Buscar

Revista-11---artigo-7

Prévia do material em texto

RHAA 11 127
Divers. In. Black. 
Arqueologia de navios negreiros e identidade
Divers. In. Black. Slavers Shipwreck archaeology and identity
BRUNO SANCHES RANZANI DA SILVA
ingressante pós-graduação em antropologia, universidade Federal de Minas gerais. 
graduado em história pela universidade estadual de Campinas.
Master student at the Anthropology Post graduation Program, Federal University of Minas Gerais – Brazil.
LAURA CANDIAN FRACCARO
graduanda em história na universidade estadual de Campinas.
Undergraduate History student at the Campinas State University - Brazil
RESUMO Este trabalho pretende discutir de que maneira a arqueologia vem lidando com as 
recentes demandas públicas por participação e divulgação dos saberes arqueológicos. Estu-
daremos o caso da arqueologia em navios negreiros por seu forte impacto social mundial.
PalavRaS-chavE  Identidade, arqueologia subaquática, memória social, patrimônio.
aBSTRacT  This paper intends to discuss the way in which archaeology has been dealing 
with the recent demands from the non academic public for participation and publication of 
the archaeological knowledge. We’ll take as a study case the archaeology of wrecked slave 
ships, due to its strong social impact worldwide.
KEywORdS  Identity, underwater archaeology, social memory, patrimony.
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
128 RHAA 11
Henrietta Marie
In memory and recognition of the courage, pain and suffering
Of the enslaved African people.
“Speak her name speak her name
And gently touch the souls 
Of our ancestors.”
(Placa comemorativa no sítio do naufrágio do negreiro henrietta Marie)
Introdução
No fim de semana do primeiro mergulho (“batizado”) de 
um de nós, conversávamos uma noite entre os “iniciados” enquanto 
os instrutores planejavam o mergulho do dia seguinte. Ao saber 
que havia me formado em História fazia menos de um mês, um 
dos participantes me pediu: “Bom, então conte-nos uma histó-
ria!” Não pude esconder meu desconforto quando respondi: “Mas 
como, contar uma história? Fiz curso de História, não de conto de 
fadas!”. Afinal, o que mais poderia fazer um historiador além de 
contar histórias? Creio que sinto o mesmo quando digo que estudo 
Arqueologia e escuto: “Já encontrou algum fóssil?”, ou “Ah, então 
é um Indiana Jones!”, ou ainda “Sempre foi meu sonho fazer isso, 
talvez um dia quando eu aposentar faça por hobby.” Afinal, essas pes-
soas não entendem que não fazemos hobby, não corremos de bolas 
gigantes nem usamos chicote. Estudamos História ou Arqueologia 
ou Antropologia! No entanto, por que não entendem que fazemos 
História, Arqueologia ou Antropologia? Deveriam entender o que 
fazemos? Ou ainda, o que quer dizer fazer História, Arqueologia 
ou Antropologia?
A relação entre uma disciplina engendrada nas “Ciências 
Humanas” com as “Humanas” fora das “Ciências” tem marcado as 
discussões acadêmicas. Nosso propósito com esse pequeno ensaio 
é observar essa relação no contexto dos trabalhos de arqueologia 
de navios negreiros.
Desde a década de 1980, vemos surgir novas propostas de 
interação entre a disciplina e o público leigo. Essa proposta mais 
ativa começa a se moldar no termo “Arqueologia Pública”. Hoje 
entendida como ação com o povo, para usarmos uma expressão de Paulo Freire, 
permite que tenhamos uma ciência aplicada em benefício das comunidades e 
segmentos sociais.1 Entre os temas que chegam a ser abordados na en-
trada do século XXI, estão a configuração do espaço de um museu 
e suas impressões no público;2 o discurso arqueológico e criação de 
1 FUNARI, Pedro Paulo A.; ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Marion. “Editorial”. 
arqueologia Pública, São Paulo, no 1, 2006, p. 3. 
2 CASTAÑO, A. M. M. “A divulgação do patrimônio arqueológico em Castilla y 
Henrietta Marie
In memory and recognition of the courage, pain 
 [and suffering
Of the enslaved African people.
“Speak her name speak her name
And gently touch the souls 
Of our ancestors.”
(Comemorative plaque at the slaver henrietta Marie ship-
wreck site)
Introduction
On the weekend of one of the authors’ first dive, 
one could talk among the “initiated” while the in-
structors planned the dive for the next day. On ac-
knowledging my past as a history student, one of the 
comrades asked me to “tell them a story!” I couldn’t 
hide a certain discomfort after replying “What do 
you mean? I’ve just graduated in History, not Fairy-
tale!” Apparently a historian could do nothing else! 
We believe the feeling is the same when talking 
about the archaeological work and hearing “Have 
you found any dinosaurs yet?” or that “so you’re 
an Indiana Jones!” or even “It has always been my 
dream to do that, perhaps when I retire”. Can’t these 
people understand that our profession is not a hobby, 
we don’t run away from gigantic rolling stones and 
we do not use a whip? We Study History, Archaeol-
ogy, Anthropology! But if we think about it, why 
can’t they understand that we do History, Archae-
ology and Anthropology? Should they know what 
our jobs are all about? Or even, what it means to do 
History, Archaeology and Anthropology? 
The relation between a discipline conceived 
inside the “Human Sciences” and the “Humans” 
outside the “Sciences” has marked current academic 
research. Our goal with this paper is to analyze the 
relation between the archaeology and the non-aca-
demic public, taking as a ground the archaeology of 
wreck slaver ships. 
Since the 1980’s we can see a growing theoretical 
concern over new propositions to the interaction 
between academic discipline and the general public. 
These new propositions start to be molded in the 
term “Public Archaeology”. Two brazilian authors 
have define this concept as an action with the people, 
in the terms of Paulo Freire, which allows us to have a sci-
ence applied to the benefit of communities and social sectors1. 
Among the themes undertaken in Latin America at 
the doorsteps of the 21st Century are: the configura-
1 FUNARI, Pedro Paulo A.; ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Mar-
ion. “Editorial”. arqueologia Pública, São Paulo, n° 1, 2006, p. 3. 
Divers. In. Black.
 RHAA 11 129
interpretações públicas do passado;3 projetos multidisciplinares de 
manejo de recursos econômicos e culturais;4 e tentativas de interligar 
diferentes conhecimentos.� São intentos e sucessos de transformar o 
patrimônio cultural público em algo mais que simplesmente igrejas 
barrocas e casas de barões do café.6
A prática subaquática da Arqueologia, surgida na década de 
1960, com a expansão do mergulho autônomo, tem enfrentado, no 
entanto, alguns problemas com o público. Tanto mergulhadores re-
creativos, quanto grandes empresas de salvamento, adotam um nível 
de contato com os vestígios submersos de modo que pode danificá-
los, em especial se o propósito é “resgatar” peças sem a possibilidade 
de tratamento ideal. Por essa razão, arqueólogos criticam a ação de 
mergulhadores e condenam o salvamento, alegando inclusive um 
tipo de pirataria moderna. Estes últimos, no entanto, defendem suas 
atividades como resgates legítimos de relíquias históricas perdidas 
no fundo do oceano e distante do grande público.7
Leon (Espanha): o desafio dos espaços divulgativos”. arqueologia Pública, no 1, 2006, 
pp. 07-18. TAMANINI, E.; PEIXER, Z. “Água mole em pedra dura, tanto bate até 
que fura: educação popular e herança cultural no século XXI”. arqueologia Pública, no 
2, 2007, pp. 23-32. QUESADA, M.; MORENO, E.; GASTALDI, M. “Narrativas 
arqueológicas públicas e identidades indígenas en Catamarca”, arqueologia Pública, 
no 2, 2007, pp. 57-72. 
3 REIS, José A. “Lidando com as coisas quebradas da história”. arqueologia Pública, 
no 2, 2007, pp. 33-44. SCHAAN, Denise P. “Arqueologia, público e comodificação 
da herança cultural: o caso da cultura Marajoara”, arqueologia Pública, no 1, 2006, 
pp. 19-30. DOMINGUEZ, Lourdes. S. “Guanabacoa como una ‘experiencia’ india 
en nuestra colonización: los restos de la arqueologia pública”, arqueologia Pública, no2, 2007, pp. 89-98.
4 BERÓN, M.; GUASTAVINO, M. “Manejo de recursos culturales y puesta en valor 
de historias regionales”, arqueologia Pública, no 2, 2007, p. 45-56. CASTRO, A. et 
allii. “Sítio arqueológico carsa (Puerto Deseado, Patagonia, Argentina): Reflexiones 
sobre la práctica de una arqueologia social y pública”, arqueologia Pública, no 2, 2007, 
pp. 7-22. ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Marion. “Arqueologia e sociedade no 
município de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública ligadas 
ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira”, arqueologia Pública, no 1, 2006, 
pp. 63-122. SEMPÉ, M. C.; SALCEDA, S. A.; MARTINEZ, S. “Desarrollo de un 
modelo productivo para la recuperación sociocultural de poblaciones marginales 
de la provincia de catamarca: Azampay una experiencia piloto”, arqueologia Pública, 
no 2, 2007, pp. 73-88.
