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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PESQUISA DE FUNDAMENTOS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM – NUCLEARTE ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM Rafael Celestino da Silva Rio de Janeiro AGOSTO- 2012 RAFAEL CELESTINO DA SILVA ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM Tese de Doutorado* apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery- Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem. Orientadora: Profª. Drª. Márcia de Assunção Ferreira Rio de Janeiro AGOSTO- 2012 *Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq através de bolsa doutorado sanduíche na Université de Provence-França (Laboratoire de Psychologie sociale), sob tutoria do Prof.º Dr.º Thémis Apostolidis. SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das tecnologias: uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem. / Rafael Celestino da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2012. xiv, 266 f: il; 31 cm. Orientadora: Márcia de Assunção Ferreira. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ - Escola de Enfermagem Anna Nery – EEAN - Programa de Pós Graduação e Pesquisa em Enfermagem, 2012. Referências Bibliográficas: f. 250-260. 1. Tecnologia biomédica. 2. Unidades de Terapia Intensiva. 3. Enfermagem. 4. Cuidados de Enfermagem. 5. Psicologia social - Tese. I Ferreira, Márcia de Assunção. II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Enfermagem. III Título CDD: 610.73 CDD: ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM RAFAEL CELESTINO DA SILVA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem. APROVADA POR: _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira – Presidente ________________________________________ Prof.º Dr.º Luiz Fernando Rangel Tura - 1º Examinador ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Angela Arruda - 2ª Examinadora ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mara Ambrosina de Oliveira Vargas - 3ª Examinadora ________________________________________ Prof.º Dr.º Marcos Antônio Gomes Brandão - 4º Examinador ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Beatriz de Azevedo Queiroz - Suplente ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lolita Dopico da Silva - Suplente Rio de Janeiro AGOSTO- 2012 Terraço do café na Place du Forum (Arles-sul da França)-Van Gogh DEDICATÓRIA “Não sei se viajei nos seus sonhos, se sonhei seus desejos, mas aqui cheguei, guiado pelo amor que vocês me impulsionaram. Porém, se algum dia sentir que a terra cede a meus pés, que minhas conquistas desmoronam, que não há ninguém para me estender a mão, esquecerei a maturidade, passarei pela mocidade, voltarei à infância e chamarei por vós, meu pai, minha mãe!!" Dedico essa tese a vocês!! Agradecimentos............ -Agradeço em primeiro a Deus por esta etapa concluída, de onde recebi força quando sentia-me fraco, e apoio quando pensava em desistir. “Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas”! -A minha “quase-esposa” Alanna Fersi, com quem divido uma vida “quase-matrimonial”. Você é o meu aconchego e meu porto-seguro aqui no Rio de Janeiro. “Na alegria e na tristeza” você faz parte dessa tese! Amo muito..... -Prof.ª Márcia de Assunção Ferreira, Querida orientadora e amiga, ainda lembro do nosso primeiro encontro nos corredores do subsolo do Centro de Ciências da saúde, quando conversávamos as primeiras ideias para uma pretensa pesquisa de mestrado. Quase 6 anos se passaram e hoje estou aqui defendendo uma tese de doutorado sob sua orientação. Muitas histórias aconteceram, horas de trabalho, viagens juntos, dificuldades pessoais, provas de concurso e até na França acabei indo parar!!! Assim, não tenho como deixar de agradecer o carinho e a confiança sempre em mim depositada. Você sabe e não canso de ressaltar a admiração que tenho por ti, pois para mim és a titular das titulares, exemplo de competência e ética. Muito idealizei para este momento, construído com muita dedicação e esforço. Enfim ele chegou! Agradeço a você por te me desafiado a atravessar essa estrada e ter me conduzido pelos melhores caminhos!! -Aos meus familiares e amigos, de perto e de longe, que ansiosos e alegres aguardavam a realização deste momento tão especial.....Gostaria de dizer a vocês: “......que ainda há tempo, para trocar o silêncio pelo sorriso, os punhos fechados pelos braços abertos, para dispensar a distância e acolher a cumplicidade, ainda há tempo....porque temos a vida inteira para continuarmos amigos....”!! -Ao Prof.º Dr.º Thémis Apostolidis da Université de Provence, pelo carinho com que me recebeu em Aix-Marseille e pelos ensinamentos teóricos, fundamentais no processo de desenvolvimento da pesquisa. Sua presteza e receptividade foram os ingredientes para o sucesso do estágio sanduíche. Saiba que a este período devo um grande progresso pessoal e profissional. Não esquecerei também os belos encontros franceses, sempre alegres, divertidos e regados a bons vinhos; -Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, pelo financiamento que possibilitou 6 meses de intercâmbio científico e cultural na Europa, de grande importância para meu desenvolvimento acadêmico; -Aos colegas do Laboratoire de Psychologie sociale, em especial Lionel Dany, Séverin Guignard e Anna Liguouri, pelo compartilhamento de experiências e conhecimento diários. Aos colegas brasileiros Renata Aléssio, Filipe Aléssio e Lenira Haddad, que me acolheram e foram verdadeiros amigos durante a estada na França, neste desafio de estar longe de casa; -À chefia do Departamento de Enfermagem Fundamental- DEF/EEAN, na pessoa da Prof.ªLúcia Helena Corrêa Lourenço, que não mediu esforços para a realização de todos os trâmites necessários à efetivação do estágio sanduíche. Muito Obrigado!! Agradeço também ao Corpo deliberativo do DEF pelo incentivo constante à qualificação profissional e acadêmica, fornecendo meios e recursos ao aperfeiçoamento docente; -À diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, Prof.ª Neide Aparecida Titonelli Alvim, pelo apoio ao intercâmbio científico na França, e nos trâmites acadêmicos envolvidos na sua ocorrência; -Ao NUCLEARTE, pela possibilidade de realização do estudo alinhado a uma de suas linhas de pesquisa; -Aos professores do Programa Curricular Interdepartamental VII, Juliana Faria Campos, Marta Sauthier, Graciele Oroski e Flávia Pacheco pela parceria e ajuda frente às demandas das atividades profissionais vinculadas à disciplina; -Às alunas de graduação em enfermagem, Zaira Andressa e Rute Almeida pela ajuda primordial no processo de transcrição das entrevistas que integram a pesquisa; -Agradeço ainda, em especial e com muito carinho aos meus alunos, fonte de inspiração e energia na busca constante por uma Enfermagem- ciência e arte- de vanguarda. RESUMO SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das tecnologias: uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira A problemática do estudo em tela situa-se nos indicativos de existência de duas perspectivas/linhas condutoras da ação da enfermeira na terapia intensiva junto ao cliente que se utiliza do maquinário, o “cuidado tecnológico” e a “ação tecnológica”, as quais trazem implicações diretas na assistência de enfermagem prestada. Neste sentido, levanta-se o pressuposto de que a tecnologia (maquinário) inerente aos ambientes de terapia intensiva possa estar orientando a formação de estilos de cuidar na enfermagem. Objetivou-se identificar as representações sociais de enfermeiras que atuam na terapia intensiva sobre as suas práticas de cuidado, face à tecnologia; descrever os elementos que integram as práticas de cuidado das enfermeiras intensivistas, à luz de suas RS; analisar as práticas de cuidado das enfermeiras tendo em vista suas RS sobre tais práticas. Pesquisa de campo, do tipo descritivo-explicativa, de abordagem qualitativa e cunho etnográfico, com aplicação da Teoria das Representações Sociais. O campo de estudo foi um hospital federal localizado no município do Rio de Janeiro, e o lócus foi a Unidade de Terapia Intensiva. Os participantes foram 21 enfermeiros, 17 mulheres e 04 homens atuantes diretamente na assistência ao cliente internado na UTI. Os dados foram coletados através de observação etnográfica e entrevista individual. Os dados provenientes das entrevistas foram analisados através do software Alceste, e da técnica de análise de conteúdo temático, enquanto aqueles oriundos dos registros de observação passaram por análise etnográfica. Evidencia-se que as práticas de cuidado no CTI se apresentam como um fenômeno complexo, o qual gera representações sociais nas seguintes dimensões: tecnologia, paciente e trabalho. Tais dimensões compõem uma rede de significados articulados que abarcam o sentido funcional da tecnologia aplicada ao CTI; os afetos produzidos pelo paciente no profissional e a imagem do paciente ideal organizada durante a formação; a experiência subjetiva do trabalhador. A maneira como tais representações se elaboram dá forma a dinâmica da prática dos sujeitos frente o objeto, a qual, considerando seus aspectos constituintes, delimita estilos de cuidar. Defende-se, portanto, a tese de que a tecnologia orienta a organização de estilos de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva - cuidado e ação tecnológica, que