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AULA 1 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Profª Daniele Assad Gonçalves 2 INTRODUÇÃO Olá, alunos, nesta aula iniciaremos nossos estudos sobre o Direito Internacional Privado. Primeiro, temos de aprender sobre o Direito Internacional propriamente dito e, depois, vamos aprender sobre o ramo do Direito que regula os conflitos existentes mediante aplicabilidade da legislação, envolvendo sujeitos de mais de uma nacionalidade, por exemplo. Aprenderemos sobre esses conceitos, assim como a abertura comercial em nosso país, que permitiu acesso ao Direito Internacional e ao Direito Internacional Privado, um dos ramos dessa ciência, além da compreensão da importância desse direito perante as relações existentes na sociedade internacional. Teremos o aporte da história para aprenderemos sobre o nascimento do Direito Internacional mediante a sociedade internacional, por meio do Tratado de Westfália, que resultou no fim de uma guerra que destruiu grande parte da Europa, e a sua chegada ao Brasil, como o marco registrado pela abertura comercial iniciada na década de 1990, que propiciou o crescimento econômico reduzindo a taxa de desemprego e possibilitando a geração de novos empregos, além disso, foi de extrema relevância para a história econômica do Brasil. Vamos conhecer as diferenças existentes entre o Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado, estudaremos o objeto desse ramo do direito, a sua denominação, suas fontes internas, fontes internacionais, a lex mercatoria, o elemento de conexão e algumas de suas espécies. Vamos aprender mais sobre o Direito Internacional Privado! TEMA 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Antes de falarmos exclusivamente do Direito Internacional Privado, temos de compreender o que é o Direito Internacional em si. Portanto, o Direito Internacional nada mais é do que um conjunto de normas que regulam as relações externas dos atores que integram a sociedade internacional. Desde que passamos a viver em sociedade, houve a necessidade da criação de normas para regular nossa vida no dia a dia, com os direitos e deveres comuns a todos e, claro, penalidades, caso haja o descumprimento da lei. 3 Entretanto, ainda temos conflitos internos, obviamente que na sociedade internacional não é diferente e, além disso, muitas vezes, esses conflitos geram instabilidade internacional, que pode gerar impacto inclusive na economia mundial se não forem solucionados de forma pacífica. Para entender como o Direito Internacional Privado possui uma atuação relevante e primordial, é necessário compreender a sua real importância nas relações existentes entre os Estados ou países. Temos primeiro de aprender o que é o Direito Internacional na sua totalidade. Para isso, temos de começar pelo início, ou seja, temos que voltar na história para aprendermos sobre como nasceu o Direito Internacional. A história pode nos ajudar a compreender a importância dessa ciência que tem como marco de seu nascimento a assinatura do Tratado de Westfália, em 1648, também conhecido como Tratado de Münster e Osnabrück ou Paz de Vestfália. Sua importância revela-se pelo fato de que esse documento foi responsável por colocar um ponto final na guerra que ficou conhecida como a Guerra dos 30 anos (1618 – 1648). O referido documento compreendia um conjunto de 11 tratados e sua assinatura resultou na criação do sistema internacional para a Europa. Portanto, os tratados firmados entre os países trouxeram a nova concepção de direito internacional e, ainda, trouxe o que conheceríamos como a razão de Estado, ou seja, o pragmatismo e a eficiência do Estado Moderno. Nasceram novos Estados e outros se tornaram autônomos. Os Tratados da Paz de Westfalia trouxeram inúmeras transformações, entre as quais, temos: as noções que conhecemos como Estado nacional e soberania estatal se consolidaram. A partir disso, os Estados não mais obedeciam a hierarquia baseada na religião e somente reconheceriam a sua soberania não havendo nenhum poder acima dela. Nesse momento, a Europa passa a adotar a organização política que temos hoje, como Estado ou Estado-nação. Portanto, temos de compreender claramente que o Direito Internacional versa sobre as relações entre os Estados soberanos, podendo ser positivado ou ainda baseado em costumes, mas temos de entender que o Direito Internacional Privado é parte integrante do Direito Internacional por ser uma de suas ramificações. Além disso, é responsável pela aplicação das leis em relação conflituosas que envolvem sujeitos, sejam elas civis, comerciais ou penais. Por 4 exemplo, de um Estado sobre particulares de outro Estado, ou seja, de um país para outro país. Devemos considerar que, assim como o Direito Internacional ganhou destaque nos últimos tempos, o Direito Internacional Privado que passou a ganhar destaque por regular grande parte do universo do direito, dessa maneira, é um ramo de direito que cresce exponencialmente, exatamente em razão de sua finalidade que é a manutenção das relações entre os atores envolvidos. Com o mundo globalizado, as nações interagem de modo mais evidente, e as relações de caráter privado acentuam-se nas relações jurídicas por estarem envolvidas com os elementos estrangeiros, possuindo três categorias relativos à pessoa: o lugar do nascimento; o lugar do falecimento; o lugar da sede da pessoa jurídica; do domicílio; da residência habitual; ou do lugar onde se encontra. Há ainda os relativos aos bens: o lugar da situação do bem e o lugar do registro do bem (para os bens que se submetem a registro), além dos concernentes a outros fatos jurídicos: o lugar da constituição ou execução da obrigação; o lugar onde os efeitos (jurídicos e econômicos) do ato ilícito são mais evidentes para a vítima do ato (nos casos de violações com efeitos multiterritoriais) e, portanto, merecem uma análise mais aprofundada por impactarem em mais de um Estado soberano (país). Não basta falarmos de quais áreas do direito podem ser condicionadas à jurisdição do Direito Internacional Privado, temos de compreender a real importância desse ramo do direito para a sociedade internacional e, para isso, temos de falar sobre a história. Aprendemos na escola que os povos viviam isolados devido a diversos fatores, como raça, língua, religião e tradição, que acabavam por trazer dificuldades no momento de negociar, por exemplo. Com a expansão das relações comerciais, essa área ganhou o mundo, aproximando os povos e permitindo que pudessem também resolver seus conflitos mediante os impasses gerados por essa relação. Essa proximidade iniciou na época dos egípcios com suas pirâmides suntuosas e se estende até os dias atuais. E no Brasil, quando surgiu o Direito Internacional? Em nosso país, podemos considerar como marco principal do direito internacional, além de um avanço econômico, a abertura comercial que ocorreu na década de 1990, com o então presidente da república Fernando Collor de 5 Mello, que possibilitou o ingresso de produtos estrangeiros em nosso país. Até aquele momento, tínhamos acesso somente a produtos nacionais. Claro que não ficamos restritos somente às relações comerciais, mas, também uma maior facilidade do ingresso de estrangeiros em nosso país, como brasileiros que buscam oportunidades melhores em países estrangeiros também trouxe ganhos para a área acadêmica em razão dos programas de intercâmbio, que possibilitam a troca de experiências entre pessoas de várias nacionalidades. Essa abertura comercial, que foi iniciada no governo Collor e depois continuou no governo de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu devido à estagnação na indústria e ao aumento da taxa de desemprego no país, que trouxe a estagnação da indústria nacional com o processo concluído, culminando no aumento das exportações e das importações, alémde possibilitarem