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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA INTESTINO DELGADO A maior parte da absorção de nutrientes ocorre no intestino delgado, já que a sua estrutura é especialmente adaptada a estas funções. O seu comprimento já fornece grande área de superfície para digestão e absorção, a qual ainda é aumentada por pregas circulares, vilosidades e microvilosidades. O intestino delgado começa no músculo esfíncter do piloro do estômago, passa pela parte central e inferior da cavidade abdominal e, por fim, se abre no intestino grosso. Mede aproximadamente 2,5cm de diâmetro e 3m na pessoa viva. ANATOMIA O intestino delgado é dividido em 3 regiões: Duodeno -> região mais curta, que é retroperitoneal. Inicia-se no esfíncter do piloro e tem forma de tubo em C. É chamado de duodeno “12” porque é quase tão longo quanto a largura de 12 dedos. ❖ O duodeno é dividido em 4 partes: superior, descendente, inferior e ascendente. Jejuno -> parte após o duodeno com aproximadamente 1m de comprimento e se estende até o íleo. O jejuno representa cerca de 2/5 e o íleo cerca de 3/5 da parte intraperitoneal do intestino delgado. A maior parte do jejuno está situada no quadrante superior esquerdo e a maior parte do íleo no quadrante inferior direito. Íleo -> última e mais longa região do intestino delgado, medindo aproximadamente 2m. junta-se ao intestino grosso pelo óstio ileal (esfíncter de músculo liso). A parte terminal do íleo geralmente está na pelve, de onde ascende, terminando na face medial do ceco. HISTOLOGIA A parede do intestino delgado é composta por: túnica mucosa, tela submucosa, túnica muscular e túnica serosa (as mesmas 4 camadas que formam a maior parte do canal alimentar). A camada epitelial da túnica mucosa é composta por epitélio colunar simples que contém muitos tipos de células: ❖ Células absortivas -> liberam enzimas que digerem o alimento e contêm microvilosidades que absorvem os nutrientes no quimo do intestino delgado. ❖ Células caliciformes -> secretam muco. Túnica mucosa do intestino delgado contém fendas que formam as glândulas intestinais, as quais secretam suco intestinal. ❖ Células de Paneth -> contida nas glândulas intestinais. Secretam lisozima, uma enzima bactericida, e são capazes de realizar fagocitose. Podem atuar na regulação da população microbiana do intestino delgado. São encontrados 3 tipos de células enteroendócrinas nas glândulas do intestino delgado: ❖ Células S -> secretam secretina (estimula secreção de bicarbonato no pâncreas). ❖ Células CCK -> secretam colecistocinina (CKK). ❖ Células K -> secretam polipeptídio inibidor gástrico (PIG). APG 04 - DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A lâmina própria da túnica mucosa do intestino delgado contém tecido conjuntivo areolar e tecido linfoide associado a mucosa (MALT) abundante. A lâmina muscular da mucosa é constituída por músculo liso. Tela submucosa do duodeno -> contém glândulas duodenais que secretam um muco alcalino que ajudam a neutralizar o ácido gástrico no quimo. Apesar de a parede do intestino delgado ser composta pelas mesmas 4 camadas do restante do canal alimentar, as características estruturais especiais deste facilitam o processo de digestão e absorção -> essas características incluem as pregas, vilosidades e microvilosidades. ❖ Pregas circulares -> são pregas da túnica mucosa e da tela submucosa com aproximadamente 10mm de comprimento. Essas pregas aumentam a absorção pelo aumento da área de superfície e fazem com que o quimo se mova em espiral conforme passa pelo intestino delgado. No ID, também há vilosidades -> projeções digitiformes da túnica mucosa com 0,5-1mm de comprimento. Numerosas vilosidades aumentam muito a área de superfície disponível para absorção e digestão e dão à túnica mucosa intestinal um aspecto aveludado. ❖ Cada vilosidade é coberta por epitélio e tem um centro de lâmina própria, na qual estão uma arteríola, uma vênula, uma rede capilar e um vaso lactífero -> nutrientes absorvidos pelas células epiteliais que recobrem a vilosidade atravessam esse vaso para entrar na linfa ou a rede capilar para entrar no sangue. Microvilosidades -> projeções da membrana apical das células absortivas. Cada microvilosidade contém um feixe de 20-30 filamentos de actina. São muito pequenas, e à microscopia formam uma linha felpuda (borda em escova). ❖ Como as microvilosidades aumentam bastante a área da superfície da membrana plasmática, grandes quantidades de nutrientes digeridos conseguem se difundir para as células absortivas. ! A borda em escova contém várias enzimas com funções digestórias. FISIOLOGIA SUCO INTESTINAL E ENZIMAS DA BORDA EM ESCOVA Aproximadamente 1-2L de suco intestinal são secretados diariamente -> contém água e muco e é ligeiramente alcalino, devido à sua elevada concentração de íons bicarbonato. ❖ Juntos, o suco pancreático + intestinal fornecem um meio líquido que auxilia na absorção de substâncias a partir do quimo no intestino delgado. As células absortivas do intestino delgado sintetizam enzimas digestórias (enzimas da borda em escova) e inserem-nas na membrana plasmática das microvilosidades. Parte da digestão enzimática ocorre na superfície das células absortivas que revestem as vilosidades. Entre as enzimas da borda em escova estão: ❖ 4 enzimas que digerem carboidratos -> α-dextrinase, maltase, sacarase e lactase. ❖ Enzimas que digerem proteínas -> peptidases. ❖ 2 enzimas que digerem nucleotídeos -> nucleosidases e fosfatases. DIGESTÃO MECÂNICA Os 2 tipos de movimentos do intestino delgado são controlados pelo plexo mioentérico: Segmentações -> contrações localizadas