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Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTCOS: A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é um distúrbio endocrinometabólico e reprodutivo caracterizado por hiperandrogenismo e anovulação crônica, afetando 5 a 10% das mulheres em idade fértil. A SOP é um fator de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2, dislipidemia, síndrome metabólica, distúrbios cardiovasculares e carcinoma de endométrio. ETIOPATOGENIA: A etiologia desse quadro é multifatorial e ainda não totalmente estabelecida, porém sabe-se que alterações centrais, gonadais e periféricas estão envolvidas na síntese dos sintomas. De forma geral, a SOP pode ser considerada como uma desordem do metabolismo de androgênios em mulheres, devido a anormalidades na retroalimentação, que induzem a produção acentuada desses hormônios. Há consequente elevação na concentração de estrogênio e mudança no padrão FSH/LH (predomínio do último), desenvolvendo um estado anovulatório contínuo. A insulina (e o IGF-1) também tem papel fundamental na gênese dessa síndrome, sendo que boa parte das pacientes (inclusive não obesas), cursa com algum grau de resistência insulínica e hiperinsulinismo. A insulina apresenta ação sinérgica ao LH nas células da teca, promovendo a síntese de androgênios (androstenediona e testosterona,) e redução da SHBG hepática, proteína que carrega esses hormônios, o que aumenta o volume de testosterona livre (ativa) no organismo. Interações fisiopatológicas associadas a SOP QUADRO CLÍNICO: A SOP apresenta manifestações clínicas heterogêneas combinados em múltiplas combinações clínico-laboratoriais, evidentes principalmente após a puberdade. Como principais alterações, destacam-se: Irregularidade menstrual: varia entre oligomenorreia (ciclos com intervalo > 35 dias) e amenorreia (ausência de fluxo menstrual por mais de 3-6 meses). Esse processo se deve à inexistência da liberação de progesterona, causada pela não formação do corpo lúteo. Também é possível a ocorrência de sangramento uterino anormal nessas Mulheres com SOP apresentam menor sensibilidade hipotalâmica ao feedback negativo aos hormônios ovarianos, recrutando intensamente vários folículos, que se transformam em cistos devido à ausência de atresia A síndrome dos ovários policísticos também pode ser causada por padrões multigênicos, dificultando a determinação da hereditariedade ou mudanças epigenéticas ligadas ao quadro Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS pacientes, que podem cursar com anemia. O estímulo estrogênico ininterrupto promove proliferação constante do endométrio, havendo aumento no risco de carcinomas locais. Hirsutismo: é a manifestação mais comum do hiperandrogenismo, marcada pela presença de pelos grossos e escurecidos em padrão masculino (face, tórax, dorso). Esse quadro deve ser distinguido da hipertricose, na qual a pilificação se dá de modo generalizado. Acúmulo de pelos em face de paciente com SOP A alteração na disposição dos pelos se deve a um aumento na conversão de testosterona em di-hidrotestosterona no folículo piloso de áreas sensíveis, utilizando a 5-α-redutase como enzima catalizadora. Achados SOP Início insidioso, associado a irregularidades menstruais, diminuição de SHBG e aumento de LH e (nem sempre) testosterona Tumor adrenal Virilização abrupta, massa abdominal e aumento acentuado de SHDEA Tumor ovariano virilizante Virilização abrupta, com massa pélvica e elevação importante de testosterona Hiperplasia adrenal congênita Hirsutismo gradual associado a puberdade precoce, irregularidade menstrual e baixa estatura, com grande elevação de 17-OH Progesterona Idiopático Hirsutismo de início insidioso, mas com exames laboratoriais e de imagem sem alterações. Não há infertilidade Principais patologias associadas ao hirsutismo A “quantificação” do grau de hirsutismo é definida pelo sistema de pontuação de Ferriman e Gallwey, escala que pontua (1-4) a presença de pelos em quatro áreas específicas. O ponto de corte varia com a etnia, porém considera-se hiperandrogenismo clínico em resultados > 8. Escala de Ferriman-Gallwey para avaliação do hirsutismo Acne vulgar: o hiperandrogenismo induz a estimulação excessiva de receptores androgênicos na unidade pilossebácea, causando aumento do A virilização (engrossamento da voz, redução