se constroem e se reconstroem no cotidiano da assistência, onde estão o cliente hospitalizado e o contexto do trabalho, os quais, por sua vez, influenciam nos sentidos atribuídos por tais profissionais às suas práticas, permitindo-os elaborarem e (re)elaborarem os seus modos de fazer profissional em face das tecnologias, e constituindo, por fim, uma clínica que responde pela especificidade da terapia intensiva. Estes resultados alcançados contribuem para a geração potencial de políticas públicas acerca da contratação de pessoal para atuar no CTI, e reforçam a importância do perfil profissional congruente ao cenário por ocasião desta contratação, alinhando-se às exigências da especialização do conhecimento. Além disso, suscitam intervenções voltadas à mudança no modelo de organização da assistência de enfermagem, e a formação permanente das enfermeiras intensivistas. Recomenda-se ainda maior investimento em ações da Política Nacional de Humanização que valorizem a enfermeira como (co)partícipe do processo de saúde. Palavras-chave: Enfermagem. Cuidados de enfermagem. Tecnologia biomédica. Unidades de Terapia Intensiva. Psicologia social. ABSTRACT SILVA, Rafael Celestino. Different Styles of care in intensive therapy facing the technology: a contribution to the clinical in nursing care. Rio de Janeiro, 2012. Thesys (Doctorate in Nursing) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Advisor: Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira. The issue of the study on a screen is situated in the indicatives of the existence of two perspectives/conductive lines of the nurse actions when applying an intensive therapy to the patient who uses the machinery, the “technological care” and the “technological action”, which bring direct implications to the nursing care provided. In this sense, it comes up the presumption that the technology (machinery) inherent to the intensive therapy environment may be guiding the formation of care styles in nursing. The objective was to identify the social representations (SR) of nurses that work with intensive therapy, their care practices, facing the technology; describe the elements that integrate the care practices from the intensivists nurses, according to their SR; analyze the care practices from the nurses based on their SR about such practices. Field research was descriptive-explanatory, with a qualitative and ethnographic approach, based on the Social Representations Theory. The field study was a federal hospital located in the municipality of Rio de Janeiro, and the locus was the Intensive Care Unit. The subjects were 21 nurses, 17 women and 4 men that provide directly the care to the patient at the ICU. Data were collected through the ethnographic observation and individual interview. The data from the interviews were analyzed through the Alceste software, and the technique of thematic content analysis, while those from the records of observation passed by ethnographic analysis. It is evident that the practices of care in the ICU are presented as a complex phenomenon, which generates social representations in the following dimensions: technology, patient and work. Such dimensions are composed by a network of meanings articulated covering the functional sense of the technology applied to the ICU; affections produced by the patient at the professional and image of the ideal patient organized during the training; the subjective experience by the worker. The way such representations are elaborated shapes the dynamics of the practice from the subjects facing the object, which, considering their constituents aspects, delimit care styles. It is argued, therefore, the thesis that technology guides the organization of carestyles by the nurses at intensive therapy – care and technological action that are constructed and reconstructed on an everyday care, where the patient is hospitalized and the context of work, which, on the other hand, influence the meanings attributed by these professionals to their practices, allowing them to develop and (re) develop their ways of training a professional facing the technologies, and building, finally, a clinic that is responsible for the specificity of intensive therapy. These reached results contribute to a potential generation of public policies regarding the hiring of personnel to work at ICU, and reinforce the importance of a professional profile congruent to the scenario due to this hiring and aligning itself to the demands in specialization of knowledge. Besides, interventions come up focused to the change of the organization format in nursing care, and the permanent training for intensivists nurses. It is also recommended a higher investment in actions of National Humanization Policy that give the proper value to the nurse as (co) participant in the health process. Keywords: Nursing. Nursing Care. Biomedical Technology. Intensive Care Units. Social Psychology. RESUMEN SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar en terapia intensiva frente a las tecnologías: una contribución a la clínica del cuidado de enfermería. Rio de Janeiro, 2012. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira La problemática del estudio en evidencia se sitúa en los indicativos de existencia de dos perspectivas/líneas conductoras de la acción del enfermero en la terapia intensiva junto al cliente que se utiliza de la maquinaria: el “cuidado tecnológico” y la “acción tecnológica”. Ambas las perspectivas poseen implicaciones directas en la asistencia de enfermería prestada. En este sentido, se acrecienta la premisa de que la tecnología (maquinaria) inherente a los ambientes de terapia intensiva pueda estar orientando la formación de estilos de cuidar en la enfermería. Se objetivó identificar las representaciones sociales de enfermeros que actúen en la terapia intensiva sobre sus prácticas de cuidado delante de la tecnología; describir los elementos que integran las prácticas de cuidado de las enfermeras intensivistas, a la luz de sus RS; analizar las prácticas de cuidado de los enfermeros teniendo en cuenta sus RS sobre tales prácticas. Se trata de una investigación de campo, del tipo descriptivo-explicativa, de abordaje cualitativo y cuño etnográfico, con aplicación de la Teoría de las Representaciones Sociales. El campo de estudio fue un hospital federal localizado en el municipio de Rio de Janeiro, y el locus fue la Unidad de Terapia Intensiva (UTI). Los participantes fueron 21 enfermeros, 17 mujeres y 04 hombres, que actuaban directamente en la asistencia al cliente ingresado en la UTI. Los datos fueron recolectados por medio de observación etnográfica y entrevista individual. Los datos provenientes de las entrevistas fueron analizados por el software Alceste y por la técnica de análisis de contenido temático, mientras aquellos originarios de los registros de observación pasaron por análisis etnográfico. Evidenciase que las prácticas de cuidado en el CTI se presentan como un fenómeno complejo, el cual genera representaciones sociales en las siguientes dimensiones: tecnología, paciente y trabajo. Tales dimensiones componen una red de significados articulados que combinan el sentido funcional de la tecnología aplicada al CTI; los afectos producidos por el paciente en el profesional y la imagen del paciente ideal organizada durante la formación; la experiencia subjetiva del trabajador. El modo como tales representaciones se elaboran da la forma a la dinámica de la práctica de los sujetos frente al objeto, la cual, considerando sus aspectos constituyentes, delimita estilos de cuidar. Se defiende, por lo tanto, la tesis de que la tecnología orienta la organización de estilos de cuidar de los enfermeros en la terapia intensiva – cuidado y acción tecnológica, que se construyen y se reconstruyen en el cotidiano de la asistencia, donde están el cliente hospitalizado y el contexto del trabajo, los cuales, por su parte, influencian en los sentidos atribuidos por tales profesionales a sus prácticas, permitiéndolos elaborar y (re)elaborar sus maneras de hacer profesional frente a las tecnologías, y constituyendo, por fin, una clínica que responde por la especificidad de la terapia intensiva. Estos resultados alcanzados contribuyen para la generación potencial de políticas públicas sobre la contratación de personal para trabajar en el CTI, y refuerzan la importancia del perfil profesional congruente al escenario por ocasión de esta contratación, alineándose a las exigencias de la especialización del conocimiento. Además de eso, suscitan intervenciones vueltas al cambio en el modelo de organización de la asistencia de enfermería, y la formación permanente de los enfermeros intensivistas. Se recomienda aún mayor inversión en acciones de la Política Nacional de Humanización que valoren el enfermero como (co)partícipe del proceso de salud. Palabras clave: Enfermería. Atención de enfermería. Tecnología biomédica. Unidades de Terapia Intensiva. Psicología Social. SUMÁRIO Págs. CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 15 1.1 O começo.................................................................................................. 16 1.2 Tecnologia e práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva......................................................................................................... 18 1.3 Focalizando as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva como objeto de representação social........................................ 