de mistura que ocorrem em partes do intestino distendido por um quimo volumoso. Misturam o quimo aos sucos digestórios e colocam as partículas de alimento em contato com a túnica mucosa para serem absorvidos. ❖ Uma segmentação inicia-se com a contração das fibras musculares circulares de uma parte do ID -> fibras musculares que circundam o meio de cada segmento se contraem -> fibras que contraíram inicialmente relaxam, formando grandes segmentos. Conforme a sequência de movimentos anteriormente citada se repete, o quimo patina para frente e para trás. Peristaltismo -> inicia depois de a maior parte de uma refeição ter sido absorvida. O tipo de peristaltismo que ocorre no ID é o complexo mioelétrico migratório (CMM), iniciado na parte inferior do estômago e empurra o quimo para a frente ao longo de um trecho curto do ID. Ao todo, o quimo permanece no ID por 3-5hs. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA DIGESTÃO QUÍMICA Na boca, a amilase salivar converte o amido (um polissacarídio) em maltose (um dissacarídio), maltotriose (um trissacarídio) e α- dextrina (fragmento de amido de cadeia curta ramificada com 5 a 10 unidades de glicose). No estômago, a pepsina converte as proteínas em peptídios (pequenos fragmentos de proteínas), e as lipases lingual e gástrica convertem alguns triglicerídios em ácidos graxos, diglicerídios e monoglicerídios. Assim, o quimo que entra no intestino delgado contém carboidratos, proteínas e lipídios parcialmente digeridos. A conclusão da digestão dos carboidratos, proteínas e lipídios é um esforço coletivo do suco pancreático, bile e suco intestinal no intestino delgado. ABSORÇÃO Todas as fases químicas e mecânicas da digestão, da boca ao intestino delgado, são controladas de modo a alterar os alimentos em formas que possam passar através das células epiteliais absortivas que revestem a túnica mucosa e entrar nos vasos sanguíneos e linfáticos subjacentes. Estas formas são os monossacarídios (glicose, frutose e galactose) a partir dos carboidratos; aminoácidos individuais, dipeptídios e tripeptídios a partir das proteínas; e ácidosgraxos, glicerol e monoglicerídios a partir dos triglicerídios. A passagem destes nutrientes digeridos do canal alimentar para o sangue ou linfa é chamado absorção. A absorção de materiais ocorre por meio da difusão, difusão facilitada, osmose e transporte ativo. Aproximadamente 90% de toda a absorção de nutrientes ocorre no intestino delgado; os outros 10% ocorrem no estômago e no intestino grosso. Qualquer material não digerido ou não absorvido que sobra no intestino delgado passa para o intestino grosso. INTESTINO GROSSO É a parte terminal do canal alimentar. As funções globais do intestino grosso são: ❖ Concluir a absorção. ❖ Produzir determinadas vitaminas. ❖ Formar fezes. ❖ Expulsar as fezes do corpo. ANATOMIA Tem aproximadamente 1,5m de comprimento e 6,5cm de diâmetro, estendendo-se do íleo ao ânus. Estruturalmente, as 4 principais regiões do intestino grosso são: ❖ Ceco ❖ Colo ❖ Reto ❖ Canal anal Na abertura do íleo para o IG, tem uma prega de túnica mucosa (óstio ileal), possibilitando que os materiais do ID passem para o IG. Pendurado inferiormente ao óstio ileal, está o ceco -> pequena bolsa de aproximadamente 6cm. Anexado ao ceco existe o apêndice vermiforme -> tubo espiralado com aproximadamente 8cm. A extremidade aberta do ceco se funde ao colo, que é dividido em ascendente, transverso, descendente e sigmoide. Tanto o ascendente quanto o descendente são retroperitoneais. O colo sigmoide começa perto da crista ilíaca esquerda, projeta-se em direção à linha média e termina como o reto no nível da S3. HISTOLOGIA A parede do intestino grosso contém as 4 camadas típicas encontradas no restante do canal alimentar: túnica mucosa (epitélio colunar simples, lâmina própria e músculo liso), submucosa, muscular e serosa. ❖ O epitélio contém células absortivas e caliciformes -> as absortivas atuam na absorção de água e as caliciformes secretam muco que lubrifica a passagem do conteúdo do colo. Tanto as absortivas como as caliciformes estão localizadas em glândulas intestinais tubulares longas e retas, que se estendem por toda a espessura de túnica mucosa. Nódulos linfáticos solitários também são encontrados na lâmina própria da mucosa e podem se estender através da lâmina muscular da mucosa até a tela submucosa. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Em relação ao ID, o IG não tem tantas adaptações estruturais que aumentem a área de superfície, como as pregas e vilosidades. Entretanto, as células absortivas apresentam microvilosidades. Consequentemente, ocorre muito mais a absorção no ID que no IG. DIGESTÃO MECÂNICA A passagem do quimo do íleo para o ceco é controlada pelo óstio ileal. Normalmente, este permanece parcialmente fechado, de modo que a passagem do quimo para o ceco geralmente ocorre lentamente. Logo após uma refeição, o reflexo gastroileal intensifica o peristaltismo no íleo e força um eventual quimo em direção ao ceco. A gastrina também relaxa o óstio. Sempre que o ceco é distendido, a contração do óstio ileal se intensifica. Os movimentos do colo começam quando substâncias passam pelo óstio ileal. ❖ Como o quimo se move pelo intestino delgado a uma velocidade constante, o tempo necessário para uma refeição passar para o colo é determinado pelo tempo de esvaziamento gástrico. Conforme o alimento passa pelo óstio ileal, enche o ceco e acumula- se no colo ascendente. Um movimento característico do intestino grosso é a agitação das saculações do colo. ❖ Neste processo, as saculações do colo permanecem relaxadas e são distendidas enquanto se enchem. Quando a