a inovação às empresas brasileiras por meio da tecnologia importada. Nesse período, também houve a privatização de algumas estatais a empresas estrangeiras. Apesar disso, houve o aumento da empregabilidade, ou seja, as taxas de desemprego passaram a diminuir, o que foi extremamente relevante para a história econômica do nosso país, uma vez que representou a ruptura do protecionismo tarifário pelo governo sobre a indústria nacional, proteção herdada do modelo de industrialização baseado na substituição das importações. Isso possibilitou nosso ingresso no mercado internacional e hoje podemos constatar esse fato por meio da grande quantidade de contratos firmados entre empresas e indivíduos de países diferentes, que são concluídos em um país e executados em outro, como exemplo: a compra e a venda de imóveis situados fora do país, onde o negócio foi firmado. Vale lembrar que alguns juristas se preocupam em como determinar a legislação aplicável à relação conflituosa concreta quando gera efeitos em mais de um país simultaneamente. Vamos aprender que estudar o Direito Internacional Privado é saber como aplicar, a cada caso, a legislação específica, não esquecendo que ela gera efeitos em mais de um país de forma simultânea. Fundamentalmente, o Direito Internacional Privado é o ramo do direito que desafia o princípio da territorialidade das leis na medida em que fixa os fundamentos da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. Como e quando aplicar? Em que casos? Quais são os limites dessa aplicação? 6 TEMA 2 – CONCEITOS E FONTES O Direito Internacional privado pode ser definido como o conjunto de normas que mostram o ordenamento jurídico ou a legislação aplicável a um determinado fato. São consideradas normas de sobredireito ou normas indiretas, ou seja, aquelas que não apontam o ordenamento jurídico aplicado a um determinado caso. Podemos dizer ainda que, devido à internacionalização da vida e das atividades humanas, gera fenômenos jurídicos que devem ser resolvidos pelo Estado. O Direito Internacional Privado (DIPr) pode ser considerado também uma disciplina que estuda a escola da norma aplicada a uma relação jurídica que possui conexão internacional, tendo como objeto de seu estudo, pela doutrina mais ampla, a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito das leis no espaço e o conflito de jurisdições. Além disso, o Direito Internacional Privado (DIPr) possui a função de informar qual legislação deve ser aplicada a casos e conflitos de interesse privado e em situações diferenciadas. Tanto que ele é aplicado em diferentes âmbitos, como no âmbito penal quando se refere a crimes ou familiar ao falarmos sobre o divórcio, sucessões, entre outros. É imprescindível que o Direito Internacional Privado (DIPr) indique as leis que devem auxiliar a regulação dos contratos firmados por indivíduos de países diferentes, seja versando sobre temas, por exemplo, adoções. No Direito Internacional Privado, as normas regem diretamente o fato concreto, como as normas de adoção internacional. Ela é uma tendência do direito internacional por garantir a harmonização dos direitos e seu objetivo é chegar a uniformização do direito. Lembramos que essa tendência não é o que realmente ocorre nas decisões judiciais baseadas em casos concretos. 2.1 Fontes internas e fontes internacionais O Direito Internacional Privado possui as fontes internas e as fontes internacionais. As fontes internas são as leis que compõe o nosso ordenamento jurídico e também nos costumes como exemplo podemos citar a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Temos ainda as fontes secundárias, sendo que a doutrina é a produção acadêmica realizada pelos pesquisadores da área. Portanto, ela representa a 7 visão dos autores sobre determinado assunto que envolve o direito. Ela é de extrema importância por trazer a visão do direito de forma prática mediante determinado assunto e podemos citar o ministro Gilmar Mendes. Já a jurisprudência é um histórico de decisões dentro do direito a respeito de determinada questão. Ela tem valor como argumento em ações ainda em andamento e acaba sendo um indexador de decisões semelhantes. Portanto, é como um histórico de decisões a respeito de casos semelhantes que podem ser usados como forma de indicar qual é o melhor caminho para outro caso semelhante e aberto depois. Já as fontes internacionais também possuem doutrina e jurisprudência, entretanto, têm em seu rol os tratados internacionais, que são os acordos formais e escritos entre Estados (países) e/ou organizações internacionais que busca produzir efeitos numa ordem jurídica internacional. O tratado é um instrumento capaz de obrigar as partes a se comprometerem a alcançar um determinado objetivo, ele impõe penalidades ao não ser cumprido. Esses acordos protegem e fortalecem os interesses de determinados Estados em determinados assuntos. Depois de internacionalizados, podem ser fonte de pesquisa para doutrinadores. Além dos tratados, temos as decisões judiciais dos tribunais internacionais, que são as cortes internacionais, sendo elas: Organização dos Estados Americanos (OEA); Direito Internacional; Tribunal Penal Internacional; Corte Internacional de Justiça; Tribunal de Nuremberg e a Corte Internacional de Direitos Humanos, e os tribunais arbitrais internacionais, como o Tribunal Internacional de Arbitragem da TPI. Este é um órgão independente e autônomo, formando parte da Câmara de Comércio Internacional (o "ICC"), a sede é em Paris, França. O Tribunal Internacional de Arbitragem, embora seja chamado de tribunal, não é um órgão judicial de acordo com seu Estatuto e o seu principal papel é supervisionar os procedimentos de arbitragem, de acordo com as Regras de Arbitragem da CCI, com seu papel, incluindo o escrutínio e a aprovação de sentenças arbitrais. Outro famoso Tribunal de Arbitragem é o Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres (LCIA), que possui sede em Londres, Reino Unido. Era conhecido como Câmara de Arbitragem da Cidade de Londres e depois ficou conhecido como Tribunal de Arbitragem de Londres. http://www.lcia.org/Dispute_Resolution_Services/schedule-of-costs-lcia-arbitration.aspx http://www.lcia.org/Dispute_Resolution_Services/schedule-of-costs-lcia-arbitration.aspx 8 Devido a um número crescente de casos internacionais, seu nome foi alterado para Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres, ou o LCIA, como é comumente conhecido. Contudo, não é um tribunal, mas uma empresa independente limitada por garantia incorporada na Inglaterra. O Tribunal de Arbitragem da LCIA é um órgão não permanente da LCIA, cujo papel principal é a nomeação de tribunais arbitrais, decisões sobre os desafios dos árbitros e controle de custos, muito parecido com o Tribunal Internacional de Arbitragem da TPI. Já o Tribunal Permanente de Arbitragem (PCA) tem sede em Haia, Países Baixos. Ele não é um tribunal internacional em si, mas, sim, uma organização intergovernamental com o objetivo de auxiliar as partes na condução de arbitragens, fornecendo apoio administrativo em arbitragens internacionais que envolvem várias combinações de Estados, entidades estatais, organizações internacionais e festas privadas. Há ainda outros tribunais, como o Tribunal de Arbitragem do Esporte e o Tribunal de Arbitragem de arte. Podemos resumir as fontes do Direito Internacional Privado em Lei, tratados e convenções internacionais, costumes, jurisprudência e doutrina. Para que possamos visualizar essa divisão de forma clara, seguem as devidas explicações: a) A lei é tida como fonte do Direito Internacional Privado e segue de acordo com os preceitos da ordem pública, que é o reflexo da filosofia sócio- político-jurídica de toda legislação. É noção de foro íntimo do intérprete que, emseu convencimento e decisão, no caso dos magistrados e árbitros, deve buscar a moral básica de