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10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/19 GEOMETRIA EUCLIDIANA AULA 1 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/19 Prof. Elzério da Silva Júnior CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo a nossa aula! Nesta disciplina, estudaremos a geometria plana de uma maneira diferente. É a mesma estudada nos ensinos fundamental e médio, porém, de forma axiomática. Este método foi utilizado pelos gregos da Antiguidade. Por volta do ano 300 a.C., Euclides de Alexandria escreveu o mais importante texto matemático de todos os tempos: um conjunto de livros chamado Os elementos. Alguns matemáticos o consideraram a maior síntese do conhecimento matemático por aproximadamente 1.900 anos. No Tema 1, estudaremos a história do desenvolvimento da geometria desde os tempos mais remotos até a sistematização feita por David Hilbert. No Tema 2, serão estudadas as bases da geometria euclidiana, com ideias, proposições primitivas e definições da geometria plana. A partir do terceiro tema, serão trabalhados os axiomas que formarão a base para o estudo da geometria, tal como feito pelos antigos gregos. No Tema 3, abordaremos os axiomas de incidência e também postulados do plano. No Tema 4, veremos os axiomas de ordem; e no Tema 5, os axiomas de continuidade. Na seção Na Prática, faremos exercícios sobre esta aula. TEMA 1 – HISTÓRIA DA GEOMETRIA Apesar de os historiadores não arriscarem a origem da geometria, ela pode ter surgido antes do homem ter começado a registrar seus pensamentos, e é fato que ela surgiu de forma lenta e gradativa. Nessa explanação, a história da geometria será dividida em duas partes: a era antiga e a era dos grandes matemáticos do século XIX, que acreditamos serem as mais significativas. Escolhemos como início da primeira parte por volta de 1900 a.C. com marco inicial na tabuleta mesopotâmica, com inscrições do Teorema de Pitágoras, passando por Tales de Mileto no século VII 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/19 a.C. e finalizando com Os elementos. Na segunda parte, escolhemos a era dos grandes matemáticos do século XIX até a sistematização da geometria euclidiana por David Hilbert. Não que houvesse rupturas das eras de mais de 1.000 anos, mas são essas épocas que determinaram a geometria como ela está. 1.1 ERA ANTIGA A trajetória da geometria é longa até chegar em Os elementos. Heródoto e Aristóteles não quiseram arriscar sua origem e creditaram aos egípcios sua invenção, apesar de saberem que os antigos povos chineses, hindus e babilônicos conheciam a geometria. Heródoto acreditava numa origem prática, com necessidades de medir as terras após as inundações do Nilo. Já Aristóteles acreditava numa origem intelectual, com uma casta de homens egípcios que se dedicava ao estudo da geometria para fins sacerdotais. O objeto mais antigo com inscrições geométricas é a tabuleta datada de 1900-1600 a.C., durante o império babilônico, com aplicações do teorema que hoje conhecemos como Teorema de Pitágoras (veja que a data é aproximadamente 1.000 anos antes de Pitágoras). Seja a invenção da geometria considerada egípcia ou babilônica, a grande transição de uma geometria pragmática para uma geometria como ciência é devida aos gregos. Tales de Mileto (624- 548 a.C.) é considerado o primeiro cientista matemático. Conta-se que em 585 a.C., Tales assombrou o mundo ao predizer um eclipse solar. Algumas décadas depois de Tales, aparece a figura de Pitágoras de Samos, que, segundo alguns historiadores, foi discípulo de Tales. Outros dizem que tal fato não era possível, dada a diferença de idades. De qualquer forma, Pitágoras de Samos foi uma figura brilhante. Ele transformou a geometria examinando seus princípios desde o início e investigando teoremas de modo material e intelectual. Pitágoras também foi responsável por fundar uma irmandade chamada Escola Pitagórica, que tinha como um dos princípios explicar o mundo por meio da matemática. O século IV a.C., um século depois da Idade Heroica, em que nada matematicamente extraordinário aconteceu, tem início com a morte de Sócrates, filósofo que se preocupava com questões como por que 2+2 é igual a 2x2. Apesar de não ter contribuído à matemática, Sócrates, de forma surpreendente, deixa Platão como discípulo, que se tornou fonte de inspiração para os pensadores matemáticos do século IV a.C. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/19 A Platão, não se deve grandes descobertas matemáticas, mas ele e sua Academia eram o centro de atividade matemática da época. É possível que Platão tenha conhecido e recebido influência de Pitágoras. Certamente, uma das grandes contribuições da Academia e de seu idealizador foi desenvolver a lógica dos métodos utilizados na geometria. Foi Platão quem introduziu o contexto de verdade na matemática. A verdade de Platão estava no mundo das ideias. Um mundo onde existem os entes ideais, sejam pessoas ou objetos. Nesse mundo, tudo o que vemos e sentimos são representações de entes perfeitos. Por exemplo, uma cadeira de sua casa, que se vê e sente, é a representação imperfeita de uma cadeira perfeita existente no mundo das ideias. Tudo nesse nosso mundo é representação imperfeita de um ente ideal, inclusive as propriedades e proposições matemáticas. Elas não se referem a objetos físicos, mas a entes ideais. Um círculo traçado numa folha é uma representação aproximada e imperfeita de um círculo perfeito do mundo das ideias. Os gregos até agora citados foram muito importantes, mas provavelmente o mais importante para a geometria foi Euclides. Na época da morte de Alexandre, o Grande havia muitas disputas entre os generais do exército grego. Em 306 a.C., Ptolomeu I firmou a parte egípcia do império. Depois do total domínio egípcio, voltou sua atenção para esforços construtivos. Um de seus primeiros atos foi a criação do Museu de Alexandria, uma escola insuperável em seu tempo. Como professores, ele chamou um grupo de sábios de primeira linha. Entre eles, estava Euclides, o autor de um dos mais bem-sucedidos documentos matemáticos de todos os tempos: Os elementos. Euclides de Alexandria (325-265 a.C.), como ficou conhecido, é provável que tenha sido aluno da Academia de Platão. Ele não dava muita ênfase aos aspectos práticos do assunto, pois conta-se que certa vez um estudante perguntou-lhe para que servia o estudo da geometria. Euclides entendeu que o aluno queria ter lucro com o que aprendia, o que era inconcebível. Em resposta, pediu a um escravo que desse aos estudantes três moedas. Os elementos é uma obra com 13 volumes e contém boa parte da matemática conhecida na época. A Geometria Plana é tratada do volume I ao volume VI. O primeiro volume constrói a Geometria Plana, iniciando com 23 definições em dez proposições. As proposições as separa em dois grupos: os axiomas e os postulados. Atualmente, damos o mesmo significado para as duas palavras. Para os matemáticos da época, axioma era uma verdade que deveria ser aceita sem demonstração e 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/19 evidente para todas as ciências; enquanto que postulado também era uma verdade que deveria ser aceita sem demonstração, mas seria referente à ciência em questão. Os cinco axiomas eram: 1. Coisas que são iguais a uma mesma coisa são iguais entre si. 2. Se iguais são adicionados a iguais, os resultados são iguais. 3. Se iguais são subtraídos de iguais, os restos são iguais. 4. Coisas que coincidem uma com a outra são iguais. 5. O todo é maior do que qualquer uma de suas partes. Os cinco postulados eram: 1. Existe uma única reta contendo dois pontos dados. 2. Para cada segmento AB e para cada segmento CD, existe um único ponto E, tal que B está entre A e E, e CD é congruente a BE. 3. Uma circunferência pode ser obtida dados quaisquer raio e centro. 