21 1.4 Questões norteadoras............................................................................ 27 1.5 Objetivos.................................................................................................. 1.6 Relevância e Contribuições do estudo ................................................ 28 29 CAPÍTULO 2 BASES TEÓRICO-CONCEITUAIS 33 2.1 Sobre a ideia dos estilos de cuidar na enfermagem: uma aproximação inicial em vista à clínica do cuidado..................................... 34 2.1.1 O estilo nos campos do saber............................................................. 34 2.1.2 Dos estilos de cuidar à clínica do cuidado de enfermagem............. 39 2.2 A tecnologia no ambiente da terapia intensiva e a emergência de estilos de cuidar que conformariam uma clínica....................................... 48 2.2.1 O ponto de partida: o significado do termo tecnologia em saúde e suas relações com a terapia intensiva........................................................ 48 2.2.2 A chegada: a tecnologia e as dimensões subjetivas e objetivas do cuidado de enfermagem – os estilos..................................................... 52 2.3 A teoria das representações sociais..................................................... 58 CAPÍTULO 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO 63 3.1 Tipo de estudo ........................................................................................ 64 3.2 Campo de pesquisa................................................................................. 65 3.3 Participantes da pesquisa...................................................................... 67 3.4 Produção dos dados...............................................................................67 3.5 Análise dos dados .................................................................................. 72 3.6 Aspectos éticos ...................................................................................... 80 CAPÍTULO 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Dados sociodemográficos...................................................................... 4.2 Análise textual através software Alceste (parte I)................................ 4.2.1 O sentido da tecnologia na terapia intensiva e a organização dos estilos de cuidar............................................................................................ 4.2.1.1 Classe 1: Funcionalidades da tecnologia....................................... 4.2.1.2 Classe 2: Elementos organizativos dos estilos de cuidar............. 4.2.1.3 Classe 4: Fatores estruturais externos ao cuidado....................... 4.2.2 Discussão............................................................................................. CAPÍTULO 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 Análise textual através do software Alceste (parte II).......................... 5.1.1 A condição do cliente e suas repercussões nas práticas de cuidar das enfermeiras.................................................................................. 5.1.1.1 Classe 3: Cotidiano assistencial..................................................... 82 83 86 91 92 101 109 115 140 141 141 142 5.1.1.2 Classe 5: Prática de cuidar com a tecnologia................................ 5.1.1.3 Classe 6: As características do paciente como indicador do trabalho no CTI.............................................................................................. 5.1.2 Discussão.............................................................................................. 5.2 Análise de conteúdo............................................................................... 5.2.1 Elementos da prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva......................................................................................................... 5.2.1.1 A enfermeira e o lidar com as tecnologias nas práticas de cuidar na terapia intensiva........................................................................... 5.2.1.2 As formas de assistir ao cliente na terapia intensiva.................... 5.2.2 A complexidade do trabalho na terapia intensiva............................. 5.2.2.1 Os sentidos atribuídos pela enfermeira ao trabalho na terapia intensiva ........................................................................................................ 5.2.2.2 Requisitos profissionais para o trabalho no CTI............................ 5.2.3 Discussão.............................................................................................. CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS.............................................................................................. 150 157 164 192 194 194 203 211 211 216 218 234 250 APÊNDICES .................................................................................................. 261 Roteiro de observação sistemática............................................................. 262 Roteiro de coleta dos dados sociodemográficos...................................... 263 Roteiro de entrevista semiestruturada........................................................ 264 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................... 266 LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADROS Quad.1: Classif. dos participantes 2º variáveis psicos. e demog....... Quad.2: Classes do discurso associadas ao bloco 1.......................... Quad.3: Classe 1 Alceste........................................................................ Quad.4: Classe 2 Alceste........................................................................ Quad.5: Classe 4 Alceste........................................................................ Quad.6: Classes do discurso associadas ao bloco 2.......................... Quad.7: Classe 3 Alceste........................................................................ Quad.8: Classe 5 Alceste........................................................................ Quad.9: Classe 6 Alceste........................................................................ Quad.10: Análise cruzada 2º a variável turno de trabalho................... Quad.11: Análise cruzada 2º a variável tempo de formação............... Quad.12: Análise cruzada 2º a variável sexo........................................ Quad.13: Unidades de registro: tecnologias no CTI............................ Quad.14: Unidades de registro: formas de assistir na TI.................... Quad.15: Unidades de registro: trabalho no CTI.................................. Quad.16: Unidades de registro: requisitos profissionais.................... FIGURAS Fig. 1: Dendograma da CHD do Alceste................................................ Fig. 2: Repartição das uce nas classes Alceste................................... Fig. 3: Nº de palavras analisadas por classe Alceste.......................... Fig. 4: CHA da classe 1........................................................................... Fig. 5: Composição da classe 1 Alceste................................................ Fig. 6: CHA da classe 2........................................................................... Fig. 7: Composição da classe 2 Alceste............................................... Fig. 8: CHA da classe 4........................................................................... Fig. 9: Composição da classe 4 Alceste............................................... Fig. 10: Esquema explicativo 1 das RS................................................. Fig. 11: CHA da classe 3......................................................................... Fig. 12: Composição da classe 3 Alceste............................................. Fig. 13: CHA da classe 5......................................................................... Fig. 14: Composição da classe 5 Alceste............................................. Fig. 15: CHA da classe 6......................................................................... Fig. 16: Composição da classe 6 Alceste............................................. Fig. 17: Esquema explicativo 2 das RS................................................. Fig. 18: Esquema explicativo 3 das RS................................................. Fig. 19: Esquema explicativo do campo das RS.................................. Fig. 20: Modelo explicativo da clínica na TI.......................................... 85 91 92 101 109 141 142 150 157 186 188 190 194 203 211 216 89 90 90 95 100 104 108 112 115 139 145 149 152 156 160 164 183 233 241 245 (Torre Eifel- Paris) CAPÍTULO 1 Considerações Iniciais 16 1.1 O COMEÇO O ponto de partida para a realização deste estudo que ora se apresenta, foi a dissertação do Curso de Mestrado em Enfermagem sobre as representações sociais da tecnologia no ambiente de terapia intensiva. Na dissertação evidenciou-se que a ideia que as enfermeiras atuantes em cenários de terapia intensiva constroem sobre a tecnologia lá inserida implica em uma ação (cuidado) marcada pelos elementos que expressam este pensamento sobre a tecnologia (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011). Deste modo, no estudo supracitado, a análise de conteúdo aplicada aos dados empíricos mostrou vários elementos que, articulados,delinearam uma tipologia específica de cuidado que ocorre na dependência da utilização da tecnologia no cliente, e outra forma diferenciada de cuidar dirigida aos demais clientes (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011). Este cuidado específico foi categorizado na dissertação como “cuidado tecnológico”, e caracterizou-se no discurso das enfermeiras por ser diferenciado, marcado pela aplicação de um conhecimento especializado, o qual orienta sua atenção na busca de dados objetivos e subjetivos oriundos do cliente, bem como objetivos provenientes do uso do maquinário. Nesta perspectiva, é o tipo de conhecimento empregado pela enfermeira para cuidar de tais clientes que diferencia o cuidado daquele que precisa de tecnologia para o que não precisa. Assim, a enfermeira demanda um aporte de conhecimentos especializados, em quantidade e qualidade, que lhe possibilite não somente manusear as aparelhagens, como também interpretar as informações emitidas por estas, associando-as ao conjunto de sinais e sintomas que o cliente apresenta. 