uma nação, atendendo sempre às necessidades econômicas de cada Estado, compreendendo os planos político, jurídico, econômico e moral de todo Estado constituído, ou seja, a ordem pública com normas internas. Como exemplo, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Código de Processo Civil, o Código Civil, o Estatuto do Estrangeiro, a Lei dos Refugiados, a Lei de Arbitragem e não poderíamos deixar de citar a Constituição Federal de 1988. b) Os tratados e convenções: são acordos bilaterais, regionais e multilaterais de que são signatários os Estados e que têm como o escopo de aplicação de várias relações jurídicas compreendidas pelo direito internacional privado, direito processual civil internacional e matérias correlatas. Trata- se, em outros casos, de grande fonte de inspiração para a interpretação 9 e aplicação das normas do direito internacional privado, mesmo quando não ratificados pelo o Estado. O Código Bustamante, promovido pelo Tratado de Direito Internacional Privado de 1928, tratou das mais diversas áreas como família e proteção internacional de crianças, mas, na prática, o “tratado foi esquecido com o tempo”, conforme Beat Walter Rechsteiner. c) O costume, segundo Maristela Basso: “exprime-se pela prática reiterada de determinados comportamentos que, como a experiência e o transcurso do tempo, admitem-se como juridicamente observáveis, vinculando imediatamente os indivíduos – no plano interno do Estado”. Há dois requisitos para se constatar o costume: o elemento material, externo (prática constante de determinados atos pelos Estados), e o elemento subjetivo, interno (convicção jurídica dos Estados de observância de uma norma jurídica como elemento autêntico do direito consuetudinário). d) A jurisprudência, na visão de Espínola, concordada por Maristela Basso que, na falta de leis internas e costumes, recorrerão à jurisprudência, com isso, o juiz observará as regras hermenêuticas. e) A doutrina desempenha papel primordial para a adaptação da disciplina às demandas de regulação das relações jurídicas que geram efeitos em mais de um país ao mesmo tempo. Pode-se dizer que é um conjunto de estudos, pareceres, artigos, de caráter científico consignados em obras, como livros, revistas, jornais jurídicos, em que tratam de teorias ou interpretações à temática do direito internacional privado. Irineu Strenger assevera que a doutrina não tem força de obrigatoriedade, mas pode incluir-se nas decisões dos tribunais, em casos de elaboração das regras de direito e tratados internacionais, portanto, tem sido guia dos interessados na solução dos casos concretos. Podemos concluir que o Direito Internacional Privado não resolve tudo sozinho, necessitando do Direito Internacional e, claro, sem esquecer que possui as fontes e órgãos como as cortes e tribunais essenciais para a execução de seu trabalho. TEMA 3 – LEX MERCATORIA Devemos falar sobre a lex mercatoria desde a sua origem, entretanto, o lugar certo e a sua origem são incertos para muitos escritores, ela nasceu na Itália 10 na Idade Média. Outros atribuem seu nascimento quando os árabes passaram a dominar o Mediterrâneo, porém, sua contribuição foi pouca porque eles usavam as práticas usadas por outros povos, como os romanos, os gregos, os fenícios, que também no passado monopolizavam o comércio marítimo. Sabemos que a lex mercatoria surgiu devido à expansão do comércio marítimo internacional, nas feiras da Idade Média, como forma de replicar os direitos feudais e suas prerrogativas que atrapalhavam as relações comerciais nesse período. Podendo ser considerado como um aglomerado de princípios e regras formadas a partir dos costumes, elaborados de forma espontânea, tendo como marco o comércio internacional. Podemos dizer que a lex mercatoria, durante a história, não foi única, uniforme, um sistema legal considerado privado. Era conhecida como lei dos comerciantes, relacionando-se a privilégios públicos e práticas privadas, estatutos públicos e costumes particulares abrigados pela lei mercante, que era associada a tipos de comércio. Algumas dessas normas eram locais ou regionais, ou até mesmo especificadas para determinados tipos de comércio. Não se tratava de um sistema independente nem imparcial. Infelizmente, a lex mercatoria, durante muito tempo, não teve força normativa ao findar a Idade Média, e, no início da Idade Moderna, mais precisamente quando o sistema feudal foi substituído pelo sistema estatal, suas prerrogativas foram baseadas nas do clérigo, que era o detentor do poder de governar nessa época. Entretanto, esse poder foi transferido ao Estado de Direito sendo, portanto, soberano que possui legitimidade para a elaboração de regras, normas e leis que culminou com que cada país ou estado regulasse suas regras comerciais. A lex mercatoria ressurgiu nos anos 1960 e, a partir disso, passou a ser discutido pela comunidade jurídica como a nova lex mercatoria. Tínhamos a abstinência do Estado quando se tratava de regulamentar de forma a estabelecer padrões quanto às relações comerciais internacionais, assim como a inexistência de um sistema de métodos de solução de conflitos que realmente fossem eficazes. Devido a isso, houve o renascimento da lex mercatoria. Esse renascimento também teve como contribuição o surgimento da globalização e da sociedade que tínhamos na era pós-industrial. 11 Dessa maneira, a lex mercatoria pode ser considerada como uma fonte do Direito Internacional Privado que para alguns operadores do direto internacional serve como base com a finalidade de regulação dos contratos internacionais e como sendo um direito aplicável aos litígios que venham a ocorrer em razão deles. Alguns doutrinadores a definem simplesmente como um conjunto de princípios relacionados aos negócios internacionais e, portanto, por possuírem regras uniformes, são bem aceitos pela comunidade internacional. Também é considerada como uma forma de unificar as regras de direito internacional voltadas ao comércio, entretanto, os operadores desse ramo do direito devem ser cautelosos a fim de não interferir diretamente nos diversos sistemas jurídicos existentes pelo globo terrestre. Dessa forma, tem a finalidade de não ferir a soberania de qualquer Estado que causaria conflitos entre os países envolvidos. A lex mercatoria refere-se às regras do direito material aplicadas a uma relação que tenha o elemento de estraneidade sem o método do conflito de leis que acaba por caracterizar o Direito Internacional Privado. O lugar exato e tempo da origem da lex mercatoria são incertos. Muitos escritores têm declarado que ela teve início na Itália, na parte central, em plena Idade Média. Algumas investigações ditam que ela surgiu no tempo em que os árabes dominaram o mediterrâneo. Mas, mesmo assim, eles contribuíram com pouco, pois utilizavam práticas usadas pelos romanos, gregos e fenícios, que outrora tinham monopolizado o comércio pelo mar. (2020, p. 286) Todavia, sabemos que ela teve origem na expansão do comércio internacional marítimo, na Idade Média, como uma réplica aos direitos feudais que somente atrapalhavam as relações comerciais. Para alguns, a lex mercatoria é composta por princípios e regras baseadas em costumes, tendo como precursor o comércio internacional. Há ainda a definição de conjunto de princípios relacionados aos negócios internacionais com regras uniformes. As negociações que envolvem o comércio internacional são pacíficas mesmo que sejam realizadas com atores de diferentes partes do mundo, ou seja, entre culturas diferentes poucas vezes surgem algum conflito. Dessa maneira, seria de responsabilidade do Estado mediante o uso de sua soberania e de sua atividade jurisdicional para que haja o equilíbrioentre as partes envolvidas. 