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Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech CURSOS DE MEDICINA ATUALIZADOS Estude com os melhores materiais https://www.invertexto.com/?n=xo2mMX MATERIAIS DO DRIVE: Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Diagnóstico diferencial - Hipertensão Porta Parte I Caso 1 Aloísio, 38 anos, ex-tabagista e etilista eventual (sic), não vem se sentindo bem. Grande apreciador de banho de lagoas, vem evitando a atividade por conta de queixas constantes de náuseas, fadiga e indisposição, o que motivou a procura de um serviço médico. Após avaliação clínica sumária em um posto de saúde, recebeu, surpreso, a prescrição de sulfato ferroso e a recomendação de comer bastante feijão, sendo encaminhado a um serviço de hematologia com o relato de "redução do hematócri to". No entanto, Aloísio, desconfiado, ignorou as recomendações do médico e voltou às suas atividades normais. Duas semanas depois, os sintomas ganharam mais impor tância e teve de voltar ao hospital, dessa vez, ao setor de Emergência. Neste dia, como o hospital estava incrivelmente vazio, recebeu maior atenção. Assim, além de mucosas hipocoradas, os plantonistas acabaram por notar vasos sanguíneos que caprichosamente desenhavam o abdome do paciente. Notaram também que, apesar de plano, o abdome não era completamente atípico, já que uma massa era palpada com a posição de Schuster. De posse destes achados, um dos médicos, que era gastroenterologista, resolveu proceder à videoendoscopia digestiva alta do paciente, cujo resultado está demonstrado a seguir. 1) Qual(is) é(são) o(s) diagnóstico(s) sindrômico(s) deste paciente? Síndrome anêmica. Síndrome de hipertensão porta = circulação colateral + esplenomegalia (detectada pela posição de Schuster) + varizes esofagogástricas. 2) Como você classificaria este distúrbio? Hipertensão porta sem ascite = pré-hepática ou intra-hepática pré-sinusoidal (TVP e esquistossomose). Como a ascite depende do extravasamento de fluido pelos sinusoides hepáticos, hipertensão porta pré-sinusoidal caracteristicamente cursa sem ascite. 3) Como você investigaria o caso? Cite duas hipóteses diagnósticas. Hipóteses diagnósticas: trombose de veia porta, esquistossomose. Primeiro passo: confirmar hipertensão porta: * Ultrassonografia de abdome à procura de sinais de hipertensão porta e trombose de veia porta. Considerar angiotomografia e ressonância magnética conforme a disponibilidade. * Endoscopia digestiva alta (já foi feita). Segundo passo: investigar etiologia: * Exame de imagem: trombose de veia porta. * Pesquisa de esquistossomose: métodos diretos (parasitológico, biópsia retal) e indiretos (sorologia). 4) Qual seria sua conduta terapêutica diante deste paciente se ele viesse a apresentar hematêmese? Estabilização hemodinâmica com cristaloides. Considerar hemoderivados. Terapia combinada: endoscopia (ligadura elástica) + farmacológica (vasoconstritores – octreodite ou terlipressina). Nos casos sem EDA disponível ou sangramento muito intenso: tamponamento por balão (balão de Sengstaken-Blakemore). Refratários: TIPS e derivação porto- sistêmica não seletiva de emergência (mortalidade de 25%). Caso 2 Jocasta, sexo feminino, 42 anos, enfermeira, procurou o consultório de um endocrinologista para perder peso. Segundo o relato da paciente, há algumas semanas seu Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech abdome vinha aumentando de tamanho, ficou mais doloroso e não conseguia emagrecer. Desde o primeiro momento da consulta, no entanto, o formato mais arredondado da barriga já fazia o médico perceber que o problema era outro... Além disso, durante o exame físico, após a manobra da "arranhadura", observou que a ausculta se tornava mais intensa a 6 cm do rebordo costal direito. A paciente nunca consumiu bebida alcoólica e utilizava apenas anticoncepcionais orais. Tem o relato na família de um irmão, do outro casamento do seu pai, ter uma doença do sangue, mas não sabe dizer exatamente qual seria. Não havia turgência jugular, nem edema de membros inferiores. Trazia consigo, ainda, exames solicitados pelo médico de seu trabalho, mas que não tinham sido interpretados: ALT 20 U/L, AST 15 U/L, proteína total 7,0 g/dl; albumina 4,3 g/dl, bilirrubina total 1,0 mg/dl, TAP 75%, HBsAg negativo, anti- HBs positivo, IgM anti-HBc negativo, IgG anti-HBc positivo, IgG anti-HAV positivo, anti-HCV negativo. 1) Qual é o diagnóstico sindrômico desta paciente? Síndrome de hipertensão porta (ascite + hepatomegalia). 2) Qual é a melhor forma de classificar este quadro? Justifique. Hipertensão porta pós-sinusoidal: - Boa função hepática; - Ascite sem esplenomegalia ou varizes de esôfago. 3) Como você investigaria o caso? Paracentese diagnóstica: ALTO gradiente = hipertensão porta; BAIXO gradiente = doença do peritôneo. 4) Assinale a alternativa que apresenta o provável diagnóstico etiológico de Jocasta. a) Esquistossomose. b) Trombose de veia cava inferior. c) Insuficiência cardíaca direita. d) Síndrome de Budd-Chiari. Resposta: letra D. 5) Caso o aumento abdominal fosse atribuído à cirrose hepática, quais seriam as linhas gerais do tratamento? Restrição de Na e diuréticos (espironolactona, furosemida). Se refratária, paracenteses, TIPS, transplante ou shunt peritoneovenoso. Caso 3 Clara, 32 anos, dá entrada na emergência de um HU com quadro de febre não aferida, náuseas e fraqueza. A mãe relata que a filha está com insônia e dormindo muito durante o dia. Como o médico de plantão estava em outro atendimento, foi avaliada pelo acadêmico do sexto período mais capacitado para a função. O acadêmico logo observou um aumento do volume abdominal. "Será que estaria grávida?" – pensou imediatamente. No entanto, a paciente negava atraso menstrual. Na história pregressa, a paciente relata ser por tadora do vírus B há 10 anos, mas que nunca fez acompanhamento. Sem perder tempo com as histórias, o acadêmico se surpreende, pois, à palpação, não havia sinais de aumento uterino, mas sim de um abdome batraquial, com discreto desconfor to à palpação profunda. Foi observado, também, hiper timpanismo central que prevalecia nos flancos quando em decúbito lateral. Espaço de Traube estava ocupado. Baço palpável a 3 cm do RCE. Foram solicitados novos exames laboratoriais, cuja principal alteração foi uma pancitopenia (leucócitos 1.700; hemácias 2.400.000 e plaquetas 30.000). 1) Qual é o diagnóstico sindrômico e o possível diagnóstico etiológico desta paciente? Ascite + esplenomegalia + pancitopenia = H. PORTA DEVIDO À CIRROSE POR VÍRUS B. 2) Como justificar a confusão mental que apresenta? E o quadro febril? Febre + alteração do padrão do sono = encefalopatia hepática desencadeada por PBE. 3) Qual seria a sua primeira abordagem para o quadro? Paracentese diagnóstica. 4) Como você justificaria os achados hematológicos? Esplenomegalia: sequestro e destruição. 5) Quais seriam suas condutas diante desse caso, se o diagnóstico de PBE fosse confirmado? 1 – Cefotaxima... 2 – Profilaxia 2ª da PBE (Norfloxacin 400 mg/dia até Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech desaparecer a ascite). 3 – Prevenção da SHR (Albumina) 4 – Tratamento da encefalopatia hepática (proteína vegetal, lactulona) 6) Caso viesse a apresentar elevação dos níveis séricos de creatinina e oligúria, em que complicação deveríamos pensar? Qual seria a conduta mais adequada? Síndrome hepatorrenal. Iniciar albumina + terlipressina. Insuficiência Hepatocelular - Parte II Caso 1 Carlota Stefenanitz é uma bem-sucedida executiva de 38 anos, que leva uma vida aparentemente invejável. No entanto, o que poucos sabem é que, fora da empresa, ela é uma pessoa solitária e com histórico de etilismo impor tante, inclusive já tendo sido internada por conta de uma crise de abstinência. Recentemente, ela vem sendo acometida por uma terrível fadiga que a impede de trabalhar adequadamente. Apresenta, ainda, um amarelamento da pele e a mão constantemente vermelha na sua região palmar. Suas mãos também parecem mais rígidas e seus amigos vêm notando que as bochechas estão mais crescidas.Desesperada, tentou fazer dieta, mas de nada adiantou a não ser afinar ainda mais suas pernas e braços. Procurou então atendimento médico para esclarecer seu problema de saúde, sendo realizados os seguintes exames: 1) Qual é o diagnóstico sindrômico desta paciente? Síndrome de insuficiência hepatocelular (hepatopatia crônica). 2) Qual é o provável diagnóstico etiológico? Hepatopatia alcoólica. 3) Considerando que Carlota fosse obesa e portadora de síndrome metabólica, mas não apresentasse hábito etílico e as sorologias fossem negativas para hepatites virais e doenças autoimunes, qual condição deveria ser pensada? Como você trataria? Doença hepática gordurosa não alcoólica. Tratamento: mudança no estilo de vida, glitazonas, vitamina E. Caso 2 Teixeira, 55 anos, é um famoso jornalista que acaba de se afastar da mídia por problemas de saúde. Tudo começou por uma de suas avaliações de rotina, em que foram detectadas alterações nas enzimas hepáticas (sic) que o conduziram ao inesperado diagnóstico de hepati te B. O paciente se encontra assintomático e não é hiper tenso, diabético ou por tador de qualquer morbidade. Os demais exames laboratoriais se mostraram normais. Acompanhado por um grande hepatologista, Teixeira está agora em avaliação para saber se deve ou não entrar no protocolo de tratamento antiviral específico. Seus achados sorológicos são: HBsAg (+); anti-HBc total (+); anti-HBc IgM (-); HBeAg (+); anti-HBe (-); anti-HBs (-); HBV-DNA > 20.000 Ul/ml. Com a biópsia realizada esta semana, não houve mais dúvidas e o tratamento foi iniciado. Com base nessas situações clínicas, responda: 1) As drogas que poderiam ser utilizadas no tratamento são: ( ) Interferon e tenofovir ( ) Sofosbuvir e daclatasvir ( ) Prednisona Resposta: Interferon e tenofovir. 