distensão alcança determinado ponto, as paredes se contraem e espremem o conteúdo para a próxima saculação do colo. O peristaltismo também ocorre, porém em ritmo mais lento do que nas partes mais proximais do canal alimentar. Um último tipo de movimento é o peristaltismo em massa -> forte onda peristáltica que começa aproximadamente na metade do colo transverso e leva rapidamente o conteúdo do colo para o reto. DIGESTÃO QUÍMICA A fase final da digestão ocorre no colo por meio da ação das bactérias que habitam o lúmen. O muco é secretado pelas glândulas do intestino grosso, mas não são secretadas enzimas. O quimo é preparado para a eliminação pela ação de bactérias, que fermentam quaisquer carboidratos restantes e liberam hidrogênio, dióxido de carbono e gases metano. ❖ Estes gases contribuem para os flatos no colo, denominada flatulência quando é excessiva. As bactérias também convertem quaisquer proteínas restantes em aminoácidos e fragmentam os aminoácidos em substâncias mais simples. Um pouco de duas dessas substâncias (indol e escatol) é eliminado nas fezes e contribui para o seu odor. As bactérias também decompõem a bilirrubina em pigmentos mais simples, incluindo a estercobilina, que dá às fezes a sua coloração marrom. ❖ Os produtos bacterianos que são absorvidos pelo colo incluem várias vitaminas necessárias para o metabolismo normal, entre as quais algumas vitaminas B e a vitamina K. ABSORÇÃO E FORMAÇÃO DE FEZES Até agora o quimo permaneceu no intestino grosso por 3-10 hs, tornou-se sólido ou semissólido por causa da absorção de água e agora é chamado fezes. ❖ Quimicamente, as fezes consistem em água, sais inorgânicos, células epiteliais da túnica mucosa do canal alimentar, bactérias, produtos da decomposição bacteriana, materiais digeridos e não absorvidos e partes não digeríveis de alimentos. Embora 90% de toda a absorção de água ocorra no ID, o ID absorve o suficiente para torná-lo um órgão importante na manutenção de equilíbrio hídrico do corpo. Dos 0,5-1,0L de água que entra no IG, quase tudo é absorvido por osmose. O IG também absorve íons, incluindo sódio e cloreto, e algumas vitaminas. DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS A doença inflamatória intestinal (DII) refere-se a 2 distúrbios inflamatórios idiopáticos crônicos: Doença de Crohn e colite ulcerativa. As duas condições causam inflamação intestinal, não tem evidência confirmatória de um agente etiológico comprovado, não saguem um padrão de ocorrência familiar e podem ser acompanhadas de manifestações sistêmicas. A doença de Crohn acomete mais comumente os segmentos distais do intestino delgado e o cólon proximal, mas pode afetar qualquer área do sistema digestório desde o esôfago até o ânus; por outro lado, a colite ulcerativa limita-se ao cólon e ao reto. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA EPIDEMIOLOGIA A colite ulcerativa (CU) e a doença de Crohn (DC) são doenças inflamatórias crônicas idiopáticas e heterogêneas, comuns entre crianças e adolescentes, constituindo cerca de 25% dos casos de DII. Tem havido aumento na incidência de DC, enquanto a RCU permanece estável. No adulto, a DC apresenta distribuição bimodal em relação à idade: maior pico entre 20-40 anos, e menor de 60-80 anos. A doença não sugere preferência por sexo. A DC e CU ocorrem em todos os grupos étnicos e socioeconômicos, mas sua incidência é maior em caucasianos brancos e judeus de ascendência europeia oriental. Brasil: a incidência média de DC e CU fica em torno de 7 para cada 100 mil habitantes. A Sociedade Brasileira de Coloproctologia realizou um estudo sobre prevalência das DII no Brasil de 2012-2020 -> foram analisadas informações de 212.026 pacientes de ambos os sexos, sendo 140.705 com DC e 92.326 com CU. ❖ O registro de novos casos subiu de 9,41 por 100 mil habitantes em 2012 para 9,57 por 100 mil habitantes em 2020, tendo uma variação anual média de 0,80%. ❖ No Brasil, a prevalência das DII chega a 100 casos para cada 100 mil habitantes no SUS, sendo a maior concentração nas regiões Sudeste e Sul. DOENÇA DE CROHN É uma doença inflamatória transmural e recidivante que pode acometer qualquer segmento do tubo digestório, da boca ao ânus, caracterizada por inflamaçãodescontínua dos segmentos digestivos acometidos, com formas distintas de manifestações em cada indivíduo. ❖ É também considerada uma doença sistêmica, pois apresenta manifestações extra-intestinais que podem ou não estar ligadas à atividade da doença digestiva. ETIOLOGIA DC é considerada idiopática (que ocorre de modo espontâneo), pois não se identificou até o momento um agente patológico específico. Não há dúvida da predisposição genética. Fatores ambientais -> amamentação, infecções intestinais, higiene, agentes microbianos, dieta, cigarro, ocupação, poluição e estresse são os mais comumente citados como envolvidos na DC. Pensa-se que a DC seja o resultado de uma inter-relação entre um ou mais fatores ambientais em indivíduos geneticamente predispostos. ❖ Acredita-se que o consumo de açúcar refinado e gorduras polisaturadas aumente a incidência de DC. ❖ Sanitarismo precário e exposição a parasitas intestinais poderiam influenciar a imunidade intestinal e reduzir a susceptibilidade nos geneticamente predispostos. Eventos perinatais têm sido associados a alto risco para o desenvolvimento de DII, tais como infecção pré-natal da mãe; complicações da gestação como pré-eclampsia, ameaça de aborto e diabetes gestacional; exposição perinatal ao vírus do sarampo. Fatores genéticos -> história familiar positiva para CU ou DC é o fator mais importante. São mais óbvios em casos que se iniciam antes dos 20 anos de