12 Portanto, é de competência do Estado resolver qualquer problema gerado nas transações comerciais, principalmente no âmbito internacional. Também podemos dizer que a lex mercatória é um conjunto de normas pertencentes a um sistema jurídico íntegro e com mecanismos para a solução de controvérsias com sanções próprias. Seu intuito é aumentar a segurança das relações jurídicas comerciais internacionais realizadas entre indivíduos de Estados diferentes. Percebe-se que não há ligação direta com o Direito Internacional Privado, já que ele visa indicar qual é a legislação aplicável a um fato jurídico. TEMA 4 – O OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Sabemos que a internacionalização da vida e das relações humanas acarreta fenômenos jurídicos que são enfrentados pelos Estados, algumas vezes, de forma isolada (quando se trata de um indivíduo apenas) e, outras vezes, pelas entidades regionais e internacionais (quando for referente à coletividade). Existem várias concepções do objeto estudado pelo Direito Internacional Privado, porém, a considerada mais ampla é a de origem francesa porque acaba abrangendo quatro matérias distintas: a nacionalidade; a condição jurídica do estrangeiro; o conflito das leis, e o conflito das jurisdições. Podemos dizer que o direito internacional privado regula e promove o estudo de regras que determinam qual o direito que deve ser aplicado às relações jurídicas particulares, seja entre pessoas físicas, como o divórcio, por exemplo, jurídicas, como o comércio, e estabelece a jurisdição competente para dirimir determinado conflito. Mediante essas afirmações, a seguir apresentamos o objeto do Direito Internacional Privado: a) Condição jurídica do estrangeiro: refere-se ao conhecimento dos direitos do estrangeiro de entrar e permanecer no país, domiciliar-se ou residir-se no território nacional, sem haver prejudicidade sob o crivo econômico, político e social. b) Conflito de jurisdições: refere-se à competência do Poder Judiciário, solucionando situações que dizem respeito a pessoas, coisas ou interesses que extrapolam o limite soberano de um Estado, reconhecendo e executando sentenças proferidas no estrangeiro. c) Conflito de leis: refere-se a analisar as relações humanas conectadas a dois ou mais sistemas jurídicos, nos quais as regras materiais são 13 divergentes, apenas o direito aplicável a uma ou diversas relações jurídicas de direito privado com conexidade internacional. d) Direitos adquiridos no âmbito internacional: considera-se a mobilidade das relações jurídicas, surgindo uma jurisdição, refletindo seus efeitos posteriormente a sujeição de uma legislação distinta. e) Nacionalidade: caracterizando o nacional de cada Estado, sob as formas de atribuição de nacionalidade, da perda, requisição, dos conflitos positivos e negativos em caso de polipatrídia, apatrídia e restrições nacionais por naturalização. Segundo Dolinger (2020), a nacionalidade cuida da caracterização nacional de cada Estado, partindo da aquisição da nacionalidade até sua perda, sua reaquisição e os conflitos positivos e negativos, assim como a dupla nacionalidade, discussão sobre o apátrida, os efeitos do casamento sobre a nacionalidade e eventuais restrições aos nacionais por naturalização. A condição jurídica do estrangeiro está ligada aos direitos de entrada e permanência no país, seja ele domiciliado ou residente do país, os direitos referentes ao plano econômico (civil e comercial); social (trabalhista e previdenciário); público (funcionalismo); político (eleitoral), entre outros. Ainda no âmbito do Direito Internacional Privado, temos o elemento de conexão que são normas estabelecidas por esse ramo do direito e indicam o direito aplicável a uma ou mais situações jurídicas ligada a mais de um sistema jurídico, também sendo chamadas de normas indiretas ou indicativas, por mostrarem o direito a ser aplicado a um caso concreto nas relações particulares com conexão internacional. Entretanto, elas não os solucionam, somente indicam qual é o melhor caminho da aplicação da legislação. Além disso, estão inseridas as espécies de elementos de conexão que servem para viabilizar a solução para o caso concreto e o rol de espécies de elemento de conexão não é exaustivo, é exemplificativo. São elas: lex damni, lex domicilii, lex fori, lex locu actus, lex loci celebrationis, lex loci contractus, lex loci delicti, lex loci executionis, lex loci solutionis, lex monetae, lex patriae, lex rei sitae, lex voluntatis, locus regit actum, mobilia sequuntur personam. Cada espécie tem um significado dentro do ordenamento jurídico e onde cada espécie de Elemento de Conexão visa resolver um direito em questão para 14 que as relações particulares estrangeiras, quanto internas ou externas, sejam resolvidas da forma mais aplicável e melhor possível. Para que possamos compreender melhor a aplicabilidade das espécies de elemento de conexão, trazemos algumas delas, como: a) Lex fori: é a norma jurídica aplicada do foro em que ocorre a demanda judicial entre os litigantes, ou seja, as partes da demanda. b) Lex domicilli: é a norma jurídica a ser aplicada do domicílio dos envolvidos da relação jurídica em que possui, bem como a capacidade (atos da vida civil) e a pessoa física (conjuntos de atributos que distinguem uns indivíduos dos outros). O art. 7º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro diz: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e dos direitos de família” c) Lex rei sitae ou lex situs: é o elemento de conexão que determina a norma jurídica que será aplicada conforme o local em que a coisa se encontra. O art. 12, parágrafo 1º, da LINDB, diz: “Só a autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil”. d) Lex loci contractus: é a determinação de que a regra será aplicada do local em que o contrato foi assinado para ser cumprido, desde que não haja a intenção de fraudar a legislação vigente. e) Lex patriae: determina qual será a lei aplicada quando se referir à nacionalidade da pessoa física. Rege o estatuto pessoal que é caracterizado pelos aspectos primordiais e juridicamente da vida de uma pessoa, como o nascimento, personalidade, capacidade jurídica, poder familiar, morte, entre outros. f) Mobilia sequuntur personam: determina a lei aplicável do local dos bens móveis em que seu proprietário está domiciliado. Dessa maneira, o conflito de leis está ligado diretamente às relações humanas de dois ou mais sistemas jurídicos, que divergem exatamente porque as normas normalmente não coincidem, assim, terá de ser determinado o sistema que deverá ser aplicado, destarte deverá ser considerado como válido para a resolução de uma determinada demanda. Já o conflito de jurisdições está relacionado especificamente com a competência do judiciário na solução de 15 conflitos que envolvem pessoas, coisas ou interesses que ultrapassam os limites de uma soberania. A competência jurisdicional internacional está ligada ao reconhecimento e execução de sentenças que foram proferidas em território estrangeiro. Não podemos esquecer de mencionar a teoria dos direitos adquiridos, como o objeto do Direito Internacional Privado, se refere à mobilidade das relações jurídicas, quando nascem em uma determinada jurisdição e acabam por repercutir seus efeitos em outra podendo estar sujeita a legislação diversa. Essa teoria significa, em síntese, a proteção e o reconhecimento dos direitos, validamente adquiridos no estrangeiro, pela ordem jurídica interna. Essa teoria foi originalmente desenvolvida por Ulricus Huber (1636 – 1694), sendo seu último representante notável, Antoine Pillet (1857 – 1926), ela está na legitimaçãoda aplicação do direito estrangeiro no país, entretanto, essa teoria não leva em consideração o direito aplicável a relações jurídicas de direito privado com conexão internacional e de acordo com o direito estrangeiro considerado como válido. Assim sendo, a referida teoria não pode ser usada como fundamento para a parte geral do direito internacional privado. Ademais, a teoria é considerada vaga e inconstante, já que o Direito Internacional Privado de cada país regula de forma individual, como os direitos obtidos pelo estrangeiro serão reconhecidos como adquiridos e sob quais condições serão reconhecidos pela ordem jurídica interna. Podemos dizer que os adquiridos no estrangeiro serão protegidos pelo Direito Internacional Privado por duas razões: pelo interesse da continuidade e pela garantia da certeza de direito. Quanto ao interesse da continuidade, o direito internacional privado tem o dever de responder a duas questões: primeiro, se um direito no estrangeiro foi validamente adquirido e, segundo, se existe o interesse de reconhecê-lo perante o direito interno ou não. Quando falarmos sobre os atos jurídicos que tratem especificamente do estado civil de uma pessoa física, por exemplo, casamento, reconhecimento de filhos, adoções entre outros, realizados no estrangeiro, deverão os Estado alegarem as razões que concedem a certeza do exercício daquele determinado direito para justificar o seu reconhecimento. 