2) O que mudaria se, em vez de sorologia para o vírus B, Sr. Teixeira apresentasse anti-HCV (+)? Deveríamos confirmar a infecção pelo HCV-RNA e solicitar a genotipagem. O tratamento seria conduzido de acordo com o genótipo do HCV. Caso 3 Júlio, um aplicado estudante de Ciências Aeroespaciais de 25 anos, procurou atendimento médico esta semana, queixando- Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech se de indisposição. Ao exame, mostrava-se ictérico +/4+, afebril, eupneico e hipocorado +/4+. Na ectoscopia, foram observadas formações vasculares no tórax, que sumiam com a digitopressão, rarefação de pelos e mamas aumentadas de tamanho. A pontuação no miniexame do estado mental era de 29 pontos (perdeu um ponto na estação do ano). Relatou que seus pais faleceram muito cedo e a única coisa que sabia era que sua mãe tinha morrido ainda jovem, em uma instituição psiquiátrica. A namorada, que o acompanhava na consulta, contou à equipe médica que, há seis dias, após diversas discussões no seu trabalho, ele foi para casa e resolveu se isolar por alguns dias. Nesse período, passou a notar alguns tremores e dificuldade para realizar alguns movimentos, como a flexão da perna. Aflita, realizou uma pesquisa na Internet e imaginou que ele tivesse a mesma doença de celebridades como Michael J. Fox e Muhammad Ali. O que intriga o casal neste momento é que Júlio não recebeu encaminhamento nem para um neurologista, nem um psiquiatra, mas para um oftalmologista... 1) Qual é a principal hipótese diagnóstica? Doença de Wilson. 2) Qual é a linha geral de tratamento para o caso? Uso de quelantes de cobre: D-penicilamina ou Trientina. Caso 4 Januário, ex-ator de filmes adultos, 45 anos, vem ao seu consultório queixando-se de que não consegue mais emprego no ramo. O principal motivo seria uma "queda na performance artística" e, por isso, gostaria de tomar algumas das pílulas azuis que seu vizinho vem usando. Quando questionado, refere também cansaço progressivo nos últimos meses, palpitações e dor abdominal em hipocôndrio direito de moderada intensidade. Graças a essa dor, traz um exame de urina realizado no PS na semana anterior que mostra densidade de 1.018, 2 piócitos por campo, glicosúria +++/4+ e presença de cilindros hialinos. O fígado está palpável a 4 cm RCD e há edema de membros inferiores (++/4+). Antes de terminar o exame físico, você percebe, ao olhar mais atento, uma discreta diferença de coloração, uma espécie de "bronzeado", mais intenso na face, pescoço, regiões extensoras dos antebraços e dorso das mãos e pernas. 1) Qual é o provável diagnóstico deste paciente? Hemocromatose hereditária. 2) Qual é a base do tratamento proposto? Flebotomias seriadas. PRESCRICAO_MEDICA_MEDCIR01 Prescrição Homem, 56 anos, hepatopata crônico por etiologia alcoólica, classe funcional Child-Pugh C é admitido no pronto-socorro com desconforto abdominal e abdome batraquial. Durante rápida avaliação inicial, observa-se que o paciente apresenta confusão mental, hálito de odor fétido e escleras ictéricas. Não relata episódios de hematêmese, mas refere constipação há aproximadamente 3 dias. Como já era sabidamente portador de ascite e o exame físico não deixava dúvidas disso, foi prontamente submetido à paracentese diagnóstica e de alívio (com a retirada de 6,5 L de líquido) que trazia: líquido amarelo-citrino, contendo 500 leucócitos, 300 polimorfonucleares, glicose 60 mg/dl; LDH normal; proteína 0,9 g/dl. O gradiente de albumina soro-ascite calculado foi de 1,8. Com base nesse quadro clínico, faça a prescrição desse paciente: 1. Dieta oral branda, anticonstipante. Substituir proteína animal por fonte vegetal. Lembrar que não há necessidade de restrição proteica, pois a desnutrição piora o prognóstico desses pacientes. Caso a encefalopatia se mostre acentuada (grau III e IV), pelo risco de broncoaspiração, a dieta deverá ser enteral. Com a punção de acesso vascular, ainda na emergência, caso seja iniciada hidratação venosa, teremos que fazer uma hidratação mais parcimoniosa (ex.: 250 ml em alíquotas e reavaliação seriada ou 1.000 ml em 24h) por conta do paciente já ser um retentor de sal e água. Lembre-se que a vasodilatação típica dos cirróticos leva a uma redução do volume circulante efetivo. 2. Cefotaxime 2 g, IV, 8/8h, por 5 dias (Hoje D0). Cefalosporina de 3a geração utilizada para o tratamento de PBE. Ceftriaxone também poderia ser utilizado, embora o perfil de resistência desenvolvido pela droga desencoraje a sua Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech utilização rotineira em muitos serviços. Amoxicilina + clavulanato seria mais uma alternativa. 3. Albumina humana 20% 1,5 g/kg nas primeiras 6 horas + 1 g/kg no 3º dia. Nos casos de PBE, a albumina está indicada para a profilaxia da síndrome hepatorrenal. Como o paciente já irá receber uma carga elevada de albumina, não haverá necessidade de uma reposição adicional em virtude da parecentese, uma vez que isso traria um risco de sobrecarga de coloide. 4. Lactulose 20 ml, VO, 8/8h. Essa dose pode ser aumentada gradualmente até 40 ml, 4/4h, almejando-se a presença de 2/3 evacuações de fezes pastosas/dia. Considerar neomicina, metronidazol ou rifaximina em casos refratário. A LOLA (L-ornitina-L- aspartato) também é uma opção a ser considerada. 5. Metoclopramida 10 mg, IV, 8/8h ou Bromoprida 10 mg, IV, 8/8h. Embora não haja recomendações formais, a utilização de procinéticos poderia otimizar o trânsito intestinal, além de funcionar como antiemético nessa situação. 6. Dipirona 1 g (2 ml), IV, até de 6/6h em caso de dor ou febre. 7. Pesar o paciente em jejum. Monitorização do edema e da ascite, sobretudo quando for iniciada terapia diurética. 8. Balanço Hídrico. Atentar para desenvolvimento de oligúria indicativa de SHR. Não há necessidade de sondagem vesical de demora. Caso o paciente não seja cooperativo, formas alternativas de monitorização, como utilização de sondas associadas a preservativos, podem ser utilizadas. 9. Curva térmica e sinais vitais. DESAFIO_DIAGNOSTICO_MEDCIR01 Desafio diagnóstico Anamnese: ID: mulher, 32 anos, casada, professora universitária. QP: vômitos e dor abdominal. HDA: paciente procurou serviço médico com queixa de vômitos sanguinolentos em moderada quantidade,associados a dor abdominal difusa iniciada nos últimos dois meses, mas com piora acentuada há três dias. Nega qualquer padrão de irradiação da dor, associação com alimentação, disúria ou alteração do hábito intestinal. HPP: nega ser hipertensa, diabética ou possuir história de alergia. Não refere história prévia de litíase biliar nem faz uso regular de medicamentos, exceto por anticoncepcionais. H. Fam: pai de 68 anos, hipertenso, e mãe de 59, portadora de doença do refluxo e varizes essenciais. Tem um filho sadio e possui história de três abortos espontâneos. H Fisiol: questionada sobre a história reprodutiva, afirma por vezes apresentar ciclos menstruais irregulares e, por conta disso, utiliza anticoncepcionais orais. Relata que, durante a gestação, recebeu tratamento para sífilis após detecção ocasional da infecção num exame de sangue. Hsoc: nega ser tabagista, etilista ou usuária de drogas IV. Dieta sem restrições, levemente hipercalórica. Exame Físico: Ectoscopia: lúcida, hipocorada +/4+, afebril, acianótica, anictérica, eupneica, em bom estado geral. PA 128 x 82 mmHg; FC 88 bpm; FR 18 irpm. ACV e AR: NDN Abdome: atípico, peristáltico, flácido, com dor abdominal difusa à palpação profunda, sem sinais de irritação peritoneal e sem massas palpáveis Mmii: pulsos palpáveis, isóbaros. Ausência de empastamento de panturrilhas. Nota-se a presença de livedo reticularis. Exames Complementares: Foram inicialmente solicitados hemograma, amilase, transaminases, albumina, TAP, EAS e dosagem de beta-HCG cujos resultados não acrescentaram nenhum valor ao caso. Realizada tomografia computadorizada de abdome, cujo achado se mostra abaixo: Com base nesses dados, responda: 1) Qual a alteração observada pelo exame de imagem? Trombose de veia porta. 2) Qual seria a hipótese diagnóstica para o caso? Trombose de veia porta = excluir doença hepática (paciente não tem). Avaliando outras causas... Mulher, história de abortos, livedo reticularis, VDRL positivo + trombose de veia porta = síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (a princípio primária). 3) Qual é a conduta terapêutica? Uma grande dificuldade encontrada no manejo de pacientes com doenças trombóticas e sangramento é que os tratamentos se antagonizam. Por ora, o mais importante é a Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech estabilização clínica da paciente. A decisão sobre anticoagulação deve ser postergada até que o risco de ressangramento seja mínimo. A SÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA HEPATOCELULAR "O cão de caça alado de Zeus, Deve vir como um convidado espontâneo ao seu banquete. Durante todo o dia ele irá rasgar seu corpo em frangalhos, deliciando-se furiosamente sobre o fígado escuro. Não espere o fim dessa agonia, até que um Deus sofra livremente por você." Ésquilo (em "Prometeu acorren tado") C omo podemos observar neste fabuloso trecho da mitologia grega, o castigo de Prometeu por ter levado o fogo dos deuses aos humanos foi ter um pedaço de seu fígado arrancado diariamente. Graças à sua incrível capacidade de regeneração, este castigo seria "eterno" até que algum Deus o libertasse por piedade... Ao longo desta apostila, apesar de falarmos novamente do fígado (a exemplo da apostila de "Síndrome Ictérica"), você perceberá que teremos um enfoque diferente. Nosso objetivo agora estará voltado basicamente para as hepatopatias crônicas e a cirrose hepática. Estas condições são responsáveis por duas síndromes principais. A primeira, veremos neste capítulo, representada pela síndrome de insuficiência hepatocelular. A segunda, discutida adiante, é a síndrome de Hipertensão Porta (HP). A partir de agora, convidamos você a embarcar num detalhado estudo do fígado e das principais condições que o acometem, um tema que há centenas de anos tanto fascina o ser humano! VIDEO_01_MEDCIR01 INTRODUÇÃO MICROESTRUTURA HEPÁTICA O fígado é o mais volumoso órgão interno do corpo humano, pesan do aproximadamente 1-1,5 kg e representando 1,5-2,5% da massa corporal magra. Funcionalmente, ele está