� CURY, M. X. “Para saber o que o público pensa sobre arqueologia”, arqueologia 
Pública, n° 1, 2006, pp. 31-48. LIMA, L. P.; FRANCISCO, G. da S. “O que é isso? 
Para que serve? Quem são vocês? O que fazem? Uma experiência de Arqueologia 
Pública em Paranã – TO”, arqueologia Pública, no 1, 2006, pp. 49-62.
6 FUNARI, Pedro Paulo A.; Pelegrini, Sandra. de C. A. Patrimônio histórico e cultural, 
Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006.
7 BASS, George F. arqueologia subaquática, Verbo, Cacim, 1971. RAMBELLI, Gilson. 
arqueologia até debaixo d’água, Maranta, São Paulo, 2002. SILVA, Bruno S. Ranzani. 
Baú de tesouros: cultura material e o sublime das profundezas. 54 f. Trabalho de conclusão 
de curso (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
tion of museum spaces and public impressions2; The 
archaeological discourse and consequent community 
interpretation of the past3; Multidisciplinary projects 
of cultural and economic resources management4; 
And the combination of academic and community 
forms of knowledge of the past�. In other words, a 
few but successful attempts of turning the cultural 
heritage into something more than just baroque 
churches and Baron’ Manors6.
The underwater academic practice of archaeology 
came to be around in the 1960’s, with the develop-
ment and expansion of SCUBA diving. Since then, 
it has faced some problems with recreational divers 
and shipwreck salvage companies. These groups, 
specially the second, may sometimes interfere nega-
tively in the site. Even when the purpose is to “save” 
lost artifacts, emerging the materials without proper 
treatment may lead to irreversible damage. For this 
reason, archaeologists have criticized the actions of 
recreational divers and condemned the practice of 
underwater salvage (seen as a new kind of piracy). 
As a defense, the criticized groups have claimed jus-
tice over their good will, for they are the ones who 
bring out from the unreachable depths a heritage 
that belongs to all7.
2 CASTAÑO, A. M. M. “A divulgação do patrimônio arqueológico 
em Castilla y Leon (Espanha): o desafio dos espaços divulgativos”. 
arqueologia Pública, n° 1, 2006, pp. 07-18. TAMANINI, E.; PEIXER, Z. 
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura: educação popular 
e herança cultural no século XXI”. arqueologia Pública, n° 2, 2007, pp. 
23-32. QUESADA, M.; MORENO, E.; GASTALDI, M. “Narrativas 
arqueológicas publicas e identidades indígenas en Catamarca”, arqueo-
logia Pública, n° 2, 2007, pp. 57-72. 
3 REIS, José A. “Lidando com as coisas quebradas da história”. ar-
queologia Pública, n° 2, 2007, pp. 33-44. SCHAAN, Denise P. “Arqueo-
logia, publico e comodificação da herança cultural: o caso da cultura 
Marajoara”, arqueologia Pública, n° 1, 2006, pp. 19-30. DOMINGUEZ, 
Lourdes. S. “Guanabacoa como una “experiencia” india en nuestra 
colonización: los restos de la arqueologia publica”, arqueologia Pública, 
n° 2, 2007, pp. 89-98.
4 BERÓN, M.; GUASTAVINO, M. “Manejo de recursos culturales y 
puesta en valor de historias regionales”, arqueologia Pública, n.2, 2007, p. 
45-56. CASTRO, A. et allii. “Sitio arqueologico carsa (Puerto Deseado, 
Patagonia, Argentina): Reflexiones sobre la práctica de una arqueologia 
social y publica”, arqueologia Pública, n° 2, 2007, pp. 7-22. ROBRAHN-
GONZÁLEZ, Erika Marion. “Arqueologia e sociedade no município 
de Ribeirão Grande, sul de São Paulo: ações em arqueologia pública 
ligadas ao Projeto de Ampliação da Mina Calcária Limeira”, arqueo-
logia Pública, n° 1, 2006, pp. 63-122. SEMPÉ, M. C.; SALCEDA, S. 
A.; MARTINEZ, S. “Desarrollo de un modelo productivo para la 
recuperación sociocultural de poblaciones marginales de la provincia 
de catamarca: Azampay una experiencia piloto”, arqueologia Pública, 
n° 2, 2007, pp. 73-88.
� CURY, M. X. “Para saber o que o público pensa sobre arqueologia”, 
arqueologia Pública, n° 1, 2006, pp. 31-48. LIMA, L. P.; FRANCISCO, 
G. da S. “O que é isso? Para que serve? Quem são vocês? O que fazem? 
Uma experiência de Arqueologia Pública em Paranã – TO”, arqueologia 
Pública, n° 1, 2006, pp. 49-62.
6 FUNARI, Pedro Paulo A.; Pelegrini, Sandra. de C. A. Patrimônio 
histórico e cultural, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006.
7 BASS, George F. arqueologia subaquática, Verbo, Cacim, 1971. RAM-
BELLI, Gilson. arqueologia até debaixo d’água, Maranta, São Paulo, 2002. 
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
130 RHAA 11
O presente trabalho toca exatamente nesse ponto, isto é, 
na relação entre a Arqueologia e o público, que nos últimos 30 
anos vem pedindo um maior engajamento dos pesquisadores. Ob-
servaremos o exemplo particular da prática arqueológica embaixo 
d’água, tendo como caso os trabalhos em alguns navios negreiros 
no Golfo do México, no Mar do Caribe, na Austrália e no Brasil, 
tema histórica e socialmente polêmico.
“Da diáspora”
A impressão que o público tem da cultura material submersa 
já havia nos chamado a atenção em trabalho anterior (SILVA, Bruno, 
op. cit.). No mergulho recreativo, os sítios submersos são pontos de 
apreciação e de diversos interesses: busca por tesouros, por aventura, 
por relíquias históricas, belezas naturais, válvula de escape dos pro-
blemas da modernidade ou pontos de referência sócio-históricos.
A escravidão africana representa um marco imensurável na 
história da sociedade ocidental e nenhum esforço seria capaz de 
apagá-la. Não somente pela presença de descendentes dos escra-
vizados nos continentes americanos, mas também pelas diferentes 
formas que a memória desse período toma. A memória da escravi-
dão, mesmo fora do ambiente acadêmico, constitui-se, por muitas 
vezes, um campo delicado. Para alguns, juntamente com o tráfico de 
escravos, representa o início de um erro de consequências catastró-
ficas, que trouxe a pobreza e um grande problema: a inclusão social 
desse elemento externo, que foi o africano (e seus descendentes). 
Também é considerada elemento integrante do presente, pois a 
partir de diversas políticas de exclusão social ao longo dos séculos 
de escravidão e pós-emancipação tenta-se manter os negros à parte 
da sociedade. Para outros, incluindo os mergulhadores negros, que 
aqui também são objetos de análise, representa parte de um passado 
doloroso, que tem de ser lembrado, mas como uma superação de 
diversos obstáculos da história do povo afro-americano. Apesar de 
ser uma memória múltipla e delicada, não acreditamos que abando-
nar discussões sobre esse tema seja sensato. Pode ser que para uns, 
é abrir uma ferida, mas para outros se trata de um exorcismo. 
O vínculo entre o passado e o presente transparece hoje nas 
pesquisas acadêmicas tanto em História quanto em Arqueologia. 
Não dizemos de maneira anacrônica, mas é o reconhecimento de 
que estamos, hoje, movendo ideias sobre ontem, e que nossos olhos 
são filtros críticos daquilo que veem.
Tendo isso em mente, buscamos relacionar a Arqueologia dos 
navios negreiros com o público que possa por ela se interessar; pú-
blico arqueológico ou não arqueológico, em especial o segundo.
This paper deals exactly withthis point, the 
relation between archaeology and the society who 
has, over the last 30 years, asked for a greater social 
engagement from the Academy. We shall enter this 
matter with a specific case study: the archaeology of 
sunken slave ships (in the Mexican Gulf, Caribbean 
Sea, Australia and Brazil), a historically and socially 
impacting issue.
“About the Diaspora”
The interest shown by the public on the sub-
merged material culture has already caught our at-
tention (SILVA, Bruno. op. Cit.). For recreational 
divers submerged sites have a diversity of attrac-
tions: the search for sunken treasures, for adventure, 
for historical relics, natural beauties, and an escape 
from everyday stress or simple appreciation for dis-
tinguished historical sites.