17 É requerido então que a enfermeira seja capaz de deter um conhecimento em relação às máquinas (manuseio/domínio), aos aspectos fisiopatológicos da doença em curso, bem como um conhecimento semiológico. Isto possibilitará estabelecer as interfaces entre os sinais e sintomas com as informações enviadas pela máquina e as manifestações clínicas da doença, aliando-os aos elementos fundamentais do cuidado de enfermagem que incluem o toque, a audição, a observação. Ao reunir tais habilidades, ela consegue realizar o cuidado caracterizado na pesquisa-dissertação pelas enfermeiras como “cuidado tecnológico”. Este cuidado se dá através da articulação do saber inerente ao maquinário (tecnológico) aos saberes próprios dos cuidados de enfermagem, conformando a ação de cuidar das enfermeiras intensivistas (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011). Contudo, uma linha de ação possível destacada pelos entrevistados, que também sobressai quando se pensa o cuidado nestes cenários, refere-se a uma “supremacia da máquina”, ou seja, ao direcionamento das ações da enfermeira pelas informações advindas do aparato tecnológico, deixando-se de observar os dados fornecidos pela atenção dirigida ao cliente. Sob esta ótica, identifica-se a hierarquização do saber tecnológico sobre o agir da enfermeira, sendo esta orientada somente tendo em vista a máquina, na crença de que apenas seu manuseio correto e as respostas que ela dá são suficientes para cuidar do cliente. Neste caso, não se teria propriamente o ‘cuidado tecnológico’ mas uma ‘ação tecnológica’, uma vez que esta mostra ser destituída de elementos que constituem os saberes próprios ao cuidado de enfermagem. Na ação tecnológica não existe uma interlocução entre o olhar que se volta ao cliente e aquele que se dirige para a aparelhagem, o que pode trazer malefícios, 18 uma vez que a máquina também falha. Além disso, o cuidar instruído estritamente pela tecnologia não responde pela totalidade do indivíduo, não sendo, portanto, integral (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011). Logo, é negligenciada a busca por necessidades originadas a partir da vivência de sentimentos como medo da morte, susto, estranhamento, as quais podem interferir no estado de doença, já que abarcam subjetividades que não são captadas pela máquina. Desta maneira, o cliente não consegue comunicar todas as suas demandas à enfermeira, e esta, por sua vez, não o atende integralmente, resultando numa ação que não se configura como cuidado. Considerando os resultados deste estudo, é possível pensar que os elementos destacados apontam indícios da existência de estilos de cuidar na terapia intensiva, compostos de aspectos característicos. Tais estilos de cuidar, numa noção primeira, podem ser entendidos como as diferentes perspectivas de ação adotadas pela enfermeira em determinados ambientes de cuidado. Além disso, os dados apresentados levam à reflexão acerca das repercussões que as tecnologias exercem no âmbito das práticas de cuidado em saúde em geral e no de enfermagem em particular, sobretudo, na terapia intensiva. 1.2 TECNOLOGIA E AS PRÁTICAS DE CUIDADO DA ENFERMAGEM NA TERAPIA INTENSIVA Ao refletir então sobre as influências da tecnologia nas práticas de cuidado da enfermagem, destaca-se o pensamento de Silva (2006), quando ressalta que o uso dos recursos tecnológicos pode colocar o cliente em risco se eles não forem corretamente “vigiados”. Assim, reitera-se a importância de que se “assista” e se cuide também da máquina, com o propósito final de manter a vida dos clientes. Este 19 cuidado envolve conhecimentos técnicos e racionais, que possibilitem fundamentar as ações perante as tecnologias. De acordo com este autor (op. cit.), a Enfermagem, ao acompanhar o avanço tecnológico, necessitou aprender a trabalhar com muito mais aparelhos. Contudo, a atividade realizada, por exemplo, pelas bombas infusoras, do controle preciso do número de gotas e do volume infundido, não dispensa a presença do ser humano, capaz de detectar através de sua sensibilidade e perícia técnica que algo não está bem com o cliente ou com o maquinário. Portanto, é fundamental que se supervisione e se cuide também das máquinas usadas na assistência ao cliente. Para Barbosa (1999), muito embora as máquinas se expressem através de valores objetivos, os mesmos precisam ser complementados com aqueles referentes à subjetividade humana, denotando o papel do profissional no sentido de interpretar tais informações. Vargas e Ramos (2008) situam a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) como um setor em que as atividades de enfermagem estão sucessivamente sendo alteradas e suplantadas. O conhecimento que era aceito hoje como válido acaba deixado numa segunda instância ou abandonado, ao tempo em que um novo conhecimento é validado. Referem ainda, que a cada dia é aprimorada a capacidade da equipe em observar o paciente. A enfermagem “conectada” aos aparatos tecnológicos tem conseguido traduzir o “profundo” do corpo do paciente em informações, que conseguem direcionar o cuidado prestado a eles. Para as autoras (op. cit.), para que esta tradução não tenha erros, o corpo da enfermeira precisa estar interagindo com a máquina, sendo, portanto, fundamental se ter múltiplas aprendizagens. Nesta discussão, Sibília (2002) afirma que as ferramentas tecnológicas com as quais os profissionais convivem nos ambientes tecnológicos tornaram-se um 20 segundo doente, precisando serem assistidas, tocadas e cuidadas, de modo a assegurar um desempenho adequado. Com isso, passam a exigir novas habilidades, destrezas e modos de conceber o cuidado, o ambiente, o cliente, e as relações que se estabelecem entre eles. Contudo, apesar destes requisitos, não significa dizer que o foco de atenção seja somente a máquina, relegando o cliente, sujeito do cuidado, a segundo plano. Sobre isso, Silva (2006) nos diz que a utilização de aparatos tecnológicos que facilitam a assistência ao cliente crítico e que requerem vários cuidados para garantir a fidedignidade dos dados não deve invalidar uma compreensão acerca dos cuidados de enfermagem, considerando o uso de tecnologias como uma ação humana. Conforme relata Oliveira (2002), há expressões de cuidado humano mesmo em um setor repleto de tecnologias. O fato de a enfermeira em determinados momentos atribuir maior atenção à máquina, não significa necessariamente falta de dedicação ao cliente, mas pode refletir uma preocupação com seu bem-estar e manutenção de suas funções vitais. Nesta perspectiva, entende-se que a essência da enfermagem no âmbito dos cuidados intensivos está centrada no processo de tomada de decisões, e este, por conseguinte, deve basear-se nas condições fisiológicas e psicológicas do paciente. Acredita-se, portanto, que as práticas de cuidar da enfermagem nestes cenários, ao tempoem que se apresentam como tecnológicas, na medida em que envolvem conhecimento e sua aplicação no domínio das máquinas, abarcam elementos do cuidado humano, uma vez que representam toda a expressividade de cuidar neste momento de encontro, intermediado pelas máquinas. Estas peculiaridades implicam na necessidade de se empreender esforços para manter um 21 equilíbrio entre tais elementos expressivos do cuidar e os aspectos técnicos/instrumentais, principalmente no que se refere a aplicação de tecnologias no cuidado. 1.3 FOCALIZANDO AS PRÁTICAS DE CUIDADO DA ENFERMAGEM NA TERAPIA INTENSIVA COMO OBJETO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL Face o exposto, é possível perceber que as características das práticas de cuidado inerentes a ambientes marcados pelas tecnologias avançadas, repercutem- se de imediato no sujeito que cuida – a enfermeira. Isso em sua tentativa de atender às diferentes demandas que se apresentam neste processo numa perspectiva holística. Afirma-se deste modo, que os requisitos das práticas de cuidado da enfermagem em terapia intensiva, pelos seus atributos, mormente por serem intermediadas pelas máquinas, suscitam diálogos nas enfermeiras, internos e externos, que acabam por produzir sentidos de ação diferenciados frente ao cliente. Então, as enfermeiras elaboram representações sociais sobre suas práticas de cuidado na terapia intensiva, que acabam por orientar as ações perante o cliente, constituindo-se assim num objeto de conhecimento psicossociológico. Isto porque, os modos de agir da enfermeira neste contexto, em vista das características dos clientes, é alvo de debates, gerando posicionamentos, reflexões, ideias contrárias, enfim, conformando opiniões. Estes debates se pautam no fato de ter que cuidar de clientes frequentemente em risco de morte, os quais se utilizam de aparelhos que mantêm ou ajudam no funcionamento de vários órgãos, e que suscitam saberes para o seu correto manuseio e interpretação dos dados produzidos, aliado à necessidade de se preservar os aspectos humanos. 