4.Todos os ângulos retos são iguais entre si. 5. Se uma reta intercepta outras duas retas formando ângulos colaterais internos cuja soma é menor do que dois retos, então as duas retas, se estendidas indefinidamente, interceptam-se no lado no qual estão os ângulos cuja soma é menor do que dois retos. O quinto postulado foi proposto por John Playfair em 1796 com a seguinte redação: “para cada reta l e cada ponto P que não pertence a l, existe uma única reta m que passa por P e é paralela a l”. Provavelmente por ser mais conciso e objetivo, ele geralmente é substituído pelo original. 1.2 ERA DOS GRANDES MATEMÁTICOS DOS SÉCULOS XIX O quinto postulado foi assunto de muita discussão desde as primeiras épocas após o lançamento. A história mostrou o quanto polêmico e importante foi esse postulado. Os matemáticos tinham dúvida se esse postulado poderia ou não ser demonstrado. As tentativas para sua 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/19 demonstração aconteceram por aproximadamente 1900 anos. Entre os matemáticos que finalmente resolveram o problema do quinto postulado estiveram Gauss, Lobachevski, Poincaré, Bolay e Hilbert. Eles demonstraram que não só o quinto postulado era indemonstrável, mas que, com base em sua negação, era possível construir outras geometrias totalmente coerentes. O maior nome do século XIX, Gauss, percebeu que o quinto postulado de Euclides não era demonstrável. No entanto, elaborou suas ideias para si mesmo. Assim, os esforços para a prova do postulado continuaram. No primeiro terço do século XIX, três matemáticos — um russo, um alemão e um húngaro —concluíram de forma simultânea que o quinto postulado era indemonstrável. Vale salientar o russo Nicolai Ivonovich Lobachewsky, que desenvolveu a primeira geometria não euclidiana, que em princípio chamou de geometria imaginária. Henri Poincaré, dentre outras descobertas, desenvolveu a geometria hiperbólica, em que linhas de uma semiesfera são projetadas num plano através de um foco. Nessa geometria, assim como na de Lobachewsky, dada uma reta e um ponto P fora dela, por P passam infinitas retas paralelas à reta dada. Para os gregos, a geometria euclidiana era a ciência do espaço físico, a única possível e verdadeira. Com as novas descobertas, ela não só deixou de ser a única possível, como também a única verdadeira. Marca-se, assim, o fim de uma era de 19 séculos de influência e da concepção de que havia apenas uma geometria verdadeira. David Hilbert (1862-1943) publicou o famoso Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da Geometria). Nesse documento, Hilbert reorganiza a geometria de Euclides e propõe 16 axiomas que cobrem todos os buracos deixados na geometria euclidiana. Essa obra exerceu forte influência no século XX. Apesar de Os elementos terem uma estrutura dedutiva, havia muitas hipóteses ocultas, definições sem sentido e falhas lógicas. Hilbert percebeu que nem tudo na matemática pode ser definido. Ele baseou seu trabalho em três objetos não definidos — ponto, reta e plano — e cinco relações não definidas — estar em, estar entre, ser congruente, ser paralelo e ser contínuo. TEMA 2 – A LÓGICA DEDUTIVA E O MÉTODO AXIOMÁTICO Uma das características principais de Os elementos é seu modelo axiomático, primeiro da história. Apesar da genialidade de seus autores, esse modelo teve muitas falhas. É claro que pela 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/19 época, pelo ineditismo e comparando com o que tivemos a partir do século XIX, mais de 2.000 anos depois, seria injusto fazer críticas severas. Isso porque é muito provável que os modelos axiomáticos utilizados atualmente foram desenvolvidos para aperfeiçoar o modelo dos antigos gregos. Neste tema, apresentaremos o raciocínio lógico dedutivo, método mais utilizado pelas ciências. Antes, vamos conhecer um pouco de formas de se obter conhecimento: revelação, experiência, autoridade e raciocínio lógico (dividida em três formas: analogia, indutivo, dedutivo). 