Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
RESPONSABILIDADE CIVIL Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Fernando Henrique Becker Silva CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Ivan Tesck Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. SI586r Silva, Fernando Henrique Becker Responsabilidade civil. / Fernando Henrique Becker Silva – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 125 p.; il. ISBN 978-85-53158-29-4 1.Responsabilidade civil – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 346.8103 Fernando Henrique Becker Silva Advogado; Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2001), com habilitação em Direito Empresarial e Ambiental; Professor de Direito Processual Civil e de Direito Empresarial em níveis de graduação e pós-graduação; Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil; Especialista em Direito Civil (2005); Legum Magister (LLM) Internacional em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/Rio, com extensão na University of California, Irvine (UCI); Secretário Geral da OAB Subseção de Blumenau (gestão 2016/2018; Autor dos livros históricos “Fraternidade” (2002), “Zur Friedenspalme” (2005) e “A história da Subseção da OAB de Blumenau” (2017), e dos romances “O aprendiz de cavaleiro” (2007), “Carapaná e o povo sem sono” (2007), “O segredo do meu avô” (2009) e “A terrível morte do adido do consulado português” (2011). Sumário APRESENTAÇÃO ....................................................................07 CAPÍTULO 1 Noções Gerais Sobre Responsabilidade Civil ...................09 CAPÍTULO 2 Elementos da Responsabilidade Civil .................................33 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 Causas Excludentes de Responsabilidade Civil ...............53 Responsabilidade Civil em Espécie ......................................75 APRESENTAÇÃO Prevista na Parte Especial, Livro I (Direito das Obrigações), Título IX, do Código Civil de 2002, a Responsabilidade Civil é um dos temas de maior relevância no Direito Civil, dado sua extensão tanto nas relações contratuais e quanto nas extracontratuais. No Capítulo 1 estudaremos o conceito de responsabilidade civil, seus princípios, suas funções punitiva, reparadora e preventiva, e suas espécies contratual e contratual, objetiva e subjetiva No Capítulo 2 são estudados os elementos fundamentais da responsabilidade civil, suas teorias e modalidades: ato ilícito, dano, nexo de causalidade e culpa. O Capítulo 3 dedica o estudo às causas excludentes de responsabilidade civil, como a legítima defesa, o exercício regular de um direito reconhecido, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever legal, além das causas excludentes de nexo de causalidade (culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito e força maior ou por fato de terceiro) No Capítulo 4 estuda-se a responsabilidade civil em espécie: responsabilidade civil do Estado, a responsabilidade civil, contratual e extracontratual, do construtor, da área médica, dos advogados, dos estacionamentos, dos contratos de transporte e dos serviços bancários e responsabilidade civil automobilística. Bons estudos! CAPÍTULO 1 Noções Gerais Sobre Responsabilidade Civil A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender o conceito de responsabilidade civil. Perceber as principais diferenças entre as responsabilidades civil e penal. Entender quando uma decisão na esfera cível repercute na penal e vice-versa. Reconhecer as espécies de responsabilidade civil. Assimilar as diferenças entre responsabilidade civil contratual (pré e pós) e suas repercussões. 10 RESPONSABILIDADE CIVIL 11 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 ContextualiZaçÃo Dentre os mais variados tipos de relação – principalmente no mundo cada vez mais complexo e conectado em que vivemos, com transformações rápidas e profundas – a que se submetem as pessoas, tanto as físicas quanto as jurídicas, muitas vezes algumas delas acabam excedendo limites e cometendo atos que atingem a esfera de direitos de terceiros, gerando alguma espécie de dano e, por conseguinte, de desequilíbrio jurídico. Daí decorre a responsabilidade civil, que é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outrem, visando a restabelecer, na medida do possível, o equilíbrio jurídico alterado. Em nosso Código Civil, a Lei 10.406/2002 inclusive estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fi ca obrigado a repará-lo. Segundo o Relatório Justiça em Números de 2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2016, ações relativas à responsabilidade civil/ indenização por dano moral estavam entre as três principais no âmbito do Direito Civil na Justiça Estadual Comum, sendo que, nos Juizados Especiais e nas Turmas Recursais, o Direito do Consumidor/Responsabilidade do fornecedor/ Indenização por dano moral foi o assunto mais recorrente. No ano de 2016, das 29.351.145 novas ações ajuizadas no Brasil, 1.760.905 foram relativas à responsabilidade civil/indenização por dano moral. Estamos, então, diante daquilo que chamamos de “indústria das indenizações”? Contudo, afi nal, quais os pressupostos para caracterização da obrigação de indenizar? Eles se aplicam para todos os casos? Existe algum critério objetivo para a fi xação do valor das indenizações? Quais as hipóteses de exclusão de responsabilidade? Vamos além: o ordenamento jurídico vigente está preparado para responder às questões de responsabilidade civil que em breve baterão às portas dos tribunais, como, por exemplo, aquelas decorrentes de acidentes envolvendo veículos autônomos, ou afetas à inteligência artifi cial? Existe, enfi m, uma via mestra, através da qual se pode percorrer para apurar responsabilidade civil nesses casos? É o que vamos descobrir nas linhas a seguir. 12 RESPONSABILIDADE CIVIL Responsabilidade Civil Versus Responsabilidade Penal É comum, diante de determinados fatos – principalmente os mais chocantes, como o desabamento de um prédio ou o incêndio em uma boate –, as pessoas se perguntarem quais seriam as possíveis repercussões jurídicas e se as repercussões estariam, necessariamente, vinculadas umas às outras. Um motorista bêbado que atropela alguém, por exemplo, além de indenizar a vítima e sofrer um processo criminal, também perderá sua carteira de habilitação? E se ele for um agente público, será exonerado? E se fosse menor de idade, seus pais serão presos? Como você sabe, um mesmo ato ilícito pode irradiar repercussões em várias esferas que são via de regra, autônomas e independentes entre si. Acontece que, para cada uma das esferas de repercussão, existirão regras específi cas para se apurar e estabelecer eventual responsabilidade do agente. Um único ato, portanto, pode ter repercussões tanto na esfera civil quanto, acaso se trate de um tipo previsto no Código Penal, também na esfera criminal, podendo o agente responder em ambas. Gonçalves (2005, p. 19) traça diferenças entre os dois tipos de responsabilidade: “no caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público.O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesionado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação”. Distinguem-se as duas responsabilidades, ainda, enquanto que na penal a responsabilidade é pessoal e intransferível, ou seja, somente a pessoa do réu responderá pela transgressão da norma com a privação da sua própria liberdade; ao passo que na responsabilidade civil, o transgressor responderá apenas com seu patrimônio, presente e futuro, sendo que tal obrigação será transferível para seus herdeiros e sucessores, afi nal, nos termos do Artigo 943, do Código Civil, "o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança" (BRASIL, 2002). • Responsabilidade Penal: Pessoal e intransferível • Responsabilidade Civil: Patrimonial e transferível Não existe a possibilidade de alguém ser preso por conta de uma dívida de natureza indenizatória. Se ele não tiver patrimônio, dado o princípio da realidade das execuções – segundo a atividade jurisdicional executiva incidirá apenas sobre 13 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 os bens do devedor, e não sobre a pessoa do mesmo – infelizmente a vítima fi cará a ver navios. A “garantia” do devedor de que não será preso por dívida civil, exceto a de alimentos, está assegurada na própria Constituição Federal, tendo sido reforçada pelo famoso Pacto de San Jose da Costa Rica. E, ainda que haja aqueles que advoguem a possibilidade, a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, da prisão civil do devedor de alimentos decorrentes de ato ilícito, nossos tribunais ainda têm entendido que a medida coercitiva que se restringe apenas às dívidas oriundas do direito de família, como assentou o