22 Significa dizer, que as diferentes formas que o cuidado do cliente no Centro de Terapia Intensiva – CTI - pode assumir, gera uma mobilização de informações junto ao grupo das enfermeiras intensivistas, e naquelas que lá irão atuar. Logo, já que a representação é elaborada coletivamente a partir das trocas e práticas cotidianas de um determinado contexto histórico, ela acaba fornecendo subsídios para os julgamentos e atitudes. A representação funciona como pano de fundo das atitudes dos indivíduos, dando sentido ao universo vivido (ESPÍNDULA; SANTOS, 2004). À luz desta compreensão, considera-se que as representações sociais sobre as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva possuem uma dimensão do afeto (psi) e outra social, ou seja, elas se amparam nas experiências prévias, conhecimentos acumulados, valores, cultura, os quais, a partir das relações sociais, onde se processa a troca de informações e ideias tais elementos se transformam e contribuem para a organização do pensamento que conduz às perspectivas de ação da enfermeira. Acrescenta-se ainda que a representação é uma estrutura que medeia a relação entre o sujeito-outro, sujeito-objeto, através da ação comunicativa. Assim, a representação social está imersa na ação comunicativa, isto é, a ação comunicativa a forma, ao mesmo tempo que forma em um mesmo e único processo, os participantes da ação comunicativa. O trabalho comunicativo da representação gera símbolos que fornecem sentido. Desta forma trabalha colocando algo no lugar de algo, promovendo um deslocamento simbólico (JOVCHELOVITCH, 2004). Conclui-se que as representações sociais (RS) são uma forma de conhecimento prático, que estabelece os nexos entre o pensamento e as ações dos sujeitos, ajudando-os a se orientarem no mundo (JODELET, 2001). Os objetos de 23 RS são socialmente relevantes e fazem parte das discussões e conversas cotidianas dos sujeitos sociais (SÁ, 1998). As práticas de cuidado da enfermagem no universo da terapia intensiva importam para as enfermeiras, sobretudo para aquelas que lidam com elas no cotidiano profissional. Há um imaginário sobre os modos de agir da enfermeira frente ao cliente na terapia intensiva, com destaque para a relação que esta estabelece com a tecnologia no cuidado. Consideradas complexas, desafiadoras, admiradas ou temidas, as práticas de cuidado na terapia intensiva se configuram em objeto de RS para o grupo de enfermeiras. E então a problemática Como parte da discussão sobre as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva, reconhece-se a partir do debate, o forte impacto da incorporação de tecnologias no campo da saúde, incidindo nos modos de agir dos indivíduos. Acerca destas repercussões, Maftum (2004, p.116) cita que nas últimas cinco décadas o acirrado desenvolvimento biotecnológico vem acontecendo numa “velocidade avassaladora que mal conseguimos acompanhá-lo e fazermos uma reflexão profunda dos significados e da importância das várias consequências advindas desse crescente processo de evolução”. Como afirma Dias (1996), a escolha e a adoção de tecnologias não é algo isolado, tem a ver com a ordem política, econômica e social e, na soleira de um novo século, essa escolha e adoção têm indícios de mutação, fazendo brotar uma renovação de valores humanos fundamentais. Desta forma, o avanço tecnológico produziu mudanças no modo como as pessoas passaram a entender e a agir diante das questões relativas ao cuidado em saúde. 24 Um estudo pioneiro nesta área foi feito por Peixoto (1994) abordando tal temática. Esta pesquisadora considera que a partir da difusão de uma ideologia revestida por uma noção de eficiência e qualidade, a qual nem sempre é verdadeira, as tecnologias acabaram por criar falsas expectativas na sociedade de resolução dos problemas de saúde. Tal concepção trouxe implicações de vulto nos profissionais e nos usuários dos serviços. Peixoto (1994) então, ao investigar o uso da tecnologia no processo diagnóstico terapêutico, destacou a perspectiva do cliente que as utiliza, assim como a dos profissionais. Um dos pontos positivos apontados refere-se ao fato da tecnologia proporcionar precisão, rapidez e segurança. Além disso, os usuários indicaram como fator favorável a possibilidade dela “salvar vidas” ou “garantir a vida” em determinados momentos. Alguns dos clientes reconheceram ainda que as tecnologias possuem uma positividade em si, ou seja, seu uso é sempre bom e vantajoso, sendo entendida como fundamental no cuidado. Já quanto aos aspectos negativos sobressai o distanciamento na relação profissional/cliente, no qual o profissional torna-se um sujeito “frio” e o cuidado marcado por ações mecanizadas e repetitivas. Segundo a autora (op. cit.), embora estes fatores negativos tenham sido mencionados, os resultados denotam uma tendência de valorização da tecnologia no cuidado. Isto porque dos 338 aspectos elencados relativos ao seu emprego nos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, cerca de 64% eram positivos. No momento em que se busca uma explicação para tal tendência de avaliação positiva, vê-se que ela está amparada no sistema capitalista, que internaliza nos indivíduos através da socialização e educação formal o valor da 25 tecnologia, uma vez que ela gera lucro e produtividade. Assim, este valor é estimulado por um “marketing” leigo e profissional. Entende-se, portanto, que existe uma vinculação entre os interesses capitalistas na saúde e a incorporação tecnológica no processo de produção dos serviços. Os avanços tecnológicos fazem parte da dinâmica do setor saúde, sendo possível observar a expansão industrial na produção de instrumentos e o crescimento da importação de tecnologia para suprir a demanda. Tal questão é basicamente de ordem político/econômica que, sepor um lado é sustentada por posições ideológicas de atores sociais que detêm o poder no setor, por outro é analisada e questionada face às inúmeras contradições que acarreta no plano social (PEIXOTO, 1994). Na sustentação desta linha de pensamento, verifica-se que, cotidianamente, através dos meios de comunicação, evidências de pesquisas demonstram os pontos positivos de novas tecnologias, novos meios diagnósticos e de tratamento, com uma disseminação precoce dos dados. Esse processo de legitimação da tecnologia atinge tanto aqueles que convivem diretamente com elas (os profissionais), quanto indiretamente aos consumidores dos serviços. Essa difusão dos seus “atributos” termina por produzir, de acordo com diversos autores, uma fé cega na ciência e na tecnologia. Como consequência, os indivíduos acreditam que a qualidade do tratamento depende da utilização de recursos sofisticados, recém-lançados, o que se reflete em ações de cuidado que reproduzem essa lógica. Na interface destas considerações pautadas na positividade da tecnologia com os resultados da pesquisa-dissertação emerge a problemática do estudo em tela, situada nos indicativos de existência de duas perspectivas/linhas condutoras da 26 ação da enfermeira na terapia intensiva junto ao cliente que se utiliza do maquinário: o “cuidado tecnológico” e a “ação tecnológica”. Estas linhas trazem implicações diretas na assistência de enfermagem prestada, e parecem ter relação com o modo pelo qual a enfermeira elabora a ideia sobre as práticas de cuidado, mediada, obviamente, pela presença da tecnologia. Tomando como referência estas primeiras aproximações com a questão que se coloca, levantou-se o pressuposto de que a tecnologia (maquinário) inerente aos ambientes de terapia intensiva possa estar orientando a formação de estilos de cuidar na enfermagem. Torna-se fundamental investigar, que elementos integram as representações sociais das enfermeiras sobre suas práticas de cuidado em face às tecnologias no CTI, no intento de melhor conhecer como se conformam determinadas ações/estilos de cuidado diante do cliente neste cenário, às quais por sua vez impactam na qualidade assistencial. Deste modo, parte-se do princípio que estas práticas de cuidado assumem uma importância para estes sujeitos, impregnando-se de tal maneira no seu cotidiano que terminam por gerar um trânsito de informações acerca do cuidado do cliente, da participação da enfermeira e sobre a aplicação de estratégias neste cuidado. Corrobora-se com as afirmações de Wagner (1998, p.03), quando define o termo “representação social” como um conteúdo mental estruturado - isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico - sobre um fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens e metáforas, e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social. Portanto, diz o autor (op. cit.), representações sociais surgem apenas mediante a objetos ou questões socialmente relevantes, ou 27 