African slavery has left an immensurable scar 
on the western world history, and no attempt will 
ever be able to erase it. Not only because of Afri-
can descendents who are a considerable part of our 
social body, but also by the great variety of shapes 
which this tragic memory has taken. The memory 
of slavery is a very delicate field, whether inside or 
outside the Academy. For some, transatlantic slave 
trade is the beginning of a drastic mistake with 
catastrophic consequences, such as the poverty and 
social exclusion of many African descendents. And 
these issues are not at all a thing from the past, 
for it is seems like a permanent toil trying to erase 
centuries of segregation politics. For others it is a 
painful history, but it should be remembered as a 
history of a people constantly overcoming obsta-
cles; a painful but proud memory. We understand 
the multitude and fragility of this memory, but we 
don’t think that abandoning the theme of discus-
sion is in any way a sensible choice. For some, it 
may seem like opening a wound, but for others it 
is about exorcising a ghost.
The connection between past and present is a 
clear concern in current academic practice, both 
in history and archaeology. It has gone beyond the 
simple concern with anachronism. It is a reflection 
about having our ideas moving through data from 
the past, and being our eyes critical filters. It is about 
the inevitability of some subjectivism in our scien-
tific research.
SILVA, Bruno S. Ranzani. Baú de tesouros: cultura material e o sublime 
das profundezas. 54 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em 
história) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade 
Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
Divers. In. Black.
 RHAA 11 131
Essas preocupações não são novas dentro das discussões 
arqueológicas brasileiras. Recentemente, o brigue americano Ca-
margo, que traficava após a proibição do tráfico em 1850, foi objeto 
de pesquisa.8 Assim, a importância dos estudos arqueológicos do 
naufrágio de um negreiro é ressaltada a partir da visão alternativa 
que pode nos proporcionar, considerações que não estão nos livros, 
sobre um tráfico ilegal (na época), lucrativo e cruel (RAMBELLI, 
Gilson, op. cit.). Esperamos que o presente trabalho possa também 
contribuir, mesmo que minimamente, para os estudos arqueológicos 
e da escravidão nas Américas.
Um dos sítios que vemos ter sido amplamente estudado, 
o naufrágio do tumbeiro inglês henrietta Marie, surgiu como um 
projeto impactante, tanto pela altura de seu andamento quanto pela 
forte memória social que lhe foi atribuída. Michael Cottman, jorna-
lista americano, negro (afro-americano), participou de boa parte dos 
primeiros anos de pesquisa histórica sobre a embarcação e publicou 
um livro de memórias e reflexões, suas e de diversos indivíduos que 
se envolveram no projeto, negros e não negros.9 Um outro ponto 
que nos parece importante, os trabalhos no henrietta Marie foram 
iniciados com financiamento de uma das mais conhecidas empresas 
de caça ao tesouro dos Estados Unidos, a Mel Fisher. Pelo anda-
mento dos trabalhos, pelo alcance de sua divulgação e pela relação 
entre a pesquisa e uma empresa de salvamento, consideramos o caso 
do henrietta Marie interessante para ser explorado.
Cottman cresceu em Detroit, EUA, em meio a movimen-
tações sociais contra a discriminação racial nas décadas de 1970 e 
1980. O autor relata os ensinamentos de seus pais sobre a cultura 
africana, considerada sua própria cultura, que deveria ser mantida 
com o orgulho da própria vida e a persistência de seus objeti-
vos. Quando se tornou mergulhador, percebeu que teria de en-
frentar também os percalços de cor nas pequenas embarcações 
que transportam turistas ao point de mergulho. É um jornalista 
renomado e politicamente inserido em discussões sobre a condição 
dos negros nos Estados Unidos e sobre a história afro-americana. 
Correspondente para o Washington Post, entre outras mídias, como 
o Blackamerica.web, também é escritor, sendo um dos seus livros 
mais conhecidos o the Million Man March (A marcha dos milhões 
de homens), uma marcha em Washington D.C. por mais direitos 
aos negros.10 O mergulho em um negreiro naufragado é mais que 
8 RAMBELLI, Gilson. “Tráfico e navios negreiros: contribuição da Arqueologia 
Náutica e Subaquática”, Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil, v. 2, no 
4, 2006, pp. 59-72.
9 COTTMAN, Michael. H. the Wreck of the henrietta Marie. New York, Crown, 1999.
10 http://www.michaelhcottman.com/. Acessado em 3 de janeiro de 2009.
Having that in mind, we intend to relate the ar-
chaeology of slave ships with the public interested 
in it: both archaeological and non-academic public, 
specially the second one.
This discussion is not new or Brazilian archaeol-
ogy. Recently, an American brig, the Camargo, was 
an object of research. It was still active on the slave 
trade even after the national prohibition in 18508. 
The author calls our attention to the alternative 
perspective which archaeology can give us on the 
unwritten history of an illegal, lucrative and cruel 
commerce (RAMBELLI, Gilson. op. Cit.). We hope 
that the present paper may contribute, even if mini-
mally, to the studies of archaeology and slavery in 
the Americas.
One of the studied sites was the shipwreck of 
the henrietta Marie, a large Project which the im-
portance lies not only on the advanced stage of the 
research, but also on the memorial weight added to it. 
Michael Cottman, an African-American journalist, 
had a large participation in the historical research 
on the wreck, and later published a book about his 
experiences. The book is a beautiful narrative on 
memories and reflexions, not only his but from 
many others who “met” the henrietta Marie, Black 
or White9. It is worth remembering that the works 
on the henrietta Marie started with the finance of 
the most famous hunting treasure company in the 
USA, The Mel Fisher. Considering the advanced stage 
of the works, its large publicity compared to other 
shipwreck projects, and its relation with a treasure 
hunting company, we thought the henrietta Marie as 
an interesting case to be studied. 
Cottman was born in Detroit, USA, among the 
social movements against racism in the 1970’s and 
1980’s. The author tells us about his parental teach-
ings of African culture, taken as their own culture, 
which should never be forgotten, should always be 
remembered with pride and should guide him to 
his goals. When he became a diver, he realized he 
would also have to face the prejudice which roamed 
the little vessels taking them to the diving points. 
Michael Cottman is a renowned and politically en-
gaged journalist, critical of the Black conditions in 
the United States and researcher of African-Ameri-
can history. Correspondent for the Washington Post 
and web media Blackamerica.web, He is also a book 
writer: the Million Man March, a march on Wash-
8 RAMBELLI, Gilson. “Tráfico e navios negreiros: contribuição da 
Arqueologia Náutica e Subaquática”, Navigator: subsídios para a história 
marítima do Brasil, v. 2, nº 4, 2006, p. 59-72.
9 COTTMAN, Michael. H. the Wreck of the henrietta Marie. New York, 
Crown, 1999.
BrunoSanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
132 RHAA 11
uma curiosidade para ele, faz parte da formação política de um 
estudioso da história dos afro-americanos. O que nos interessa 
aqui é justamente a discursividade que o autor constrói quando 
envolvido na pesquisa da embarcação. Qual a importância que vê 
um mergulhador negro ao interagir com os vestígios de um navio 
negreiro, e com um grupo diverso de indivíduos que, diferentes 
em diversas maneiras, se encontram em algum tipo de comunhão 
diante do mesmo vestígio?
Stuart Hall, um autor considerado marco na discussão sobre 
a construção de identidades na sociedade moderna pós-colonial, 
produziu alguns ensaios sobre o tema do que chamou a diáspora. 
Hall nasceu na Jamaica em 1932, em uma família de classe média. 
Criado e consciente da miscigenação do ambiente colonial, sendo 
inclusive negro, foi estudar literatura em Oxford, Inglaterra, em 
1951, aproximando-se da “New left” inglesa com personagens como 
E. P. Thompson, Raymond Williams, Raphael Samuel, Charles 
Taylor. Hall surgirá nas discussões acadêmicas como um dos gran-
des críticos da cultura colonial.11
Em seu texto quem precisa de identidade?12 o autor reflete sobre 
a formação de identidades, abrindo o campo para um conceito mais 
fluido. Sua premissa é de que não nos basta, hoje, as definições na-
cionalistas, étnicas e raciais de identidade. Com essa posição, inicia 
sua argumentação partindo de uma consequente pergunta: “Qual a 
necessidade, então, de continuar com o debate sobre ‘identidade’? 
Quem precisa dela?” (HALL, op. cit., p. 1). Sua argumentação gira 
em torno da historicidade da identidade. Essa, na visão do autor, 
não é um conceito existencial, mas sim uma construção dependente 
de um contexto social, cultural, político e temporal. Não se trata 
de “ser”, ou de lembrar o passado “raiz” para compreender uma 
existência diretamente descendente desse passado. Mas sim é uma 
questão de vir a ser, de usar os recursos do passado para “suturar” as 
feridas que se formam sobre o indivíduo, feridas também causadas 
por um contexto específico.