Desembargador Dimas Rubens Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2119528-04.2017.8.26.0000: “[a prisão civil por dívida é] Medida coercitiva que se restringe às dívidas oriundas do direito de família” (TJSP, 2017). Falamos que o agente poderá responder nas esferas cível e criminal por um mesmo ato. É que não é pelo fato de ele ser condenado a responder em uma que, necessariamente, ele também será na outra. Porque, como já dito, a apuração da responsabilidade é regida por regras diferentes nos âmbitos civil e penal, podendo acontecer de o agente ser condenado em uma e absolvido/julgado improcedente o pedido em outra. Conveniente destacar, então, os possíveis efeitos de uma sentença proferida sobre determinado fato pelo juízo cível na esfera criminal e vice-versa. O Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido da independência entre as esferas penal e cível, o que signifi ca dizer que o resultado proferido em uma delas, via de regra, não interfere na solução dada pela outra. No entanto, como destacou o então ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, relator do REsp 645.496/RS, "a sentença penal absolutória faz coisa julgada no juízo cível, nos casos em que o juízo criminal afi rma a inexistência material do fato típico ou exclui sua autoria, tornando preclusa a responsabilização civil, bem como na hipótese de reconhecida ocorrência de alguma das causas excludentes de antijuridicidade" (STJ, 2005). Já a sentença penal absolutória, fundamentada na falta de provas para a condenação, não vinculará o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato. Eis aqui a ementa do acórdão do Recurso Especial n.º 1.164.236/MG, cuja relatora foi a Ministra Nancy Andrighi, que cabe como uma luva para o que estamos falando: 14 RESPONSABILIDADE CIVIL “Direito Civil e Processual Civil. Não vinculação do juízo cível à sentença penal absolutória fundamentada na falta de provas para a condenação ou ainda não transitada em jugado. A sentença penal absolutória, tanto no caso em que fundamentada na falta de provas para a condenação quanto na hipótese em que ainda não tenha transitado em julgado, não vincula o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato. O art. 935 do CC consagra, de um lado, a independência entre a jurisdição cível e a penal; de outro, dispõe que não se pode mais questionar a existência do fato, ou sua autoria, quando a questão se encontrar decidida no juízo criminal. Dessa forma, tratou o legislador de estabelecer a existência de uma autonomia relativa entre essas esferas. Essa relativização da independência de jurisdições se justifi ca em virtude de o direito penal incorporar exigência probatória mais rígida para a solução das questões submetidas a seus ditames, sobretudo em decorrência do princípio da presunção de inocência. O direito civil, por sua vez, parte de pressupostos diversos. Neste, autoriza-se que, com o reconhecimento de culpa, ainda que levíssima, possa-se conduzir à responsabilização do agente e, consequentemente, ao dever de indenizar. O juízo cível é, portanto, menos rigoroso do que o criminal no que concerne aos pressupostos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente confl itantes em ambas as esferas. Além disso, somente as questões decididas defi nitivamente no juízo criminal podem irradiar efeito vinculante no juízo cível. Nesse contexto, pode- se afi rmar, conforme interpretação do art. 935 do CC, que a ação em que se discute a reparação civil somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória fundamentar-se, em defi nitivo, na inexistência do fato ou na negativa de autoria. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 1.160.956-PA, Primeira Turma, DJe 7/5/2012, e REsp 879.734-RS, Sexta Turma, DJe 18/10/2010” (STJ, 2013). Assim, a decisão no âmbito criminal infl uencia os rumos da ação civil (e, sendo o caso, também do procedimento administrativo), acaso comprovada a inexistência do fato ou a negativa de autoria. Do contrário, mostra-se indiferente a ausência de trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a instauração da ação civil indenizatória. Da mesma forma, nos termos do Artigo 65, do Código de Processo Penal, que fará coisa julgada na esfera cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Nada como um bom exemplo: Pedro tem contra si ajuizada uma ação indenizatória movida por Joana, que o acusa de tê-la assediado sexualmente, e concomitantemente responde uma ação penal pelo mesmo fato (art. 216-A, caput, do Código Penal). Se Pedro for condenado na esfera criminal, antes do trânsito em julgado da sentença, ele poderá ter uma sentença tanto favorável quanto desfavorável 15 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 na esfera cível. Se Pedro for absolvido na esfera criminal por falta de prova, nada impede que ele seja condenado civilmente a indenizar Joana. Já se ele for absolvido na esfera criminal porque, para o juiz criminal, o fato não ter existido (ou, absurdamente, fosse o caso, se fosse reconhecido que ele agira daquela maneira em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito), Pedro obrigatoriamente será favorecido na esfera cível. Já se a sentença penal for absolutória por entender que o ato praticado por Pedro contra Joana não constitui crime, nada impedirá que Pedro seja condenado na esfera cível. Vale destacar, ainda, que o Artigo 63, do Código de Processo Penal, prevê a ação civil decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, para a execução, no juízo cível, para fi ns de reparação do dano, dos bens do ofendido, seu representante legal ou dos seus herdeiros. Através dela, o ofendido ou o Ministério Público podem pegar a sentença penal transitada em julgado (que está no rol de títulos executivos judiciais), liquidá-la se for o caso, e promover a simplesexecução no juízo cível. Como se vê, nos termos do Artigo 935, do Código Civil, “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal” (BRASIL, 2002). • Sentença penal condenatória: Não gera efeito na esfera cível. • Sentença penal absolutória: Não gera efeito na esfera cível, salvo de o juiz criminal entendeu pela inexistência de autoria ou de fato, ou ainda que o agente agiu em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. • Sentença cível procedente: Não gera efeito na esfera criminal. • Sentença cível improcedente: Não gera efeito na esfera criminal. Agora é a sua vez! Imagine uma hipótese em que Alcides atropela João, estando com a CNH vencida e em aparente estado de embriaguez. Enquanto Alcides responde a uma ação penal promovida pelo Ministério Público, João lhe afora uma ação de reparação de danos decorrentes do atropelamento. No curso da ação indenizatória, sai a sentença penal absolutória porque foi comprovado que Alcides não estava embriagado. Afetará a ação cível? E se o juiz criminal entender que Alcides apenas atropelou João para evitar um atropelamento de um número maior de pedestres, dentre crianças e 16 RESPONSABILIDADE CIVIL idosos? Afetará a ação cível? E se, na esfera criminal, restar provado que quem estava dirigindo o veículo era Marcos, irmão gêmeo de Alcides? Afetará a ação cível? E se, na esfera cível, o pedido for julgado improcedente, afetará na ação penal? E aí? Foi fácil? Conceito de Responsabilidade Civil Superadas algumas das principais diferenças entre as responsabilidades penal e civil, é chegado o momento de dar uma olhada no conceito de responsabilidade civil. Afi nal, conhecer o conceito é essencial para compreender sob quais parâmetros a lei pode se fundar para defi nir quando e como alguém a ela se submeterá. Que tal partirmos da análise etimológica da palavra responsabilidade? Responsabilidade deriva do latim “responsus”, particípio passado de “respondere”, por sua vez resultado da junção de RE-, “de volta, para trás”, com SPONDERE, “garantir, prometer”. A ideia de garantir de volta por sinal, bem ilustra a concepção de fazer com que o causador do dano garanta de volta o dano sofrido. E porque seja comum associar, de forma quase imediata, a responsabilidade civil com indenização (conforme veremos a seguir, se justifi ca por conta de uma das funções), esta última palavra vem do latim “indemnitas” (IN + DAMNUM = sem dano). Indenizar, portanto, signifi ca tornar indene, tornar sem dano. Por outro lado, não se deve confundir responsabilidade com obrigação. Obrigação vem do latim “obligatio”, de OB-, “para”, mais LIGARE, “atar, unir, ligar”. Obrigação é, portanto, uma ligação, um vínculo, um dever jurídico. Como menciona Rodrigues (2006, p. 3), obrigação “é o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto) em favor de outrem (sujeito ativo)”. Assim, seja por força de lei ou amarrado a algum contrato, alguém está obrigado a outrem. A questão é que, inadimplida a obrigação, nasce a responsabilidade do inadimplente de garantir o dano da outra parte. Portanto, a obrigação é o dever jurídico originário, ao passo que a responsabilidade é um dever secundário, decorrente justamente da violação da obrigação. 