seja, que promovem uma mudança no padrão de comportamento dos indivíduos ou grupos. Sob esta ótica, reforça-se a compreensão de que os objetos de pesquisa em RS são psicossociológicos, guardando relações entre o universo subjetivo e social dos sujeitos. Uma das premissas desta teoria é que, na formação das RS, os sujeitos processam as informações advindas do universo científico com as que circulam nas conversações cotidianas e com os saberes de suas próprias experiências sensíveis. Reelaboram o conhecimento que o ajuda a orientar suas ações (JODELET, 2001). Então, o imaginário que circula no meio profissional acerca da figura da enfermeira de terapia intensiva e dos seus modos de atuar, a ideia de complexidade que se organiza durante a formação profissional sobre os cuidados intensivos de enfermagem, a concepção da tecnologia articulada ao cuidado do cliente, o avanço do conhecimento científico próprio deste local são elementos que contribuem para gerar a necessidade de se pensar sobre as práticas de cuidar pelas enfermeiras que com elas se interrelacionam. Isto, por sua vez, se dá mediado pela esfera cognitiva e social. No final, há sua reinterpretação possibilitando conduzir os atos e operações de cuidar. Baseando-se no exposto, o objeto desta pesquisa se delineia em torno das práticas de cuidado em face das tecnologias ao cliente hospitalizado na terapia intensiva, tendo em vista as representações sociais das enfermeiras que dele cuida. 1.4 QUESTÕES NORTEADORAS Tal objeto será explorado a partir das seguintes questões centrais, norteadoras da pesquisa: O que pensam as enfermeiras sobre a sua prática em 28 face das tecnologias presentes no cenário da terapia intensiva? A partir daí, como agem no cuidado aos clientes hospitalizado neste cenário? As questões secundárias são: As práticas de cuidado das enfermeiras nos ambientes tecnológicos apresentam características que conformariam perspectivas/linhas de ação diferenciadas? As representações sociais das enfermeiras sobre a sua prática na terapia intensiva implicam em estilos de cuidar, característicos de tais ambientes? 1.5 OBJETIVOS Tais questões serão respondidas através do atendimento dos seguintes objetivos: Geral: -Identificar as representações sociais de enfermeiras que atuam na terapia intensiva sobre as suas práticas de cuidado, face à tecnologia. Específicos: -Descrever os elementos que integram as práticas de cuidado das enfermeiras intensivistas, à luz de suas RS; -Analisar as práticas de cuidado das enfermeiras tendo em vista suas RS sobre tais práticas; -Caracterizar os estilos de cuidar das enfermeiras da terapia intensiva, tomando como referência suas representações e práticas de cuidado de enfermagem. 29 1.6 RELEVÂNCIA E CONTRIBUIÇÕES: O “cuidado terapêutico” possui dimensões científicas e tecnológicas, éticas e filosóficas, estéticas e interacionais cujo objeto é o ser humano, considerado como organismo físico, social, cultural e sensível. Nesse sentido, o que diferencia o cuidado de enfermagem de outras formas de cuidar é que ele representa um ato com intenção terapêutica que exige competência técnica, compromisso e ética dos seus agentes que interagem entre si. Conforme cita Leopardi (2001), quando se fala em cuidado, existe uma perspectiva terapêutica sobre um sujeito que tem uma natureza física e mental sendo, portanto, uma ação com a finalidade de transformar um estado de desconforto ou dor em outro de mais conforto e menos dor. Tal cuidado sustenta-se basicamente na interação mútua e na relação estabelecida entre enfermeira e cliente, sem as quais ele não ocorre. Por outro lado, demanda um profissional para desenvolvê-lo baseado em conhecimento técnico- científico e prático. Deste modo, é fundamental uma concepção de cuidado na qual valorize-se o envolvimento entre profissionais e clientela, e que não seja reduzida nem ao seu aspecto relacional, nem ao técnico (LEOPARDI; SANTOS; SENA, 2000). No caso dos setores de cuidados intensivos, a assistência de enfermagem requer, além desses aspectos, uma capacidade para lidar com situações complexas, com velocidade e precisão que geralmente não são necessárias em outras partes do hospital. Logo, exige competência para integrar as informações, construir julgamentos e estabelecer as prioridades. Isso porque existem particularidades em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), uma vez que além da utilização de 30 equipamentos e materiais, os clientes possuem características que lhes são inerentes, diferentes dos clientes internados em outras unidades hospitalares. Assim, as práticas de cuidado da enfermagem nestes cenários abarcam diferentes dimensões relacionadas à presença da tecnologia, ao acompanhamento da velocidade de avanço do conhecimento, ao equilíbrio entre o humano e o tecnológico,à interpretação dos dados sobre o cliente, as quais impactam sob a forma de exigências na atuação profissional da enfermeira. O sentido conferido a cada uma de tais dimensões pode influenciar de variadas maneiras os sujeitos que prestam os cuidados, refletindo-se nos modos de agir profissional. À luz disso, compreende-se as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva como um fenômeno multifacetado, que determina requisitos à atuação profissional no intuito de atender ao cliente integralmente e conforma comportamentos diversificados que podem trazer benefícios ou prejuízos à assistência que é prestada. Desta feita, conhecer o modo como as enfermeiras representam suas práticas em face das tecnologias fornece subsídios para entender que elementos integram seu pensamento sobre tais práticas, e os nexos que guardam com a forma como agem diante do cliente que encontra-se hospitalizado. Além disso, possibilita debater sobre a objetividade e a subjetividade envolvidas no cuidado da enfermagem no CTI, muitas vezes colocadas em oposição. No contexto em destaque, alguns resultados de investigações vêm demonstrando implicações da objetividade/subjetividade relacionadas ao uso da tecnologia nas práticas de cuidado da enfermagem como é o caso de Oliveira (2007); Silva (2008); Cunha e Zagonel (2008); Ramos e Vargas (2008); Silva (2009) dentre outros, os quais apontam sejam para a desvalorização da esfera expressiva 31 do cuidado que é mediado pela presença da tecnologia, sejam para os riscos trazidos pelo seu uso inadequado pelos profissionais de saúde, ocasionando danos à vida do cliente. Então, a caracterização dos estilos de cuidar específicos à terapia intensiva proporciona desvelar, a partir dos sujeitos que realizam este cuidado, quais aspectos compõem tais estilos, que importância a objetividade/subjetividade assumem para a efetivação da assistência, e como isso se traduz em qualidade no âmbito destes cenários. Deste modo, será possível pensar acerca do conhecimento especializado, da figura da enfermeira-tipo ideal, da gestão do cuidado, da formação profissional dentre outros. Estas reflexões acerca dos estilos são de grande relevância na atualidade, uma vez que um número significativo dos estudos veiculados na literatura brasileira nesta área detém-se em abordar a questão da humanização, isto é, a estreita inter- relação da tecnologia com a ideia de desumanização, dita característica, da assistência na terapia intensiva. Sob esta ótica, é deveras interessante propiciar meios a uma discussão mais ampla acerca dos processos que conformam os estilos de cuidado na terapia intensiva. Vale acrescentar que, conforme diz Carvalho (2003, p. 669), “o cuidado se estabelece como essência do que seja fundamental na enfermagem”. De acordo com Ferreira (1999, p. 03), o cuidado fundamental é aquele que traduz “a verdadeira essência da enfermagem”, ou seja, “visa promover a preservação e proteção da vida, a promoção do conforto e bem-estar ao ser humano”. Nesta linha é experimentado pelo cliente como uma ação técnica e sensível, pois implica em um encontro entre pessoas – quem cuida e quem participa do cuidado (FERREIRA, 32 2002). No caso em tela, este cuidado se dá com o auxílio de aparelhos e máquinas que mantêm suporte à vida do cliente. Nesta pesquisa investe-se em delimitar as características e peculiaridades dos modos como as enfermeiras cuidam dos clientes, contribuindo para um melhor delineamento da prática assistencial neste campo de atuação, na interface com os cuidados fundamentais. Alinha-se, portanto, aos estudos da Enfermagem Fundamental, sobretudo na Linha de Pesquisa que trata acerca dos Cuidados Fundamentais e Tecnologias de Enfermagem, trazendo avanços teóricos para o seu marco conceitual. Espera-se ainda como contribuição demarcar uma clínica do cuidado de enfermagem que responda pela especificidade da terapia intensiva, isto é, intenta-se a partir dos resultados da pesquisa poder descrever a forma habitual de agir das enfermeiras frente ao cliente, na tentativa de aprofundamento do cuidado de enfermagem, “pedra de toque” da enfermagem fundamental, e crescimento científico nesta área do saber. (Gioconda-Louvre) CAPÍTULO 2: Bases teórico-conceituais 34 2.1 Sobre a ideia dos estilos de cuidar na enfermagem: uma aproximação inicial em vista à clínica do cuidado 2.1.1 O estilo nos campos do saber Numa retrospectiva histórica, é possível perceber a evolução do significado da palavra estilo. Cipiniuk (1997) diz que o termo estilo provém do latim stylus, que na Antiguidade Clássica era usado