mamária e aumento da massa muscular) não é típica da SOP, podendo ser um alerta para a presença de tumores virilizantes Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS sebo, inflamação e formação de comedões. Alopecia frontal: descreve o processo de afinamento gradual e difuso dos cabelos da coroa, preservando a linha frontal do couro cabeludo, sendo comparativamente mais rara na SOP; Obesidade: é observada em mais da metade dos casos, especialmente quando em padrão central (“androide”), que se insere como fator de risco independente para desfechos cardiovasculares e diabetes; Aspecto corporal na obesidade central (esq.) e periférica (dir.) Acantose nigricans: marcador cutâneo clássico de resistência insulínica, pode ser associado ao crescimento de queratinócitos e fibroblastos na pele, expresso como lesões espessas e pigmentadas nas axilas, nuca, face interna das coxas e parte inferior das mamas; Apresentação de acantose nigricans em diferentes fototipos Intolerância à glicose; Dislipidemia (normalmente com LDL e triglicérides aumentados, e HDL reduzido); Hipertensão; Infertilidade: queixa bastante frequente na SOP, sendo produto da anovulação. Quando conseguem engravidar, essas mulheres podem ainda sofrer com abortamentos precoces e complicações gestacionais; Distúrbios psicológicos: há maior incidência de transtornos como ansiedade, baixa autoestima, depressão e queda na qualidade de vida. Devido a seu caráter multissistêmico, a SOP pode ser ainda associada a múltiplas consequências clínicas, de ocorrência a curto (quadro clínico típico) e longo prazo. Nesse último grupo, destacam-se: Diabetes melitus: é uma consequência esperada do estado de resistência Ressalta-se que pacientes com associação entre dislipidemia, HAS, obesidade e/ou diabetes melitus são classificados como portadores de síndrome metabólica Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS insulínica e da obesidade, ambos integrantes da fisiopatologia da SOP; Doenças cardiovasculares: a aterosclerose pode ser resultado da dislipidemia persistente, causando aumento da prevalência de desfechos como IAM; Câncer de endométrio e ovário: causados pela exposição estrogênica crônica ao endométrio, sem contraposição por progesterona, o que incentiva a hiperproliferação tecidual. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da SOP deve ser feito por exclusão, baseando-se principalmente na presença de dois dos três critérios de Roterdam, descritos por anovulação crônica, sinais clínicos ou laboratoriais de hiperandrogenismo e morfologia ultrassonográfica sugestiva de policistose ovariana. Em adolescentes, a morfologia ovariana não é considerada para estabelecer o diagnóstico, e o hiperandrogenismo deve ser “corroborado” por hirsutismo ou elevação hormonal. Além disso, o diagnóstico de SOP precisa ser revisto após 8 anos da menarca. Fluxograma diagnóstico para a SOP Após a confirmação da presença de síndrome dos ovários policísticos, é possível classificar o fenótipo do quadro em SOP grave, anovulação/hiperandrogenemia, SOP ovulatória e SOP moderada, empregando os mesmos critérios já descritos.Características fenotípicas da SOP INVESTIGAÇÃO DE DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS: A exclusão de outras formas de hiperandrogenismo pode ser realizada por A USG transvaginal deve acusar 12 ou mais cistos de 2 a 9 mm em ao menos um ovário OU volume ovariano e ≥ 10 cm³ Devido ao risco de hiperplasia ou neoplasia endometrial, mulheres > 35 anos com sangramento anormal ou mais jovens, com sangramento refratário ao tratamento hormonal devem ser submetidas a histeroscopia com biopsia Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS meio da solicitação de exames complementares, a saber: Dosagem de TSH: usada no diagnóstico diferencial do hipotireoidismo (valores elevados às custas de depleção do T4 livre), que pode causar alterações menstruais por disfunções regulatórias do TRH; Dosagem de prolactina: a hiperprolactinemia pode levar à irregularidade menstrual ao inibir a secreção pulsátil de GnRH; Testosterona total e livre: contribuem para a exclusão de tumores ovarianos secretores de testosterona, investigados especialmente em mulheres com sinais de virilização aguda; Na SOP, esses níveis encontram-se elevados, porém concentrações > 200 ng/ml sugerem a necessidade de avaliação ovariana