17 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 Vamos ver se fi cou claro: eu tenho uma obrigação, se eu a descumpro e o descumprimento gera um dano a alguém, nasce a responsabilidade de indenizá- lo. Vamos a alguns conceitos doutrinários. Diniz (2009, p. 34) defi ne responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”. Fazendo referência ao jurista francês René Savatier (1733-1818), Rodrigues (2003, p. 402) defi ne responsabilidade civil como sendo “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”. Já para Azevedo (2008, p. 244), responsabilidade civil “é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei, ou ainda, decorrente do risco para os direitos de outrem”. Note os elementos coincidentes nos conceitos: alguém pratica um ato ilícito (inadimplemento de obrigação legal ou contratual) que gera um dano moral ou patrimonial a outrem; aquele alguém, ou outra pessoa por ele responsável, é por lei obrigado a indenizar o prejuízo. Partindo de partes dos conceitos anteriores, que tal montar seu próprio conceito? Atividade de Estudos: 1) Responsabilidade civil é: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 18 RESPONSABILIDADE CIVIL Agora é a nossa vez de juntos arriscarmos nosso próprio conceito: a responsabilidade civil decorre do interesse do prejudicado por um ato ilícito de exigir do causador do dano a reparação do prejuízo sofrido, sendo que somente o patrimônio do devedor responderá pelo ressarcimento. Refi nemos: a responsabilidade civil decorre do interesse do prejudicado por um ato ilícito – não se trata de um interesse do Estado (como acontece no Direito Penal), mas exclusivamente do ofendido – de exigir do causador do dano e/ou daquele que, por lei ou por contrato, está obrigado a responder pelos atos praticados pelo causador, a reparação do prejuízo sofrido, sendo que somente o patrimônio – e não sua liberdade – do devedor e de seus sucessores responderá pelo ressarcimento. O nosso conceito, conforme você verá, poderá ainda ser aprimorado, esticado, relativizado diante dos vários elementos que, muitas vezes, desdobrando-se várias vezes e em várias possibilidades, fazem da responsabilidade civil um instituto tão complexo, apesar de corriqueiro nos nossos tribunais. PrincÍpios da Responsabilidade Civil No Direito, muitas vezes as regras não são sufi cientes para que o aplicador encontre a solução mais justa e adequada para o caso concreto, devendo ele se socorrer nos princípios. Dentre os princípios basilares da responsabilidade civil, podemos destacar o neminem laedere (não lesar a ninguém) e o restitutio in integrum (reparação integral). a) Princípio do Neminem Laedere O primeiro deles, neminem laedere ou alterum non laedere nada mais é do que um dos três famosos preceitos do Direito (“juris praecepta”) de Ulpiano, constantes na Institutas de Justiniano: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (“viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu”). É simples: para garantir a paz na sociedade, é essencial que os homens conduzam suas vidas de forma proba e escorreita, sendo justos e sem gerarem prejuízos aos outros. Neminem laedere ou alterum non laedere. 19 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 Sendo dever de todos e de cada um não lesar outrem, sua quebra faz nascer a obrigação de indenizar o dano causado, afi nal a violação do padrão normal de comportamento induz à responsabilidade civil, é claro, se provocou algum dano à esfera jurídica alheia. O preceito fundamental da sociedade ocidental está consagrado em nossoordenamento jurídico no Artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988). É ainda mais estampado, de forma explícita, no Artigo 186, do Código Civil de 2002: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002). O princípio do neminem laedere signifi ca que todo aquele que, violando o padrão normal de comportamento, gera prejuízo a outrem, deverá repará-lo. Entretanto, repará-lo de que forma? Em que medida? A resposta virá a seguir. b) Princípio da Restitutio in Integrum O princípio da restitutio in integrum (restituir ao estado anterior) preconiza que a vítima deve ser colocada, na medida do possível, na mesma situação em que se encontrava anteriormente à ocorrência da lesão, que deve voltar ao seu estado primário como se nada tivesse ocorrido. No Brasil, o princípio da restituição integral está positivado no art. 944, do Código Civil: “A indenização mede-se pela extensão do dano”. Para ajudar na compreensão, podemos nos escorar no Direito Francês, que sintetiza o princípio da restituição integral na expressão “tout le dommage, mais rien que le dommage”, que quer dizer “todo o dano, mas nada mais do que o dano". Uma condenação maior do que foi o dano, ou menor do que foi ele, produziria, valendo-nos da expressão utilizada pelo hoje Ministro do STF, Luiz Fux, um indesejável “desnível ou descompensação entre dois patrimônios” (STJ, 2004). Destaque que, porque também considera a gravidade da culpa além da extensão do dano para fi ns de garantir a equidade da indenização, o parágrafo único do mesmo dispositivo revela a função punitiva da responsabilidade civil. 20 RESPONSABILIDADE CIVIL Atividade de Estudos: 1) Dê uma olhada no extrato da recente ementa proferida no Agravo Interno em Recurso Especial 1.653.575/SP, cuja Relatora foi a Ministra Maria Isabel Gallotti: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESSARCIMENTO. ARTS. 389, 395 E 404 DO CC. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. IMPUGNAÇÃO. COLAÇÃO DE JULGADOS CONTEMPORÂNEOS OU SUPERVENIENTES. AUSÊNCIA. ART. 1.021, § 1º, DO CPC. SÚMULA N. 182/STJ. NÃO CONHECIMENTO. 1. A Segunda Seção do STJ já se pronunciou no sentido de ser incabível a condenação da parte sucumbente aos honorários contratuais despendidos pela vencedora. [...] 3. Agravo interno não conhecido (STJ, 2017). Como podemos perceber, o Superior Tribunal de Justiça entende que, não obstante o art. 389, do CC/2002 estabelecer que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices ofi ciais regularmente estabelecidos e honorários de advogado”, o credor de obrigação inadimplida não pode reclamar do devedor o ressarcimento pelas despesas que teve na contratação do advogado para buscar a satisfação de seu direito. Como você interpreta o posicionamento do STJ à luz do princípio da reparação integral? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 21 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 Alicerçado, ainda, no princípio de que ninguém deve enriquecer à custa de outrem (“nemo locupletari potest alterius jactura”), o princípio da restitutio in integrum é utilizado pelo juiz no momento de estabelecer os limites da condenação, que deveria, ao menos em tese, corresponder estrita e exatamente ao desnível causado pelo dano, sob pena de ser injusta. Também com fundamento no princípio, em regra, não deveria haver interferência de considerações acerca das características sociais-econômicas do agente, nem da vítima para a determinação do “quantum” indenizatório. Por exemplo, a vida e/ou a moral aviltada de um morador de rua e a do Presidente da República devem valer a mesma coisa, devendo ser indenizadas em igual medida. As Funções da Responsabilidade Civil A partir dos conceitos e princípios transcritos de responsabilidade civil, já é possível extrair que sua principal função é restaurar, na medida do possível, o equilíbrio e harmonia das relações sociais violados. Todavia, nossos tribunais têm imputado à responsabilidade civil, além da reparatória, as funções de punição e prevenção de danos. a) Função reparadora (indenizatória ou compensatória) Como o próprio nome já indica, a primeira e precípua função da responsabilidade civil é tornar indene a vítima. Indenizar, como já visto, é justamente o ato de tornar indene, sem dano, o ofendido. A indenização será feita, preferencialmente e quando possível, mediante o restabelecimento do status quo ante e/ou através da compensação do prejuízo mediante o pagamento de quantidade de dinheiro, quando for materialmente impossível a recomposição e, ainda, através do ressarcimento ao lesado de todos os danos materiais que ele veio a sofrer. b) Função punitiva (coercitiva ou sancionatória) Indo de encontro ao já visto princípio do restitutio in integrum, modernamente se tem que não basta reparar integralmente o prejuízo sofrido pelo ofendido. Diante da reprovabilidade da conduta, a responsabilidade civil também se presta a punir o agressor, funcionando “como uma espécie de pena privada em benefício da vítima”, como ensina Cavalieri Filho (2009, p. 85). 