para nomear um mecanismo de redação escrita. Na Antiguidade, escrever de uma determinada forma foi aplicado para se referir ao modo de falar: a ciência da retórica. A expressão genres ou genera foi utilizada nas artes visuais por Plínio e Vitrúrio para classificar os estilos dórico, jônico e coríntio. O gênero ainda perdura até a atualidade com o mesmo sentido de classificar classes biológicas. No século XVI, Vasari usava a palavra maniera para nomear o que hoje em dia o senso comum designa como estilo, ou seja, o estilo de um artista, período ou de uma nação. O termo genre foi adotado pela cultura francesa no fim do século XVI e durante o XVII como equivalente ao estilo, no campo da pintura em particular e arte em geral. No século XVIII, Winckelman estabeleceu como o estilo era compreendido pela história da arte, o qual significava a expressão de toda uma cultura em um determinado período de desenvolvimento (CIPINIUK, 1997). O autor (op. cit.) refere ainda, que no século XVIII e em especial no XIX, o termo adquiriu uma função heurística, passando a ser visto como um instrumento de classificação e valoração dos artefatos artísticos. Desta forma, assinalava as manifestações artísticas provenientes de diferentes procedências, bem como permitia julgar ou avaliar os padrões de beleza de acordo com sua proximidade com 35 o estilo clássico. Assim, quanto mais próximo ou derivado das formas clássicas, mais belo era o estilo. Embora venha sendo incorporado no âmbito das artes para indicar uma coerência entre obras de arte que são fruto de uma escola ou grupo de artistas, de certo período de tempo ou região geográfica, o conceito de estilo é muito empregado para descrever fenômenos e ações em diversas áreas das ciências. A ideia dos paradigmas nas ciências pode ser concebida como um estilo de pensamento científico, afirma Thomas Kuhn (1991). Quando define-se um estilo, na verdade reúne-se elementos para organizar ou classificar objetos e ações humanas que estariam distribuídos de forma desorganizada pelo mundo fenomenal. Somente é possível falar em objetos individuais, quando existe uma classe a qual ele pertenceria, estabelecendo um limite conceitual para sua existência enquanto indivíduo. Caso não haja classe para incluí-lo, supõe-se sua originalidade e talvez o início de uma nova classe de objetos (CIPINIUK, 1997). No campo da linguística, Brait (2005) comenta que a noção do estilo gera interesse de correntes preocupadas com as particularidades expressivas de determinados autores, poetas, artistas em geral, ou nos conjuntos de características que delimitam os movimentos artísticos – estilos de época - caso do romantismo, do impressionismo, do cubismo etc. Embora não esteja ligado apenas às artes, há uma estreita relação entre estilo e individualidade, ou seja, refere-se às idiossincrasias, à maneira de se expressar de uma pessoa. Sob a ótica da linguística, os estudos sublinham que a ideia de estilo sinaliza para seu entendimento em função do texto e de suas formas de organização em relação às possibilidades oferecidaspela língua. 36 A autora (op. cit) pontua que nesta área há duas vertentes para se pensar o estilo, isto é, por um lado está diretamente relacionado às produções individuais ou a um conjunto de produções de determinados momentos, vinculados à arte em geral ou exclusivamente à personalidade de alguém. Por outro lado, articula-se, de maneira mais ousada, com as diferentes instâncias textuais que implicam escolhas, no que tange às opções oferecidas pelo sistema linguístico. No dicionário de termos literários, Shaw (1982, p. 187-188) aborda estilo como “a maneira de traduzir os pensamentos em palavras; modo característico de construção e de expressão na linguagem escrita e oral; característica de uma obra literária, mais no que respeita a sua forma de expressão do que às suas ideias”. Ela cita (op. cit.) que não se pode definir satisfatoriamente estilo, embora diversos peritos já o tentaram, tratando-o como “o traje do pensamento”; “a moralidade mais elevada do espírito”; “o pensamento em linguagem”; “as palavras próprias nos lugares próprios”; “o estilo é o homem”. Segundo Shaw (op. cit.), a maioria dos críticos está de acordo em que “aquilo que alguém diz”, a “maneira como o diz” são elementos básicos do estilo. Pode-se considerar, então, o estilo como sendo a marca (influência) da personalidade do escritor na matéria por ele versada. No dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem, Ducrot e Todorov (1977, p. 287-288) denominam o estilo como as escolhas que são realizadas em um texto a partir dos aspectos disponibilizados pela língua. À luz disso equivale aos registros da língua, a seus subcódigos; configura-se numa das explicações para as expressões “estilo figurado”, discurso emotivo etc; permite captar as propriedades verbais a partir da descrição estilística de um enunciado. 37 Pacheco (2008) acrescenta que na Arqueologia, a acepção de estilo também vem sendo amplamente debatida, em virtude da infinita variabilidade de características dos artefatos resgatados nos sítios arqueológicos. Esta autora propõe uma discussão ampla amparando-se em diversos teóricos, no sentido de mostrar que a descrição física dos objetos é condição essencial para o seu estudo, pois somente por meio dela é possível o desenvolvimento de terminologias e princípios classificatórios, que possam ser de compreensão e utilização generalizada entre os diferentes pesquisadores. No processo de categorização de tais artefatos, arqueólogos, antropólogos e os historiadores podem utilizar a referência de estilo. Porém, tal concepção é alvo de intensos embates nesta área, seja porque existe uma variedade de abordagens não integradas sobre o estilo, que são usadas por pesquisadores para análise e interpretação do registro arqueológico, seja no que tange às discordâncias sobre os fatores que determinam o estilo (PACHECO, 2008). Como parte deste processo, alguns estudiosos demarcam o estilo na linha da Arqueologia. Para Roe, por exemplo, (apud Pacheco, 2008, p. 397) estilo é um sistema estruturado e intencional de seleção de certas dimensões de forma, processo ou princípio, função, significância e influência, dentre as possibilidades conhecidas, na criação da variabilidade dentro de um corpus comportamental/artefatual. Hegmon (1998, p.518) contribui dizendo que o estilo pode ser conceituado “como um modo de fazer algo [...] e envolve uma escolha feita dentre várias alternativas”. Numa revisão de estilo entre os etnoarqueólogos, destaca-se: “Estilo é a designação de um evento individual a uma maneira geral de se fazer algo”; “Estilo é a variação formal na cultura material que transmite informações sobre a identidade pessoal e a social”; “Estilo é uma maneira altamente específica e característica de se fazer algo [...] sempre peculiar a específicos tempo e espaço [...]”; “Estilo é a parte da variabilidade formal, na cultura material, que pode ser relacionada à 38 participação dos artefatos nos processos de troca de informação; “O estilo é uma manifestação formal e extrínseca do padrão intrínseco [...] a expressão manifesta, na categoria comportamental, do padrão cultural que, frequentemente, não é nem cognitivamente conhecido, nem mesmo reconhecível por membros de uma comunidade cultural, exceto por artistas” (WOBST, 1977; SACKETT, 1977; LECHTMAN, 1977; WIESSNER, 1983; HODDER, 1990a APUD DAVID; KRAMER, 2001, p. 170-171). Na saúde, investe-se também nos estudos acerca do estilo, principalmente quanto ao estilo de vida dos sujeitos na questão do processo saúde/doença. Desta feita, tal estilo de vida está ligado aos hábitos que se constroem ao longo do processo de socialização, que, via de regra, têm a ver com o livre arbítrio, no âmbito do qual as pessoas exercem certo controle sobre suas opções. A adoção de determinados modos de cuidar do corpo, a atividade, o sedentarismo, higiene, tipos de alimentos ingeridos e maneiras de se alimentar, respeito aos horários, sono e repouso, uso e abuso de bebidas alcoólicas, fumo e outras drogas, formas de relacionamento, uso de medidas de segurança para prevenção de acidentes são alguns dos exemplos que compõem os estilos de vida das pessoas e que guardam importantes nexos com as condições de saúde da população. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (2009), o estilo de vida remete a forma como as pessoas vivem e as escolhas que fazem, as quais são influenciadas pelo contexto situacional, cultura regional, hábitos familiares e sociais, bem como pelo conhecimento acumulado acerca da saúde. Estilo de vida denota, então, distinguir os modos pelos quais o sujeito se relaciona consigo próprio, com a natureza e com os outros. Logo, a construção de uma vida saudável tem estreita relação com os hábitos adotados pelo indivíduo no cotidiano. 