organizado em pequenos lóbulos. Observe na que estes lóbulos nada mais são que polígonos construídos a partir de "muros de QUADRO DE CONCEITOS MICROAR QUITETURA Lóbulos Hepáticos (Polígonos) / centro: veia centro lobular / "cantos": espaço-porta (tríade: vênula, arte ríola e dúctulo biliar). Zona 1: peri portal; Zona 2: interme diária; Zona 3: peri‐ venular. PRINCIPAIS FUNÇÕES HEPÁTICAS (1) Elimi nação de toxinas. (2) Coorde nação do metabo lismo interme diário. (3) Síntese de proteínas. (4) Metabo lismo da bilirrubi na e síntese dos ácidos bilia res. MANIFES TAÇÕES NA HEPATO PATIA ● Achado mais comum = fadiga. ● Aguda (neuro cardio vascula res) x Crônica ("estig mas hepá‐ ticos"). ESTADIA MENTO DA FUNÇÃO HEPÁTICA ● Geral = escore de Child-Pu gh ("BEATA"): classes A, B e C. ● Transpla nte = escore de MELD. COMPLICAÇÕES DA INSUFICIÊNCIA HEPATOCELULAR (1) Encefa lopatia hepática. (2) Síndrome hepa torrenal. (3) Compli cações pulmo nares. (4) Desnutrição. (5) Coagulopatia. (6) Anorma lidades hemato lógicas. (7) Doença óssea. (8) Hepato carcinoma. FIGURA 1 Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech hepatócitos", (as principais células do parênqui ma), contendo a veia centrolobular no meio e o espaço-porta nos cantos. Cada espaço-porta, por sua vez, é formado por uma tríade portal que possui no seu interior uma vênula (ramo da porta), uma arteríola (ramo da artéria hepática) e um dúctulo biliar. Na observamos ainda que estes "muros de hepatócitos" são revestidos por células endoteliais e fagocitárias (células de Kupffer), compondo o que denominamos de Sinusoides Hepáticos. E é justa mente nestes sinusoides que caminha o sangue que "banha" os hepatócitos. Figura 1: O Lóbulo Hepático = unidade funcional do fígado. Figura 2: Entre os muros de hepatócitos... Como na verdade o endotélio não está "colado" nos hepatócitos, ainda existe entre eles outro espaço (espaço de Disse). O sangue que chega ao fígado é proveniente de duas grandes vias: arterial (artéria hepática) e venosa (veia porta). Eles chegam ao órgão através de seus ramos terminais no espaço- porta. Assim, percorrem um caminho particular que se inicia pelos cantos do lobo hepático (zona 1 – periportal), percorre os sinusoides (zona 2 – intermediária) até desembocar sequencialmente nas veias centrolobulares (zona 3 – perive‐ nular), sublobulares, supra-hepáticas (duas ou três) e veia cava inferior. Graças a essa disposição anatômica, as células de cada zona são diferentes umas das outras e acabam reagindo de forma diversa às agressões externas. Por exemplo, a zona 1 que é rica em nutrientes e oxigênio, sofre menos nos estados de hipotensão que a zona 3, mais distante do espaço-porta e, portanto, menos irrigada. Essa é uma das explicações para a necrose centrolobular nos casos de hipóxia tecidual. Obs.: se você esqueceu estes conceitos, seria bom revê-los na apostila de "Síndrome Ictérica"... Por último, o fígado ainda dispõe de um sistema onde a bile é secre tada, formado pelos canalículos biliares e que caminha num fluxo contrário ao sanguíneo, vindo do centro para periferia. Estas estruturas também estão descritas com mais detalhes no volume "Síndrome Ictérica". IMPORTANTE: Antes de prosseguir, assista ao vídeo: CIR204030 RESIDÊNCIA MÉDICA - 2014 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UFSC – UFSC Assinale a alternativa CORRETA. O sangue venoso portal pode conter patógenos e toxinas entéricas neutralizadas no fígado por células que agem como macrófagos residentes. Essas células são: a) Hepatócitos. b) De Kupffer. c) Colangiócitos. d) Endoteliais dos vasos hepáti cos. e) Hepáticas estelares. R. Agora que acabamos de citar esta célula, fica mais fácil! Resposta: letra B. AS FUNÇÕES DO FÍGADO Por conta de sua vascularização característica, além de receber sangue do sistema arterial (como qualquer outro órgão), o fígado recebe também todo o sangue originário dos intestinos (através da veia porta). Com isso, acaba por exercer duas FIGURA 2 SAIBA MAIS O fígado possui umaincrível capacidade de se regenerar e ajustar o seu volume às necessidades do organismo, o que pode ser notado após as hepatectomias e os transplantes hepáticos. Em alguns animais, como os ratos, por exemplo, o fígado é capaz de se regenerar totalmente após sete dias! Você já parou para imaginar um coração infartado ou um rim isquemiado que se renovassem dessa forma?? Seria o fim das diálises e dos trombolíticos!!! Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech funções diferenciadas: eliminação de toxinas e coordenação do metabolismo intermediário. Além dessas funções, por conta da complexidade dos "hepatócitos", fica a cargo do fígado, também, a produção da maior parte das proteínas plasmáticas do nosso organismo e o metabolismo da bilirrubina/formação da bile. Vamos rever alguns detalhes: 1) Eliminação de Toxinas (biotransformação e detoxifica‐ ção): o fígado é capaz de eliminar substâncias tóxicas e inativar diversos medicamen tos através de reações bioquí‐ micas. Estas são classifi cadas em reações de fase I e fase II e costumam ocorrer sequencial mente. ● Fase I = oxidação, redução ou hidrólise. É nesta fase que encontramos as famosas enzi mas do citocromo P-450. Das 50 isoenzimas já identifica das, a mais importante é a CYP3A4. ● Fase II = enzimas conjugado ras como a glutationa, que normalmente resultam em substâncias inativas. No final dessas reações, o produto solúvel gerado é excretado na urina ou na bile. Um grande exemplo é a transformação hepática de amônia em ureia (ciclo de Krebs-Henseleit). A amônia é nociva principalmente para o sistema nervoso central e a ureia, além de menos tóxica, pode ser eliminada pelos rins. Curiosamente, embora o papel principal seja desativar subs tâncias nocivas, em alguns casos, é o próprio fígado quem as converte para a forma ativa após metabolização. 2) Coordenação do Metabolis mo Intermediário: o fígado é o "grande maestro" do metabo lismo intermediário, coorde‐ nando os nutrientes que ganham a circulação plasmá tica a partir do sistema porta, de forma a armazená-los e redistribuí-los da melhor for ma possível. ● Aminoácidos: a proteína da dieta é transformada em aminoácidos que circulam no organismo e que são utili‐ zados para a síntese de novas proteínas, hormônios e nucle otídeos. Os aminoácidos em excesso, não aproveitados pelos demais tecidos, são utilizados como fonte de energia no fígado ou convertidos em glicose (glico neogênese), corpos cetônicos ou gorduras. O fígado não é capaz de metabolizar os aminoácidos de cadeia rami ficada, que são, desta forma, utili zados pelo tecido muscu lar. ● Carboidratos: com exceção do momento em que os carboidratos são absorvidos da dieta (atuação da insulina), é o fígado quem define os níveis glicêmicos no organis mo!!! Participam dessa regu lação dois fenômenos: a glicogenólise (quebra dos estoques de glicogênio) e a gliconeogênese (produção de glicose a partir de fontes não glicídicas, como os aminoá cidos). Vários fatores influen‐ ciam estimulando ou inibindo estes processos, como insu‐ lina, glucagon, epinefrina, etc. Assim, a doença hepática pode produzir tanto hipogli cemia (doença aguda) quanto intolerância à glicose (doença crônica). ● Metabolismo dos Lipídios: o fígado é o principal local de síntese de ácidos graxos no organismo, gerados pelo excesso de glicose. É no fígado também que os ácidos graxos se unem ao glicerol para formar os triglicerídeos. O fígado gorduroso (esteatose hepática) reflete habitual‐ mente um acúmulo excessivo de triglicerídeos, resultante de um desequilíbrio entre a biossíntese destes e sua secreção no plasma na forma de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL). O fígado é ainda a principal fonte de colesterol endógeno e responsável por sua captação, armazenamento e secreção na bile. ● Metabolismo das Vitaminas: o fígado é responsável pelo armazenamento das vitami nas lipossolúveis A, D, E e K e está envolvido com a capta ção e armazenamento de outras vitaminas hidrosso lúveis como a tiamina, ciano‐ cobalamina e piridoxina. HIPOGLICEMIA OU HIPERGLICE MIA? Hipoglicemia leve (45 a 60 mg/dl) ocorre em aproximadamen te metade dos pacientes com hepatite viral aguda não complicada. Como regra, estes pacientes não são hiperinsuli nêmicos. Se a doença hepática aguda for grave (hepatite fulminante), a hipoglicemia pode ser acentuada e potencialmente fatal. Intolerância à glicose, por outro lado, está associada mais comumente à doença hepática crônica e cirrose. As concentrações plasmáticas de insulina tendem a ser altas, sugerindo um estado de resistência periférica. A resistência à insulina também pode refletir uma maior secreção de glucagon, ou mesmo a presença do shunt portossistêmico dos pacientes cirróticos, que faz com que a insulina secretada pelo pâncreas tenha menos "contato" com o fígado. Naqueles com hepatopatias crônicas associadas a outros distúrbios (ex.: hemocromatose e pancreatite crônica), o diabetes mellitus contribui para a intolerância à glicose. Nestes pacientes, os níveis de insulina sérica, ao contrário, estão baixos. 3) Síntese de Proteínas: o fígado é uma verdadeira "fábrica de proteínas" no organismo. Com exceção das imunoglobulinas (produzidas pelos linfócitos B), a maior parte das proteínas encon tradas no plasma é sintetizada exclusivamente pelo fígado. São exemplos dessas proteínas a albumina, os fatores de coagulação, os carreadores e armazenadores (transferrina, ferritina, ceruloplasmina), a proteína C-reativa, o angioten sinogênio, a alfa-1- antitripsina, os fatores de crescimento, dentre outros. Toda vez que você estiver diante de uma lesão hepática aguda, você deve atentar para os seguintes fatos: Obs. 1: cada proteína possui uma velocidade de renovação diferen ciada. Assim, em situações de falência hepatocelular, proteínas que se renovam rapidamente, como os fatores de coagulação, estarão reduzidas antes das proteínas que têm meia- vida maior, como a albumina. Isso explica porque, na insuficiência hepática, o alarga mento das provas de coagulação precede a redução da albumina sérica. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Obs. 2: a concentração das proteínas plasmáticas nem sempre reflete o grau de lesão hepática. Um exemplo disto é o catabolismo acelerado em algumas condições, como coagulação intravascular disseminada (para os fatores de coagulação) e enteropatias perde doras de proteínas (para a albumina). 4) Metabolismo da Bilirrubina e Síntese dos Ácidos Biliares (ver detalhes no volume 1 de Clínica Médica: "Síndrome Ictérica") Vamos aproveitar e entender mais um conceito com essa questão: RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ONOFRE LOPES – UFRN Nos estados de choque, independentemente da causa, prevalece o status de hipoperfusão tecidual, com hipóxia celular, o que gera um metabolismo anaeróbico, sendo, portanto, a relação lactato/piruvato sérico um importante marcador desse metabolismo. A relação lactato/ piruvato está aumentada, sem, no entanto, haver hipóxia celular: a) Na insuficiência hepática. b) No pós-operatório de cirurgias de grande porte. c) No diabetes mellitus. d) Na glicólise aeróbica. R. Distúrbio hemodinâmico, que se acompanha de má perfusão tecidual generalizada (estado de choque). Sabemos também que este fenômeno é multifatorial e decorre, principalmente, de uma disfunção generalizada da microcirculação. Os principais mecanismos implicados são os seguintes: (1) menor depuração hepática de substâncias endógenas vasoativas; (2) liberação de actina pelos hepatócitos necrosados, a qual sofre polimerização na circulação periférica e lesa as células endoteliais; (3) ocorrência de CIVD (pela coagulopatia hepática), com piora da disfunção endotelial e isquemia de múltiplos tecidos. Muitos pacientes em falência hepática aguda também apresentam quadro séptico sobreposto às alterações citadas, o que agrava ainda mais o distúrbio hemodinâmico. Evidentemente, este contexto de "caos microcirculatório" é suficiente para gerar um metabolismo anaeróbio e acidose metabólica lática– que no caso estaria associada à má perfusão tecidual e hipóxia celular. Todavia, mesmo os portadores de falência hepática aguda, que ainda não se encontram em franco estado de choque, já apresentam elevação do lactato sérico (ou da relação lactato/piruvato, que não é habitualmente pesquisada na prática clínica). Estes indivíduos possuem um mecanismo adicional para o aumento do lactato sérico, além da má perfusão e hipóxia celular: estamos falando da DEFICIÊNCIA NA DEPURAÇÃO DE LACTATO! Temos que nos lembrar de que o fígado é o principal local de metabolização do lactato sérico e, por conseguinte, diante da perda das funções hepatocitárias, é esperado um aumento do lactato sérico, mesmo que o paciente não tenha evoluído com disfunção microcirculatória. Assim, resposta: letra A. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Acabamos de rever a estrutura e as principais funções do fígado. Até aqui tudo bem... Foram basicamente conceitos. Mas, na prática, como definir que um paciente realmente apresenta ALTERAÇÃO DA FUNÇÃO HEPÁTICA? ANAMNESE E EXAME FÍSICO Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Muitos pacientes com doença hepática desenvolvem uma forma clínica oligoassintomática, princi palmente nas fases iniciais da doença, sendo o diagnóstico suspeitado por alterações em exames laboratoriais de rotina. Dentre os principais achados inespecíficos desta fase temos a fadiga (mais comum), predomi‐ nantemente noturna e intermi tente, e os sintomas gastroin‐ testinais inespecíficos, como náuseas, vômitos, dor em hipocôndrio direito e hiporexia. Quanto aos mais específicos, temos que levar em consideração se a falência hepática é aguda ou crônica, se compensada ou descompensada... Na forma Aguda (hepatite B fulminante, por exemplo) vimos que predominavam a icterícia e as manifestações circulatórias e neurológicas, não havendo tempo para o aparecimento das manifes tações clássicas da hepatopatia crônica, os famosos "estigmas hepáticos". Este foi o nosso enfoque na primeira apostila do MED, você se lembra? Na forma Crônica, representada pela cirrose hepática, encontra mos dois momentos distintos. A primeira fase da cirrose hepática é dita "compensada" e o que a diferencia da "fase descompen sada" é a ausência de compli cações da hipertensão porta ou da disfunção hepática. Na primeira fase, a sobrevida média é de 9 anos, sendo que a taxa de evolução para a "descompensada" gira em torno de 5-7% ao ano. Na fase "descompensada", a sobre vida média é de 1,6 anos. Condições como sangramento por varizes, síndrome hepatorrenal e Carcinoma Hepatocelular (CHC) podem reduzir esses intervalos. Doença Compensada: Estágio 1 (ausência de varizes ou ascite) – mortalidade 1% ao ano. Estágio 2 (varizes, sem ascite ou sangramento) – mortalidade de 4% ao ano. Doença Descompensada: Estágio 3 (ascite com ou sem varizes que nunca sangraram) – mortalidade de 20% ao ano. Estágio 4 (sangramento por varizes, com ou sem ascite) – mortalidade de 57% ao ano. ➤ Fase compensada: é nesta fase que começam a aparecer os sinais relacionados aos distúrbios endócrinos do complexo Hipe restrogenismo – Hipoandroge nismo. Na disfunção hepática inicial, algumas vias metabólicas estão alteradas, entre elas a da metabolização do estrogênio – gerando o hiperestrogenismo. Este leva a alterações vasculares cutâneas representadas pelo eritema palmar e pelas telan‐ giectasias As telangiectasias do tipo "aranha vascular" (ou spider angioma) são caracterizadas por uma dilatação arteriolar central que se liga a capilares dilatados com disposição radial. São encontradas especial mente no pescoço, na porção superior do tronco e dos membros superiores. O eritema palmar é decorrente da vasodilatação cutânea restrita à região palmar, principalmente nas regiões tenar e hipotenar. O fluxo sanguíneo para essa região pode aumentar em até seis vezes. Outra manifestação possível é a vasodilatação do pescoço e tórax anterior, dando o aspecto de "colar hepático" ou "xale hepático". Figura 3: Manifestações clássicas da cirrose hepática. Figura 4: Telangiectasias e eritema palmar na insuficiência hepática. Com relação à testosterona, sabemos que, embora a maior parte seja transformada na forma ativa por ação da 5-alfa-redutase na próstata, uma parte também se dá na pele e no fígado. Assim, na disfunção hepática, temos um estado de hipoandrogenismo, responsável pela queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução da massa muscular (atrofia dos interósseos) e rarefação de pelos (a distribuição dos pelos passa a respeitar o padrão feminino). A ginecomastia é decorrente tanto do hipoandrogenismo como do hiperestrogenismo. Outras alterações observadas ainda incluem o baqueteamento digital (ver causas adiante) e os sinais associados à hepatopatia alcoólica, como o entumesci mento de parótidas e a contratura palmar de Dupuy tren (FIGURA 4). (FIGURA 5). Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Figura 5: Contratura palmar de Dupuytren. Por último, sabemos que a albu mina, produzida exclusivamente pelo fígado, é a grande respon sável pela pressão oncótica (pressão que "prende" o líquido no ambiente intravascular). Portanto, na hipoalbuminemia, o líquido intravascular tende a migrar para o interstício, levando à formação de edema. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE – UFCSPA – RS A enfermidade de Dupuytren: a) Está relacionada à doença ocupacional. b) Inicia, na maioria dos casos, pelo comprometimento do quarto e do quinto quirodáctilos. c) Adere a músculo e nervos da mão. d) Raramente compromete as duas mãos. e) Acomete mais frequentemente mulheres após a menopausa. R. Na Doença de Dupuytren, ocorre uma fibrodisplasia da fáscia palmar com espessamento, formação de nódulos e cordas que levam à deformidade em flexão dos dedos. É doença idiopática, apresentando alguns fatores relacionados: DM, alcoolismo, uso de drogas (ex.: anticonvulsivantes). Não existe associação ocupacional comprovada. Tipicamente afeta homens brancos, em torno da 7ª década de vida. Em geral, é bilateral. Os dedos mais frequentemente acometidos são os ulnares (anular e mínimo) e eventualmente o polegar. Atenção para a alternativa C, pois a doença acomete a fáscia palmar (tecido superficial, logo abaixo do subcutâneo), porém, durante a cirurgia, muito frequentemente, o tecido doente encontra-se aderido aos tecidos profundos, principalmente aos nervos, com risco de lesão. Resposta: alternativa B. ➤ Fase descompensada: aqui aparecem as complicações da Hipertensão Porta e da Insuficiência Hepatocelular. Na verdade, essas síndromes não são excludentes, mas convivem de forma bem próxima. O paciente que faz encefalopatia por disfunção hepática, por exemplo, também encontra no shunt portossistêmico da hipertensão porta (desvio do sangue do sistema porta para a circulação sistêmica, sem passar pelo fígado), um mecanismo deflagrador da encefalopatia. Assim, poderíamos dizer que esta fase é marcada por: ● Hipertensão porta e suas consequências (varizes esofago‐ gástricas, ascite, circulação colateral abdominal, esplenome‐ galia); ● Encefalopatia hepática; ● Síndrome hepatorrenal; ● Complicações pulmonares; ● Desnutrição; ● Coagulopatia e anormalidades hematológicas; CAUSAS DE BAQUETEAMENTO (OU HIPOCRATISMO) DIGITAL Forma Hereditária Doenças Intratorácicas e Pulmo nares Ca Broncogênico. Outros Ca Intratorácicos (Metás tase, Mesotelioma, Tumor de Mediastino). Supurações Crônicas (Empiema Pleural, Abscesso Pulmonar). Bronquiectasias. Fibrose Cística. Fibrose Pulmonar Idiopática. Doenças Cardíacas Cardiopatia Congênita Cianótica (ex.: Tetralogia de Fallot). Endocardite Bacteriana Subaguda. Doenças Gastrointestinais Cirrose Hepática. Esquistossomose. Doença Inflamatória Intestinal (Crohn, Retocolite). Diarreia Crônica. Uso de Laxantes. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech ● Doença óssea; ● Hepatocarcinoma. Devido às particularidades de cada uma dessas complicações, ao final deste capítulo, elasserão abordadas de forma mais específica. A Hipertensão Porta e suas consequências serão revistas no capítulo seguinte. DADOS LABORATORIAIS Quando se quer avaliar a presença de doença hepática, ouvimos frequentemente o termo "provas de função hepática". No entanto, observe que este não é um nome muito adequado, pois algumas dessas provas não avaliam necessariamente a capacidade de síntese ou metabolização do fígado, mas sim lesão celular ou fluxo biliar obstruído (ex.: ALT e fosfatase alcalina). Além disso, outro cuidado que se deve ter é que os testes nunca são diagnósticos e devem ser avaliados caso a caso, podendo estar normais em hepatopatas graves ou mesmo anormais em indivíduos sem doença hepática. A abordagem inicial de um quadro suspeito de disfunção hepática deve incluir, inicialmen te, os seguintes exames: amino‐ transferases (transaminases), fos fatase alcalina, albumina, bilirru binas e tempo de protrombina. Já falamos bastante das transaminases, da fosfatase alcalina e da bilirrubina na apostila de "Síndrome Ictérica". Você se lembra? ● Aminotransferases (transami nases): são duas enzimas, a aspartato aminotransferase (AST ou TGO) e a alanina aminotrans ferase (ALT ou TGP), liberadas na corrente sanguínea após lesão da membrana do hepatócito. A ALT é praticamente exclusiva do fígado enquanto a AST pode ser encontrada também no miocár dio, músculo esquelético, rim, cérebro, pâncreas, pulmões, leucócitos e hemácias. Ao contrário do que se poderia esperar, não existe boa correlação entre os níveis de transaminases e o grau de lesão celular! ● Fosfatase Alcalina: enzima localizada na membrana do hepatócito próxima ao canalí culo biliar. Pode estar presente em outros locais como o osso, a placenta e o intestino delgado. Elevações discretas podem estar presentes em idosos, crianças e adolescentes em fase de cresci mento, gestantes e pacientes dos tipos sanguíneos O e B sem doença hepática subjacente. A elevação da Gamaglutamil transferase (Gama-GT) ou da 5' nucleotidase podem diferenciar a elevação da fosfatase alcalina produzida no fígado das produ zidas em outros tecidos. ● Bilirrubina total e frações (direta e indireta): detalhado no volume de "Síndrome Ictérica", este teste se relaciona à função excretora e detoxifica dora do fígado. A hiperbi lirrubinemia é um fator de mau prognóstico na cirrose hepática, ocorrendo principalmente à custa da fração direta. Amônia sanguínea e bilirrubina urinária também podem ser utilizadas nesse sentido. Com relação aos demais exames: ● Albumina: como é produzida exclusivamente pelo fígado, trata-se de um teste valioso da função de síntese do órgão. No entanto, como circula durante muito tempo no plasma (meia- vida de 15 a 21 dias, com degradação diária de apenas 4%) é um parâmetro ruim para disfunções leves ou agudas. Os níveis associados à hepatopatia crônica estão abaixo de 3 g/dl. Outras condições associadas incluem desnutrição, síndrome nefrótica, enteropatia perdedora de proteína e infecções crônicas (ação da IL-1 e TNF). Quando solicitamos a dosagem de proteína total do plasma, além da albumina, outra importante classe de proteínas plasmáticas está incluída – as globulinas – entre as quais se incluem as gamaglobulinas (imunoglobuli nas produzidas por linfócitos B). Com a disfunção hepática, menos bactérias oriundas da circulação porta são depuradas e ocorre um aumento na produção de imunoglobulinas. Com isso, as gamaglobulinas encontram-se elevadas na doença hepática crônica, sendo alguns isotipos sugestivos de determinadas doenças, como hepatite autoimune (IgG), colangite biliar primária (IgM) e doença hepática alcoólica (IgA). Obs.: como a albumina é um marcador do estado nutricional, aqueles com maior deficit nutricional são também os que apresentam menor albumina plasmática. No entanto, apesar de alguns pacientes apresentarem hipoalbuminemia grave, não há nenhum estudo que comprove o benefício da sua reposição. Conclusão: cuidado com a restrição proteica nestes pacientes... ● Tempo de Protrombina (TAP): considerando que o fígado é o local de síntese dos fatores de coagulação e que a meia-vida destes fatores é muito mais curta do que a da albumina, as provas da coagulação constituem uma das melhores medidas da função hepática. O fator VII tem uma meia-vida de aproximadamente seis horas e, portanto, é o primeiro a se alterar, tornando-se muito importante para os casos agudos. Apesar de não muito bem validados, existem outros marcadores séricos indiretos de fibrose avançada/cirrose: SAIBA MAIS Atualmente, com a identifi cação mais precoce de pacientes com doença hepática crônica pela avaliação não invasiva de fibrose com a Elastografia Transitória (ET), um novo termo foi criado: a doença hepática crônica avançada compensada (do inglês cACLD – compensated Advanced Chronic Liver Disease). Ele seria equivalente ao termo anterior "cirrose compensada". Na ET, os pontos de corte estabelecidos foram: < 10 Kpa (na ausência de outros sinais clínicos, afasta-se cACLD); 10-15 Kpa (necessários outros testes confirmatórios); e> 15 Kpa (altamente sugestivos de doença hepática crônica). Outro termo importante a ser conhecido é a "hipertensão porta clinicamente significa tiva" quando teremos um gradiente venoso de pressão porta (ver adiante) ≥ 10 mmHg e ausência de varizes esofagogástricas. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech ● Níveis séricos de laminina, peptídeo pró-colágeno tipo III, ácido hialurônico e a própria plaquetopenia (principalmen te na hepatite crônica C). ● Testes Enzimáticos: guanase (elevada na hepatite viral aguda); desidrogenase glutâ mica (GIDH, associada à necrose hepática mesmo quando as transaminases estão em queda) e a pseu docolinesterase (reduzida no deficit de síntese hepática e de valor prognóstico na evolução da cirrose). ● Testes de Função: clearance do verde de indocianina (depuração hepática exclusi va), teste da aminopirina (medido no ar exalado), capacidade hepática de eliminação da galactose e teste MEGX (injeção intrave nosa de lidocaína). Veja estas questões... RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014 HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR – HPM – MG Marque a alternativa INCORRETA. São preditores de cirrose em adultos com conhecimento ou suspeita de doença hepática: a) Discriminante de Bonacini de cirrose maior que 7. b) Presença de ascite. c) Presença de aranha vascular. d) Contagem de plaquetas menor que 200.000. R. Vamos aprender um conceito com esta questão! Buscando avaliar a probabilidade de desenvolvimento de cirrose em pacientes com doença hepática suspeita ou conhecida, alguns fatores já foram listados, entre eles: (1) presença de ascite; (2) aranhas vasculares; (3) contagem de plaquetas < 160.000/mm3. Outro parâmetro que pode ser utilizado na prática é o escore discriminante de Bonacini (escore > 7). Este escore utiliza em seu cálculo a contagem de plaquetas, a relação ALT/AST e o INR do paciente. Assim, esta questão para lá de específica, por utilizar um valor inadequado das plaquetas, torna o item D a melhor opção a ser marcada. ESTADIAMENTO DA FUNÇÃO HEPÁTICA Diante de um hepatopata crônico, algumas perguntas se impõem ao médico que o assiste. Qual é o grau de disfunção hepática desse paciente? Quais são os índices de mortalidade nesta faixa de exames laboratoriais? Existem tratamentos que estariam indicados ou contraindicados de acordo com a doença hepática desse paciente? Além disso, imagine que dois médicos, um do México e outro do Paquistão venham a trazer relatos de caso de seus países de origem... Como padronizar a definição de um hepatopata leve ou grave??? Na tentativa de melhorar todos esses aspectos, foi desenvolvida a classificação de Child-Pugh, base ada num esquema de pontuação e interpretação conforme as tabelas a seguir. Para fins de transplante e avaliação de risco, considera-se um quadro descompensado a partir da classe B (Child ≥ 7). Gravou a classificação??? Então, para facilitar, memorize a imagem! Outro escore funcional adotado para a doença hepática é o MELD (Model forEnd-Stage Liver Disease), mais simples e com melhor capacidade de prever a sobrevida dos hepatopatas, quan do comparado à classificação de Child-Pugh. Este escore baseia-se em apenas três variáveis: bilirrubina, INR e creatinina. Na prática, o escore MELD é utilizado principalmente para pacientes com doença descompensada, a fim de determinar a prioridade na fila do transplante. Outros usos do MELD incluiriam a seleção de pacientes para realização de TIPS e como marcador prognóstico em condições como hepatite alcoólica, síndrome hepatorrenal e hemor ragia digestiva. Observe a seguir a fórmula do escore MELD: PONTUAÇÃO CLASSI FICAÇÃO 5 a 6 pontos Grau A 7 a 9 pontos Grau B 10 a 15 pontos Grau C Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Obs.: loge = logaritmo neperiano (presente em qualquer calculadora científica). Existe ainda uma variação deste escore para crianças menores de 12 anos conhecido como PELD. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014 SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DO ESTADO DE PERNAMBUCO – SES-PE Fazem parte do cálculo do MELD (Model of End-stage Liver Disease), modelo estatístico utilizado para posicionamento de candidatos a transplante hepático em lista de espera: a) TAP – ureia – albumina. b) TAP – ureia – bilirrubinas totais. c) INR – creatinina – albumina. d) INR – creatinina – bilirrubinas totais. e) Albumina – creatinina – ureia. R. Guarde esta informação, pois ela sempre cai em provas. O MELD é calculado a partir de três parâmetros: INR, creatinina e bilirrubina. Você precisa saber isso, ainda que não precise decorar a fórmula matemática específica. Resposta: letra D. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO – UERJ No repouso masculino está sendo reavaliado um alcoólatra com possível indicação de laparotomia exploradora. Ele sofre de cirrose hepática e tem ascite moderada a grave, mas não há evidências de encefalopatia. A bioquímica sanguínea revela bilirrubina total de 2,5 mg/dl, albumina de 3,8 g/dl e tempo de protrombina prolongado de 5 seg. (INR "aproximadamente" 1,9). O somatório de pontos alcançados, à luz da classificação de Child-Pugh, é de: a) 6. b) 7. c) 8. d) 9. R. De acordo com os dados fornecidos no enunciado, temos que calcular a pontuação no escore de Child-Pugh. Parâmetros clínicos: ausência de encefalopatia vale 1 ponto; ascite moderada a grave, 3 pontos. Parâmetros laboratoriais: bilirrubina 2,5 mg/ dl vale 2 pontos; albumina de 3,8 g/dl corresponde a 1 ponto; e INR de 1,9 vale 2 pontos. Somando tudo, temos um valor de 9. Portanto, resposta: letra D. O ALUNO PERGUNTA Existe alguma forma de diferenciar a pontuação da ascite na classificação de Child-Pugh? Algumas ques tões que não usavam denomi nações como moderada ou refratária me deixaram na dúvida. Esta é uma ótima pergunta! A avaliação da ascite costuma ser mais subjetiva, pautada na observação de cada examinador. Embora não seja consenso, o International Club Ascites, em 2013, propôs o seguinte sistema de gra dação que pode lhe ajudar: ESCORE MELD (CÁLCULO) 10 x [0,957 x loge (creatinina mg/dl) + 0,378 x loge (bilirrubina mg/dl) + 1,12 x loge (INR)] + 6,43 a) Caso os valores de laboratório sejam menores que 1,0, arredondar para 1,0. b) A creatinina poderá ter valor máximo de 4,0, caso seja maior que 4,0, considerar 4,0. c) No caso de necessidade de realização de diálise duas ou mais vezes na última semana, o valor da creatinina será considerado como 4,0. d) Existem outras fórmulas disponíveis para o cálculo, como o MELD modificado pela UNOS (utilizado pelo serviço de transplantes nos EUA) e o MELD de acordo com o sódio (MELDNa). ESCORE PELD (CÁLCULO) 10 x [0,480 x loge (bilirrubina mg/dl) + 1,857 x loge (INR) - 0,687 loge (albumina mg/dl) + 0,436 (se até 24 meses de vida) + 0,667] – se tiver deficit de crescimento menor que duas vezes o desvio padrão para idade a) Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredondar para 1,0. b) Cálculo do valor do deficit de crescimento baseado no gênero, peso e altura. c) Ajustamento do PELD para harmonização com o MELD: multiplicar por 3 e arredondar para valor inteiro. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Grau 1: ascite leve detectada apenas por USG; Grau 2: ascite moderada que se manifesta por distensão simétrica moderada do abdome; Grau 3: ascite volumosa/grave com distensão abdominal marcante. Mas repare que, mesmo usando essa classificação, ainda continua algo subje tivo. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Ao longo desta abordagem inicial, algumas causas se mostrarão mais evidentes seja pela evolução clínica, seja por evidência sorológica. Nesse caso, cada uma delas terá um tratamento específico e que será discutido adiante, na seção "Causas de Cirrose". Por ora, passaremos para uma análise geral das principais complicações associadas à insuficiência hepatocelular. COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À INSUFICIÊNCIA HEPATOCELULAR G raças à síndrome de insufi ciência hepatocelular, teremos caracteristicamente na forma crônica "descompensada" das hepatopatias e, por vezes, também em algumas formas agudas (ex.: hepatite fulminante), o surgimento de distúrbios clínicos mais graves. Entre eles, poderíamos destacar a encefalopatia hepática; síndrome hepatorrenal; complicações pul monares; desnutrição; coagulo patias; etc. Abaixo iremos detalhar cada uma delas. Complicações como ascite e varizes de esôfago, que também aparecem nessa fase, devem-se mais à síndrome de hipertensão porta e, por isso, serão revistas no próximo capítulo. VIDEO_02_MEDCIR01 ENCEFALOPATIA HEPÁTICA INTRODUÇÃO A Encefalopatia Hepática (EH) é, por definição, um quadro reversível, caracterizado por alterações neurológicas de graus variados decorrentes da falência hepática. Pode ser encontrada nas lesões agudas (hepatite fulminan te) ou nas crônicas (mais comum). O mecanismo é relacionado à presença de "toxinas" intestinais que chegam à circulação sem serem depuradas tanto por disfunção primária dos hepató citos (insuficiência hepatocelular) quanto por shunt portossistêmico (hipertensão porta). Dentre essas substâncias, a mais importante é a amônia, produzida pelos enterócitos a partir da glutamina e pelo catabolismo proteico das bactérias colônicas sobre fontes nitrogenadas como as proteínas ingeridas! Em condições QUADRO DE CONCEITOS ENCEFALOPATIA HEPÁTICA ● Classificação por condição subjacente: Tipo A: associada à falência hepática aguda; Tipo B: associada a by-pass portossistêmico; Tipo C: associada à cirrose e à hipertensão porta. ● Classificação por evolução: Episódica (esporádica) / Recor rente / Persistente. ● Classificação por gravidade: Mínima / Graus I, II, III e IV. ● Classificação por fator desen cadeante: Espontânea / Precipitada (lem brar hemorragia digestiva, alcalose, hipocalemia e uso diuréticos!!!). ● Tratamento: Não fazer restrição proteica – substituir fonte animal / repor BCAA; Medicamentosa: lactulose – associada ou não à rifaximina. SÍNDROME HEPATORRENAL ● Patogênese: (1) Vasodilatação esplâncnica; (2) Vasoconstrição renal exacer bada. ● Diagnóstico: (1) Hepatopatia aguda ou crônica com insuficiência hepá tica avançada e hipertensão porta; (2) Creatinina elevada que não melhora com reposição de albumina e remoção de diuré ticos; (3) Parênquima preservado (sem causa pré-renal, renal intrínseca ou pós-renal aparen te). ● Classificação: Tipo 1: rápida progressão da insuficiência renal (< duas semanas), geralmente precipi tada por PBE. Prognóstico ruim; Tipo 2: evolução é mais insidiosa, espontânea, associada à ascite refratária. Prognóstico melhor. ● Tratamento: Albumina + vasoconstritor (ter lipressina, octreotide, midodri ne) / transplante hepático. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech normais, o fígado transformaria a amônia em ureia ou glutamina, eliminando-a pelas fezes e urina, o que não ocorre na disfunção hepática. Como resultado, a amônia arterial está elevada em 90% dos pacientes com EH. Cabe apenas marcar que, apesar de a hiperamonemia levar à encefa lopatia, os níveis séricos destasubstância não se correlacionam com a gravidade da EH. Outros componentes participantes seriam: mercaptanos, neurotrans missores inibitórios do SNC como GABA ou seus estimulantes como os benzodiazepínicos endógenos. CLASSIFICAÇÃO Após o Congresso Mundial de Gastroenterologia, realizado em Viena (1998), foi formulada uma classificação da Encefalopatia Hepática (EH) que ajudou a entender melhor o comportamen to desta condição, com base no mecanismo subjacente. Vejamos: De acordo com a evolução, a EH pode ser ainda classificada em: (1) Encefalopatia Hepática Episó dica (Esporádica); (2) Encefalopatia Hepática Recor rente (períodos de EH com duração de até seis meses); (3) Encefalopatia Hepática Persis tente (alterações permanentes com períodos de exacerbação com EH franca). DIAGNÓSTICO Devemos entender que não existe nenhum exame laboratorial que confirme o diagnóstico de EH, sendo, portanto, eminentemente clínico! Dessa forma, na primeira abordagem de um paciente com suspeitas de EH, outros diagnósticos diferenciais devem ser levados em consideração: Nos casos agudos, o aparecimento dos sintomas é mais rápido e associado a rebaixamento do nível de consciência que pode levar ao coma em algumas semanas. A grande preocupação é com o edema cerebral e o risco de herniação. Nos quadros crônicos, a apresen tação é mais característica e composta por dois fatores: (1) Embora a maior parte dos cirróticos se apresente sem sintomas evidentes (EH mínima), a história típica é daquele paciente que começa a se mostrar confuso, com alteração da personalidade. Depois do primeiro episódio, até o paciente é capaz de reconhecer que está ficando "diferente". Alguns se compor tam de maneira mais agressiva e outros se mantêm sonolentos no leito. Para facilitar a abordagem, foi sugerida uma classificação em estágios (veja na tabela a seguir): (2) O paciente apresenta algum fator de descompensação (ainda que possa ser também espontânea). A Hemorragia Tipo A EH associada à falência hepática aguda. Tipo B EH associada a by-pass portossistêmico (sem le são hepatocelular intrín seca). Tipo C EH associada à cirrose e à hipertensão porta. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Gastrointestinal é o principal deles! Veja a seguir os demais: Entendendo os fatores princi pais... ● Hemorragia digestiva: o sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas bactérias colônicas. Do meta‐ bolismo da hemoglobina, forma-se mais amônia. Esta amônia é prontamente absor vida pelos enterócitos, desen‐ cadeando a EH. O acúmulo destas substâncias na consti‐ pação também predispõe ao quadro. ● Alcalose metabólica: o pH plasmático mais alcalino converte a forma ionizada NH4 + (amônio) na forma não ionizada NH3 (amônia). Esta última, por ser lipossolúvel, passa livremente na barreira hematoencefálica, aumentan do a impregnação cerebral da neurotoxina. ● Hipocalemia: aumenta a produção renal de NH3, por reduzir o pH intracelular das células tubulares proximais (saem íons K+ em troca de íons H+). A maior produção de NH3 e a precipitação de uma alcalose fazem da hipocalemia um fator desen cadeante de encefalopatia hepática. ● Os diuréticos de alça (furose mida) e os tiazídicos podem causar encefalopatia em cir róticos (se usados indiscri‐ minadamente), por provoca rem hipocalemia e alcalose metabólica... RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012 SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO – SCMSP Todos os itens abaixo são considerados fatores precipitantes na encefalopatia hepática, com EXCEÇÃO de: a) Constipação e desidratação. b) Hipocalemia e alcalose metabólica. c) Enterorragia e hiperuricemia. d) Cirurgia de derivação portossistêmica e hepatocarcinoma. e) Infecções e anemia. R. Dentre os fatores precipitantes da encefalopatia hepática, a hiperuricemia não faz parte deste grupo, o que torna a assertiva C a resposta da questão. Analisando as opções, temos alguns bem clássicos que não podem deixar de ser lembrados, como as infecções, constipação, hemorragia digestiva (o metabolismo da hemoglobina pelas bactérias colônicas