16 Atos jurídicos como estes validados em país estrangeiro não devem sofrer intervenções do direito doméstico sem que haja um motivo justificado e plausível para isso. Nesse caso, sempre será o Direito Internacional Privado que irá decidir mediante um caso concreto que verse sobre o estado civil, se este é reconhecido já que o que pode ser considerado como uma violação, a ordem pública em um país, mas, pode ser permitido em outro como a poligamia. Esse exemplo ilustra como a teoria abstrata dos direitos adquiridos acaba inexistindo no Direito Internacional Privado, porque não há a ausência do conceito de direito adquirido, o que é aceito pela doutrina tanto que admite sua aplicação direta a casos concretos independente das regras impostas pelo Direito Internacional Privado. No entanto, o Direito Internacional Privado Brasileiro reconhece a existência de direitos válidos adquiridos em país estrangeiro. A conclusão sobre a teoria dos direitos adquiridos é que ela perdeu o seu esplendor, uma vez que as normas do Direito Internacional Privado já dizem quando deve ser aplicável o direito interno ou o direito estrangeiro. Assim, não há necessidade de recorrer à teoria dos direitos adquiridos. Outros casos podem ser resolvidos pelas regras jurídicas do direito internacional privado sobre a alteração do estatuto ou o conflito móvel concernente ao reconhecimento de sentenças ou outros atos jurídicos estrangeiros, estão respaldados por normas específicas, sejam eles de origem pertencente ao a direito interno ou a um tratado internacional. Na doutrina alemã, o objeto do Direito Internacional Privado é restrito ao conflito das leis e a doutrina dos países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que a intitulam como Conflict of Laws, que estudam o conflito das leis e das jurisdições com a inclusão das sentenças estrangeiras como reconhecidas. No Brasil, há divergência entre autores alguns consideram que esse ramo do direito abrange o conflito das leis e jurisdições, entretanto, outros autores persistem em dizer que o único objeto é escolher a lei aplicável aos casos concretos. Vale lembrar que, mesmo havendo divergência entre os autores, o Direito Internacional Privado abrange as leis, as jurisdições e ainda qual a legislação a ser aplicada a uma demanda existente em um caso concreto. Portanto, aqui cabe a seguinte reflexão: Pode um estrangeiro possuir um testamento elaborado em território brasileiro sobre imóveis em solo estrangeiro? 17 TEMA 5 – DENOMINAÇÃO Primeiramente, temos de reforçar o conceito do Direito, que é um produto da sociedade que se modifica ao longo dos anos. Essa retratação ocorre nas leis, que são elaboradas e atualizadas conforme a necessidade de uma determinada sociedade. Já o Direito Internacional, em sua essência, corresponde à sociedade ou comunidade internacional, que nada mais é do que o meio que traz o nascimento do ordenamento jurídico internacional. A sociedade ou comunidade internacional surgiu com a organização das coletividades, esses grupos, seja por necessidade ou conveniência, acabaram estabelecendo relações entre si, originando, assim, a comunidade internacional e o direito internacional e o ramo do Direito Internacional Público (DIP). Este foi o primeiro a ser criado, devido às relações pacíficas extrafronteiras que somente se tornaram possíveis em razão da existência de normas comuns à coletividade. Não importa a época, havendo relações entre estados ou países, haveria a necessidade de existirem normas jurídicas com a finalidade de facilitar ou regular determinada relação, seja no âmbito comercial, no âmbito penal, no âmbito militar, no âmbito civil, entre outros. Aqui, temos os elementos do Direito Internacional Público, entretanto, se nestas relações temos estrangeiros e isso acabou por gerar conflitos ou, ainda, obrigaram a autoridade de um determinado país a ter de decidir a lide com base na lei externa, passamos a ter os elementos do Direito Internacional Privado. Ao Direito Internacional Privado cabe a determinação da lei que deve ser aplicada a uma relação jurídica, quando houver um conflito entre sistemas jurídicos diferentes, em que dois ou mais Estados estejam envolvidos. Assim, será possível identificar qual lei irá prevalecer para solução do caso concreto. O Direito Internacional Privado se consagrou juridicamente, mas somente no século XIX foram identificados elementos relativos a esse ramo em períodos anteriores, desde sua ausência até seu desconhecimento em épocas mais antigas. Por exemplo, na antiguidade oriental, não há concepção como a que conhecemos como Direito Internacional Privado, uma vez que, aos estrangeiros, cabia somente o título de inimigo, seja por motivo religioso ou étnico. Se não fossem mortos em combate, acabavam como escravos do país vencedor. A eles 18 não era conferido nenhum direito, pois este era derivado da religião e, portanto, esses estrangeiros seriam “os excluídos”. Assim, eram considerados e tratados como coisas, recebendo tratamentos desumanos. Somente na legislação da Pérsia e da China, bem como do Pentateuco Hebraico, havia tolerância mesmo que ínfima com os estrangeiros. Pudemos perceber que na história não havia o reconhecimento do Direito Internacional Privado, porém, na atualidade, quando nos referimos a esse ramo do direito, devemos sempre nos lembrar que a principal fonte é a legislação interna de cada Estado. Portanto, internamente prevalece o ordenamento jurídico de cada país. Não falamos em Direito Internacional porque a sua autoria é realizada internamente em cada país e não realizada internacionalmente. Devemos sempre nos atentar ao fato de que todo país é soberano em seu território, portanto, a princípio, aplica-se à lei interna, ou seja, sua constituição, se houver, e as legislações complementares caso se faça necessária à sua aplicação. Entretanto, temos de aprender a diferença que existe entre o Direito Internacional Público do Direito Internacional Privado, o primeiro é regido pelos tratados e convenções e o controle de suas normas são estabelecidas por órgãos internacionais e regionais. O Direito Internacional Privado é composto de normas produzidas pelo legislador interno. Sendo assim, a nacionalidade é eminentemente nacional e nenhuma soberania, ou seja, nenhum Estado pode interferir na elaboração de sua política ou de suas normas. Por exemplo, a condiçãojurídica do estrangeiro é regida pelas normas internas de um país e deve ser respeitada por princípios acordados entre os Estados. Temos ainda uma ampla diversidade nas soluções internas ou nacionais para os conflitos de lei, porque, como sabemos, é difícil conceber a denominação internacional que venha a conferir a uniformidade. A denominação internacional remete à ideia de uma relação jurídica entre os Estados. Na verdade, o Direito Internacional Privado trata frequentemente de casos de pessoas privadas, sejam elas físicas ou jurídicas, e que cuidam dos interesses do Estado, sendo membros da sociedade internacional. Por outro lado, o Direito Internacional Público versa sobre os interesses e conflitos entre os países. 