O autor enfatiza que o caráter “inessencial” da identidade, 
ou seja, o fato de ser um parâmetro construído, não interfere, no 
entanto, em sua profundidade nem em sua atitude. 
O surgimento da narrativização de si, mas a natureza necessa-
riamente ficcional desse processo de maneira alguma diminui a 
11 SOVIK, Liv. “Apresentação: para ler Stuart Hall” In: HALL, Stuart. da diáspora 
– identidades e mediações e identidades culturais, org. Liv Sovik, 1. reimpressão revista, 
Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006, pp. 9-22.
12 HALL, Stuart. “Introduction: Who needs identity?” In: HALL, Stuart; GAY, 
Paul du (eds.). questions of cultural identity, Trowbridge (UK), 2000.
ington DC for African-American rights10. The dive 
on a slaver shipwreck is more than a mere curiosity 
for him. It is part of the political formation of an 
African-American history researcher. Our point of 
interest here is the discourse created by the author 
when wrapped in the research of the wreck. What 
is the response of a black diver when facing the 
vestiges of a slaver, and how he develops a certain 
relation with the other divers, different people who 
are at the same communion site.
An author considered as a reference in the discus-
sions of identity in post-colonial society, Stuart Hall, 
has written some papers around the theme which he 
called the diaspora. Stuart Hall was born in Jamaica 
1932, in a middle class family. Raised, and conscien-
tious, of the miscegenation of the colonial environ-
ment, being also black, he went to study literature 
in Oxford in 1951. There, he got close to the British 
“New Left” (E. P. Thompson, Raymond Williams, 
Raphael Samuel, Charles Taylor). Hall would become 
one of the greatest critics of the colonial culture11.
In his paper Who needs identity?12 The author re-
flects on the formation of identities, opening the 
field for a more fluid concept. He starts from the 
insufficiency of the national, ethnic and racial defi-
nitions of identity. From that, he argues about the 
need of an identity: “What, then, is the need for 
a further debate about ‘identity’? Who needs it?” 
(HALL, op. Cit., p. 1). His arguments run through 
historicity and identity. To Hall, identity is not an 
existential concept, but a construction from social, 
cultural, political and temporal contexts. It is not 
about “being” or connecting with “the roots” of 
an esteemed ancestry. It is a matter of “coming to 
be”, using resources from the past to “suture” the 
wounds inflicted on the individual, wounds also in-
flicted by a determined context. 
The author emphasizes the “inessential” charac-
ter of identity, of its being a constructed parameter. 
This doesn’t interfere, however, in the deepness and 
authenticity of the construction. 
They arise from the narrativization of the self, but 
the necessary fictional nature of this process in no 
way undermines its discursive, material or political 
10 http://www.michaelhcottman.com/. Acessado em 03 de janeiro de 
2009.
11 SOVIK, Liv. “Apresentação: para ler Stuart Hall” In: HALL, Stuart. 
da diaspora – identidades e mediações e identidades culturais, org. Liv Sovik, 
1º reimpressão revista, Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006, pp. 
9 – 22.
12 HALL, Stuart. “Introduction: Who needs identity?” In: HALL, 
Stuart; GAY, Paul du (eds.). questions of cultural identity, Trowbridge 
(UK), 2000.
Divers. In. Black.
 RHAA 11 133
discursividade, materialidade ou efetividade política, mesmo se 
o pertencimento, a “sutura na história” pela qual as identidades 
surgem, for, parcialmente no imaginário (bem como no simbólico) 
e portanto sempre construído parcialmente pela fantasia, ou pelo 
menos em um terreno fantasmático (HALL, Stuart, op. cit., p. 4). 
O peso de se posicionar contra uma situação considerada 
opressiva é uma forte motivação para a construção de narrativas 
que legitimem as vontades do sujeito, assim como as fundações do 
sistema opressor estão também sobre uma narrativa legitimadora. As-
sim, o reconhecimento de que as identidades são construídas dentro 
de um discurso requer o estudo dos mecanismos de poder que agem 
no momento em que supostas heranças, tradições, são evocadas.
Algemas, identidade e memória
Tendo em consideração as argumentações de Hall, podemos 
voltar nossa atenção à leitura de Cottman. A obra é o resultado de 
uma sensibilidade despertada no autor pela participação na pes-
quisa e mergulho no sítio do naufragado henrietta Marie, e mescla 
vínculos histórico-culturais, pertença social e realização pessoal. O 
autor aplica em sua produção desejos de conhecimento e combate, 
de entendimento e crítica, de esclarecimento e superação. Esses 
sentimentos não pertencem somente ao autor, como pretende deixar 
claro ao transcrever seus diálogos e reflexões de outras personagens 
conhecidas em sua saga. São sentimentos compartilhados por outros 
componentes da associação de mergulhadores negros.
Um dos trechos mais marcantes do livro, expressão desse 
sentimento de união, foi escrito sobre o primeiro dia do 2o encon-
tro da Associação Nacional de Mergulhadores de SCUBA Negros 
(National association of Black scuba divers), reproduzindo grande parte 
do criador da Associação, Dr. Jose Jones: 
Olhando a sala repleta de mergulhadores negros, podiam-se ver 
homens e mulheres negras de todas as partes do país vestindo shorts 
e camisetas, sentados em um deslumbre silencioso, exaltados por 
fazer parte de algo tão extraordinário. Havia doutores e advogados, 
policiais e bombeiros, educadores e executivos de computação, 
químicos e engenheiros, carteiros e arquitetos.
 Jones falou de invernos passados, de ligações culturais, de 
laços com nossos ancestrais africanos. Ele falou aos mergulhadores 
negros sobre desafiar o mesmo oceano no qual o povo africano 
pereceu. Ele falou do navio negreiro henrietta Marie.
 “Há um navio não muito longe daqui, um navio negreiro 
chamandohenrietta Marie, um navio que carregou nossos ances-
effectivity, even if the belongingness, the ‘suturing 
into the story’ throught which identities arise, is, 
partly in the imaginary (as well as the symbolic) 
and therefore, always, partly constructed in fantasy, 
or at least in a fantasmatic field. (HALL, Stuart. 
op. cit, p. 4). 
The power for fighting an oppressive situation is a 
strong motivation for the construction of narratives 
which may legitimate the will of the individual. In 
the same way that narratives were created by the 
oppressors to sustain their domain. Therefore, to 
understand the construction of identities inside a 
discourse we need to understand the mechanisms of 
power which act in the moment which the supposed 
heritages and traditions are evoqued. 
Cuffs, identity and memory
Having gone through some of Hall’s arguments, 
we can return to the reading of Cottman. His book 
is the result of the his sensibility when taking part 
in the research, when diving, when placed in front 
of the wreck of the henrietta Marie, and it mixes 
cultural-historical bonds, social belonging and per-
sonal achievement. The author combines feelings of 
learning and fighting, of understanding and critique, 
of clearing and overcoming. These feelings do not 
belong solely to the author, as he tries to clarify 
through the transcription of many conversations 
with other characters met during his saga. They are 
feelings shared by other members of the Black Scuba 
Divers Association. 
One of the most touching parts of the book, ex-
pression of this union, was written about the first 
day of the 2º Meeting of the National Association of 
Black Scuba Divers. He transcribed the major part of 
the speech given by the creator of the Association, 
Dr. Jose Jones: 
Looking out over the roomful of black divers, one 
could see black men and women from across the 
nation dressed in shorts and T-shirts, sitting in 
silent amazement, thrilled to be part of something 
so extraordinary. There were doctors and lawyers, 
policemen and firefighters, educators and computer 
executives, chemists and engineers, postal workers 
and architects. 
 Jones spoke of winters past, of cultural connec-
tions, of links to our African forefathers. He spoke 
to black divers about challenging the same oceans 
where African people had perished. He talked of 
the slave ship henrietta Marie.
 “There’s a ship not far from here, a slave ship 
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
134 RHAA 11
trais da África para as Índias Ocidentais trezentos anos atrás”, 
disse Jones. “Ele carregava alguns dos membros da sua família e 
alguns da minha.”
 “Esse navio negreiro veio à tona no momento em que esta-
mos formando uma organização internacional de mergulhadores 
negros. Não há coincidências. Esse navio negreiro é parte de nós, 
queira gostemos ou não.”
 Havia um sentimento de união que parecia preencher o sa-
lão: uma sensação de vínculo familiar passado e presente, um 
sentimento de amizade e camaradagem que ninguém poderia ter 
antecipado.
 “Esse navio representa parte de nosso passado, parte do 
passado de vocês”, Jones falava enquanto caminhava pelo salão. 
“É parte de um lugar dentro de cada um de nós. Esta é uma 
oportunidade extraordinária – e a primeira oportunidade – para 
mergulhadores negros estudar um navio negreiro que representa 
uma porção de sua história, uma história que tem sido escrita 
extensamente, analisada e interpretada por escritores europeus.”