22 RESPONSABILIDADE CIVIL Seria uma sanção civil, traduzida em perda patrimonial, imposta ao transgressor daquele multicitado padrão normal de comportamento de não gerar dano a outrem. Só que o produto do confi sco será destinado à vítima. O caráter sancionatório deverá ser considerado de forma conjunta – e não somada – com a função reparadora da responsabilidade civil, sob pena de, em se acrescentando o produto da sanção civil à integralidade dos danos a serem reparados, incorrer em enriquecimento sem causa do ofendido. c) Função preventiva (pedagógica ou dissuasória) Por fi m, como resultado da função punitiva, a responsabilidade civil também se presta para dissuadir a prática de condutas semelhantes tanto pelo opressor quanto por terceiros, para desestimular a prática da conduta. A responsabilidade civil tem por função compensar a vítima da lesão sofrida e não deixar impune aquele que comprometeu a harmonia social e dissuadir e/ou prevenir nova prática por parte do transgressor e de terceiros. Daí a natureza preventiva: serve para prevenir novas práticas, seja por parte do agressor, seja por terceiros. O desafi o do juiz reside justamente em conseguir estabelecer uma condenação que não seja irrisória (a ponto de não dissuadir ou mesmo estimular novas práticas), tampouco fonte de enriquecimento sem causa, estando atento à função reparadora do prejuízo e de prevenção da reincidência da conduta lesiva. É sopesar, nos dizeres do Ministro do STJ Moura Ribeiro, no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial 1.537.645/RS, “as condições fi nanceiras das partes, a reprovabilidade da conduta e o caráter coercitivo e pedagógico da indenização sob o jugo dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (STJ, 2016). Já para o advogado, principalmente após os riscos destacados pelos Código de Processo Civil de 2015, o desafi o é, com base nos mesmos princípios e critérios, apresentar o pedido mais razoável possível, sob pena de sujeitar seu patrocinado aos ônus sucumbenciais. Depois de ver suas funções, permitamo-nos retomar aquela proposta de conceito de responsabilidade civil, que decorre do interesse do prejudicado por um ato ilícito – e não do interessedo Estado – de exigir do causador do dano e/ ou daquele que, por lei ou por contrato, está obrigado a responder pelos atos praticados pelo causador, a reparação do prejuízo sofrido e, ao mesmo tempo, decorre do interesse do Estado – tão somente após provocado pelo autor – de, punindo civilmente o transgressor, dissuadi-lo e a terceiro de repetir a conduta. 23 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 Espécies de Responsabilidade Civil Da leitura dos parágrafos anteriores, é possível perceber tamanha amplitude do conceito de responsabilidade civil, que delas se desdobram várias hipóteses, donde se é possível apurar algumas espécies conforme determinados critérios: quanto à existência ou não de prévia relação jurídica entre as partes; quanto à exigência da comprovação de culpa ou não; e quanto ao agente. a) Responsabilidade civil contratual e extracontratual A responsabilidade civil contratual, como o próprio nome já denuncia, decorre do descumprimento de obrigação estabelecida em um contrato unilateral ou bilateral (que, nos termos do art. 104, CC/2002, requer um agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou indeterminado, e forma prescrita ou não defesa em lei) existente entre o causador e o lesionado, de modo que o dano decorrerá justamente da inexecução da obrigação estabelecida no instrumento. Ex.: a construtora que não entrega o apartamento no prazo estabelecido no contrato. Determinada responsabilidade civil contratual está prevista no Artigo 389 “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices ofi ciais regularmente estabelecidos e honorários de advogado” (BRASIL, 2002) e no 395 “Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices ofi ciais regularmente estabelecidos e honorários de advogado” (BRASIL, 2002), ambos do Código Civil. Já na responsabilidade civil extracontratual – que está disposta no art. 186 “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002) e 927 “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fi ca obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002), ambos do CC/2002 – não existe qualquer liame obrigacional anterior entre o ofensor e a vítima. O dano, assim, decorrerá do ato ilícito (descumprimento de preceito legal ou violação do dever geral de abstenção de gerar dano a outrem – lembre-se do non laedere) praticado, por ação ou omissão, pelo causador e que causa prejuízo ao lesionado. Ex.: o atropelamento por uma lancha. Enquanto na responsabilidade civil contratual preexiste entre o causador do dano e o prejudicado um vínculo jurídico contratual, a responsabilidade civil extracontratual – também conhecida como “aquiliana” – é o dever jurídico de reparar o dano causado a outrem quando o dever está assentado somente na lei. 24 RESPONSABILIDADE CIVIL A “Lex Aquilia”, segundo ensina Venosa (2003, p. 18), “foi um plebiscito aprovado provavelmente em fi ns do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens”. Nosso ordenamento jurídico prevê, ainda, as responsabilidades civis pré- contratual (“culpa in contrahendo”) e pós-contratual (“culpa post pactum fi nitum”). O Artigo 422, do Código Civil, estabelece que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2002), destacando o Enunciado 25, da Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal que “o [tal] art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. A boa-fé objetiva representa o dever de colaboração mútua dos contratantes, de cooperação e proteção dos interesses recíprocos, obrigações que vão além daquelas expressamente pactuadas, sendo amplamente aceita nos nossos tribunais, como se vê no Recurso Especial 1.655.139/DF, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi: [...] 4. A relação obrigacional não se exaure na vontade expressamente manifestada pelas partes, porque, implicitamente, estão elas sujeitas ao cumprimento de outros deveres de conduta, que independem de suas vontades e que decorrem da função integrativa da boa-fé objetiva. 5. Se à liberdade contratual, integrada pela boa-fé objetiva, acrescentam-se ao contrato deveres anexos, que condicionam a atuação dos contratantes, a inobservância desses deveres pode implicar o inadimplemento contratual [...]. (STJ, 2017). O dano decorrente da violação do princípio da boa-fé objetiva – seja na fase pré-contratual, a fase contratual propriamente dita ou na fase pós-contratual – irá gerar o dever de indenizar. A chamada responsabilidade civil pré-contratual surge quando, ultrapassado o tênue liame entre a fase das negociações preliminares (conversas prévias, sondagens) e aquela pré-contratual, quando já houve a manifestação, explícita ou tácita, de ambas as partes no sentido de que o negócio será fechado, uma das 25 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 partes simplesmente rompe as negociações, de forma injustifi cada e arbitrária, quebrando na outra a expectativa legitimamente gerada e, assim, lhe gerando alguma espécie de dano. Por exemplo: uma pessoa que assina a proposta de compra de um imóvel, aceita pelo vendedor e, de repente, desiste do negócio. A doutrina, então, nos traz como requisitos para a confi guração da responsabilidade civil pré-contratual: (a) existência de negociações, (b) certeza na celebração do contrato, (c) a ruptura injusta e arbitrária das tratativas, além do dano. Aliás, quanto à extensão dos danos da responsabilidade civil pré-contratual, Farias os limita "às despesas em que incorreu no desenrolar das tratativas e, eventualmente, na perda de algum outro negócio que tenha desistido em virtude de estar negociando o contrato que posteriormente não veio a se estabelecer" (2017, p. 85). Atividade de Estudos: 1) Permita-me uma provocação: que tal você pesquisar, à luz do entendimento dos nossos tribunais, até que ponto é lícita a recusa de contratar, sem que faça nascer a obrigação de indenizar por parte do desistente? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Já a responsabilidade civil pós-contratual é o dever de reparar danos surgidos após a extinção do contrato, independentemente do adimplemento da obrigação, especialmente relacionados à quebra do princípio da boa-fé objetiva. Um bom exemplo seria o do médico que quebra o sigilo profi ssional, divulgando informações acerca de seu ex-paciente. Como visto, a responsabilidade contratual não se limita àquele decorrente da quebra do contrato durante sua vigência, mas também ao descumprimento de deveres anteriores à celebração do pacto e aqueles posteriores à conclusão do negócio. 