamidas ativas contra bactérias gram-positivas, como a pneumocócica e meningocócica, mas não contra salmonelas. As sulfonamidas foram assim superadas pelas penicilinas. N N 132 Unidade II SSS S S N N N N N N N N N N N N N N N S HN SS S H N N H N H H N H N H N H N N H H N O OO O O O O OO O HN HN O O O NH2 NH2 NH2 NH2 NH NH HN H2N H2N H2N H2N SO2NH2 CI CI CI CI CI HS S O O OO O O HHH HO R- R-RR NN H NH N N Probenecida Sulfanilamida Sulfanilamida (1935) Sulfona Acetazolamida S O H2N O 2254 RP (1942) Sulfadiazina 3249 (1945) Propiltiouracil Tiamazol (1949) CDSA (1956) N S S NH OOO O CI H2N Clorotiazida S S NH H N O O O O CI H2N H2N SS NH H N O O O O CI H2N Hidroclorotiazida Ciclopentiazida S H N N H O O Tolbutamida S H N N H O O O Carbutamida S N H H N O CI O Clorpropamida Cicloguanila (1962) Proguanila (1945) 3396 (1945) Sulfaguanidina H N S N N NH2 H2N Figura 170 – Estrutura química dos principais ativos derivados da sulfanilamida Lembrete O grupo das sulfonamidas tem seis drogas principais: sulfanilamida, sulfisoxazol, sulfacetamida, ácido para-aminobenzoico, sulfadiazina e sulfametoxazol, sendo as duas últimas de maior importância clínica. 6.6.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR) Pelas análises de muitas sulfonamidas foi possível concluir sobre a relação estrutura/atividade. O grupo amina na posição 4, o anel aromático e o grupo sulfamídico na posição 1 são essenciais para a atividade. N 133 QUÍMICA FARMACÊUTICA S O O HN (4) R’ RN H (1) Figura 171 – Estrutura geral das sulfonamidas A substituição do átomo de hidrogênio no nitrogênio amídico pelo grupo tiazol produziu o sulfatiazol. No organismo o sulfatiazol é acetilado no N4, sendo transformado em um metabólito pouco solúvel e muito tóxico porque bloqueia os túbulos renais. É interessante notar que o metabolismo é mais rápido entre os japoneses e chineses, tornando-os mais suscetíveis ao efeito tóxico. A substituição do grupo tiazol do sulfatiazol pelo grupo pirimidina dá origem a sulfadiazina. As variações dos substituintes no N1 afetam a solubilidade das sulfas, portanto, influem mais na farmacocinética do que no mecanismo de ação (farmacodinâmica). Na sua época as sulfonamidas eram os únicos fármacos de escolha para o tratamento de doenças infecciosas. Tiveram importância marcante durante a Segunda Guerra Mundial, quando uma sulfa salvou Churchill de uma grave infecção. Com o aparecimento das penicilinas, elas foram relegadas ao segundo plano, ressurgindo com o descobrimento de sulfonamidas de longa duração, como o caso da sulfametoxina, que pode ser administrada uma vez por semana somente. As sulfonamidas são utilizadas nas infecções urinárias, infecções intestinais, infecções das membranas mucosas e infecções oftálmicas. Particularmente interessante para infecção intestinal é o succinilsulfatiazol (pró-fármaco do sulfatiazol). Tabela 6 – Sulfonamidas Antimicrobiano Via de ADM Dose Intervalo (horas) Dose e intervalo ajustado conforme CC (mL/min) Suplementar após HD Criança Adulto 90 a 50 50 a 10 <10 Sulfametoxazol – Trimetoprim VO 6 a 20 mg/ kg/dia Trimetoprim 160 a 180 mg Trimetoprim 6 a 12 DH DH 24h Evitar ___ IV 6 a 20 mg/ kg/dia Trimetoprim 6 a 20 mg/ kg/dia Trimetoprim 8 3 a 5 mg/kg12 a 24 h 3 a 5 mg/kg 12 a 24 h Evitar ___ Sulfadiazina VO 120 a 150 mg/kg/dia 1 a 2 g 4 a 8 DH 8h DH 12h DH 24h 50% DH CC = clearence de creatinina, DH = dose habitual, g = gramas, HD = hemodiálise, h = horas, IM = intramuscular, IV = intravenosa, kg = quilogramas, min = minutos, mg = miligramas, U = unidades, VO = via oral, ADM = administração Adaptada de: Anvisa (2007e). 134 Unidade II Lembrete Pelas análises de muitas sulfonamidas, foi possível concluir sobre a relação estrutura/atividade. O grupo amina na posição 4, o anel aromático e o grupo sulfamídico na posição 1 são essenciais para a atividade. 6.6.3 Mecanismo de ação O mecanismo de ação das sulfonamidas é bastante conhecido. O componente principal envolvido é o ácido para-aminobenzoico (PABA), essencial na síntese do ácido di-hidrofólico (AFH2). O ácido di-hidrofólico (AFH2) é necessário para o crescimento normal das células bacterianas, bem como das células dos mamíferos, pois é utilizado para síntese de DNA e RNA. Os animais superiores (seres humanos) não são capazes de realizar a biossíntese do AFH2 e devem obtê-lo na forma de folato através de fontes exógenas da alimentação. O folato obtido na ingesta atravessa a membrana celular por um mecanismo de transporte ativo e é convertido em AFH2 no meio intracelular. No entanto, as bactérias não são capazes de obter o AFH2 da mesma forma que os animais superiores. Então tem a necessidade de sintetizar esse componente através da reação que envolve o ácido para-aminobenzoico (PABA), 2-amino-4-hidroxi-6-hidroximetil-di-hidropteridina difosfato e ácido glutâmico. As sulfonamidas são análogas do PABA e, portanto, exercem o seu efeito através do papel de antimetabólito. Elas interferem no crescimento bacteriano por afetar a produção de AFH2 de duas maneiras: inibição enzimática da di-hidroperoato sintetase e formação de pseudometabólito, sendo a inibição enzimática o principal modo de ação (HOLF, 2008). S C C N CH CH2 CH2N CH2 N N NN O O O OH OH H2N H2NH2N NH2 H O COOH COOH H Sulfanilamida Ácido p-aminobenzoico (PABA) Pteridina PABA Ácido glutâmico Figura 172 – Relação estrutural entre a sulfanilamida e o PABA 135 QUÍMICA FARMACÊUTICA 6.6.4 Síntese das sulfonamidas Veremos na sequência a síntese das sulfonamidas: • Processo direto:
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