 “Mas hoje”, ele disse “nós podemos ajudar a reconstruir essa 
parte de nossa história nós mesmos, porque podemos explorar o 
fundo do oceano. O que faz do henrietta Marie tão importante é 
não se tratar apenas de nossa história”. 
 Cada indivíduo no salão estava radiante de orgulho. Para eles, 
o henrietta Marie não era apenas uma história de um livro, mas algo 
tangível que podia ser examinado e observado embaixo d’água.
 Jones parou por um momento e ofereceu uma sugestão, uma 
ideia que havia discutido semanas antes com Oswald Sykes, um 
mergulhador recém-certificado, e Ric Powell, um antigo mergulha-
dor da marinha. Ele ainda não possuía todas as respostas para a im-
plementação do plano, mas achou que deveria levantar a questão.
 “O que eu gostaria de ver é algum tipo de placa – ou me-
morial – colocado no sítio do henrietta Marie”, Jones disse “Uma 
comemoração do povo negro, mergulhadores negros, para o povo 
negro, povo africano, nosso povo, que podemos deixar no fundo 
do oceano.” (COTTMAN, Michael. op. cit., pp. 115-116)
 
Neste trecho, o autor registra o que sente ser um interesse 
comum pela união sob um mesmo marco étnico e cultural, decisão 
que de fato parece ir além do autor, considerando o fato de uma 
associação destinada à união de negros na atividade de mergu-
lho, em especial na situação de mergulho em um navio negreiro 
afundado. A união independe da profissão, seja a de bombeiro ou 
executivo, o fato comum não é apenas ser negro, mas o sentimento 
de compartilhar um passado, ligado à escravidão e ao tráfico. É 
uma parte da história americana considerada comum a todos os 
presentes e constitutiva de suas personalidades e vidas. 
called henrietta Marie, a ship that carried our ances-
tors from Africa to the West Indies three hundred 
years ago,” Jones said. “It carried some of your 
family members and it carried some of mine.
 “This slave ship has come to our attention at a 
time when we’re forming a national organization 
of black scuba divers. There are no coincidences. 
This slave ship is a part of us, whether we like it 
or not.”
 There was a sense of unity that seemed to fill 
the room: a sense of family connection past and 
present, a feeling of friendship and camaraderie 
that no one could have anticipated.
 “This ship represents a part of our past, a part of 
your past,” Jones said as he began to pace the floor. 
“It’s part of a place within each of us. This is an 
extraordinary opportunity – and the first opportu-
nity – for black scuba divers to study a slave ship 
that represents a portion of our history, a history 
that has been written about extensively, analyzed, 
and interpreted by European writers.
 “But today,” he said “we can help reconstruct 
this part of our history ourselves, because we can 
explore the ocean floor. What makes the henrietta 
Marie so important is that this is not just about our 
history; it’s a pivotal part of the American history.”
 Every person in the room was beaming with 
pride. For them, the henrietta Marie was not simply 
a story from a book, but something tangible that 
could be examined and observed underwater.
 Jones paused for a moment and offered a sug-
gestion, an idea that he had discussed weeks be-
fore Oswald Sykes, a newly certified diver, and Ric 
Powell, a former navy diver. Hi didn’t have all the 
answers for implementing the plan yet, but he felt 
that he should raise the issue anyway.
 “What I would like to see is some kind of 
plaque – or memorial – placed at the site of the 
henrietta Marie,” Jones said “A commemoration 
from black people, black divers, to black people, 
African people, our people, that we can leave on 
the ocean floor.” (COTTMAN, Michael. op. Cit., 
pp. 115-116)
In this citation, the author writes what he feels 
is a common interest in the union under a same 
ethnic and cultural marker (interest which does 
seems to be communal, considering the meeting of 
an Association of Black Scuba Divers). The bonds 
are regardless profession, be one a fireman or an 
executive. The junction factor is not only the Af-
rican ascendency, but the feeling of sharing a past, 
connected with slavery and slave trade. It is an equal 
part of American history, and an equal mark on their 
personalities and lives.
Divers. In. Black.
 RHAA 11 13�
A questão social pode parecer ambígua para alguns, pois 
ao mesmo tempo que o mergulho restringe o acesso de possíveis 
participantes nessa comunhão, por ser uma atividade cara, não 
aparenta exercer qualquer tipode pressão de classe. Ao contrário, 
fica evidente em várias partes do livro o “quão longe” chegaram 
indivíduos negros na sociedade ocidental. Mesmo sendo discrimi-
nados e desacreditados (o autor menciona situações diversas em 
que “negros não poderiam nadar bem” ou “não queriam montar 
dupla com mergulhadores negros”), conseguiram ocupar cargos de 
controle e de alto rendimento. Essa exaltação do sucesso e da ascen-
são social é uma reação às constantes discussões sobre a condição 
dos negros no EUA, nas quais o pensamento tanto liberal como 
conservador norte-americano defende uma política meritocrática, 
individualista e de igualdade de oportunidades.
O indivíduo deve ser tratado de acordo com sua capaci-
dade e méritos próprios, independentemente do grupo social a que 
pertence e, por conseguinte, se esse indivíduo e seu grupo social 
vierem a ocupar uma posição segregada, é apenas fruto de suas 
características e ações.13 Por vezes, assim como outras minorias, são 
vistos como obstáculos para o desenvolvimento econômico e social 
da América ou como focos de degeneração da moral e religião. O 
que se esconde atrás dessa referência feita pelos mergulhadores ao 
sucesso é o sentimento de pertença à história da América. Mas é 
um espaço que eles não ocupam como vítimas da escravidão ou 
tráfico, mas como um grupo que, apesar dos obstáculos, conseguiu 
a ascensão e, portanto, constrói a América a partir de seus próprios 
esforços. Cottman argumenta que desde o início da história dos 
EUA, são os africanos e seus descendentes que a constroem. É 
na busca pelo passado do tráfico e da escravidão que esse grupo 
de mergulhadores se coloca como integrantes e atores da história 
norte-americana. Essa busca pelo passado, por uma raiz e toda a 
construção de um discurso que une ao mesmo tempo a África e a 
América, justifica a sua presença e pertença a esse mundo que não 
lhes é natural. Como o próprio autor afirma, são laços africanos e 
ancestrais, mas que os situam na América.
A questão mais fortemente impressa aqui é a presença de 
todos diante dos vestígios de um acontecimento histórico, o nau-
frágio de um negreiro, tumbeiro dos ancestrais, vínculo familiar e 
hereditário, cordão umbilical atemporal entre os afro-americanos 
(african-americans) e a mãe África.
13 GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Políticas Públicas para ascensão 
do negro do Brasil: argumentando pela ação afirmativa”, afro-Ásia, n. 18, 1996, 
pp.235-261.
The social issue may be considered ambigu-
ous, on one hand, since diving might still be a 
costly practice. On the other hand, it doesn’t seem 
to have caused any impediments on the members 
of the Association. On the contrary, it is evident, 
in many parts of the book, “how far” have black 
individuals conquered western society; Despite the 
prejudice and discredit (the Cottman mentions the 
common beliefs that “blacks couldn’t swim well” 
or “wouldn’t take black people as diving partners”), 
they’ve managed to achieve high professional ranks 
and good earning. This exaltation of the success, 
of social ascension is a reaction to the constant 
discussions on the conditions of the black people 
in the USA. In these discussions, both liberal and 
conservative conceptions in North America, sup-
port the politic of merit, individualism and equality 
of opportunities. 
The individual must be treated accordingly with 
his own capacities and merits, regardless his social 
group. Consequently, if this individual comes to 
occupy a segregated social position, it is only as a 
result of his own actions13. It may be that, as it hap-
pens with some social minorities, they come to be 
faced as an obstacle for economic development, or 
as foci of moral and religious degeneration. What lies 
behind this feeling of achievement demonstrated by 
the divers is the position of belonging to the Ameri-
can history. But it is not a space occupied as victims 
of slavery, but as members of a group who managed 
to overcome the obstacles, to ascent socially and, 
therefore, built America through their own efforts. 
Cottman argues that since its beginning, America’s 
history has been molded by black hands. It’s in the 
search for the slavery and the trade in the past that 
these divers pose themselves as actors of North 
American history. The search itself for the past, the 
roots and the created discourse which unites Africa 
and America, are the just causes for the belonging 
in a world which sees them as foreigners. As the 
author himself puts it, they are African ancestral 
bonds, but place them in America. 
The strongest impression felt in the book is when 
all are present at the site, facing a historical moment, 
the wreck of a slaver, tomb of ancestors, familiar and 
hereditary bond, timeless umbilical cord between 
African-Americans and mother Africa. 
The cord goes through the sunken ship, remains 
of African and national history: The shipwreck not 
13 GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Políticas Públicas para 
ascensão do negro do Brasil: argumentando pela ação afirmativa”, 
afro-Ásia, n° 18, 1996, pp.235-261.