2.1 REVELAÇÃO A revelação é ligada a crenças e é mais utilizada nas religiões. Acredita-se nas verdades reveladas por entidades não humanas existentes num mundo transcendente. Por exemplo: 42 Eu sei que sempre me ouves, mas disse isso por causa do povo que está aqui, para que creia que tu me enviaste". 43 Depois de dizer isso, Jesus bradou em alta voz: "Lázaro, venha para fora!" 44 O morto saiu, com as mãos e os pés envolvidos em faixas de linho e o rosto envolto num pano. Disse-lhes Jesus: "Tirem as faixas dele e deixem-no ir". 45 Muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que Jesus fizera, creram nele. (Bíblia. João, 11) A revelação não costuma ser aceita na academia. Esta exige provas para as declarações, o que não faz parte desta narrativa. Não há fundamentação segundo as regras das ciências. No entanto, sabe-se que esse método é muito prestigiado nas religiões. 2.2 EXPERIÊNCIA Como diz o nome, neste método, é pela experimentação que obtemos o conhecimento. Por exemplo, o trigo é um dos mais antigos alimentos. Apesar disso, houve uma primeira vez que alguém experimentou. Certamente, nessa época, não havia bibliografia sobre o alimento ou laboratório para se fazer análise e saber se era comestível e nutritivo. Antes do grande desenvolvimento das ciências, esse tipo de método de conhecimento era muito utilizado. Santos Dumont construiu vários modelos antes de decolar a bordo de um avião 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/19 impulsionado a motor a gasolina, em 1906. Hoje, é impossível se pensar que um avião é construído e depois experimentado para ver se voa. 2.3 AUTORIDADE Quando se fala em autoridade, você pode pensar em sua mãe ou em seu chefe. Uma criança acredita em sua mãe quando ela diz: “injeção dói, mas é para seu bem”. O aluno geralmente aceita os conhecimentos passados por seus professores. Ao discente, é conferida a autoridade pelo diploma e pela experiência. Neste texto e em outros sobre história, são citados acontecimentos que nenhuma pessoa viva presenciou. A historiografia trata de dar autoridade às bibliografias. Acredita-se na narrativa e nas referências bibliográficas. Nelas, estão autoridades a respeito dos assuntos mencionados nos textos. 2.4 RACIOCÍNIO LÓGICO INDUTIVO Este método inicia-se com uma série de casos e fatos particulares, e conclui-se, depois de constatá-los, que se pode induzir a um princípio geral. Henri Charrière em seu livro Papillon, conta que ao observar centenas de vezes as ondas batendo nas pedras, constatou que havia um ciclo de sete ondas, sendo seis médias e a sétima muito forte. Ele concluiu que esse ciclo aconteceria sempre, e assim planejou sua fuga partindo na onda forte. Este método é muito utilizado nas ciências biológicas e físicas. A penicilina e o AZT foram encontrados dessa forma. No entanto, nem sempre é possível utilizá-lo. Por exemplo: se uma moeda é lançada ao alto por dez vezes e em todas o resultado foi cara, não é possível induzir que na décima primeira vez será o mesmo resultado. O que se pode afirmar é que há alguma probabilidade de acontecer o resultado. Aliás, o que o método indutivo faz é prever acontecimentos com maior ou menor grau de probabilidade de acerto. 2.5 ANALOGIA A analogia parte da premissa de que os acontecimentos são uniformes. Temos uma situação acontecendo, ou para acontecer, e temos um fato semelhante que já aconteceu. Com base no fato, 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/19 concluímos que o novo acontecimento terá resultado semelhante. Este método geralmente é utilizado quando não temos um método mais eficaz. Não é aconselhável utilizar esse raciocínio, pois sabe-se que o universo não é uniforme. 