26 RESPONSABILIDADE CIVIL b) Responsabilidade civil objetiva e subjetiva Com relação ao fundamento, a responsabilidade civil pode ser subjetiva (com aferição de culpa) ou objetiva (sem aferição de culpa). A culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva deve ser interpretada lato sensu, abrangendo também o dolo, além da culpa strictu sensu, ou seja, a responsabilidade subjetiva depende da prova de imperícia, imprudência, negligência ou dolo do agente. Importante estabelecer a premissa de que o nosso Código Civil, atravésdos já citados Artigos 186 e 187, adota a responsabilidade subjetiva como regra e, como se pode observar no Artigo 927, parágrafo único, a responsabilidade objetiva como exceção “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especifi cados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. A responsabilidade objetiva, como se vê, é fundada na teoria do risco da atividade, sobre a qual dispõe Rodrigues (2002, p. 10) que: a teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo a teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verifi cada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele. É na teoria do risco administrativo que se funda a responsabilidade civil objetiva do Estado e também pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Também será objetiva a responsabilidade por dano ambiental, informada pela teoria do risco integral, mencionado no Agravo Regimental em Recurso Especial 1412664⁄SP, cujo relator foi o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Raul Araújo: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LUCROS CESSANTES AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA INTEGRAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. 27 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 CABIMENTO. [...] A legislação de regência e os princípios jurídicos que devem nortear o raciocínio jurídico do julgador para a solução da lide encontram-se insculpidos não no códice civilista brasileiro, mas sim no art. 225, § 3º, da CF e na Lei 6.938⁄81, art. 14, § 1º, que adotou a teoria do risco integral, impondo ao poluidor ambiental responsabilidade objetiva integral. Isso implica o dever de reparar independentemente de a poluição causada ter-se dado em decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. Precedentes [...] (STJ, 2014). Falaremos, no próximo capítulo, sobre outras teorias do risco (como a do risco-proveito e a do risco-criado) que fundamentam a responsabilidade objetiva. c) Responsabilidade civil por ato próprio e por ato de outrem Por fi m, relativamente ao agente, a responsabilidade se divide entre direta (ou ato próprio) e indireta (por ato de terceiro). O Artigo 932 enumera as hipóteses da responsabilidade civil indireta, ou seja, quando terceiros responderão – objetivamente – pelos danos causados pelo agente: (I) os pais, pelos fi lhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (II) o tu tor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; (III) o em pregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (IV) os d onos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fi ns de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; (V) os q ue gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Justifi cando do porquê da responsabilidade objetiva pelos danos causados por aqueles que de algum modo estavam sob sua proteção ou vigilância (art. 933, CC/2002), Cavalieri Filho (2009, p. 192) assevera que “o ato do autor material do dano é apenas a causa imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância a causa mediata, que nem por isso deixa de ser causa efi ciente”. Melhor dizendo, ainda que de forma indireta, houve culpa do responsável, seja culpa in eligendo seja culpa in vigilando. 28 RESPONSABILIDADE CIVIL Atividade de Estudos: 1) Um derradeiro desafi o para você: nas hipóteses de responsabilidade objetiva por ato de terceiro (indireta), o responsável deverá indenizar o ofendido independentemente da prova da culpa do autor do dano ou é necessário que seja provada a culpa/dolo do agente? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ AlGumas Considerações Superado este primeiro capítulo, em que nos debruçamos sobre a diferença entre as responsabilidades civil e penal, sobre o conceito de responsabilidade civil e seus princípios do neminem laedere e da restitutio in integrum; tratamos, ainda, das funções da responsabilidade civil (reparadora, punitiva e preventiva), para, fi nalmente, estudarmos as espécies de responsabilidade civil (contratual x aquiliana; objetiva x subjetiva; por ato próprio x por ato de outrem), é essencial que tenha fi cado sufi cientemente claro para você: • que, via de regra, a procedência ou a improcedência do pedido de condenação cível não repercutirá na esfera penal (não é porque ganhou ou perdeu lá que perderá ou ganhará aqui), sendo que, por outro lado, em caso de sentença penal absolutória que reconheça uma das hipóteses de excludente de ilicitude penal (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento de dever lega) gerará, sim, efeito na esfera cível, assim como em sentenças absolutórias que determinem a inexistência de autoria ou de fato; 29 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 • que a responsabilidade civil – que decorre do interesse do prejudicado por um ato ilícito de exigir do causador do dano e/ou daquele que, por lei ou por contrato, esteja obrigado a responder pelos atos praticados pelo causador, a reparação do prejuízo sofrido – é regida por dois princípios, quais sejam, o neminem laedere e da restitutio in integrum. Pelo primeiro, que parte do dever social de não devermos nem podermos causar dano a ninguém, a responsabilidade civil decorre justamente da violação deste padrão de comportamento. Pelo segundo, uma vez causado o dano, obriga-se o agressor a restabelecer, na medida do possível, o equilíbrio quebrado com seu ato ilícito; • que a responsabilidade civil tem três funções, a reparadora, a punitiva e a preventiva. Pela primeira, pretende-se indenizar (tornar indene, sem dano) o prejudicado. Pela segunda, quer-se ainda punir (sanção civil) o agressor pelo rompimento do padrão normal de comportamento. Pela terceira, busca-se desestimular a prática desta conduta por parte do agressor e pelos demais membros da sociedade. • que a responsabilidade civil pode ocorrer dentro de um contexto contratual, obrigacional, existente entre as partes (de modo que o ato ilícito emergirá do descumprimento das obrigações contratuais), ou fora de qualquer relação contratual (quando o dever de reparar decorrerá da lei); • que a responsabilidade civil poderá ser subjetiva, que é a regra geral, e a objetiva. Pela primeira, há necessidade de demonstrar a culpa (imperícia, imprudência ou negligência) do agente, além do ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade. Pela segunda, o agente responderá independentemente da comprovação de culpa (que será presumida); • que a responsabilidade civil poderá recair sobre o agente direto, ou seja, quem efetivamente causou o dano a terceiro ou sobre o agente indireto, que é aquele que, por lei, responderá por ato ou fato praticado por terceiro. Alguns dos conceitos vistos ao longo deste capítulo serão revisitados,com mais vagar, nos capítulos a seguir, como os elementos da responsabilidade civil (ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade), que veremos no Capítulo 2, e as causas excludentes de responsabilidade (legítima defesa, estado de necessidade e exercício regular de um direito), que estudaremos no Capítulo 3. 30 RESPONSABILIDADE CIVIL ReFerÊncias AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: RT, 2000. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 19 abr. 2018. ______. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 abr. 2018. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ENUNCIADO nº 25 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/671>. Acesso em: 19 abr. 2018. FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: contratos. 7. ed. rev., atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Direito civil: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ______. Direito civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2006. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ação Rescisória 1.438/PR, Primeira Seção, Brasília, DF, em 14 de novembro de 2004. ______. Recurso Especial. 1.164.236-MG, Terceira Turma, Brasília, DF, julgado em 14 de novembro de 2013. ______. Agravo Regimental em Recurso Especial 1.412.664⁄SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, Brasília, DF, em 11 de fevereiro de 2014. 