39 2.1.2 Dos estilos de cuidar à clínica do cuidado de enfermagem Na enfermagem, a compreensão do estilo se aglutina em torno dos diferentes estilos de cuidar adotados pela enfermeira nos setores de cuidado em saúde. Cruzalegui (2003), em sua tese de doutorado, buscou investigar quais são e como são os estilos de cuidar/cuidados que desenvolvem as enfermeiras e sua equipe de enfermagem para o cliente com crise asmática aguda. Tal pesquisadora percebeu inicialmente, com base em observações empíricas, que existem diversos estilos de cuidar/cuidados realizados pela enfermeira para o cliente com crise asmática. Segundo a autora (op. cit.), há enfermeiras que realizam o cuidado seguindo estritamente o protocolo de cuidados de enfermagem para clientes com insuficiência respiratória, enquanto existe outro grupo de profissionais que além de cumprir o protocolo desenvolvem um cuidado personalizado, sustentado pela sensibilidade e empatia, respeitando a pessoa; e um terceiro grupo de profissionais que aplica apenas uma parte do protocolo. Nesta discussão, afirma (op. cit.) que para cuidar de um cliente em quadro emergencial, a enfermeira necessita dominar o conhecimento científico, principalmente aquele que se refere ao avanço tecnológico, bem como ter habilidades para lidar com os aspectos expressivos do cuidado de enfermagem, os quais possibilitam o respeito à dignidade humana e sensibilidade frente ao sofrimento do cliente e família. Os resultados revelaram que as enfermeiras têm formas concretas e maneiras de pensar, sentir e agir no cuidar e nos cuidados cotidianos na Unidade de Emergência. Essa situação determina estilos de cuidar e cuidados que realizam as enfermeiras, os quais se configuram em um processo dinâmico, de simultaneidade e complementaridade. Nos achados da pesquisa referenciada (op. cit.) foram 40 encontradas cinco vertentes ligadas ao estilo de cuidar e cuidado pela enfermeira e equipe para o cliente: conhecendo o cliente; os sinais e sintomas do corpo; o cuidado como ação terapêutica clínica; o diálogo como cuidadoe o toque como cuidado terapêutico. Defende, portanto, a tese de que há um estilo de cuidar e de cuidado que fazem as enfermeiras e sua equipe de enfermagem na Unidade de Emergência para o cliente com crise asmática aguda, o qual envolve dimensões subjetivas (sensíveis) e objetivas (concretas) e que contribui para melhorar a evolução do quadro clínico do cliente asmático (CRUZALEGUI, 2003). Em outra pesquisa, Moreno (1999) descreveu os estilos de ensinar o cuidado de enfermagem ao cliente hospitalizado em situações de maior complexidade no Brasil e no Peru. Deste modo, estava de acordo com a ideia de que existiam semelhanças e diferenças nos estilos de ensinar-cuidar em enfermagem para o cliente hospitalizado em situações de maior complexidade no Brasil e Peru, e que o modo como o ensino era desenvolvido nas duas realidades concretas, socialmente definidas, determinava profissionais distintos. Partiu-se do entendimento de estilo como algo dinâmico, libertador e em constante reorganização. Evidenciou-se, com base na análise (op. cit.), que os diferentes estilos de ensino, através de sua dinâmica, geram diferentes estilos de cuidado do cliente hospitalizado com problemas de maior complexidade, os quais, no entender de professores e alunos, se configuram como complexo, emergente, situacional e por competências no Brasil/Escola de Enfermagem Anna Nery-Programa Curricular Interdepartamental (PCI) IX, enquanto no Peru é complexo, especializado e por funções. 41 O cuidado complexo é definido no PCI IX como as ações voltadas aos clientes que estão em estado crítico com maior risco de morte, demandando dos acadêmicos conhecimentos específicos e manuseio de técnicas sofisticadas. Na disciplina de Enfermagem Médico-Cirúrgica Especial (EMCE), no Peru, é compreendido como as ações dirigidas ao cliente, do ponto de vista biopsicossocial, em casos complexos e críticos (médico-cirúrgicas), de emergência e/ou desastres (MORENO, 1999). A diferença do ensino no Brasil e Peru reside nos outros dois estilos de cuidado, ou seja, no PCI IX eles são emergente/situacional e por competências, enquanto na disciplina EMCE o cuidado é especializado e por funções. O cuidado por competências abrange além das habilidades psicomotoras, as cognitivas, isto é, a capacidade de desenvolver consciência crítica, reflexiva e transformadora, considerando as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais dos clientes e família. Em contrapartida, o cuidar por funções reproduz as rotinas instituídas pelos serviços médicos. Moreno (op. cit.) conclui que o cuidado por competências no PCI IX proporciona ao aluno desempenhar os diferentes papeis envolvidos na prática profissional, através da atenção direta, atividades educativas, liderança e de pesquisa, manifestadas como habilidades cognitivas, afetivas e psicomotoras. Há um foco nas atitudes e valores que permeiam o cotidiano pessoal e profissional. O cuidado por funções capacita o aluno para a realização das diferentes funções como futuro profissional, através da atenção direta, atividades educativas, de liderança e pesquisa, desenvolvendo basicamente atividades e tarefas. No bojo desta discussão acerca dos estilos de cuidar, Cabral e Tyrrel (1995) declaram que o estilo de cuidar das mães para atender às demandas de seus filhos 42 e socializá-los, integrando-os ao mundo dos adultos, é resultado de um processo de acumulação de informações que são transmitidas de geração em geração. A transmissão de conhecimentos varia em razão do contexto social, cultural e dos valores presentes numa determinada sociedade num momento histórico específico. Então, as enfermeiras precisam aprender a trabalhar com as crenças e práticas dos clientes, respeitando as atitudes, os comportamentos, no sentido de rastrear as lógicas que permeiam o estilo de cuidar da mãe, no intento de evitar avaliações depreciativas ou de menosprezo. Percebe-se, desta forma, que o processo de socialização é marcado por diferenças, relacionadas às divergências culturais inerentes aos grupos sociais nos quais as pessoas estão inseridas. Isto significa dizer, que os grupos sociais socializam seus filhos de forma coerente às suas regras de sobrevivência e interesses sociais particulares. Afirma-se, então, que o estilo de cuidar emerge como um produto da cultura em que a criança interagiu, socializou-se e educou-se. Logo, o trabalho da enfermagem que cuida de crianças deve respeitar as diferenças culturais existentes dentro dos grupos sociais, e, sobretudo, aliando-se ao estilo de cuidar da mãe (CABRAL; TYRREL, 1995). Ainda contribuindo ao debate, Silva (2009), ao estudar as representações sociais das enfermeiras sobre a tecnologia existente no ambiente da terapia intensiva, pôde evidenciar que na dependência do domínio do saber especializado, inerente à enfermagem e ao maquinário, as enfermeiras adotam formas particulares de agir frente ao cliente portador de aparatos tecnológicos. Sendo assim, as enfermeiras se diferenciam em duas categorias de acordo com o tempo de experiência profissional, as novatas e veteranas, com características opostas, tais como: afastamento/aproximação; medo/segurança; malefícios/benefícios; 43 desconhecido/familiaridade. Estes elementos, por sua vez, produzem repercussões positivas e negativas, e parecem conformar a possibilidade de existência de estilos de cuidar também no ambiente da terapia intensiva. Com base no exposto, é possível situar a noção dos estilos de cuidar na enfermagem. O cuidado de enfermagem configura-se no objeto de trabalho da profissão, e pertence a duas dimensões distintas, uma objetiva e outra subjetiva. A objetiva relaciona-se à esfera dos saberes especializados, das técnicas e dos procedimentos instrumentais. Já a subjetiva, diz Figueiredo, Machado e Porto (1995) ampara-se na sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar do outro ser. São fundamentais ao cuidado a forma, o jeito de cuidar, a sensibilidade, a intuição, o ‘fazer com’, a cooperação, a disponibilidade, a participação, o amor, a interação, a cientificidade, a autenticidade, o envolvimento, o vínculo compartilhado, a presença, a empatia, o comprometimento, a compreensão, a confiança mútua, o estabelecimento de limites, a valorização das potencialidades, a visão do outro como único, o toque delicado, o respeito ao silêncio, a receptividade, a observação, a comunicação, o calor humano, o sorriso. Ressalta-se também, a sua dimensão ético-política e histórico-filosófica. Na dimensão política, releva-se sua importância na promoção da cidadania, ou seja, o cuidado de enfermagem deve visar a manutenção ou restauração de um estado ótimo de saúde, no intuito do indivíduo exercer o seu direito de cidadão, potencializando a sua existência social. Deve buscar a autonomia do sujeito em sua vida social, num processo de humanização da vida. Assim, o cuidado de enfermagem agrega ações profissionais da natureza própria da profissão, fruto de um preparo teórico e filosófico, que se pauta também em outras ciências, e que se materializa numa prática multidisciplinar (SOUZA et al, 2005). 44 Destarte, ao refletir sobre os estilos de cuidar em enfermagem, conforme diz Souza et al (2005), ganha força a análise do sentido e significado que é conferido a este cuidado, que dimensão do ponto de vista político e social assume, como implica na vida dos cidadãos. Logo, o cuidado não se constitui apenas como um ato instrumental, mas um processo que possui uma finalidade para a vida humana. Nesta ótica, os estilos de cuidar em enfermagem não são neutros, devendo ser pensados a partir de um referencial teórico-filosófico, o qual deriva-se de reflexões pessoais e coletivas, bem como perpassa a relevância do cuidado no contexto sócio-político que se insere. Estes referenciais terminam por orientar as escolhas
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