19 Dessa maneira, essa ciência tem como objeto o conflito das leis, estabelecendo regras para um direito eminentemente nacional. Assim, a denominação internacional seria incorreta, uma vez que também são estudados os conflitos interespaciais não internacionais e os interpessoais. Podemos dizer que o Direito Internacional Privado está diretamente ligado ao sujeito para a escolha correta da lei e este sempre será privado. Também está correto dizer que o Direito Internacional Privado é uma projeção do direito interno sobre o plano internacional ou, ainda, que é a dimensão internacional ou universalista do direito interno. Podemos exemplificar com o caso dos nubentes de nacionalidades diferentes: no momento de contrair matrimônio, há a necessidade de determinarmos qual lei será aplicável às formalidades preliminares, à forma do ato de celebração do casamento, à validade do casamento e ao regime de bens a ser instituído pelo casal. Também há a necessidade de estabelecer lei quanto a processos de separação, divórcio ou anulação do casamento. Aqui caberá a análise do casamento pela dimensão internacional e isso somente é possível graças ao Direito Internacional Privado. Quando falamos sobre a aplicabilidade desse ramo do Direito, ele também deve incluir as relações comerciais, sucessões, trabalhistas, direito fiscal, entre outros. 20 REFERÊNCIAS BASSO, M. Curso de Direito Internacional Privado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2019. (versão Kindle) DOLINGER, J. Direito Internacional Privado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. RAMOS, A. de C. Curso de Direito Internacional Privado. São Paulo: Saraiva Educação, 2017. RECHSTEINER, B. W. Direito Internacional Privado: teoria e prática. 20. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. PORTELA, P. H. G. Direito Internacional Público e Privado. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. TEIXEIRA, C. N. Manual de Direito Internacional Público e Privado. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. AULA 2 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Profª Daniele Assad Gonçalves 2 Nesta aula, vamos aprender sobre os Fundamentos Históricos dos Conflitos de Leis no Espaço: A construção do Direito Internacional Privado e as suas fases, porque ao estudarmos o direito internacional privado é necessário conhecer a parte histórica. Assim, você poderá compreender por que existe o que chamamos de técnica de solução de conflitos; podemos exemplificar citando William Shakespeare (1564-1616) em O mercador de Veneza. Em determinado momento da peça, insurge a questão da aplicação dos Estatutos de Veneza sobre o contrato de empréstimo celebrado entre Antonio (mercador) e Shylock (judeu) para levantar fundos para Bassânio (nobre) se casar com Pórcia (herdeira do ducado de Belmonte): uma libra de carne fresca/pagamento da letra (legalidade da cláusula penal no contrato). O que deveria prevalecer: os Estatutos de Veneza ou as regras previstas pelas partes no contrato celebrado? Podemos afirmar que os conflitos de leis sempre existiram e, portanto, temos de percorrer a história para compreender sua importância no Direito Internacional Privado. Além de viajar pela história vamos conhecer a competência internacional do Direito Internacional Privado. TEMA 1 – FASE PRÉ DOUTRINÁRIA Na Antiguidade e na Idade Média, a resolução de conflitos era inexistente porque aqui a predominância era a dos sistemas de personalidade e territorialidade das leis. Já na Roma antiga não existiam regras de direito internacional privado, mas o direito romano, por meio do ius gentium e da instituição do praetor peregrinus; este contexto teve um papel importante na gestação de soluções para os conflitos de leis no espaço. Temos de falar especificamente na ordem jurídica romana primeiro. A origem do Direito Internacional Privado não é mencionada em nenhum documento de juristas romanos nem no direito bizantino do século VI. Em Roma havia o Corpus Iuris Civilis, que não contemplava nada sobre a aplicação da lei estrangeira. Os juristas romanos admiravam tanto sua lei que nem cogitaram a hipótese de criarem leis para a aplicação dos outros direitos por eles considerados “inferiores”. Já para Justiniano, ao se defrontar com diferentes tipos de direitos repetia que os povos governados por leis e costumes utilizam parte de seu próprio direito, que ele chamava de ius civile, e parte do direito comum aos homens, o ius gentium. Mas nem Justiniano nem Gaius indicavam em quais casos uma corte 3 romana ou um praeses provinciae aplicariam o tal direito estrangeiro, nem explicavam se o ius gentium era usado apenas para preencher as lacunas do ius civile estrangeiro ou se o primeiro direito é o ius gentium e o ius civile é considerado apenas como suplementar. Não há como determinar a lei aplicável no Corpus Iuris; já no Digesto, não há referência ao “direito consuetudinário”, apenas os costumes fáticos, usos locais que o juiz considerava para preencher as lacunas nos contratos e na definição das vontades. Ainda no Digesto, menciona-se que se um pedaço de terra foi vendido, a questão sobre qual e como o vendedor deve cavere pro eviccione deve ser respondida conforme o costume do local onde o contrato foi celebrado. Nos livros de direito romano, em certas questões, como casamento, guarda, patria potesta, herança, a lex originis da pessoa em questão era aplicada nas cortes romanas. Mas essa prática não é mencionada pelos juristas romanos. Talvez porque o direito internacional privado estabelece quando se deve aplicar o direito estrangeiro ele exige a igualdade. Portanto, não é surpreendente o fato de que as regras de direito internacional privado não se desenvolveram nesse sistema. Para os romanos, não havia o conhecido “conflito entre leis”: o universalismo romano exigia a integração de outro território como parte do império, e não o respeito mútuo por pessoas diferentes e seus sistemas jurídicos. O direito romano era unitário, absoluto, universal, sendo impossível que a justiça se realizasse por meio da aplicação de um sistema jurídico estrangeiro. A teoria romana de ordem internacional era a universalização do sistema romano, a sua homogeneização, transformando o direito internacional privado redundante. a) O desenvolvimento do ius gentium (o direito dos não cidadãos romanos): Até o final do império romano havia a diferença entre cidadãos e não cidadãos. O cidadão tinha maiores direitos cívicos definidos no ius civile. O ius gentium, por outro lado, foi criado para os casos envolvendo os não cidadãos. Esta não envolvia instituições romanas ou a vida cívica, sendo aplicada aos estrangeiros e residentes não cidadãos. Assim, resultou num rol de fontes internacionais. Também apontou problemas de resolução de origens múltiplas de direito não pela escolha entre eles, mas os “misturando”. Com o passar do tempo, o ius gentium se expandiu para se tornar um sistema de direito mais flexível e sofisticado do que o ius civile. Não se sabe quando o ius civile foi concebido como um sistema de direito natural, refletindo princípios de uma ordem jurídica natural universal.4 Indícios mostram que ele deve ter sido adotado como uma forma estratégica de legitimar sua aplicação aos não cidadãos, ou deve ter sido uma consequência de vários sistemas jurídicos. O ius civile passou a ter conotação de universalidade e descrição, não de invenção romana. Um sistema de direito romano privado aplicado aos não cidadãos, e não um sistema de direito internacional, referindo ao conceito de sistema universal de direito natural, com enorme