idade. O início precoce da DC e sua gravidade podem ser geneticamente determinados e ligados à susceptibilidade em locus do cromossomo 16. ❖ Alguns genes específicos podem interagir com os fatores ambientais, incluindo, provavelmente, patógenos bacterianos, componentes da dieta, infecções na infância, etc. ! O problema básico parece ser um estímulo na mucosa intestinal, em um geneticamente predisposto, seguido de uma resposta do Sistema Imune seguida de autocontrole. Fatores imunológicos -> a inflamação da mucosa característica da DC é o resultado de uma cascata de eventos iniciados pelo antígeno, ainda indeterminado. Há possibilidade de que componentes habituais da flora intestinal possam desencadear ou contribuir. FISIOPATOLOGIA O aumento da permeabilidade intestinal faz parte da patogênese da DC com consequente aumento da carga de antígenos pelo Sistema Imune da mucosa que inicia e perpetua a inflamação -> isso ocorre no início da recaída do paciente e pode normalizar após cirurgia. ❖ Permeabilidade aumentada pode estar presente em familiares saudáveis de 1º grau dos pacientes com DC -> há a discussão se o defeito nos familiares é geneticamente pré-determinado e ocorre na ausência de inflamação intestinal, ou representa um estado subclínico da enfermidade. DC pode afetar qualquer área do intestino. Íleo terminal e ceco são as áreas comuns do intestino acometidas pelo processo inflamatório. Trata-se de uma condição de progressão lenta, inexorável e geralmente incapacitante. Tipicamente, há áreas descontinuamente afetadas (lesões em salto). A primeira anormalidade visível é o aumento dos folículos linfoides com um anel de eritema em volta (sinal do anel vermelho). Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Isso leva à ulceração aftoide, que progride a ulcerações profundas, fissurando, com aspecto de “pedra de calçamento”, fibrose, estenose e fistulização. Inflamação e fibrose predispõem a estenoses intestinais, apresentando-se com sintomas obstrutivos e perfuração local da parede intestinal, levando à formação de abscesso. A inflamação da mucosa, o edema, a fibrose, a obstrução linfática, quando localizados no ID, podem provocar diferentes fenômenos disabsortivos. A extensão e a localização anatômica da lesão determinam o grau de má ́absorção, assim como a especificidade do nutriente envolvido. ❖ Comprometimento do duodeno e jejuno proximal leva à má́ absorção de folatos, vitaminas, ferro, glicídios e lipídios; comprometimento do íleo distal provoca má́ absorção de gorduras e de aminoácidos; e comprometimento do íleo terminal, má́ absorção de vitaminas B12 e de lipídios. Ou seja: Como resultado da desregulação do Sistema Imune, os pacientes com DC desenvolvem úlceras aftosas, que são lesões superficiais nas mucosas. À medida que a doença progride, a ulceração torna- se mais profunda, transmural e bem-definida; pode formar um padrão serpiginoso e ocorrer em qualquer lugar desde a boca até o ânus em um padrão descontínuo. O local mais comum de ulceração é a região ileocecal. Em alguns pacientes, a doença crônica leva à formação de estenoses fibróticas e aproximadamente 30% dos pacientes desenvolvem fístulas no curso da doença. Na doença de Crohn inicial, os achados histopatológicos são caracterizados por um infiltrado inflamatório agudo na lâmina própria, com criptite e abscessos na cripta. Mais tarde no processo da doença, a arquitetura da cripta torna-se distorcida, com infiltrado linfocítico e consequentes ramificação e encurtamento das criptas. Granulomas não caseosos, que podem ser encontrados em até 15% das amostras de biopsia endoscópica e em até 70% das amostras cirúrgicas, não são exclusivos da doença de Crohn, mas ajudam a confirmar o diagnóstico quando existem outras características clássicas. As amostras cirúrgicas também podem mostrar inflamação transmural da parede intestinal e deslocamento de gordura na superfície serosa. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os sintomas podem incluir dor abdominal (geralmente no quadrante inferior direito), diarreia, hematoquezia e fadiga. Com a doença mais grave, pode haver febre e perda de peso. Alguns pacientes apresentam sintomas obstrutivos, como dor abdominal, distensão abdominal e náuseas. O quadro clínico é muito variado, pois depende da duração, extensão, atividade da doença, e presença ou não de complicações. Sobretudo nas fases iniciais da doença, a extensão da lesão é tão pequena que o paciente é assintomático. Dor abdominal -> sintoma mais comum, geralmente em caráter de cólica, intensa e mais presente do que na CU. Às vezes, é caracterizada como cólica periumbilical, pós-prandial, mas geralmente no quadrante inferior direito (íleo). ❖ O desconforto abdominal tende a iniciar-se após as refeições e a cólica aumenta antes da defecção. A dor abdominal pode acordar o doente durante o sono noturno. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Em alguns pacientes com comprometimento do trato digestório superior, a dor abdominal pode ser epigástrica. Odinofagia, disfagia, pirose e anorexia estão presentes quando há́ envolvimento do esôfago. Pacientes com envolvimento ileocolônico têm maior risco de formação de fístulas e, frequentemente, apresentam dor em quadrante inferior direito e massa abdominal palpável -> a dor abdominal pode apresentar-se de forma aguda e acompanhada de febre, simulando quadro de apendicite. Febre -> aparece em 20-50% dos casos, seja pelo processo inflamatório em si ou pelas complicações do tipo supurativo, podendo ser manifestação única ou predominante. Diarreia -> pode acompanhar o sintoma principal (dor abdominal), é de intensidade moderada, geralmente intermitente, ocorrendo com maior frequência nos casos de comprometimento difuso do ID ou isolado do cólon. Perda de peso -> pode ser o sintoma inicial da DC por conta de diversos mecanismos como: redução da ingestão de alimentos, perdas proteicas para o lúmen intestinal, aumento das necessidades alimentares não atendidas, estado de catabolismo. Déficit de crescimento e o retardo de maturação sexual ocorrem em cerca de 6-50% dos casos de criança. Doença perianal -> observada em 15-40% dos pacientes e pode se destacar como a primeira manifestação da DC. Pode se apresentar das seguintes formas: ❖ Lesão de pele -> maceração, erosão, ulceração e abscessos. ❖ Lesões docanal anal -> fissura, úlcera, estenose com enduração. ❖ Fístula -> baixa (canal anal para a pele), alta (reto para a pele), retovaginal. Manifestações extraintestinais -> fadiga, febre e emagrecimento. Pode haver comprometimento de vários órgãos, mas os órgãos-alvo costumam ser articulações, pele e mucosas, olhos, fígado e rins. DIAGNÓSTICO O médico deve incluir na anamnese perguntas sobre: ❖ Manifestações extra-intestinais. ❖ Distúrbios de humor. ❖ Recentes problemas médicos ou infecções. ❖ História passada de TB. ❖ Viagens. ❖ Medicações em uso (antibióticos e AINEs). ❖ História familiar de DII ❖ Doença celíaca. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Câncer colorretal. ❖ Uso de tabaco. História clínica -> queixa de dor abdominal intensa, noturna e associada a diarreia. Exame físico -> dados antropométricos e de desenvolvimento sexual relacionados com a idade; dor à palpação (QID) do abdome com ou sem massa palpável; presença de fissuras, abscessos ou fístula na região perianal e lesão perineais são importantes. EXAMES DE LABORATÓRIO Têm objetivo de avaliar a atividade, prognóstico, manifestações hepáticas/pancreáticas, fenômenos disabsortivos, estado nutricional ou afastar outras doenças. Exame de fezes: ❖ Rotina para parasitos, bactérias e vírus. ❖ Clostridium difficile e toxina. ❖ Pesquisa de leucócitos e/ou sangue oculto. ❖ Pesquisar citomegalovírus, principalmente nos imunossupressores. ❖ Pesquisa da alfa-1-antitripsina (mede a perda proteica intestinal e o aumento desta nas fezes indica aumento da permeabilidade intestinal), calprotectina (reflete a inflamação intestinal – proteína neutrofílica abundante) ou lactoferrina (marcador sensível e específico da inflamação) para determinar atividade da doença. Hemograma -> na fase aguda mostra leucocitose com desvio à esquerda, linfopenia, eosinofilia moderada ou acentuada, plaquetose. Hemossedimentação -> elevada na fase inicial e se reduz com o tratamento, sendo um dos indicadores de atividade da doença, bem como a PCR. Testes sorológicos específicos (ASCA/PANCA) -> Perinuclear antineutrophil cytoplasmic autoantibodies (pANCA) tem sido reconhecido como bom marcador de RCU. Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccha- romyces cerevisiae (Sc) (ASCA) são novos marcadores para DC. Ambos estão implicados no diagnóstico diferencial entre as duas entidades. A combinação dos dois pode ajudar nesta diferenciação. ❖ São testes realizados por imunofluorescência indireta (ANCA) e ELISA (ASCA). ❖ A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a comprometimento do intestino delgado. As evidências sugerem que, assim como o pANCA, a expressão de ASCA não seja um epifenômeno de agressão intestinal (alteração da permeabili- dade), e, sim, um reflexo de resposta específica imunomediada pela mucosa. EXAMES DE IMAGEM Raio X simples de abdome -> é essencial se houver suspeita de obstrução intestinal. Pode delinear presença e extensão da colite, diagnóstico de obstrução/perfuração, oclusão de megacólon tóxico. O trânsito intestinal, com estudo detalhado do íleo terminal sob fluoroscopia, é de importância central no diagnóstico da DC do intestino proximal ao íleo terminal, mostrando estenoses, ulcerações e fistulizações. O comprometimento do intestino delgado está presente em mais de 90% dos pacientes com DC. Endoscopia -> achados iniciais incluem pequenas úlceras superficiais da mucosa (úlceras aftosas). Conforme a doença progride, as ulcerações ficam profundas e podem se tornar redondas, lineares ou serpiginosas. ❖ Úlceras transversais e longitudinais que se cruzam na mucosa formam um aspecto de “calçada de paralelepípedos” com áreas de “paralelepípedo” representando a mucosa normal. Ultrassonografia -> pode ser útil na identificação de espessamento da mucosa intestinal e presença de adenomegalia e líquido na cavidade abdominal. US endorretal é útil nos casos de fístulas, mas restrita devido à dor. TC de abdome -> pode definir precisamente a anatomia de fístulas e cavidades na DC, ou pode ser útil para identificar abscesso ou linfoma. Usada para identificar anormalidades intrínsecas da parede abdominal, como áreas de espessamento ou aderências das alças intestinais. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA RM -> é superior à US na identificação de fístulas e estenoses, e na localização do segmento afetado, principalmente no ID proximal. Pode ser usada para se conhecer a atividade da DC, pois se correlaciona com o índice de atividade. É um exame que permite escanear todo o abdome dentro de um curto período de tempo. EXAME ANATOMOPATOLÓGICO Aspectos macroscópicos -> no local afetado, observa-se envolvimento total da parede, com hiperemia e depósito de exsudato no peritônio visceral, com aspecto rugoso e nodular, propiciando aderência entre as alças. Aspectos microscópicos -> glândulas distorcidas e ramificadas e presença de metaplasia das células de Paneth no cólon. Infiltrado linfoplasmocitário. ❖ DC ativa -> infiltrado de neutrófilos e monócitos no epitélio intestinal e na lâmina própria, na superfície exsudato fibrinoleucocitário, abscessos crípticos e agregados de linfoides ao longo dos linfáticos em toda a espessura do epitélio. ! Infere-se que os achados histológicos têm maior valor preditivo do que os achados endoscópicos no diagnóstico de DC do trato digestório superior, o que significa que a biopsia é obrigatória nas endoscopias altas dos pacientes. COLITE ULCERATIVA É uma doença inflamatória que atinge preferencialmente a mucosa do reto e do cólon esquerdo, eventualmente atinge todo o cólon. Trata-se de uma doença crônica, com surtos de remissão e exacerbação, caracterizada por diarreia e perda de sangue. Surge principalmente em pessoas jovens ou de meia-idade. Frequentemente apresenta complicações sistêmicas, além das locais. Apresenta sintomas debilitantes e com sério comprometimento da qualidade de vida. ETIOLOGIA Fatores ambientais: ❖ Dieta -> bebidas à base de cola, chocolate, açúcar refinado e dietas pobres em fibras e ricas em gorduras têm sido relacionadas à CU. ❖ Infecção -> estudos de caso comparando crianças que nasceram em ambientes contaminados e com baixas condições higiênicas àquelas que sempre viveram em ambientes higiênicos demonstraram que a doença inflamatória é mais frequente no segundo grupo. ❖ Apendicectomia -> indivíduos acometidos por apendicite ou Linfadenite mesentérica na infância ou na juventude tem menor probabilidade de desenvolverem a doença (resposta inflamatória evocada por estas doenças no passado induz alterações imunológicas duradouras com efeito protetor). ❖ Fumo -> CU é 2-6x mais comum em fumantes e pacientes fumantes intermitentes com CU têm reativação da doença em geral no período que não estão fumando. Fatores genéticos: ❖ História familiar e ocorrência da doença em gêmeos, principalmente monozigóticos. ❖ Associação com síndromes ou doenças comprovadamente genéticas. ❖ Correlação com marcadores genéticos, tais como sistema HLA, autoanticorpos, etc. Fatores imunológicos: a associação entre RCU e outras doenças imunológicas, tais como uveíte, anemia hemolítica autoimune, eritema nodoso, lúpus eritematoso sistêmico, a presença de autoanticorpos anticólon no soro de pacientes com a doença, e a boa resposta terapêutica aos corticosteroides sugerem que a doença tem na sua etiologia um componente imunológico. FISIOPATOLOGIA Na colite ulcerativa a inflamação é difusa e inespecífica, confinada à mucosa e submucosa da parede do TGI, restrita ao cólon e reto, sendo a transição entre tecido acometido e tecido normal nítida e bem demarcada. Na microscopia observam-se depleção de muco, edema de mucosa e congestão vascular com hemorragiafocal. São demonstrados também presença de células de fase inflamatória aguda, como infiltrados de neutrófilos na mucosa, submucosa e no lúmen das criptas, denominados abscessos de cripta, e também, como resposta crônica na lâmina própria, linfócitos, eosinófilos, plasmócitos e macrófagos. ❖ Fase inicial -> necrose epitelial, infiltrado inflamatório agudo na lâmina própria, criptite e abscessos na cripta. ❖ Doença crônica -> infiltrado linfocítico predominante e distorção da arquitetura da cripta. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Nos casos típicos, a colite ulcerativa evidencia-se por uma doença recidivante marcada por episódios de diarreia -> pode persistir por dias, semanas ou meses, mas depois regride e recomeça apenas depois de um intervalo assintomático de vários meses ou anos, ou até mesmo décadas. ❖ Como a colite ulcerativa acomete a camada mucosa do intestino, as fezes geralmente contêm sangue e muco. ❖ O paciente pode referir cólicas abdominais brandas e incontinência fecal. Anorexia, fraqueza e fadiga aos esforços mínimos são comuns. Com base nos resultados dos exames clínicos e endoscópicos, a doença é classificada com base na extensão de acometimento do cólon e na gravidade da inflamação -> branda, moderada, grave ou fulminante. ❖ O tipo mais comum da doença é a forma branda -> paciente defeca menos de 4x ao dia (com ou sem sangue), sem manifestações sistêmicas de toxemia e velocidade de hemossedimentação (VHS) normal. ❖ Moderada -> defecam mais de quatro vezes ao dia, mas mostram sinais mínimos de toxemia. ❖ Grave -> evidencia-se por mais de seis defecações sanguinolentas por dia e indícios de toxemia como febre, taquicardia, anemia e VHS elevada. ❖ Doença fulminante -> mais de 10 defecações diárias, sangramento contínuo, febre e outros sinais de toxemia, dor à palpação e distensão do abdome, necessidade de transfusão sanguínea e dilatação do cólon nas radiografias abdominais. Também podem aparecer manifestações extraintestinais. As manifestações extraintestinais incluem artrite, uveite, TVP, colangite esclerosante primária ou espondilite anquilosante. A manifestação extraintestinal mais comum da DII é artrite. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da colite ulcerativa baseia-se na história e no exame físico. Em geral, o diagnóstico é confirmado por retossigmoidoscopia, colonoscopia, biopsia e exames de fezes negativos para agentes infecciosos ou outras causas. ❖ A colonoscopia não deve ser realizada nos pacientes com doença grave, em vista do risco de perfuração, mas pode ser efetuada depois de ocorrer melhora comprovada para determinar a extensão da doença e a necessidade de monitoramento do desenvolvimento de câncer subsequente. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA TRATAMENTO A meta da terapia clínica é reduzir a inflamação e, subsequentemente, induzir e manter a remissão clínica, ao mesmo tempo que cura a mucosa. A terapia clínica específica selecionada é baseada na localização, na extensão, gravidade da doença e prognóstico futuro. 