2.6 RACIOCÍNIO LÓGICO DEDUTIVO Chegamos ao principal tipo raciocínio. Aquele que é utilizado na matemática para provar seus resultados desde Tales de Mileto. Em poucas palavras, o raciocínio lógico dedutivoprovar uma declaração vindo logicamente de outra verdadeira. Uma declaração só será verdadeira se seguir logicamente de outra que temos certeza que é verdadeira. Então, supor duas declarações A e B e que B segue logicamente A. Se A é verdadeira, então B é verdadeira. Mas como os gregos resolveram o impasse de colocar as ideias primitivas e os axiomas se eles desprezavam a experiência e a lógica dedutiva necessita de conceitos primitivos? A saída foi utilizar o método de aprendizagem de Sócrates. Para ele, todas as pessoas nascem com conhecimento. Basta que o professor faça perguntas até que as ideias sejam lembradas. Ora, então basta apenas escolher aqueles conhecimentos iniciais necessários como axiomas. Esse raciocínio muitas vezes é trabalhoso e por vezes pode se tornar quase impossível se não tiver algumas regras. É possível entrar num sistema quase infinito de declarações anteriores ou seu leitor não aceitar as premissas como declarações verdadeiras. Primeira regra: todos devem ter certeza de que as premissas (hipóteses) são verdadeiras. Segunda regra: deve-se haver acordo de como e quando uma declaração é resultante de outra. Terceira regra: termos primitivos devem estar claros. Quarta regra: não pode haver fato externo ao sistema. Partindo dessas regras, não há perigo de que sua proposição seja considerada inválida. Para demonstrar uma proposição no método dedutivo (se p então q), devemos justificar cada afirmação. Tais justificativas são: hipótese, axioma, teorema anterior e definição anterior. Não se pode utilizar partes proposição anterior, a não ser ela toda. Portanto, é interessante enumerá-las. Outra justificativa importante é a argumentação lógica. Na argumentação lógica, temos declarações e argumentos, e não se deve fazer confusões. Declarações são afirmativas que queremos provar e os argumentos são suas justificativas. Esses 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/19 argumentos devem ser válidos, ou seja, a conclusão só será verdadeira se for uma consequência lógica necessária das premissas e não acontecer o fato de as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Por exemplo: Todo homem é mortal (premissa). Sócrates é homem (premissa). Sócrates é mortal (conclusão necessária das premissas). Em resumo, para provar uma conclusão, temos que iniciar com pressupostos verdadeiros e usar argumentos válidos. TEMA 3 – AXIOMAS DE INCIDÊNCIA Os axiomas de Euclides foram muito criticados por vários matemáticos. Alguém poderia propor uma geometria euclidiana que contivesse apenas dois pontos e uma reta que satisfaria todos seus cinco axiomas. Foi David Hilbert, no século XIX, quem tirou a geometria de Euclides do vácuo, propondo 16 axiomas. E é esta geometria euclidiana que estudaremos até o final desta disciplina. Os axiomas de Hilbert foram propostos em grupos. Os três primeiros foram criados para que a geometria euclidiana não ficasse no vácuo. Inicialmente, é preciso propor os conceitos primitivos de ponto, reta e palavra incidente. Por ponto, entende-se como um objeto sem dimensões, largura nem comprimento. Por reta, entende-se como um caminho com pontos alinhados, e por incidente entendamos como sinônimo de estar em ou estar sobre. 3.1 AXIOMA I Dados quaisquer dois pontos distintos P e Q, existe uma única reta que os contém. 