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
136 RHAA 11
O cordão passa pelo naufrágio, vestígio da história de todos 
os afro-americanos e da história nacional: o naufrágio não somente 
leva os mergulhadores negros de volta à sua terra natal, mas retorna 
todos a uma das grandes cicatrizes de seu passado, direciona o 
holofote para os problemas enfrentados por uma grande parte da 
nação no presente, e abre espaço para sua participação na história 
nacional. O naufrágio é lugar da memória de Nora,14 um marco 
étnico, termo cunhado por Siân Jones,1� mas aqui tomado como 
um marco no presente.
A memória é ativada visando, de alguma forma, ao controle do 
passado (e, portanto, do presente). Reformar o passado em fun-
ção do presente via gestão das memórias significa, antes de mais 
nada, controlar a materialidade em que a memória se expressa 
(das relíquias aos monumentos, aos arquivos, símbolos, rituais, 
datas, comemorações...). Noção de que a memória torna poderoso(s) 
aquele(s) que a gere(m) e controla(m).16
Por um lado, temos a argumentação de Hall sobre a cons-
trução da identidade, seu caráter histórico e local, a mãe África 
gerada por e não geradora de seus filhos. No entanto, devemos 
lembrar também da argumentação de Hall em defesa dessas ge-
nealogias; sua artificialidade não nega sua força política, sua efe-
tividade social. A dualidade “negros” e “brancos” não é a opção 
socialmente mais saudável, adverte Hall. Mas a crítica à pressão 
racial exercida por fora tampouco deve ser esquecida ou passiva. 
A sutura das feridas na história sugere que ainda existam feridas 
a serem curadas.
Tradução de miscelâneas
Como lida, então, a Arqueologia com essa situação?
Um dos mais importantes periódicos internacionais de Ar-
queologia, a revista internacional de arqueologia histórica (international 
Journal of historical archaeolog y), publicou um de seus números ex-
clusivamente para trabalhos de arqueologia de navios negreiros. 
No primeiro artigo da revista, Janet Webster afirma a escassa 
14 LE GOFF, Jacques. história e Memória, Trad. Bernardo Leitão, Irene Ferreira e 
Suzana Ferreira Borges, Unicamp, Campinas, 2003.
1� JONES, Sian. “Categorias históricas e a práxis da identidade: a interpretação da 
etnicidade na arqueologia histórica.” In: Funari, P. P. A., Orser Jr., C. E. & Schia-
vetto, S. N. de O. (org.), identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea. 
São Paulo, Annablume; Fapesp, 2005.
16 SEIXAS, Jacy A. “Percursos de Memória em terras de história” in Memória e 
(res)sentimento, (orgs.) Bresciani, M. S. & Naxara, M., Unicamp, Campinas, 2004, p. 42.
only takes the Black divers back to the homeland, 
but takes all down to the greatest scar of their 
past. It drives the spotlights to grave problems 
faced by a large sector of the American society 
today, and opens a space for their participation in 
the national history.The shipwreck is the “site of 
memory” of Pierre Nora14, an ethnic marker, term 
created by Siân Jones, but here used as a marker 
in the present.
Memory is activated viewing the control of the 
past (and consequently the present). Remold the 
past for the present through memory means, 
before anything else, to control the materiality 
through which the memory expresses itself (from 
relics to monuments, archives, symbols, rituals, 
data, commemorations…). The sense that mem-
ory makes it powerful the one(s) who control it1�.
On one hand, we have the arguments of Hall 
about the construction of identity, its historicity and 
regionalism, mother Africa created by and not crea-
tor of their children. Nevertheless, its artificiality 
does not deny its political strength, its social affec-
tivity. The duality “black and white” isn’t socially 
the healthiest. But the critique to the racial pressure 
that comes from the outside should not be forgot-
ten of pacified. The suturing of wounds in history 
means that are wounds still to be healed. 
Translating Miscellaneous
How does, then, archaeology deals with all that?
One of the most important international jour-
nals in archaeology, the international Journal of histori-
cal archaeolog y, has fully dedicated one of its issues 
to slaver shipwreck archaeology. On the first article 
on the journal, Janet Webster talks about the few 
researches on the area16.
In this issue, three Projects are published: the 
henrietta Marie, the trouvadore and the ex-slaver James 
Mathews. We’ve already seen a bit about the first, 
which was found in 1971 by the Mel Fisher Salvage 
Team, one of the most famous treasure hunters in 
the modern world17. The trouvadore Project deals 
14 LE GOFF, Jacques. história e Memória, Trad. Bernando Leitão, Irene 
Ferreira e Suzana Ferreira Borges, Unicamp, Campinas, 2003.
1� SEIXAS, Jacy A. “Percursos de Memória em terras de história” in 
Memória e (res)sentimento, (orgs.) Bresciani, M. S. & Naxara, M., Uni-
camp, Campinas, 2004, p. 42.
16 WEBSTER, Janet. “Slave ships and maritime archaeology: an 
overview”, international Journal of historical archaeolog y, vol. 12, nº 6, 
2008a, pp. 6-19. 
17 MALCOM, Corey; MOORE, David D. “Seventeenth-Century Vehi-
cle of the Middle Passage: Archaeological and Historical Investigations 
Divers. In. Black.
 RHAA 11 137
rede de pesquisa sobre o tema, e fala sobre os poucos sítios com 
projetos em andamento.17
Nessa edição, aparecem trabalhos referentes a três projetos: o 
henrietta Marie, o trouvadore e o ex-negreiro James Mathews. Já vimos 
um pouco sobre o primeiro, que foi encontrado em 1971 por uma 
equipe de salvamento de Melvin Fisher, um dos mais famosos ca-
çadores de tesouros da atualidade.18 O projeto do trouvadore lida de 
maneira central com as comunidades que vivem acerca do naufrágio 
(ainda não identificado com precisão), pois supõe-se, com base em re-
gistros orais e escritos, que parte da população negra das ilhas Turks 
e Caicos, no mar do Caribe, tenha sido formada pelos sobreviventes 
do naufrágio de um negreiro na costa leste das ilhas.19 O terceiro 
traça a história de um tumbeiro após ter abandonado sua função 
inicial, ou seja, tenta reconstruir os “passos” de um ex-navio negreiro 
visando descobrir se efetivamente ele teria deixado o tráfico.20
As publicações dessa edição assumem, em algum momento 
de seus textos, a delicadeza e malgrado do tema da escravidão, e o 
fato de estudar os vestígios da Travessia (em inglês, Middle Passage) 
coloca a Arqueologia no meio dessa discussão. 
Na década de 1980, surge uma nova crítica teórica na Arqueo-
logia, encabeçada pelo arqueólogo britânico Ian Hodder, que propõe 
o posicionamento engajado da Arqueologia diante da comunidade 
que demanda a compreensão da cultura material e das possibilidades 
discursivas que podem surgir dele. Hoje, Hodder é professor do 
Departamento de Antropologia da Universidade de Stanford, nos 
EUA, e foi o estudioso que primeiramente apresentou na Europa a 
perspectiva teórica americana processual. Contudo, ele próprio foi 
quem deu início a uma linha teórica em oposição ao processualismo, 
o chamado “pós-processualismo” (mas que hoje é conhecida como 
“arqueologia interpretativa”). Hodder já publicou diversas obras 
em que trabalha tanto com argumentações teórico-metodológicas 
defendendo uma reavaliação das práticas da disciplina, mais atenção 
ao sujeito como agente social, à heterogeneidade social e à influência 
subjetiva do pesquisador sobre seu produto de pesquisa.
17 WEBSTER, Janet. “Slave ships and maritime archaeology: an overview”, interna-
tional Journal of historical archaeolog y, vol. 12, no 6, 2008a, pp. 6-19. 
18 MALCOM, Corey; MOORE, David D. “Seventeenth-Century Vehicle of the 
Middle Passage: Archaeological and Historical Investigations on the Henrietta Ma-
rie Shipwreck Site”, international Journal of historical archaeolog y, vol. 12, no 6, 2008, 
pp. 20-38.
19 SADLER, N. “The Trouvadore Project: the search for a slave ship and its cul-
tural importance”, international Journal of historical archaeolog y, vol. 12, no 6, 2008, 
pp. �3-70.
20 HENDERSON, G. “The wreck of the ex-slaver James Matthews” international 
Journal of historical archaeolog y, vol. 12, no 6, 2008, pp. 39-52.
directly with the communities that live near the 
shipwreck (still not precisely identified). Oral and 
written records show that part of the Turks and 
Caicos island’s population, in the Caribbean sea, 
is constituted by the survivors of a slaver wreck 
(which sank in the east coast of the islands)18. The 
third one tells the story of a slaver which aban-
doned its primary function. However, the purpose 
of tracing its history is the assumption that it hadn’t 
stopped trading slaves at all19.