5-AMINOSSALICILATO Atua como anti-inflamatório tópico no lúmen do intestino, é usado para tratar a CU leve-moderada e como terapia de manutenção para pacientes com remissão. Sulfassalazina é a combinação de uma sulfapiridina com 5-ASA -> 5- ASA é responsável pela propriedade anti-inflamatória e a sulfapiridina é o carreador que possibilita o transporte do 5-ASA até o cólon. A mesalazina é liberada no intestino com base em um modelo de distribuição de pH, enquanto a sulfassalazina, a olsalazina e a balsalazida são liberadas no intestino por clivagem bacteriana de uma ligação covalente entre 5-ASA e um profármaco. CORTICOSTEROIDES Utilizados para tratar crises de CU e DC. A budesonida com revestimento entérico, uma formulação de liberação ileal dependente do pH, é um corticosteroide oral com alta atividade tópica e baixa biodisponibilidade sistêmica. Corticosteroides orais, como prednisona e metilprednisolona, são usados para doença moderada a grave. TERAPIA IMUNOMODELADORA Em pacientes que permanecem sintomáticos apesar da terapia com 5-ASA ou que apresentam DC moderada a grave ou CU, os análogos da tiopurina podem ser usados. Metotrexato também pode ser prescrito para DC moderada a grave. ANTIBIÓTICOS O mecanismo exato do efeito benéfico dos antibióticos de amplo espectro no tratamento da DII não é conhecido. Os mecanismos potenciais incluem a eliminação do crescimento bacteriano excessivo no intestino delgado, erradicação de um gatilho antigênico mediado por bactérias e propriedades imunossupressoras potenciais (p. ex., metronidazol). ❖ O papel principal dos antibióticos é na DC, para a qual metronidazol (10 a 20 mg/kg/dia durante 4 a 8 semanas), ciprofloxacino (500 mg VO, 2 vezes/dia durante 4 a 8 semanas), ou ambos são terapias indutoras primárias para fístulas perianais. DOENÇA CELÍACA A doença por sensibilidade ao glúten é um estado de resposta imunológica, tanto celular como humoral, ao glúten, em indivíduos geneticamente suscetíveis. A intolerância ao glúten é permanente. EPIDEMIOLOGIA É uma das doenças genéticas mais comuns, com prevalência média de 1-6% na população geral. Acomete indivíduos de qualquer idade (sobretudo crianças de 6 meses a 5 anos) e de ambos os sexos, predominando no feminino. Nos últimos anos, houve um aumento da incidência de DC, o que pode ser explicado pela maior disponibilidade dos testes sorológicos, principalmente com determinação de IgA e pela facilidade das biópsias através da endoscopia. Brasil -> afeta em torno de 2 milhões de pessoas, mas a maioria delas encontra-se sem diagnóstico. Pessoas com história familiar de 1º grau, doenças autoimunes como tireoidites e DM 1 estão associadas a maior risco para a doença. Indivíduos com Síndrome de Down também tem maior predisposição chegando a ter um risco vinte vezes maior que a população em geral. ETIOLOGIA DC é fortemente hereditária, oligogênica e complexa. As doenças complexas consistem em afecções influenciadas por múltiplos fatores ambientais e genéticos e, potencialmente, por interações entre esses. FATORES GENÉTICOS ❖ A doença é familiar, pois a lesão característica da mucosa entérica ocorre de 5-20% nos familiares dos pacientes. ❖ Há concordância de 70-75% na DC em gêmeos monozigóticos. ❖ Ocorrem múltiplos casos da doença dentro da mesma família. ❖ A doença é rara em determinados grupos étnicos. A DC resulta de um efeito combinado de produtos de diferentes genes, HLA e não HLA. Diferentes genes de suscetibilidade podem contribuir nos diferentes estágios para o desenvolvimento final da doença. FATORES AMBIENTAIS Quanto aos fatores ambientais, embora se descreva o aparecimento da DC após uma infecção, não se comprovou que um determinado microrganismo possa ter papel relevante. No entanto, dados recentes sugerem que a exposição precoce de crianças ao glúten, infecção precoce com vírus enteropáticos ou uma mudança da flora bacteriana tem mostrado favorecer a evolução de DC clinicamente manifesta na infância. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA FISIOPATOLOGIA A DC é causada por uma resposta imune anormal dos linfócitos T à alfa-gliadina ingerida (componente da proteína do glúten) pelos indivíduos geneticamente predispostos. Quase todos os pacientes com essa doença compartilham o alelo HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 do complexo de histocompatibilidade de classe II. Esses pacientes têm níveis mais altos de anticorpos contra vários antígenos, inclusive transglutaminase, endomísio e gliadina. A reação imune resultante causa uma reação inflamatória intensa, que resulta na destruição das vilosidades absortivas do intestino delgado. Quando as lesões resultantes são extensivas, podem reduzir a absorção de macronutrientes(proteínas, carboidratos e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e minerais). O acometimento do intestino delgado é mais acentuado nos segmentos proximais, onde a exposição ao glúten é maior. A DC afeta os locais “nobres” da absorção. O defeito básico da absorção situa-se na fase epitelial. Na DC, além da redução da área absortiva, existem alterações nos mecanismos de digestão e transporte. Consequentemente, também ocorrem espoliação de vários nutrientes, exsudação de proteínas e oligoelementos para o lúmen intestinal e aumento de secreção pelas células das criptas. Logo, a diarreia na DC resulta de: ❖ Grande volume líquido apresentado aos cólons. ❖ Aumento de gordura nos cólons, que passa a ácidos graxos por ação bacteriana, tendo efeito catártico. ❖ Elevação da secreção de água e