3.2 AXIOMA II Em cada reta r, existem ao menos dois pontos distintos que são incidentes a r. 3.3 AXIOMA III 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/19 Existe uma reta r e um ponto P que não é incidente a r. O axioma I é o mesmo axioma de Euclides. No entanto, os axiomas II e III resolvem o problema de se criar geometrias euclidianas com apenas um ponto ou dois pontos e apenas uma reta. Definição de retas paralelas: duas retas são paralelas se elas não se cruzem. Definição de pontos colineares: um conjunto de pontos é chamado de colinear se existe uma reta que contém todos os pontos deste conjunto. Caso contrário, é chamado não colinear. Definição de retas concorrentes: se um ponto é comum a duas retas, diremos que ele é o ponto de intersecção destas retas. Tais retas são chamadas de concorrentes. Teorema 1: se r e s são retas distintas e não são paralelas, então, r e s têm um único ponto em comum. Demonstração: sejam r e s retas distintas e não paralelas. Por serem não paralelas, as retas têm pelo menos um ponto em comum, que denotaremos por P. Basta provar que P é o único ponto comum às retas r e s. Para fazer isso, escolhemos um ponto Q comum às duas. Pelo axioma 1, se P e Q fossem distintos haveria uma única reta que passaria por eles e, portanto, r = s. Como este não é o caso, concluímos que P = Q; quer dizer, P é o único ponto comum r e s. Teorema 2: existem pontos não colineares. Demonstração: para obter três pontos, aplicamos o axioma 3. Assim, temos uma reta r e um ponto P não incidente a r. O axioma 2 nos garante que cada reta possui pelo menos dois pontos distintos incidentes a r, digamos A e B. Suponha, por absurdo, que A, B e P são colineares. Neste caso, há uma reta s que passa por todos eles e, em especial, pelos pontos A e B. Desse modo, r e s têm esses dois pontos distintos em comum, o que garante que r e s são a mesma reta pelo axioma 1. Assim, de um lado, P é incidente a r; enquanto, do outro lado, não é incidente a r — um absurdo. Desse modo, P, A, e B não são colineares, e a demonstração está terminada. Teorema 3: dado um ponto, há uma reta que não passa por ele. Demonstração Hipótese: dado um ponto P Tese: existe uma reta r que não passa por P. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/19 Afirmativa Justificativa 1) Temos o ponto P. Hipótese. 2) Supor reta r e ponto Q não incidente a r. Axioma III. Há duas possibilidades: P incide a r ou P não incide a r. 3) Se P não incide a r, r é a reta procurada — fim. Primeira opção da linha anterior. 4) P incide a r. Segunda opção da linha anterior. 5) Existe S distinto de P incidente a r. Axioma 2. 6) Existe a reta t formada por Q e S. Axioma 1. Devemos provar que P não incide a t. 7) Supor que P incide em t. Hipótese por absurdo. 8) P e S incidem em t e em r. Linhas 4, 5, 6 e 7. 9) r e t são a mesma reta. Axioma 1. 10) Q incide em t e Q incide em r. Contradição da linha 2. 11) P não incide em t e é a reta procurada. Negação da linha 4. TEMA 4 – AXIOMAS DE ORDEM Estes axiomas expressam ideia de estar entre e garantem a ordem dos pontos na reta. O objetivo é retirar a necessidade de se utilizar a intuição ou os desenhos exigidos na geometria axiomática de Euclides. 4.1 AXIOMA IV Consideremos três pontos A, B e C. Se B está entre A e C, então A, B e C são três pontos distintos, todos incidentes a uma única reta, e B está entre C e A. Observe que esse axioma regulamenta a utilização de estar entre. Em seu início, quando cita os três pontos, não especifica que os pontos estão numa reta. Depois, estabelece que nessas condições (estar entre), só acontece se for numa única reta e estabelece também qual ponto está entre. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/19 4.2 AXIOMA V Supor dois pontos distintos e . Então, existem pontos A, B e C incidentes à tais que: : X está entre A e B; B está entre X e Y; Y está entre B e C. Esse axioma garante a inexistência de buracos na reta, bem como de extremidades, ou seja, com começo ou fim. 4.3 AXIOMA VI Se três pontos A, B e C são colineares e distintos, então, um – e somente um – deles está entre os outros dois. O objetivo desse axioma é que não haja a seguinte situação: supor três pontos X,Y e Z e que um deles esteja entre os dois. Então, X está entre Y e Z, Y está entre X e Z, e Z está entre X e Y. Definição de segmento de reta: sejam dois pontos quaisquer A