31 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 1 ______. Agravo Regimental em Recurso Especial 1.537.645/RS, Terceira Turma, Brasília, DF, em 5 de maio de 2016. ______. Agravo Interno em Recuso Especial 1.653.575/SP, Quarta Turma, Brasília, DF, em 16 de novembro de 2017. ______. Recuso Especial 1655139/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, Brasília, DF, em 5 de dezembro de 2017. ______. Recuso Especial 645.496/RS, Primeira Turma, Brasília, DF, em 14 de novembro de 2005. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Agravo de Instrumento nº 2119528- 04.2017.8.26.0000. 28ª Câmara de Direito Privado. São Paulo, 18 de julho de 2017. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Atual. São Paulo: Atlas, 2003. 32 RESPONSABILIDADE CIVIL CAPÍTULO 2 Elementos da Responsabilidade Civil A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car e compreender os elementos da responsabilidade civil. Verifi car em que hipóteses se admite a responsabilização por atos lícitos. Conhecer a teoria do dever de mitigar o próprio prejuízo. Reconhecer as várias espécies de dano admitidas no ordenamento jurídico brasileiro. Conhecer as teorias sobre o nexo de causalidade. Identifi car as modalidades de culpa. 34 RESPONSABILIDADE CIVIL 35 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 ContextualiZaçÃo Podemos afi rmar que a responsabilidade civil exige três elementos fundamentais, o que nos foi corroborado através do estudo do seu conceito no Capítulo 1 – a lembrar: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. Diante da complexidade das relações modernas contratuais (como no enredamento jurídico das operações com bitcoins) ou extracontratuais (como nas redes sociais, com pessoas emitindo opiniões e teses, próprias ou copiadas, sobre tudo e todos), muitas vezes não é fácil discernir qual é a conduta do agente, quem é o verdadeiro agente, se esta conduta foi lícita ou ilícita (principalmente, pela ausência de regulamentação em muitos dos casos), se de fato houve dano e, caso houve, qual a extensão do dano a ser reparado e, ainda, se há nexo de causalidade entre aquela conduta e o prejuízo arguido, em virtude de tantas variáveis e da quantidade de ramifi cações decorrentes das relações multilaterais. Não bastasse, existe ainda o elemento culpa no caso da responsabilidade civil subjetiva, que nos obriga a defi nir se houve alguma imperícia, imprudência ou negligência por parte do agente e qual o grau dessa culpa. Por causa disso, há a necessidade de se compreender bem os elementos da responsabilidade civil, de modo que estejamos aptos a raciocinar juridicamente sobre a situação em que o ato, o dano e o nexo não estejam tão evidentes, para verifi carmos se é ou não um caso de responsabilização. Os Elementos da Responsabilidade Civil Os elementos fundamentais da responsabilidade civil são três, a saber: ato ilícito, dano e nexo causal. Existe, ainda, um quarto elemento, aplicável no caso da responsabilidade civil subjetiva, que é a culpa. O presente capítulo dedica-se a estudar cada um deles. a) O ato ilícito Há de se destacar, de início, que os doutrinadores variam sobre como denominar esse primeiro elemento da responsabilidade civil, que é o ato/conduta que ofende uma norma preexistente ou erro na conduta: alguns falam em “conduta humana”, “conduta do agente”, “ato lesivo” ou tratam, simplesmente, de “ato ilícito”. 36 RESPONSABILIDADE CIVIL Atividade de Estudos: 1) Partindo-se da premissa de que a responsabilidade reclama a existência de um ato ilícito, pergunta-se: existe responsabilidade civil por fato jurídico ou por ato jurídico lícito? Justifi que a resposta, aplicando os artigos do Código Civil (Brasil, 2002) e/ou de outra legislação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Podemos conceituar, de início, o ato ilícito como um ato praticado em descompasso com a ordem jurídica que viola o direito, um ato contra legem ou contra jus, um “delito civil”. É possível, no entanto, aprofundarmos esta ideia. Para Humberto Theodoro Junior (2003, p. 32), a voluntariedade e a injuridicidade seriam dois pressupostos necessários à conduta praticada pelo agente para sua caracterização como ato ilícito: Voluntariedade e injuridicidade, nessa ordem de ideias, são os pressupostos do comportamento do agente que o tornam responsável pelo dever de indenizar o prejuízo derivado de seu ato ilícito. Não há ato ilícito stricto sensu se não houver prejuízo para a vítima, mas também não haverá o dever de indenizar se o dano sofrido pelo ofendido não estiver conectado a um comportamento voluntário do agente. O agente, portanto, tem que querer praticar o ato e esse ato, ao mesmo tempo, deve ser contrário ao direito. O entendimento Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 22) não é diferente, para ele: “[...] o ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever”. Versando sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Maria Helena Diniz (2005, p. 43) dá um passo atrás e traz que a ação, e não meramente o ato ilícito, é o primeiro dos elementos da responsabilidade, estabelecendo que: 37 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 Ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. Será, portanto, ilícito esse agir – comissivo, que faz algo que não deveria se efetivar,ou omissivo, que não pratica um dever de agir – quando o agente infringe um dever legal, contratual ou social. Se você analisar, com um pouco mais de atenção, a explicação oferecida pela doutrinadora paulista Maria Helena Diniz (2005) nas linhas anteriores, perceberá que ela propõe que podem também ser passíveis de reparação civil os atos lícitos. Quer dizer, então, que existe a possibilidade de responsabilização, ainda que o ato seja lícito? Sim! Segundo o Superior Tribunal de Justiça, com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, confi gurada a violação de direito por ato estatal e de que resulte dano real, específi co e anormal, é sim, possível, falar em responsabilidade objetiva do Estado em decorrência de atos comissivos lícitos, como anotou o Ministro Herman Benjamin no Recurso Especial 1.590.142/SC (BRASIL, 2016a). Sendo assim, de acordo com a lei, em virtude da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, se determinado ato violar um direito e gerar um prejuízo real, poderá o Estado responder civilmente e, por conseguinte, deverá reparar o prejuízo. Em outras palavras, a responsabilidade objetiva estatal independe da licitude ou da ilicitude da ação. No âmbito do Direito Ambiental, também se admite a responsabilidade civil, ainda que se esteja diante de um ato considerado lícito, conforme assentou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antonio Carlos Ferreira, no Agravo Regimental em Agravo de Recurso Especial nº 117.202/PR. Veja: Fundada na Teoria do Risco e no Princípio do Poluidor Pagador, é objetiva a responsabilidade civil por danos ambientais, entre os quais se inclui a degradação proveniente de atos lícitos que criem condições adversas às atividades sociais e econômicas ou afetem desfavoravelmente a biota (BRASIL, 2015). Verifi ca-se que estamos diante de uma grande quebra de paradigma quando reconhecemos a possibilidade de alguém praticar um ato não contrário à lei ou ato negocial, mas que, causando prejuízo anormal a outrem, ainda assim, persiste o dever de indenizar. Será, portanto, ilícito esse agir – comissivo, que faz algo que não deveria se efetivar, ou omissivo, que não pratica um dever de agir – quando o agente infringe um dever legal, contratual ou social. Se determinado ato violar um direito e gerar um prejuízo real, poderá o Estado responder civilmente e, por conseguinte, deverá reparar o prejuízo. 