leva à formação de amônia), alcalose metabólica (pH alcalino converte o NH4+ em amônia) e hipocalemia (aumenta a produção renal de amônia, por reduzir o pH das células tubulares proximais). Além disso, os procedimentos (TIPS e derivações portossistêmicas cirúrgicas) e fatores como anemia, hepatocarcinoma e hipoglicemia também podem ser listados. Embora não sejam obrigatórios, na prática, podemos acrescentar alguns testes psicométricos específicos (ex.: teste de conexão numérica - NCT; teste dígito e símbolo - DST) e a eletroencefalo-grafia para auxiliar no diagnóstico e caracterização da EH. Cabe lembrar, no entanto, que não se recomenda rastreamento de EH em assintomáticos. Testes laboratoriais geralmente revelam evidências de disfunção hepática (ex.: hipoalbuminemia, INR alargado) e distúrbios eletro-líticos resultantes da hipertensão porta e do uso de diuréticos. A dosagem da amônia sérica é controversa, pois pode sofrer influên cia de outros fatores (ex.: sangramento digestivo, choque, doença renal, NPT etc.). Contudo, apesar de não ser necessária para o diagnóstico, pode ser utilizada na monitorização do tratamento. Outro marcador em estudo é a 3- nitrotirosina, que ainda precisa de validação para uso clínico. TRATAMENTO FATORES PRECIPITANTES NA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA ● Hemorragia gastrointestinal ● Hipocalemia e alcalose metabólica ● Constipação ● Diuréticos, hipovolemia e desidratação ● Excesso de proteínas na dieta ● Hipóxia ● Infecção (urinária, peritonite, etc.) ● Medicações (narcóticos, sedativos, etc.) ● TIPS e procedimentos cirúrgicos SAIBA MAIS Sobre o Flapping ou Asterix: CIR204038 Apesar de uma característica clássica da disfunção hepática grave, o flapping não é patogno mônico desta condição. Na prática ele pode ocorrer em diversas condições como a encefalopatia urêmica, carbo narcose, DPOC, pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia e into xicação pelo lítio. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Os objetivos básicos do tratamen to da encefalopatia hepática são: (1) Identificação e remoção dos fatores precipitantes de EH! São medidas para prevenção de fatores precipitantes: ● Profilaxia para sangramento de varizes gastroesofágicas; ● Para peritonite bacteriana espontânea; ● Uso correto e não abusivo de diuréticos! ● Evitar constipação intestinal (proliferação bacteriana). (2) Dieta: não existe evidência clínica comprovando benefício da restrição proteica nos pacientes com encefalopatia hepática... Pelo contrário, esta medida acabava piorando o grau de desnutrição dos pacientes, sendo hoje uma medida não recomendada. Algum benefício pode ser obtido com a substituição da fonte proteica animal pela vegetal, ou pela reposição de fonte nitrogenada com aminoácidos de cadeia ramifi cada (BCAA). (3) Lactulose: 30-120 ml/dia, divididos em quatro toma das, até atingir 2-3 evacua ções de fezes amolecidas. A lactulose (nome comercial Lactulona®) é metaboliza da pelas bactérias colônicas em ácidos graxos de cadeia curta (ácido lático e ácido acético), reduzindo o pH do lúmen colônico para em torno de 5,0. Com o pH mais ácido, o NH3 (amônia) é convertido em NH4 + (amô nio), este último não consegue ser absorvido pela mucosa intestinal. O resultado é a menor absor ção de amônia e a melhora do quadro da EH... Outro mecanismo de ação da lactulose (um dissacarídeo não absorvível) é o seu efeito laxativo, que elimina o mais rapidamente possí vel as fontes proteicas do lúmen intestinal, além de reduzir a estase intestinal, evitando a proliferação bacteriana. Esta droga também possui um efeito direto no metabolismo bacteriano das proteínas, fenômeno que diminui a formação de NH3... Outras drogas: ● Rifaximina: 550 mg, via oral, 12/12 horas. Menos efeitos adversos e, por isso, considerada a melhor opção para ser adicionada à lactulose. Se não houver disponibilidade da rifaximina, uma medida para reduzir as complicações das outras medicações seria usá-las de forma alternada. ● Sulfato deNeomicina: 500 mg-1 g, via oral, 8/8h. A neomicina é administrada no intuito de reduzir a flora bacteriana colônica produtora de amônia. Mesmo sendo pouco absorvido, este aminoglicosídeo pode ser ototóxico e nefrotóxico, principalmente quando tomado por longo tempo. ● Metronidazol: 250 mg, via oral, duas a quatro vezes por dia. O grande risco é a neuropatia periférica. (4) Transplante Hepático: após um episódio de encefalopatia hepática, a sobrevida média em um ano é de apenas 40%, devendo o paciente ser submetido a uma avaliação para entrar na fila de transplante hepático (única terapia definitiva para sua doença!!!). ATENÇÃO Outras drogas que podem ser incluídas e que agem aumentando a eliminação de amônia do organismo são: ● Complexo ornitina-aspartato, que aumenta a transformação de amônia em ureia nos hepatócitos; e ● Benzoato de sódio, que aumenta a excreção renal de nitrogênio. Essas drogas, assim como o sulfato de zinco (200 mg, VO, 8/8h), podem ser utilizadas nos casos refratários. Outras tentativas de relativo sucesso em alguns estudos também já foram feitas com melatonina, naltrexona, antagonistas sero‐ toninérgicos e suplementação com aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA). PROFILAXIA Recentemente, alguns estudos mostraram que lactulose ou rifaximina poderiam ser utilizadas como profilaxia para a encefalopatia hepática após episódio de sangramento. Contudo, não existe ainda uma recomendação formal para a conduta e mais trabalhos são necessários para avaliação do risco/benefício e de quais pacientes estariam sob risco mais elevado. SÍNDROME HEPATORRENAL INTRODUÇÃO A Síndrome Hepatorrenal (SHR) se caracteriza por uma insuficiência renal aguda que ocorre em 10% dos pacientes com cirrose hepática avançada. Caracteris ticamente, o parênquima renal está intacto e a perda progressiva da sua função está associada à vasoconstrição renal exacerbada, que ocorre em resposta à vasodilatação esplâncnica desen volvida nos quadros hepáticos. Mas de onde vem essa alteração hemodinâmica? O mecanismo da SHR até hoje não está muito bem definido, mas a vasodilatação arterial periférica parece ser um evento precoce. Sabemos que na disfunção hepática grave, agentes vasodila tadores, como o óxido nítrico, são acumulados, levando a um quadro hemodinâmico caracte rizado por hipotensão arterial e diminuição do volume circulante efetivo. De acordo com uma recente revisão da New England em 2009, a vasodilatação é provavelmente secundária à produção de Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa, IL-6) nos linfonodos mesentéricos e hipersecreção endotelial de vasodilatadores (óxido nítrico, monóxido de carbono e canabinoides endógenos), após um processo de translocação bacteriana (algumas bactérias conseguiriam ultrapassar a mucosa). Como resultado, teríamos uma vasodilatação principalmente no leito esplâncnico, capaz de "roubar" sangue dos demais locais e desencadear um quadro de hipovolemia... Assim, da mesma forma que num quadro verdadeiro de hipovolemia, surge então vasoconstrição renal (mediado pelo sistema adrenérgico), só que, neste caso, de intensidade desproporcional, ocorrendo uma inversão do fluxo sanguíneo corticomedular. Temos também um estímulo para retenção renal de sódio e água (mediado pelo sistema renina- angiotensina-aldosterona), levando a uma urina pobre em sódio e concentrada. Existiria ainda um terceiro mecanismo relacionado à secreção de vasopressina (com mais retenção de água e vasocons trição), mas só ativado em casos extremos. RESUMINDO A SHR é uma IRA "pré-renal" que não responde a volume! Na verdade, ela reflete um desequilíbrio entre os fatores vasodilatadores e vasocons tritores, resultando no aumento significativo da resistência vascular renal, diminuição da taxa de filtração glomerular e uma ávida retenção de sódio e água. Nestes casos, a reversão só é possível com a recuperação da função hepática ou transplante. É um quadro bastante grave, cuja mortalidade nos pacientes cirróticos chega a 80%!!! DIAGNÓSTICO Toda vez que um hepatopata, geralmente com ascite volumosa, manifestar oligúria ou elevação de escórias nitrogenadas, você deverá pensar na síndrome hepatorrenal! Como estes pacientes também estão sujeitos a outras formas de lesão renal, o primeiro passo é excluir outras causas de IRA, como hipovolemia (hemorragia digestiva, diarreia) e drogas nefrotóxicas. Em segundo lugar, devem ser identificados fatores precipitantes que diminuam o volume intravascular, como diureticoterapia vigorosa ou paracentese (IRA iatrogênica). Existem critérios diagnósticos para a SHR que foram definidos pelo International Ascites Club. Veja a seguir: Cabe ressaltar que apenas uma minoria dos pacientes cirróticos que apresentam azotemia possui de fato a SHR. Inclusive, atualmente existem marcadores que podem nos ajudar nesta distinção, como é o caso da lipocalina neutrofílica urinária associada à gelatinase, que se mostra com valores mais elevados na lesão renal aguda (325 ng/ml) que na SHR (105 ng/ml). CLASSIFICAÇÃO Existem dois tipos de SHR: tipo 1 e tipo 2, diferenciados pela velo cidade de progressão da disfunção renal. O tipo 1 é caracterizado pela rápida progressão da insuficiência renal (< duas semanas), havendo aumento da creatinina sérica para o dobro da inicial (níveis superi ores a 2,5 mg/dl), geral‐ mente precipitada por um quadro de PBE. O prognóstico da SHR tipo 1 é extremamente ruim, com uma sobrevida média de cerca de duas semanas. No tipo 2, a creatinina sérica se situa entre 1,5 e 2 mg/dl, a evolução é mais insidiosa, espon tânea, associada à ascite refratária e com prognóstico melhor. TRATAMENTO A melhor terapia é o transplante hepático, com boa recuperação da função renal! O tratamento clínico é bem menos efetivo e a prevenção deve ser o foco das intervenções, evitando-se o uso inapropriado de diuréticos e corrigindo-se precocemente os distúrbios hidroeletrolíticos, he morragias e infecções. Pacientes com peritonite bacteriana espon tânea podem se beneficiar da administração precoce de albu mina (ver capítulo de "Ascite") para prevenir o desenvolvimento da SHR. Das abordagens farmacológicas propostas nos últimos anos, o uso de vasoconstritores sistêmicos (terlipressina, noradrenalina, octreo tide mais midrodrina) asso ciados à albumina intravenosa (1 g/ kg/dia – 100 g no máximo – por dois a três dias) tem se mostrado como a melhor proposta. Deve ser obtido um aumento de, pelo menos, 15 mmHg na pressão arterial média e a melhora clínica costuma ser observada após a primeira semana de tratamento. As doses indicadas estão a seguir: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A SÍNDROME HEPATOR RENAL ● Doença hepática aguda ou crônica com insuficiência hepá‐ tica avançada e hipertensão porta. ● Creatinina sérica > 1,5 mg/dl (recentemente, a definição de aumento ≥ 0,3 mg/dl em 48h ou ≥ 50% em sete dias passou a vigorar, em consonância com as recomendações das diretrizes das Sociedades de Nefrologia). ● Ausência da melhora da creatinina sérica após, pelo menos, dois dias de retirada de diuréticos e expansão volêmica com albumina (1 g/kg/dia até o limite de 100 g/dia). ● Ausência de causa aparente, entre elas: choque, uso recente ou atual de drogas nefrotóxicas e ausência de sinal ultrassono gráfico sugestivo de obstrução ou doença parenquimatosa renal. ● Hematúria < 50 hemácias por campo de grande aumento e proteinúria < 500 mg/dia. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech ● Terlipressina: 0,5-2 mg, a cada quatro ou seis horas; ● Octreotide: 100-200 mcg, subcutâneo, três vezes por dia; ● Midrodrina: 7,5-12,5 mg, oral, três vezes ao dia. Além dos vasoconstritores, outras opções incluem a TIPS e a diálise extracorpórea com albumina, servindo apenas como uma "ponte" até a realização do transplante hepático. Drogas de ação vasodilatadora renal como a dopamina em baixa dose, muito utilizadas no passado, não devem mais ser administradas. Vamos às questoes: RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ALCIDES CARNEIRO– HUAC – PB Uma das complicações da cirrose hepática avançada e insuficiência hepática é a Síndrome Hepatorrenal (SHR). Assinale a alternativa CORRETA em relação a esta complicação. a) A insuficiência renal nesta condição é irreversível e o paciente deve ser encaminhado ao diagnóstico logo após o diagnóstico confirmado. b) Vasodilatação renal abrupta é o principal evento fisiopatológico. c) A insuficiência renal aguda, neste caso, é decorrente de vasodilatação esplâncnica e shunting arteriovenoso. d) Pode ocorrer fibrose maciça dos rins em fases precoces, quando a doença é mais agressiva. e) É causa de insuficiência renal aguda pós-renal. R. A síndrome hepatorrenal é uma forma especial de IRA "pré- renal" associada à perda avançada da função hepática (que pode ser aguda ou crônica). Trata-se de uma condição potencialmente reversível, caracterizada pelo surgimento de severo vasoespasmo difuso das arteríolas pré-glomerulares (levando a uma queda na TFG). O vasoespasmo é rapidamente desfeito se a função hepática for recobrada (ex.: melhora espontânea de uma hepatite fulminante ou pós-transplante hepático no paciente com cirrose terminal). Se transplantarmos o rim do paciente com SHR num indivíduo sem doença hepática, o rim também volta a funcionar normalmente. Logo, opções A, B, D e E grosseiramente erradas. A letra C está correta, porque não é apenas a vasoconstrição das arteríolas pré-glomerulares que acontece na hemodinâmica do paciente. Na realidade, o próprio DESENCADEANTE dessa vasoconstrição é a vasodilatação exagerada do leito esplâncnico, secundária ao efeito pró- inflamatório local da translocação bacteriana intestinal característica da cirrose hepática. Resposta: letra C. RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012 FACULDADE DE MEDICINA DO ABC – ABC – SP A SHR é uma disfunção renal que: a) Acomete de modo irreversível somente os pacientes cirróticos em fase avançada. b) Acomete somente os pacientes cirróticos, mas é potencialmente uma condição reversível. c) Pode acometer tanto pacientes cirróticos como também pacientes com hepatite alcoólica e em falência hepática aguda, sendo que somente a do tipo I deverá ser tratada com drogas vasoativas. d) A SHR do tipo I caracteriza-se bioquimicamente por creatinina acima de 1,5 mg/dl em paciente com função renal prévia normal, habitualmente precipitada por episódio de hemorragia digestiva alta (HDA). R. A síndrome hepatorrenal é uma forma de insuficiência renal aguda "funcional" e reversível (não há lesão estrutural renal, apenas vasoconstrição extrema das arteríolas pré- glomerulares, levando a uma queda acentuada da TFG), que acomete pacientes num contexto de perda da função hepática. A SHR tipo 1 é aquela caracterizada pelo desenvolvimento rápido de azotemia significativa (a creatinina plasmática dobra de valor em menos de duas semanas, ficando > 2,5 mg/dl). Acomete mais comumente os indivíduos com cirrose avançada (em geral após evento deflagrador, como peritonite bacteriana espontânea), mas também pode aparecer de forma aguda (na ausência de cirrose preestabelecida), em associação com a hepatite alcoólica grave ou mesmo qualquer outra forma de falência hepática (também chamada de hepatite fulminante). O tratamento consiste em transplante ortotópico de fígado, mas até que o transplante seja realizado, podemos manter o paciente vivo com o emprego de drogas vasoativas, como a terlipressina e a noradrenalina. Esta forma de terapia de suporte, no entanto, está indicada para a SHR tipo I. A SHR tipo II, associada à ascite refratária, é insidiosa e tem um prognóstico melhor. Resposta: letra C. SAIBA MAIS Novos Conceitos em Síndro me Hepatorrenal (SHR) Nos últimos anos, novos dados apareceram sobre a SHR, sobretudo em relação a sua patogênese! Atualmente ela é cada vez mais reconhecida não apenas como um distúrbio "funcional", como se achava, mas que também conta com a participação de inflamação sistêmica, estresse oxidativo e dano tubular por sais biliares. Ou seja, a SHR teria um componente estrutural adicional. Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech COMPLICAÇÕES PULMONARES São duas complicações principais (síndrome hepatopulmonar e hi pertensão hepatopulmonar), com características particulares em cada uma, que não podem ser confundidas. Veja a seguir: SÍNDROME HEPATOPULMONAR (SHP) INTRODUÇÃO Trata-se de uma condição presen te em 5-10% dos pacientes que aguardam o transplante hepático e se caracteriza basicamente por três achados: (1) Doença hepática estabelecida; (2) Hipoxemia (gradiente alveolo arterial elevado em ar ambien‐ te); (3) Evidência de alterações vascu lares intrapulmonares, referi‐ das como "Dilatações Vascu lares Intrapulmonares" (DVIP). Mas o que está por trás da SHP? Sabemos que o paciente cirrótico é um indivíduo "naturalmente vasodilatado" pela predominância de substâncias, como o óxido nítrico, na circulação. Com isso, o paciente tende a apresentar alterações circulatórias como diminuição do volume circulante efetivo, hiperfluxo compensatório e ativação do sistema renina- angiotensina-aldosterona. A sín drome hepatopulmonar seria uma complicação associada a este mecanismo, só que no leito pul monar... Vamos entender melhor: Normalmente os capilares pulmo nares são bastante estreitos (cerca de 8 μm) de forma a permitir apenas a passagem de hemácia por hemácia (cada uma mede pouco menos de 8 μm). Esse processo garante uma grande proximidade entre os alvéolos e as células vermelhas, garantindo assim uma boa oxigenação Nos pacientes com SHP, estes capilares estão extremamente dilatados, chegan do a um diâmetro de até 500 μm. O resultado já podemos imaginar... Hemácia passando rápido pelos alvéolos e com pequena proximidade, resultando numa baixa oxigenação Como já é reconhecido na fisiologia pulmonar, esse processo se assemelha a um " shunt direito-esquerdo". Figura 6: A) Pulmão normal. B) Vasodilatação na síndrome hepatopulmonar. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O paciente apresenta tipicamente dispneia aos esforços, cianose de lábios e extremidades, baquetea mento digital e aranhas vascu lares. No entanto, dois achados são clássicos: a platipneia (dispneia que surge ou se agrava com a posição sentada ou em pé) e a ortodeóxia (queda acentuada da saturação arterial com a posição ortostática). Uma das explicações é a localização preferencial das DVIP nas bases pulmonares. DIAGNÓSTICO Os critérios diagnósticos variam bastante segundo a fonte e não existem valores muito rígidos para confirmá-los. Em geral, pode mos dizer que: Com isso, os critérios diagnósticos tradicionais passariam a ser menos confiáveis e a proposta mais recente seria mudar de "tipo 1" e "tipo 2" para a seguinte classificação: AKI – injúria renal aguda; NAKI – sem preencher critérios para AKI; AKD – doença renal aguda; CKD – doença renal crônica. Além da mudança nos crité rios, teríamos a ênfase numa abordagem mais precoce da disfunção renal e uma expli‐ cação mais plausível para a falta de resposta ao trata mento farmacológico com vasoconstritores mais albu mina, em alguns casos. Assim, novas abordagens terapêu ticas podem surgir num futuro próximo. (FIGURA 6A). (FIGURA 6B)! Telegram: @kiw ifz - Site: medvideos.tech Vejamos alguns detalhes sobre os exames: ● A coexistência de anorma lidades pulmonares, tais como derrame pleural ou obstrução ao fluxo expira tório, comuns em pacientes com doenças hepáticas, não exclui o diagnóstico de SHP. ● Gasometria Arterial: permi te avaliar a presença ou não de hipoxemia, hipocapnia, alcalose respiratória e ortode‐ óxia. Devemos atentar para o fato de que a saturação de O2 pode estar falsamente dimi nuída nos pacientes com hiperbilirrubinemia. ● Radiografia de Tórax: o prin cipal papel é afastar outras causas de hipoxemia (atelec tasias, derrame pleural, pneu‐ monia, etc.). Na SHP, ela pode ser normal ou mostrar alterações inespecíficas como um discreto infiltrado inters ticial bilateral, com acentu ação dos vasos pulmonares tanto na região hilar como na periferia, ou aspecto mosque ado
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