This issues’ papers mention, at some point, how 
complicated and sensitive area it is this field of re-
search, and that studying its material remains drives 
archaeology into it. 
In the 1980’s, a new archaeological perspective 
started to gain space, especially after the publica-
tions of the British archaeologist Ian Hodder. This 
perspective proposes a greater commitment of ar-
chaeology in the face of the demanding community 
which seeks to understand better material culture 
and what archaeologists make of it. Hodder is now-
adays a professor at the Stanford University, USA, 
and was the first one to apply the American “New 
Archaeology” in Europe. However, he himself was 
the first one to start a wave of criticism to this 
perspective, heading a theoretical movement which 
was first known as “postprocessual” archaeology 
(also known as “interpretative archaeology”). He 
has published many works defending a reevaluation 
of the methodological practices of the discipline: 
greater attention to the individual as social actor, 
heterogeneity in society and the archaeologist’s 
subjectivity over his work. 
The interpretative archaeology centers its ar-
guments on the multivocality filling the archaeo-
logical practice in three levels: past, present and 
archaeologist. 
The past, even when separated from the present, 
has never existed in a homogeneous way, as the 
present doesn’t exist in a homogeneous way. “His-
tory is a mess”20, everyday life in the past is polisse-
mous, as the authors defend, and therefore full 
of uncertainties, conflicts and possibilities. At the 
on the Henrietta Marie Shipwreck Site”, international Journal of historical 
archaeolog y, vol. 12, nº 6, 2008, pp. 20-38.
18 SADLER, N. “The Trouvadore Project: the search for a slave ship 
and its cultural importance”, international Journal of historical archaeolog y, 
vol. 12, nº 6, 2008, pp. 53-70.
19 HENDERSON, G. “The wreck of the ex-slaver James Matthews” 
international Journal of historical archaeolog y, vol. 12, nº 6, 2008, pp. 39-52.
20 SHANKS, M.; HODDER, Ian. “Processual, postprocessual and 
interpretive archaeologies”. In: HODDER, Ian et allii, interpreting 
archaeolog y: finding meaning in the past, London;New York,Routledge, 
1998, p. 9.
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
138 RHAA 11
A Arqueologia interpretativa centraliza seus argumentos na 
multivocalidade que preenche a prática arqueológica em três está-
gios: o passado, o presente e o arqueólogo.
O passado, mesmo quando fora presente, nunca se apre-
sentou de maneira homogênea, tal como hoje. “A história é uma 
bagunça”,21 o cotidiano do passado é polissêmico, defendem os 
autores, e, portanto, cheio de incertezas, conflitos e possibilidades. 
Ao mesmo tempo, Shanks e Hodder atentam ao presente, nosso 
contexto de partida. É do presente que vêm nossos “pré-conceitos 
e pré-juízos”, nossos interesses pessoais e sociais.
A arqueologia interpretativa, na proposta desses autores, não 
nega o presentismo, mas sim o reconhece como parte da pesquisa 
arqueológica. A Arqueologia não poderá encontrar no passado uma 
verdade objetiva, tanto por nunca haver existido uma verdade única 
no passado, como pelos desígnios pessoais e sociais que são ineren-
tes à pesquisa. Nossas questões, nossas proposições, nossas suposi-
ções, os vestígios que consideramos relevantes e as interpretações 
que julgamos válidas, tudo isso faz parte da responsabilidade do 
arqueólogo. O relativismo não é o oposto do objetivismo, como 
defendem os autores, tal como “real” e “místico”. A objetividade 
constrói-se na solidez de seus argumentos, e a multiplicidade sub-
jetiva, como vimos nos diferentes exemplos, pode construir uma 
argumentação sólida. Reconhecer as subjetividades é, assim, a ob-
jetividade da prática arqueológica.
Entre as multiplicidades e incertezas do passado e do pre-
sente, o arqueólogo está no centro, e cabe-lhe a tradução entre 
os dois tempos. Traduzir seria fazer um compreensível ao outro, 
estabelecer um diálogo entre as diversas partes envolvidas no tra-
balho arqueológico. Ao lidar com o passado, os autores defendem 
o uso da crítica hermenêutica de seu objeto (Quais poderiam ser os 
significados do vestígio? Quais poderiam ser as intenções de seus 
criadores?) e reconhecem que os vestígios podem não responder 
necessariamente às nossas questões, trazendo-nos outras em seu 
lugar. Ao lidar com o presente, devemos também aplicar uma her-
menêutica (formando assim uma dupla hermenêutica, comum à 
Sociologia) para entender a sociedade de onde partem nossas per-
guntas e para a qual serão direcionadas nossas respostas. Podemos 
dizer, assim, que o trabalho interpretativo na Arqueologia requer 
atenção ao contexto sociológico, histórico, cultural, ético, disciplinar 
e nacional. O trabalho do arqueólogo tradutor é um trabalho que 
21 SHANKS, M.; HODDER, Ian. “Processual, postprocessual and interpretive 
archaeologies”. In: HODDER, Ian et allii, Interpreting archaeolog y: finding meaning in the 
past, London; New York, Routledge, 1998, p. 9.
same time, Shanks e Hodder call our attention 
to the starting context, the present. It’s from the 
present that comes all our prejudices and pre-con-
ceptions, our personal and social interests. 
The interpretative archaeology does not deny 
the presentism, as the authors state, but accept it 
as part of the archaeological research. Archaeology 
won’t be able to find an objective truth, since there 
has never been one only truth in the past, and due 
to the inevitable individual filters which are part of 
the research. Our questions, our propositions, our 
suppositions, the vestiges we consider of relevance 
and the interpretations we consider valid. All of this 
is part of the archaeologist’s responsibility. Rela-
tivism is not the opposition to objectivism, such 
as “real” and “mythical”. Any objectivity is built 
over solid arguments, and the multiplicity that is 
subjectivism can also build, as we’ve seen, solid and 
valid argumentations. To recognize subjectivities 
is, therefore, the objectivity of the archaeological 
practice. 
Among the multitude and uncertainties of the 
past and present, the archaeologist lies at the center, 
and it’s up to him the translation between both 
times. To translate means to make one part com-
prehensible to the other, to manage a dialog among 
the parts involved. On dealing with the past, the 
authors have prescribed the use of hermeneutic cri-
tique on their object. (“Which might be the mean-
ings of these remains? Which might have been the 
intentions of the creators?”) and also that we should 
respect the limit of our presumptions and accept the 
questions posed by the materials themselves. On 
dealing with the present, we should also approach 
form a hermeneutic critique (a double hermeneutic 
commonly applied in sociology), to understand the 
society from which comes our questions and to 
where the answers are directed. We can say, there-
fore, that the archaeological work demands atten-
tion to the context (sociological, historical, cultural, 
ethical, disciplinary, and national). The job of the 
translator archaeologist involves what Shanks and 
Hodder have called “relationality” among the di-
verse voices at play. To interact dynamically with 
the many views of the many parts. 
Finally, the paper by Shanks and Hodder directs 
our reading for two important moments on devel-
oping relationality: The Project and the discourse. 
The project is from where all our preconceptions 
come, and for that matter it should be the first 
object of a critical conscious: justifying our meth-
odological positions, explaining our objectives and 
considering the heterogeneous network which en-
Divers. In. Black.
 RHAA 11 139
envolve o que os autores definiram como relacionalidade entre as 
diversas vozes que circundam sua atividade e considera os diversos 
pontos das diversas partes em uma interação dinâmica.
Finalmente, o ensaio de Shanks e Hodder aponta para dois 
aspectos importantes no desenvolvimento dessa relacionalidade: o 
projeto e o discurso. O projeto é o ponto de partida de todos os 
nossos pré-conceitos, e por isso mesmo é o espaço em que deve-
mos iniciar nossa consciência crítica, justificando nossas posições 
metodológicas, explicando nossos objetivos e considerando a rede 
heterogênea que compõe os membros participantes e o público-
alvo. O resultado do projeto, seja uma publicação bibliográfica, 
exposição museológica ou um curso, é um discurso produzido e 
o qual esperamos que seja, se não aceito, pelo menos ouvido. Em 
nosso discurso, exprimimos uma estética, uma didática, vinculamos 
uma retórica, produzimos uma narrativa e intencionamos formar 
uma consciência. Esses aspectos não devem ser negligenciados na 
criação de nossos resultados de pesquisa.
No entanto, inserindo aqui uma rápida, mas importante con-
trapartida, não podemos esquecer do principal problema que sucede 
nos sítios submersos, a depredação. Com a busca por fantásticos 
tesouros, troféus de coragem e momentos de aventura, a cultura 
material submersa tem sofrido maus-tratos irreparáveis. Muitas vezes, 
o valor que atribuímos aos vestígios arqueológicos é a causa de sua 
destruição, e entre esses valores o monetário é o mais destruidor. 