38 RESPONSABILIDADE CIVIL Sobre os doutrinadores que preferem denominar esse ato omissivo ou comissivo de “conduta humana”, se considerarmos que a responsabilidade civil também pode recair sobre a pessoa jurídica, não haveríamos de elencar, dentre os elementos da responsabilidade, a conduta como humana, sendo, então, simplesmente uma “conduta”. Com destaque, aproveitando o gancho, mesmo se tratando de responsabilidade civil por ato/conduta praticada por pessoa jurídica, nos termos do art. 50, do Código Civil (BRASIL, 2002), uma vez verifi cado o abuso da personalidade jurídica, pode-se pleitear a sua desconsideração e, por conseguinte, o atingimento do patrimônio pessoal dos sócios e/ou dos administradores, conforme o caso, para recompor o prejuízo sofrido. b) O dano O segundo requisito essencial da responsabilidade civil é o dano, que é a lesão de natureza patrimonial ou moral de alguém. Segundo ensina Arnaldo Rizzardo (2011, p. 68): Para a caracterização da obrigação de indenizar é preciso, além da ilicitude da conduta, que exsurja como efeito o dano a bem jurídico tutelado, acarretando, efetivamente, prejuízo de cunho patrimonial ou moral. Não é sufi ciente apenas a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que contrarie o padrão jurídico das condutas. Esse dano deve ser certo e atual, não havendo responsabilização por danos hipotéticos (aqueles ainda não verifi cados, eventuais, que podem vir a ocorrer ou não), danos futuros ou mesmo expectativa de dano. Nossos tribunais já vêm admitindo, há bastante tempo, a indenização pela perda de uma chance, que é quando, por ato ilícito de alguém, outrem sofre um prejuízo representado pela perda de uma oportunidade concreta, em vias de se realizar, mas que não se concretizou ou realizou por conta daquele ato ilícito. Sobre a teoria da perda de uma chance, desenvolvida na França (perte d'une chance), Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 75) sugere que “[...] só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis”. Essa possibilidade de êxito, como destacou o Ministro Marco Buzzi, no Recurso Especial nº 1.145.118/SP (BRASIL, 2017), deve ser: “séria e real [...], o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa”. 39 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 Debrucemo-nos sobre um caso hipotético: haveria perda de uma chance se alguém não pode realizar uma prova de concurso público por determinado ato ilícito de outrem? Constituiria “séria e real a possibilidade de êxito” desse concursando frustrado? É possível supor que sua probabilidade de sucesso (aprovação) seja superior a 50%, para, então, concluir pela reparação? Eis como decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação Cível n.º 0000059-53.2013.8.24.0045, em um caso assim: Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais e morais. Perda de uma chance. Preposta da ré que, ao não autenticar guia de pagamento alusiva à taxa de concurso público, frustrou a chance da autora de ver-se aprovada no certame. Sentença de parcial procedência. Recurso da ré. Inscrição da autora em concurso público para magistério e respectivo indeferimento ante a ausência de pagamento não impugnadas em sede de contestação e recurso (CPC, ART. 334, III). Insurgência quanto à responsabilidade da requerida em decorrência da falta de autenticação. Falha do serviço, pela apelante, que não pode ser imputada à apelada. Responsabilidade objetiva decorrente da aplicação das disposições consumeristas ao caso em questão. Ré que, por comportamento culposo de sua preposta, prestou o serviço de forma defeituosa ao deixar de efetuar a autenticação do boleto de pagamento. Exegese do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Ato ilícito confi gurado. Insurgência quanto à indenização decorrente da teoria da perda de uma chance. Apelada que, além de contar com especialização em educação infantil e ensino fundamental, dedicou-se habitualmente à preparação para o certame. Apelada, ademais, que veio a ser aprovada em Concurso Público Municipal de São José. Chances concretas e reais de ver-se aprovada no concurso. Manutenção da sentença, no tocante ao reconhecimento do dever indenizar, é medida que se impõe. Circunstâncias, no entanto, autorizam a minoração do quantum indenizatório. Recurso conhecido e parcialmente provido (SANTA CATARINA, 2017, s.p.). O mesmo raciocínio deve ser feito para apurar eventual responsabilidade civil. Por exemplo, um advogado que perde o prazo do recurso de apelação de uma ação em que defende os interesses de determinado cliente. Quais as chances de êxito deste recurso? A decisão não recorrida ia de encontro ao entendimento dos tribunais superiores? Se sim, podemos estar diante da perda da chance. Por sinal, a doutrina e a jurisprudência já falam na divisão da teoria da perda da chance em clássica e atípica. Segundo Fernando Noronha (2013, p. 695- 696): 40 RESPONSABILIDADE CIVIL Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter, no futuro, algo benéfi co. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi irreversivelmente interrompido por um determinado fato antijurídico [...], por isso fi cando a oportunidade irremediavelmente destruída (aindaque, como veremos na sequência, se fi que sem saber se o benefício esperado teria ocorrido efetivamente, caso não tivesse havido a interrupção do processo). A chance que foi perdida pode ter- se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verifi cou. No primeiro caso, em que estava em curso um processo vantajoso e este foi interrompido, poderemos falar em frustração da chance de obter uma vantagem futura; no segundo, em que estava em curso um processo danoso que podia ter sido interrompido e não foi, falaremos em frustração da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido. A perda da chance clássica, portanto, é o dever de indenizar decorrente da frustração da expectativa de se obter uma vantagem ou um ganho futuro, desde que seja real a possibilidade de êxito. A perda de se conseguir um emprego iminente, por exemplo, pelo extravio de uma bagagem em que estavam os documentos do candidato à vaga. Já a perda da chance atípica, decorre do dever de reparar do agente por conta de uma conduta omissiva que, acaso fosse praticada de forma apropriada, poderia ter evitado o prejuízo suportado pela vítima. A teoria da perda de uma chance, na modalidade atípica, tem sido recorrente nas ações reparatórias fundadas pela defi ciência da prestação de serviços médico-hospitalares. Atividade de Estudos: 1) Faça uma rápida pesquisa jurisprudencial e veja como os tribunais têm entendido casos em que, diante de um diagnóstico equivocado, o paciente acaba morrendo. Nesse caso, pode-se buscar a reparação de danos decorrente da perda da chance de cura? Fundamente sua resposta. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 41 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 • Dano emergente e lucros cessantes Outras classifi cações de danos que merecem destaque são: o dano emergente, que é o prejuízo efetivamente sofrido pela vítima; e os lucros cessantes, que são o que o prejudicado deixou de lucrar em razão do ato ilícito. Nada como um bom exemplo: Pedro é motorista de Uber e, por conta de uma batida, na qual o culpado foi Gilberto, poderá sofrer os danos emergentes, que são os prejuízos materiais do veículo, além dos lucros cessantes, que são os que ele deixou de lucrar como motorista no período em que fi cou sem o carro. É obvio que o juiz, ao condenar Gilberto a reparar dos danos sofridos por Pedro, levará em consideração os danos emergentes devidamente comprovados (recibos dos gastos que teve para o conserto do carro) e, sobre os lucros cessantes, deverá estabelecer a média do faturamento que deixou de ganhar, afi nal a lei recomenda razoabilidade na fi xação dos lucros cessantes. Observe o que ensina o artigo 402, do Código Civil (BRASIL, 2002): “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e os danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar”. E se Pedro alugou um veículo enquanto seu carro estava na ofi cina? Se ele podia trabalhar com o carro alugado, estava auferindo renda. Assim, não há que se falar em lucros cessantes: Gilberto deverá ressarcir apenas pelos valores pagos pela locação do veículo. Esse exemplo parece simples, mas dele podemos extrair uma oportuna questão jurídica: o dever da vítima de buscar mitigar a própria perda. Segundo esse princípio – chamado de dutytomitigatetheloss – é dever do credor, in casu, do prejudicado, fundado na boa-fé objetiva e na vedação ao abuso do direito, tentar abrandar seus próprios prejuízos, buscando adotar medidas razoáveis e considerando as circunstâncias concretas para diminuir suas próprias perdas. É o que destacou o Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013, s.p.), no Recurso Especial nº 1.325.862/PR: É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade. 42 RESPONSABILIDADE CIVIL Não seria razoável admitir, portanto, que Pedro alugasse um carro importado para passear, não auferindo renda com o veículo, enquanto seu carro popular está na ofi cina, para, depois, requerer de Gilberto o aluguel do veículo mais caro e dos lucros cessantes. • Dano presumido Porquanto o ônus da prova dos fatos constitutivos de direito recaia, via de regra, sobre o autor, o dano deve ser comprovado pela vítima, salvo aqueles em que se admite o chamado dano presumido. O dano moral in res ipsa está vinculado à própria existência do fato ilícito,nos quais os resultados são presumidos, sendo dispensável a demonstração do prejuízo. Exemplo clássico de dano presumido é o decorrente da inscrição indevida do nome do consumidor em órgãos de proteção ao crédito, conforme se observa no caso