influência no desenvolvimento do direito internacional. b) Do século VI ao XI – o domínio da lei pessoal de origem: a personalidade das leis. O declínio do império romano correspondeu ao crescimento das comunidades étnicas e tribais. Assim, as fronteiras físicas entre pessoas diferentes eram fluidas e não importantes, também não havia nenhum mapa territorial da Europa correspondendo a divisões sociais. Esse sistema de organização social refletia-se no sistema de ordem jurídica, no qual a lei aplicável a uma disputa era determinada pelo “direito pessoal” das partes, e não com regras de competência. Esse sistema era chamado de “personalidade das leis”. Nenhuma regra de direito internacional privado foi desenvolvida pelos bárbaros, eles aplicavam o direito aplicado da origem para um estrangeiro, resultando em um princípio universal. Em países de população mista, como a Itália, a lei aplicada aos contratos era pelo costume. O juiz perguntava às partes sobre a lei aplicada onde eles residiam assim, as partes tinham a possibilidade de escolher não só a lei de onde elas viviam, mas também a que gostariam que fosse aplicada. Esse é o primeiro exemplo de escolha da lei pelas partes. No império franco, as ordens eram promulgadas pelo rei (Capitularia) com característica territorial, e não pessoal. A partir do século X, na França e Alemanha, as antigas leis foram substituídas pela lei do Estado. Anterior ao desenvolvimento do direito internacional privado, as conhecidas como cidades-Estados mantinham suas leis aos assuntos locais, seja do principado ou da cidade, mas não se sabe se havia limitação como a divisão apropriada de competência legal, ou a imposição e/ou aplicação das leis. c) A territorialidade das leis no Renascimento: as cidades transformaram-se em cidades-Estados. Delimitando seus territórios com muros, transformaram-se em centros de poder e influência, com poder exercido por seus príncipes. Alguns ramos do direito, como o comercial e o romano, 5 eram adotados em várias cidades-Estados, voltados para o direito romano. Nesse período, o direito era diferente em cada cidade, refletindo as características da cidade e de seus líderes. Mesmo que a origem dessas cidades fosse baseada na teoria de direito natural mediante a aplicação do direito romano, resultou em um crescimento das diferenças, sejam elas locais ou territoriais. Podemos dizer então que a fase pré-doutrinária abriu o caminho em meio às sociedades para a transformação que culminaria no Direito Internacional Privado. Embora as civilizações ainda não tivessem efetivamente as regras aplicáveis aos conflitos de leis no espaço, as resolviam à sua maneira. Agora, vamos conhecer a próxima fase que remete ao desenvolvimento das trocas comerciais. TEMA 2 – FASE DOUTRINÁRIA Essa fase remete aos séculos XIII a XIX. Com o desenvolvimento de trocas comerciais nesse período houve o aumento dos conflitos de leis no espaço e coincide com o nascimento do direito internacional privado como conhecemos. Aqui já temos os conflitos entre o direito territorial/nacional e o direito estrangeiro por existirem sistemas jurídicos diferentes em cada cidade-Estado; isso culminou em um outro conflito. Porque aqui tínhamos a expansão comercial entre Europa e o Oriente Médio, gerando conflitos, já que existiam elementos estrangeiros nas relações jurídicas existentes. Mesmo havendo diversidade nos sistemas jurídicos, existia o respeito mútuo entre os Estados. Como os sistemas jurídicos eram diferentes, para resolver os conflitos havia a necessidade do nascimento do Direito Internacional Privado. Já nos conflitos entre o direito pessoal e o direito territorial eram duas as formas de organização social sobre o direito: (1) o direito pessoal (estatuto pessoal), a lei associada a um indivíduo pertencente a uma tribo ou grupo nacional; (2) o direito territorial (estatuto real), a lei associada a determinada região ou território, refletindo a influência dos centros de poder localizados e regionalizados. Com o crescimento dos ordenamentos jurídicos, cresceu a necessidade de conciliar a concorrência entre esses ordenamentos. O movimento estatutário, que deu origem às escolas estatutárias, surgiu como resposta a esse problema. O movimento estatutário apontava o conflito entre os sistemas jurídicos, entre direito territorial e estrangeiro, na tentativa de desenvolver um direito de 6 princípios, de determinar que a lei detivesse efeito extraterritorial (e em que circunstâncias) e quais leis eram territoriais na sua aplicação. Aqui inicia-se a concepção de direito internacional privado como parte de um sistema jurídico internacional e universal. Adotando a divisão entre direito pessoal e territorial, esse movimento permitiu o desenvolvimento da ordem política, econômica e social da época dividido entre povos e territórios. Entretanto, isso não trouxe o resultado esperado já que a divisão era só aparente para tentar corrigir isso surgiu a próxima fase. TEMA 3 – FASE DAS CODIFICAÇÕES As primeiras tentativas de codificação que conhecemos remetem aos códigos bávaro e prussiano no período de 1756 a 1811. Devemos enaltecer a escola holandesa e seus seguidores no princípio da soberania do Estado, como fonte das regras sobre conflito de leis, em que os legisladores da metade do século XVIII estabeleceram regras para a solução de conflito de leis e as incorporaram em seus códigos de direito civil. O primeiro dos códigos foi o bávaro, o Codex Maximilianeus Bavaricus de 1756, que reproduziu parte dos princípios gerais da teoria estatutária alemã. Era notável porque não seguir a regra de que móveis seguem as pessoas que detêm a posse, mas substitui para que a lex situs prevalecesse, “sem distinção entre imóveis e móveis, e entre bens corpóreos e incorpóreos”. Já o Código Prussiano de 1794 adotou regras estatutárias que não solucionavam os problemas, como os relacionados à validade substancial e efeitos dos contratos. Por outro lado, aplicava o princípio res magis valeat quam pereat da seguinte maneira: se uma pessoa possuísse dois domicílios, um deles era decisivo para a determinação da lei em que o contrato ou outro ato é válido; se uma pessoa domiciliada no estrangeiro celebrasse um contrato dentro do território prussiano relacionado a posses lá existentes, e se é capaz para contratar sob a lei de seu domicílio e não sob a lex loci actus, ou vice-versa, então a lei sob a qual o contrato é válido deve ser aplicada. Essa prática que contribuiu para o favor negotii e a proteção do intercurso comercial. 7 3.1 Códigos da França e da Áustria Para o Direito Internacional Privado em toda sua história a regulamentação teve um papel fundamental. Percorremos um longo caminho até aqui e, claro, o DIPR (Direito Internacional Privado) também teve influência do Código Civil francês de 1804, que foi extremamente importante para o desenvolvimento do direito internacional privado, destacando-se porque substituiu a lei do domicílio da pessoa pela lei da nacionalidade. O último grande código foi o austríaco, de 1811, que adotou o princípio francês da nacionalidade como determinante do status e capacidade. Os demais códigos que se seguiram no movimento de codificação passaram a incorporar regras de solução de conflito de leis sob a influência estatutária sendo inseridas nos preâmbulos dos códigos civis, deixando aimpressão de que o direito internacional privado teria natureza privatista, o que não é verdade. Independentemente de as regras de conflito de leis estarem, tradicional e historicamente, nos preâmbulos dos códigos civis, isso não confere a elas natureza de direito privado, porque essas regras têm natureza pública ao destinarem-se ao aplicador da justiça, ou seja, ao Estado. Agora que já conhecemos os códigos do século XVIII, temos de avançar no Direito Internacional Privado. Vamos descobrir qual a importância e como é estabelecida a