eletrólitos, aumentando o volume no lúmen intestinal. ❖ Diminuição da liberação de hormônios digestivos, da enteroquinase e das secreções pancreáticas. O glúten induz uma resposta imunológica inata que atua em conjunto com a imunidade adaptativa. Componentes humorais e celulares participam ativamente no processo da lesão da mucosa intestinal. Morfologicamente, a doença caracteriza-se por atrofia das vilosidades intestinais, que resulta em má absorção intestinal. As lesões são causadas pela gliadina, que é a principal proteína imunogênica do glúten. No início, epítopos da gliadina induzem a liberação de IL-15, que ativa linfócitos T CD8+ (citotóxicos) intraepiteliais, os quais passam a agredir os enterócitos; lesão destes favorece maior penetração de gliadina na lâmina própria, amplificando o processo. Na lâmina própria, a gliadina sofre desaminação pela transglutaminase, aumentado sua imunogenicidade. Antígenos da gliadina estimulam também linfócitos T CD4+, que induzem resposta inflamatória e ativam linfócitos B a produzir anticorpos, particularmente antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase, importantes no diagnóstico laboratorial da doença. Estímulo persistente pela gliadina é responsável, portanto, pela resposta imunitária e pelas lesões morfológicas na mucosa intestinal. Morfologia: As lesões intestinais iniciam-se com aumento do número de linfócitos intraepiteliais. Com o tempo, surge inflamação crônica que resulta em modificações na estrutura da mucosa, que variam desde poucas alterações nas vilosidades até atrofia e desaparecimento das mesmas. Os achados dominantes são hipotrofia e achatamento das vilosidades intestinais e alongamento das criptas (hiperplasia), que ocupam toda a espessura da mucosa. Os enterócitos tornam-se cuboides e perdem a borda em escova. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Achado importante é o aumento do número de linfócitos intraepiteliais, que é o principal marcador da doença; nas fases iniciais do processo, tal achado é indicativo da doença, mesmo sem atrofia vilositária. Na lâmina própria, há grande número de plasmócitos e linfócitos. As lesões são mais acentuadas na segunda porção do duodeno e no jejuno proximal, que são os locais de maior exposição aos antígenos alimentares. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Em crianças, as principais manifestações clínicas são diarreia e esteatorreia associadas à má absorção de carboidratos, lipídeos e proteínas. Em consequência, surgem desnutrição, palidez cutânea, distensão abdominal e hipotrofia da musculatura glútea e dos membros. Em crianças maiores e adolescentes, pode haver retardo no crescimento (baixa estatura) e manifestações extraintestinais, como irritabilidade, vômitos, anorexia e constipação intestinal. Em adultos, as manifestações mais comuns são diarreia, dor ou desconforto abdominal, anemia por deficiência de ferro e/ou ácido fólico, osteoporose, dermatite herpetiforme e emagrecimento. DIAGNÓSTICO Clínico -> deve ser feita uma anamnese detalhada e um exame físico cuidadoso, além de exames laboratoriais. O diagnóstico não deve ser exclusivamente clínico. Uma opção de teste inicial para investigar a doença é através da investigação de suas consequências. Desse modo, testes incluem o hemograma completo, perfil de função renal, testes da função hepática como gama-gt, transaminases e bilirrubinas, o perfil do ferro no organismo, vitamina D, vitamina B12 e ensaios de folato. Possíveis achados: ❖ Vitaminas A, C, B12 -> diminuídas. ❖ Ácido fólico -> diminuído. ❖ Cálcio, ferro -> diminuídos. ❖ Proteínas totais -> diminuídas. ❖ Hemograma -> anemia. Provas de absorção intestinal: são à prova da d- xilose e à determinação da gordura fecal. Estas provas indicam má absorção intestinal. Testes sorológicos de anticorpos: o mais utilizado é o transglutaminase (TTG) IgA tecidual, no qual a dosagem de IgA e IgG antigliadina, e o teste de anticorpos IgA anti-endomisial. Por fim, temos o O teste EMA avalia a presença de anticorpos IgA contra o endomísio. Genotipagem de HLA: teste que identifica haplótipos HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 expressos na superfície das células. A presença desses genes está associada à doença celíaca Exame de imagem: é feita a radiografia do esôfago-estômago- duodeno e são encontrados dilatações, pregas alargadas, fragmentações e floculação. Endoscopia digestiva: pode apresentar perda da granulosidade, padrão mosaico, pregas mais espessadas e proeminentes, concêntricas e vasos sanguíneos visíveis. Biopsia do intestino delgado para exame histopatológico, esse exame pode ser feito durante a endoscopia. TRATAMENTO Inicialmente, usam-se medicamentos para correção de carências, enfatizando ao paciente e família que o verdadeiro tratamento da DC é dietético, sem glúten, permanentemente. ❖ Ácido fólico e compostos polivitamínicos são utilizados por via parenteral ou oral; vitaminas K1 e B12 por via parenteral, quando necessário; ❖ Cálcio por via IV nas crises de tetania e VO, no desenrolar do tratamento; Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Ferro parenteral, quando muito necessário, ou VO. ❖ Enzimas pancreáticas são utilizadas como coadjuvantes, nos primeiros meses, por facilitarem a digestão de gorduras e porque, nos celíacos, como em desnutridos primários, há falta de proteínas para geração e secreção de enzimas pancreáticas digestivas ❖ Antibióticos ou antimicrobianos (metronidazol) são usados raramente, mais para certas infecções intestinais associadas; ❖ Corticosteroides são indicados apenas em insuficiência suprarrenal.
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