por exames de imagem. Sulfato de Desidroepiandrosterona (SDHEA): esse hormônio é sintetizado exclusivamente nas adrenais, de forma que sua presença em alta quantidade (> 700mcg/dl) são sugestivos de neoplasias nessa região; 17-Hidroxiprogesterona: é solicitada para descarte da hiperplasia suprarrenal congênita de início tardio, que causa aumento desse precursor (> 200 ng/dl) como resultado de deficiências enzimáticas; Dosagem de cortisol plasmático (ou excreção de cortisol livre na urina de 24h): é solicitada na presença de sinais clínicos típicos da síndrome de Cushing, que pode “mimetizar” as apresentações anovulatórias e androgênicas da SOP. Esse exame não deve ser solicitado como rastreio universal em mulheres com oligomenorreia, uma vez que reflete uma doença rara. Dosagem de gonadotrofinas: ainda que de pouca valia na avaliação da SOP, pode ser usada para afastar insuficiência ovariana precoce ou disfunções hipotalâmicas. A relação FSH/LH ≥ 2:1 pode ser encontrada em mulheres obesas com SOP. Progesterona: avaliada na fase lútea média (21º a 24º dia do ciclo menstrual), se encontra diminuída (< 3 ng/ml) em pacientes com amenorreia; Avaliação da resistência à insulina: apesar de não serem essenciais ao diagnóstico de SOP, podem auxiliar a identificar alterações metabólicas nessas mulheres. Devido à maior acessibilidade, são preferidos a glicemia de jejum (VR: ≤ 100 mg/dl) e o TOTG de 2h (VR: ≤ 140 mg/dl). Lipidograma: solicitado para investigação de dislipidemia e, consequentemente, de síndrome metabólica. Exames complementares a serem considerados na investigação de diagnósticos diferenciais em SOP Ainda que a testosterona livre apresente maior sensibilidade na identificação de hiperandrogenismo, seus parâmetros laboratoriais não são uniformes, motivo pelo qual se prefere o uso da fração livre Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS TRATAMENTO: Apesar de a SOP apresentar algumas “queixas dominantes”, como a infertilidade e as alterações menstruais, seu tratamento deve ser abrangente, uma vez que o desenvolvimento de comorbidades sistêmicas é frequente. A mudança do estilo de vida deve ser indicada a todas as mulheres com SOP, contemplando ações como a cessação do tabagismo/etilismo, a prática regular de exercícios e a alimentação saudável. A perda de peso corporal em 5-10% promove não só a diminuição do risco cardiovascular, como também benefícios endócrinos (↓ de testosterona e ↑ de SHBG) e metabólicos. O controle de peso pré-gestacional também pode auxiliar a prevenir complicações comuns na SOP, como anomalias congênitas, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, abortamentos e prematuridade. No que se refere às medidas farmacológicas, é possível segmenta-las conforme os alvos terapêuticos supracitados, a saber: Controle da irregularidade menstrual: o Anticoncepcionais orais combinados: representam o tratamento de 1ª linha na SOP, com preferência para associações com progestágenos de menor potencial androgênico. Comparação entre progestágenos disponíveis quanto ao efeito secundário em outros hormônios Essa terapia tem como principais benefícios a supressão do LH, o aumento da SHBG (diminui testosterona livre), a queda nos androgênios circulantes e, consequentemente menor conversão periférica de testosterona. A progesterona também controla a proliferação endometrial, diminuindo o risco de distúrbios hiperplásicos. o Progestágenos isolados: devem ser indicados a mulheres com contraindicação ao uso de estrogênios (fenômenos trombóticos, enxaqueca com aura, etc.), porém ressalta-se que não atuam sobre acne ou hirsutismo. Os principais representantes são acetato de medroxiprogesterona (5- 10 mg/dia), acetato de nomegestrol (5 mg/dia) ou de progesterona micronizada (200-400 mg/dia), administrados por 10 a 14 dias por mês Tratamento do hirsutismo: o Contraceptivos orais combinados: agem por meio da diminuição da síntese suprarrenal e ovariana de androgênios; o Acetato de ciproterona: é um derivado sintético da 17-OH progesterona que tem grande ação antiandrogênica periférica, pois inibe Os objetivos terapêuticos, em linhas gerais, são o controle da irregularidade menstrual (respeitando o desejo de gestar ou não), redução do hirsutismo e manejo da resistência insulínica Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS competitivamente a ligação