O próprio henrietta Marie teve grande parte de seus trabalhos finan-
ciados pela Mel Fisher Maritime heritage society,22 associação patrimo-
nialista de uma das maiores empresas de caça ao tesouro dos EUA. 
Ou seja, ao mesmo tempo que temos essa empresa cobrindo parte 
da manutenção de um patrimônio cultural, temos o descobrimento 
acidental do naufrágio durante a busca da mesma empresa pelo 
atocha, embarcação espanhola que naufragara carregada de prata. 
E mesmo financiando projetos culturais, a Mel Fisher ainda vende 
joias e moedas de prata retiradas de naufrágios, com a propaganda 
own a piece of history (“possua um pedaço da história”).23
O certo ranço que alguns arqueólogos mostram sobre as 
empresas de salvamento vem justamente dessa preocupação pela 
conservação do patrimônio. Apesar do respeito aos vestígios do 
henrietta Marie, a Mel Fisher continua sendo uma empresa de caça 
ao tesouro e atribuindo um perigoso valor monetárioa objetos que 
deveriam permanecer sobre domínio público, por representarem 
mais do que um interesse valorativo. 
22 http://www.melfisher.org/. Acessado em 27 de janeiro de 2009.
23 http://www.melfisher.com/. Acessado em 27 de janeiro de 2009.
velops team members and general public. The result 
of the project, whether a paper publication, a mu-
seum exposition or teaching classes, is a discourse 
produced to be, if not accepted, at least heard. In 
our discourses, we express an aesthetic, a didac-
tic; we use rhetoric, produce a narrative and try to 
create a consciousness. These aspects shouldn’t be 
neglected in the making of our research. 
However, going here through a quick but im-
portant counterpart, we cannot forget the main 
problem concerning underwater sites; pillage. In 
the search for fantastic treasures, trophies of per-
sonal courage and a few moments of adventure, 
submerged material culture has suffered irreparable 
damage. Among the many values attributed to the 
archaeological remains the monetary is the deadli-
est. The henrietta Marie was financed partially by 
the Mel Fisher Maritime heritage society21, a branch 
from one of the biggest treasure hunting compa-
nies in the world. Actually, The henrietta Marie was 
discovered during a survey for another sunken ship, 
the atocha, a spanish vessel which went down with 
a large silver cargo. The odd part is that having a 
branch for cultural heritage management doesn’t 
seem to interfere with his bounty commerce, for 
which the propaganda is own a piece of history22.
The grudge that archaeologists feel towards sal-
vage companies, and sometimes recreational divers, 
comes from the concern with the conservation of 
the cultural heritage. Though we aknowledge the 
respect shown to the remains of the henrietta Marie, 
the Mel Fisher company is still a sunken treasure 
hunting group, and the financial value attributed to 
the submerged remains manaces the conservation 
of its social value.
Conclusion
We can return now to the papers of the Inter-
national Journal of Historical Archaeology. The 
articles are directed to historical archaeologists23, 
and the papers circle through the concommitant 
use of written and material sources in archaeo-
logical researches. Their main purpose is to call 
attention to the relevance of using both sources 
as a way of giving different perspectives to this 
delicate place in western history. However, all the 
papers merely scratch the importance that their 
work may have upon nowadays black communi-
21 http://www.melfisher.org/. Acessado em 27 de janeiro de 2009.
22 http://www.melfisher.com/. Acessado em 27 de janeiro de 2009.
23 WEBSTER, Janet. “Historical Archaeology and the slave ship”, inter-
national Journal of historical archaeolog y, vol. 12, nº 6, 2008b, pp. 1-5.
Bruno Sanches Ranzani da Silva / Laura Candian Fraccaro
140 RHAA 11
Conclusão
Nesse momento podemos voltar aos textos da revista internacio-
nal de arqueologia histórica. Os artigos são direcionados a arqueólogos 
históricos,24 e os trabalhos giram em torno da relação entre as fontes 
escritas e os achados materiais, de modo a demonstrar a importância 
de expandir os trabalhos em navios negreiros para a melhor com-
preensão da história desse período. No entanto, todos os trabalhos 
apenas tangenciam a importância que suas pesquisas têm para as 
comunidades negras atuais. Melhor dizendo, as possibilidades inter-
pretativas que partem do público não acadêmico foram deixadas em 
segundo plano em artigos publicados para o público acadêmico.
Fora da academia, outras são as sensações sobre História, Ar-
queologia e Antropologia. No entanto, não deixam de ser sensações 
interessadas e motivadas. Mergulhadores negros unem-se, preocupa-
dos em formar uma identidade comum para lutarem e sobreviverem 
às adversidades de uma sociedade predominantemente branca e ainda 
preconceituosa aquém dos estudos acadêmicos, talvez, mas não das 
preocupações sociais, políticas e culturais que os próprios pesquisado-
res tomam como motores de suas pesquisas. Seria esse simples relance 
o resultado da “delicadeza” da questão? Malcom e Moore aparecem 
no encontro da Associação Nacional dos Mergulhadores Negros, mas 
por que seu trabalho publicado na revista internacional de arqueologia 
histórica menciona apenas brevemente o monumento colocado no 
sítio? Não acusamos os autores de se ausentarem da discussão, mas 
de não a considerarem em maior evidência nessas publicações, que se 
dizem centrais na divulgação das pesquisas sobre o tema. Reconhe-
cemos, com as observações feitas sobre as empresas de salvamento, 
que a Arqueologia esteja se preocupando com a construção de um 
valor além do financeiro. Mas a única maneira de fazer com que 
essa luta caminhe para além dos meios acadêmicos é enquadrar os 
esforços de divulgação nos planejamentos da pesquisa e colocá-los 
em prática nas comunidades não acadêmicas, sejam elas formadas 
por turistas mergulhadores ou pescadores das redondezas.
Cottman registra um comentário de David Moore: 
“Como arqueólogo”, David disse, “Eu tento enxergar o sítio tão 
objetivamente quanto possível. Mas quando você olha aquelas 
algemas, o que o navio estava fazendo – seu objetivo – realmente 
é algo chocante. Aquelas algemas não foram manuseadas por mais 
de uma ou duas pessoas desde que foram usadas por escravos.” 
(COTTMAN, Michael, op. cit., p. 30)
24 WEBSTER, Janet. “Historical Archaeology and the slave ship”, international Journal 
of historical archaeolog y, vol. 12, no 6, 2008b, pp. 1-5.
ties. In other words, the considerations on the 
possible interpretation which might come from 
the non-academic public were left aside. 
Outside the Academy others are the sensations 
about History, Archaelogy and Anthropology. They 
are, nevertheless, still interested and motivated 
sensibilities; Black divers search for a gathering in 
one common identity that might help them fight a 
predomminantly White and still prejudicial society. 
Detached from the academic concerns, perhaps, but 
not from the social, political and cultural concerns, 
which the academics themselves take as motors of 
their duties. Would this slight relapse be a mere 
result of the “sensitivity” of the subject? Malcom 
& Moore show up at the National Association of 
Black Scuba Divers, but why then their paper pub-
lished at the iJha mentions only briefly the com-
memorative plaque on the site? We’re not accusing 
the authors of running away from the subject, but 
of not shedding it more light, considering it is a 
journal with wide circulation through the academic 
environment. We understand that the archaeology 
is constantly trying to give a different meaning to 
the material cultural heritage, something beyond 
money and treasure hunting. But the only way to 
make this a real struggle is to escape the academic 
boundries by setting wider divulgence efforts in our 
archaeological programmes and publishings, and 
making them happen in non-academic circles, such 
as recreational dive or community fishermen. 
Cottman transctipts a comment by David 
Moore, 
“As an archaeologist,” David said, “I attempted 
to view the site as objectively and scientifically 
as possible. But when you look at those shackles, 
what that ship was doing – her objective – really 
hits home. Those shackles haven’t been handled by 
more than one or two people since they were worn 
by slaves. (COTTMAN, Michael. op. Cit., p. 30)
Is it possible that the discipline is considered so 
objective that it completely denies personal per-
ceptions? Or there is nothing else besides “ours” 
reasons againts “theirs”? 
Acknoledgments
To our families, to the Ukranian, to the Lab 
Partner, to “Krébio” and to our favorite American 
export. 
Divers. In. Black.
 RHAA 11 141
Será que a disciplina ainda se considera suficientemente ob-
jetiva para negar-se à subjetividade? Ou será que de fato não nos 
resta a não ser as “nossas” razões contra as “deles”?
Agradecimentos
Às nossas famílias,ao ucraniano, à companheira de Lab, ao 
Krébio e à nossa exportação americana favorita. 
Aos professores Andres Zarankin, Gilson Rambelli, Pedro 
Paulo Funari e Robert Slenes.
We also thank the professors Andrés Zarankin, 
Gilson Rambelli, Pedro Paulo Funari and Robert 
slenes.

Continue navegando