e B. Segmento de reta é o conjunto de pontos contendo os pontos A e B e todos os pontos C que estão entre A e B. Definição de semirreta: sejam dois pontos distintos𝐴 e 𝐵. Semirreta de origem e contendo o ponto B é o conjunto dos pontos do segmento unido com todos os pontos tais que está entre e . Definição de semirretas opostas: se A, B e C são pontos, então dizemos que as semirretas e são semirretas opostas se – e somente se – A está entre C e B. Definição de mesmo lado e lados opostos: seja uma reta r e dois pontos A e B não incidentes em r. Se nenhum ponto do segmento não é incidente a r, dizemos que A e B estão do mesmo 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/19 lado de r. Se e um dos pontos de é incidente a r, dizemos que A e B estão em lados opostos de r. 4.4 AXIOMA VII Sejam r uma reta e A, B e C pontos não incidentes a r. Neste caso: 1) Se A e B estão do mesmo lado de r e B e C estão do mesmo lado de r, então A e C estão do mesmo lado de r. 2) Se A e B estão em lados opostos de r e B e C estão em lados opostos de r, então A e C estão no mesmo lado de r. Observe o objetivo deste axioma: um plano, uma reta r incidente e dois pontos A e B, todos incidentes no plano, mas A e B em lados opostos em relação a reta r. Supor P um ponto fora do plano. Então, PA e PB estariam do mesmo lado C. Definição de semiplano: sejam A um ponto e r uma reta, com A não incidente a r. Define- se como semiplano S, limitado por r e contendo A, o conjunto de pontos B tais que os pontos A e B estão do mesmo lado de r. Teorema 4: se o ponto B está entre os pontos A e C e C está entre os pontos A e D, então B está entre A e D e C está entre B e D. Demonstração: Hipótese: o ponto B está entre os pontos A e C, e C está entre os pontos A e D. Tese: B está entre A e D e C está entre B e D. Afirmativa Justificativa 1) Seja a reta r e os pontos A, B, C e D incidentes a r nas condições da hipótese. Hipótese. 2) Existe um ponto P não incidente a r. Axioma III. 3) Seja a reta s formada pelos pontos C e P. Axioma I. 4) D e B estão em lados opostos em relação a s. Portanto, C está entre D e B. Por hipótese e pelo axioma VII. 5) Existe um ponto Q não incidente a r. Axioma III. 6) Seja a reta t formada pelos pontos B e Q Axioma I. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/19 7) A e C estão em lados opostos em relação a t. Portanto, B está entre A e C. Axioma I. TEMA 5 – CONGRUÊNCIA DE SEGMENTOS E AXIOMAS DE CONTINUIDADE Neste tema, estudaremos os axiomas de congruência que serão utilizados para a comparação de segmentos. Depois, estudaremos os axiomas de continuidade que nos garantem a medição de segmentos. Neste momento, é necessário ser inserido o conceito primitivo congruente. A ideia de congruente é a de coisas iguais ou mesmo tamanho. É claro que essa ideia é mais abrangente, mas para nosso tema, que trata de segmentos, é suficiente. Utilizaremos o símbolo ou o símbolo para congruência. 5.1 AXIOMA VIII Sejam dois pontos quaisquer A e B, uma semirreta r com origem em C. Então, existe um ponto D, único, incidente a r tal que o segmentos e são congruentes. Esse axioma nos garante que é possível transferir um segmento de um lugar para outro sem alteração de medidas. 5.2 AXIOMA IX Sejam os segmentos , e . Se e , então, e um segmento é congruente a ele mesmo. 5.3 AXIOMA X Sejam A, B e C com A – C – B e D, E e F com D – E – F. Se e , então . Esse axioma permite-nos somar segmentos congruentes a outros segmentos congruentes e obter uma terceira relação de congruência. Os axiomas XI, XII e XIII estão reservados para ângulos que trataremos em outra aula. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 16/19 5.4 AXIOMA XIV Sejam e segmentos. Então, existe um número natural tal que . Esse axioma nos garante que qualquer segmento pode ser medido, seja qual for seu tamanho. 