de testosterona a seus receptores. Os principais efeitos adversos são fadiga, ganho de peso, diminuição da libido, náuseas e cefaleias, menos frequentes quando associados ao estradiol. o Finasterida: promove a inibição da enzima 5-α-redutase, responsável pela conversão periférica da testosterona em di-hidrotestosterona. Observam-se resultados após 6 meses de tratamento com dose diária de 7,5 mg desse composto, porém a paciente deve ser orientada quanto a possível queda da libido. o Espironolactona: no manejo do hiperandrogenismo, promove inibição de enzimas da biossíntese androgênica e bloqueio competitivo de receptores, além de estimular o catabolismo desses hormônios. O tratamento consiste na administração de 50-100 mg 2x/dia, por 12 meses, sendo que a supressão máxima se desenvolve entre o 3º e 6º mês. Pode provocar irregularidades menstruais, mas por também ser um diurético, causa poliúria e hiperpotassemia (não sendo indicado em pacientes com insuficiência renal). o Cetoconazol: esse antifúngico suprime citocromos associados à esteroidogênese, apresentando ação antiandrogênica quando usado em baixa dose (200 mg/dia); o Medidas cosméticas: artifícios como depilação e epilação a laser podem ser usados em associação ao tratamento clínico, especialmente após a interrupção do crescimento adicional dos pelos. Manejo da resistência insulínica: o Metformina: é a 1ª escolha em mulheres que querem engravidar, uma vez que é classificado como classe B (sem efeito teratogênico) e pode diminuir abortamentos espontâneos. Seu mecanismo de ação se baseia no aumento da sensibilidade insulínica pós-receptor, de modo que a glicose seja melhor distribuída pelo organismo, poupando a produção hepática desse substrato. Os efeitos colaterais são, em sua maioria, referentes ao trato gastrintestinal, como náusea, vômitos, flatulência e distensão abdominal. o Tiazolidiedionas: as glitazonas seligam aos receptores insulínicos sistêmicos, aumentando sua resposta hormonal e, consequentemente, diminuindo a concentração sérica de glicose. Apesar de também possuírem suposto efeito sobre a ovulação, seu uso deve ser suspenso ao engravidar (risco C). O acetato de cipoterona pode ser administrado sozinho ou junto a estrogênios em pílula combinada (35 mcg de etinilestradiol e 2 mg de acetato de ciproterona) ou em esquema sequencial A finasterida é uma droga teratogênica que pode causar, teoricamente, feminização do feto masculino. Assim, sua administração deve ser associada a contraceptivos orais Além do papel anti-hiperglicemiante, a metformina também pode contribuir para o manejo da infertilidade e do hiperandrogenismo Júlia Figueirêdo – DESORDENS NUTRICIONAIS E METABÓLICAS Fluxograma geral do tratamento da SOP A indução da ovulação pode ser uma alternativa a mulheres com SOP que tenham desejo de engravidar, sendo alcançada a partir de uma série de métodos, como: Citrato de clomifeno: medicação de uso preferencial, é administrada em dose de 50 mg/dia, por 5 dias, a partir do 3º dia do ciclo menstrual. Essa “cronologia” é monitorada por USG transvaginal seriada, que também pode determinar o melhor momento para o coito (ruptura folicular). O uso desse fármaco pode causar gestações múltiplas, e efeito antiestrogênico no muco cervical, sendo contraindicado na presença de endometrioma, disfunções adrenais ou hipofisárias, e hepatopatias. Gonadotrofinas: devem ser indicadas em quadros refratários a doses elevadas do medicamento acima, porém seu uso deve ser acompanhado por dosagem de estradiol e USG transvaginal, dado o risco de hiperestímulo ovariano. Apresentações clínicas e tratamento da hiperstimulação ovariana Abordagem cirúrgica: o drilling ovariano consiste na realização de cauterizações gonadais para regular o funcionamento do eixo hipotálamo- hipófise-ovário e diminuir níveis de androgênios, sem que ocorra perda da reserva ovariana. Eletrocauterização durante drilling ovariano É observado aumento na concentração de FSH e queda no volume de LH e androgênios, o que implica em benefícios para fertilidade e melhora do hirsutismo. Algoritmo sequencial para indução da ovulação na SOP Na presença de hiperandrogenismo (clínico ou laboratorial), é possível associar o citrato de clomifeno à dexametasona ou prednisona, de modo a diminuir o pico noturno de ACTH
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