abaixo: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. MANUTENÇÃO DO NOME NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ÔNUS DO BANCO (CREDOR) EM CANCELAR O REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido. Agravo Regimental improvido (BRASIL, 2009, s.p.). Outros exemplos em que o Superior Tribunal de Justiça reconhece o dano moral presumido são: extravio de talonário de cheques; atraso de voos; falta de diploma universitário reconhecido pelo MEC etc. O dano moral in res ipsa está vinculado à própria existência do fato ilícito, Atividade de Estudos: 1) Para terminar o estudo sobre o dano – que, como visto, salvo o presumido ou decorrente da perda de uma chance, deve ser certo e atual – propomos um exercício: Silvia contrata uma empresa de produção audiovisual para produzir cem DVDs comemorativos, que serão distribuídos aos convidados da festa de 15 anos de sua fi lha Mônica. Dois dias depois da festa, a avó de Mônica, 43 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 mãe de Silvia, a procura horrorizada porque, ao abrir seu DVD, verifi cou que nele continha conteúdo inadequado. Mãe e fi lha conferem os 3 DVDs que sobraram da festa e verifi cam que estes têm o conteúdo contratado. Ufa! Mas e agora? Diante do risco de existir outro, ou outros DVDs adulterados, existe a possibilidade de buscar a reparação pelos danos prováveis contra a empresa de produção audiovisual? Ou têm, mãe e fi lha, que aguardar a ligação constrangedora de outro convidado para, então, ajuizar a ação? Fundamente suas respostas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ c) O nexo de causalidade O terceiro elemento de responsabilidade civil é o nexo de causalidade, também chamado de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade. Segundo a lição de Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 67) nexo causal é “[...] elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano”. Será o nexo decausalidade que vinculará o resultado lesivo verifi cado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador. É, conforme Annelise Monteiro Steigleder (apud BRASIL, 2014, s.p.), no Recurso Especial nº 1.374.284/MG “[...] o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato”. A Ministra Carmem Lúcia, no Agravo em Recurso Extraordinário nº 667.117 (BRASIL, 2012, s.p.), ao comentar sobre o nexo de causalidade, destacou que: Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil [de 1916; art. 403 do Código Civil de 2002], a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele 44 RESPONSABILIDADE CIVIL dispositivo da codifi cação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada. Teríamos, conforme ressalta a Ministra do Supremo Tribunal Federal, três principais teorias sobre o nexo de causalidade: a teoria da interrupção do nexo causal, equivalência das condições e causalidade adequada. Atividade de Estudos: 1) Após pesquisar seus conceitos, diferencie as teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da interrupção do nexo causal. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Dentre essas, vigora no direito civil brasileiro a teoria da interrupção do nexo causal, também chamada teoria do dano direto e imediato ou teoria do nexo causal direto e imediato, prevista no art. 403, do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p.): “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Sobre a tese acolhida em nosso ordenamento jurídico, o Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2011, s.p.), no Recurso Especial nº 1.154.737/MT, explica: [...] reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se fi lia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar. 45 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 O Ministro Marco Aurélio Bellizze (BRASIL, 2016b, s.p.), relator do Recurso Especial nº 1.615.971/DF, conclui: [...] a doutrina endossada pela jurisprudência desta Corte é a de que o nexo de causalidade deve ser aferido com base na teoria da causalidade adequada, adotada explicitamente pela legislação civil brasileira (CC/1916, art. 1.060 e CC/2002, art. 403), segundo a qual somente se considera existente o nexo causal quando a ação ou omissão do agente for determinante e diretamente ligada ao prejuízo. A teoria da interrupção do nexo causal, aliás, foi utilizada no clássico julgamento do Recurso Extraordinário nº. 130.764-1/PR (BRASIL, 1992), quando o Supremo Tribunal Federal discutia sobre a possível responsabilidade civil do Estado, devido ao fato de um fugitivo do sistema prisional ter integrado uma quadrilha que cometeu um assalto após 21 meses da data da fuga. Pela teoria adotada e segundo o voto do Ministro Moreira Alves (BRASIL, 1992, s.p.), o transcurso do lapso temporal entre a fuga do detento e o evento danoso (novo delito) teria interrompido a cadeia causal, o que ilidiria a responsabilidade do Estado: As circunstâncias do presente caso evidenciam que o nexo de causalidade material não restou confi gurado, quer em face da ausência de imediatidade entre o comportamento referido imputado ao Poder Público e o evento lesivo consumado, quer em face da superveniência de fatos remotos descaracterizadores, por sua distante projeção no tempo, da própria relação causal. Há que se atentar, por fi m, para as causas de exclusão de nexo de causalidade, como a culpa exclusiva (ou fato exclusivo) da vítima, a culpa exclusiva (ou fato exclusivo) de terceiro, além das hipóteses de caso fortuito e/ ou de força maior, que acabam por impedir a existência do nexo de causalidade. d) A culpa Depois de nos debruçar sobre o ato ilícito, bem como o dano e o nexo de causalidade, é tempo de estudar a culpa, elemento que compõe a responsabilidade subjetiva, que, diferentemente da responsabilidade objetiva, depende da comprovação de que o infrator tenha agido com culpa lato sensu (teoria da culpa). Sobre a culpa, partamos daqueles que são, nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 25), seus “princípios consagrados”: a negligência, imprudência e imperícia, que “[...] contém uma conduta voluntária, mas com resultado involuntário, a previsão ou a previsibilidade e a falta de cuidado devido, cautela ou atenção”. 46 RESPONSABILIDADE CIVIL Em rápidas palavras, imprudente é aquele que não toma o cuidado, a cautela, que se espera do bonus pater familias, o homem médio. Negligente é aquele que, por desleixo, descuido ou desatenção, deixa de tomar a conduta que dele se espera. Já imperito, é o inapto tecnicamente, o desqualifi cado, o ignorante, aquele que desconhece os conceitos/conhecimentos/técnicas elementares que se espera que um profi ssional domine. Note, pelo parágrafo acima, que podemos sugerir que a culpa é – depois de afastada a hipótese de intenção deliberada de ofender e/ou de ocasionar prejuízo (dolo) – a quebra de uma expectativa, seja de zelo, de ação ou de perícia. • Graus de culpa Nos termos do artigo 944, parágrafo único, do Código Civil (BRASIL, 2002), a gravidade da culpa deverá ser considerada pelo magistrado no momento de defi nir o quantum indenizatório. Como explica Miguel Kfouri Neto (2006, p. 17): Tradicionalmente, tem-se a culpa levíssima, leve e grave. Poderá o juiz, agora, reduzir equitativamente a indenização, mediante a aferição do grau de culpa, cuja gravidade infl uenciará a quantifi cação - em cotejo com a extensão do prejuízo. Incumbirá ao órgão julgador averiguar a culpa, para determinar a obrigação de indenizar; em seguida, defi nir-lhe a graduação, para a correta valoração pecuniária do ressarcimento. Isso quer dizer que o juiz deverá – além de analisar a gravidade do fato em si e suas consequências, a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente), a condição econômica do ofensor e as condições pessoais da vítima – atribuir o grau da culpa do agente e antepará-lo à extensão do dano na hora de fi xar o valor da indenização. Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 25) diferencia os três graus de culpa comumente admitidos pela doutrina – grave, leve e levíssima: A culpa grave é a que se manifesta de forma grosseira, e, como tal, se aproxima do dolo. Nesta se inclui, também, a chamada culpa consciente, quando o agente assume o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá. A culpa leve é a que se caracteriza pela infração a um dever de conduta relativa ao homem médio, ao bom pai de família. São situações nas quais, em tese, o homem comum não transgrediria o dever de conduta. A culpa levíssima é constatada pela falta de atenção extraordinária, que somente uma pessoa muito atenta ou muito perita, dotada de conhecimento especial para o caso concreto, poderia ter. 47 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo 2 Logo, ainda que a indenização deva ser medida pela extensão do dano
Compartilhar