5.5 AXIOMA XV Para cada reta r e ponto P não incidente a r, existe no máximo uma reta s que passa por P e é paralela a r. Esse é o axioma que garantirá a geometria euclidiana e não ser possível uma geometria não euclidiana, por exemplo, a de Lobachewsky. 5.6 AXIOMA XVI (AXIOMA DE DEDEKIND) Dada uma reta r, definimos como R o conjunto de todos seus pontos. Supor dois subconjuntos A e B de R não vazios de forma que: a) ; b) Se e , então, não é verdade que P está entre M e N; c) Se e , então, não é verdade que P está entre M e N. Assim, existe um único ponto O de R tal que M e N são pontos de R diferentes de O. Então, O está entre M e N se — e somente se — um dos pontos M ou N for elemento de A e o outro for elemento de B. Citamos o axioma de Dedekind apenas para que fique completa a sequência dos 16 axiomas (os outros estão nas próximas aulas). Ele é utilizado em cálculo e análise matemática. 5.7 DEFINIÇÃO Os pontos da reta podem ser postos em correspondência biunívoca com os números reais, de modo que: 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 17/19 a) A cada ponto da reta corresponde a um único número real. b) A cada número real corresponde a um único ponto da reta. c) A distância entre dois pontos quaisquer é o valor absoluto da diferença dos números correspondentes. Tal correspondência é denominada sistema de coordenadas. O número que correspondente a dado ponto é chamado de coordenada do ponto. NA PRÁTICA Agora é o momento de avaliarmos os conhecimentos adquiridos. 1) Classifique os exercícios abaixo como verdadeiro e falso, justificando sua decisão. ( ) Por um ponto podem, ao mesmo tempo, passar infinitas retas. ( ) Por dois pontos podem, ao mesmo tempo, passar infinitas retas. ( ) Dois pontos distintos determinam uma reta. ( ) Por três pontos distintos passa uma única reta. ( ) Três pontos distintos sempre são colineares. ( ) Três pontos distintos sempre são coplanares. ( ) Por quatro pontos distintos podem passar seis retas. ( ) Por quatro pontos distintos pode passar uma só reta. ( ) Por três pontos distintos passa uma única reta. 2) Dadas três retas distintas, quantos pontos em comum elas podem ter (a pelo menos duas retas)? E um conjunto de quatro retas? 3) Prove que três pontos não colineares determinam três retas. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 18/19 4) Quantas retas são determinadas por quatro pontos, sendo que são três a três não colineares? E para o caso de seis pontos? E para 𝒏 pontos? 5) Por que o conjunto de todos os pontos do plano não pode ser uma reta? O conjunto vazio pode ser uma reta do plano? FINALIZANDO Nesta aula, vimos um pouco de história da geometria para melhor entender como ela foi desenvolvida desde os tempos helênicos e os motivos que levaram Hilbert a desenvolver um sistema axiomático à prova das várias falhas que tinha o sistema de Euclides. Trabalhamos os axiomas em grupos de incidência, ordem, congruência e continuidade, tal qual Hilbert. Essas ideias iniciais serão nossos alicerces para o desenvolvimento do restante da geometria euclidiana. Esperamos que esta aula sirva de subsídio para desenvolver as próximas. REFERÊNCIAS BARBOSA, J. L. M. Geometria euclidiana plana. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2006. BOYER, C. B. História da matemática. São Paulo: Edgard Blucher Ltda., 1999. BRAITT, M. S.; WHITLEY, W. G. Geometria III. 2. ed. Florianópolis: UPSC/EAD/CED/CFM, 2011. COUCEIRO, K. C. U. S. Geometria euclidiana. Curitiba: InterSaberes, 2016. LEVI, B. Lendo Euclides: a matemática e a geometria sob um olhar renovador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. MANFIO, F. Fundamentos da Geometria. ICMC USP. MOISE, E. E. Elementary geometry from an advanced stanpoint. 2. ed. Nova York: Addison-Wesley Publishing Company, Inc. 10/01/23, 13:08 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 19/19 MUNIZ NETO, A. C. Geometria. SBM, 2013. Coleção PROFMAT.
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