competência internacional e sua aplicabilidade. TEMA 4 – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO A competência internacional é estabelecida por normas que determinam de acordo com o direto interno. Aqui estamos nos referindo à Constituição Federal de 1988 e à legislação complementar a ser aplicada em casos concretos. Essas normas determinam a extensão da jurisdição nacional frente à de outros Estados sempre que um juiz ou um tribunal tiver de decidir uma causa que possua pelo menos uma conexão internacional. Dessa maneira, as normas internas serão aplicadas somente se o juiz ou o tribunal provocado tiver competência internacional. Portanto, é necessário verificar a competência da justiça brasileira para processar e julgar o tema, para, posteriormente analisar a distribuição de competência interna mediante a matéria do caso, a pessoa, o valor e/ou lugar. Podemos ter um conflito positivo de competência internacional se houver uma relação a uma causa com conexão internacional, em que mais de um Estado 8 (país) se considera apto ou competente para julgar e solucionar a demanda com baseando-se em seu direito interno. Também podemos ter um conflito negativo em que nenhum Estado (país) se considera apto ou competente para julgar e solucionar a demanda. Para que você possa compreender de forma clara a competência é necessário ter em mente que o autor da ação pode escolher o Estado (país) que para ele parece ser o mais favorável; aqui usamos a expressão “fórum shopping”. Além disso, a competência internacional é dividida em duas: a) Competência absoluta ou exclusiva: refere-se à ordem jurídica em que um Estado reserva para si a exclusividade do julgamento. Por exemplo, ação relativa a imóvel situado no Brasil; inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor de herança seja estrangeiro e resida fora do Brasil; reclamatória trabalhista referente a serviços prestados no Brasil, ainda que o contrato tenha sido firmado fora do país. b) Concorrente: quando a jurisdição exercida por um Estado não é impedimento para que outro Estado também a exerça. Por exemplo, réu domiciliado no Brasil, seja brasileiro ou não, e, em se tratando de pessoa jurídica, deve ter no Brasil sua agência, sucursal ou filial; a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil Podemos afirmar que, no que tange à competência absoluta, a doutrina demonstra que estão sob a jurisdição tanto as ações fundadas no direito real quanto as ações de direito pessoal que versem por exemplo, sobre imóveis situados no Brasil. Quando se trata de bens móveis, a regra incidente é a de domicílio do réu, seja ele qual for. Além disso, a legislação concede a competência absoluta ao magistrado brasileiro nas matérias que versam sobre o inventário e partilha de bens no Brasil, entretanto, somente conferiu a sucessão causa mortis. Na competência relativa, a análise e o julgamento do juiz brasileiro não obstam o exercício de jurisdição por outro Estado (país), uma vez que o autor pode escolher a tutela jurisdicional seja ela brasileira ou estrangeira. Competência exclusiva ou absoluta determina que cabe apenas ao poder judiciário brasileiro examinar determinadas questões, com a exclusão de qualquer outro tribunal estrangeiro. Já a competência concorrente admite que a questão seja simultaneamente analisada no exterior e no Brasil. 9 No próximo tema continuaremos falando sobre a competência internacional, entretanto, será de forma mais aprofundada temos de conhecer as suas particularidades. TEMA 5 – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL E SUAS PARTICULARIDADES As disposições que versam sobre o direito interno estão na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e no Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, que em seus arts. 21 a 25 contempla a competência internacional: Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que: I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal. Portanto, no código estão explicitas as hipóteses em que a Justiça Brasileira é competente para julgar uma determinada demanda, sem excluir a possibilidade da causa ser julgada pela Justiça Estrangeira. São os casos de competência concorrente. Estabelece-se a competência do magistrado nacional em relação aos bens e valores inerentes ao Estado brasileiro como o território, a população e as instituições. São casos em que há interesse na solução desses conflitos. É considerada uma regra limitativa da jurisdição em razão da necessidade do convívio entre os Estados soberanos. Quando se trata do domicílio do réu, a justiça brasileira tem a competência para julgar as demandas em que o réu, nacional ou estrangeiro, pessoa física ou jurídica, for domiciliado no Brasil. O conceito de domicílio está disposto no Código Civil, em seus arts. 70 e 75, nos quais o domicílio é o local onde a pessoa natural exerce a sua residência com ânimo definitivo e para a pessoa jurídica o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. Considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal. A súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, n. 363, dispõe que “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que praticou o ato”. 10 Aqui enquadram-se o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso, que têm domicílio necessário. O do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o local onde cumpre a sentença, previsão legal no art. 76 do Código Civil. Não podemos esquecer do agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve, conforme disposto no art. 77 do Código Civil. Quando houver pluralidade de domicílios, sendo um deles no Brasil, aplica-se a jurisdição nacional. Já para as pessoas jurídicas que têm diversos estabelecimentos, cada um deles é considerado domicílio para os atos nele praticados. Os estabelecimentos são unidades da empresa que funcionam como instrumentos de sua atuação, tendo natureza jurídica de uma universalidade de fato. Quando falamos em o lugar de cumprimento da obrigação, significa dizer que independentemente do domicílio e da nacionalidade a competência é da Justiça Brasileira quando o cumprimento das obrigações seja no Brasil. Os negócios devem especificar os locais onde devem ser cumpridas as obrigações. O Judiciário brasileiro é competente quando a obrigação principal deve ser cumprida noBrasil, mesmo se nos casos houver a existência das cláusulas de eleição de foro em negócio jurídico, visto que é vedado às partes dispor sobre a competência internacional concorrente por força das normas fundadas na soberania nacional, não suscetíveis à vontade dos interessados. Quanto a fato ocorrido no Brasil, obviamente é competência da Justiça brasileira fatos ou atos jurídicos ocorridos no Brasil, como a responsabilidade decorrente de ato ilícito praticado no território nacional e os negócios jurídicos em geral. Na legislação, podemos fundamentar as ações que são de competência da Justiça Brasileira disposto no art. 22 do Código de Processo Civil: Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: I – de alimentos, quando: a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; 11 II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional. Com o advento da Lei 13.105/2015, conhecida como o novo Código Processual Civil, introduziram-se novas hipóteses de competência internacional concorrente para as ações referentes a alimentos, para o credor que tiver domicílio ou residência no país ou quando o devedor tiver bens ou renda no Brasil; para as ações que tenham como objeto relações de consumo; para as causas em que as partes, expressa ou tacitamente, submeterem-se à jurisdição nacional. Inclusive, o código passa a adotar a competência da Justiça brasileira para o julgamento das ações de alimentos quando o credor tiver domicílio no Brasil e o devedor for domiciliado em outro país, facilitando o acesso à justiça do alimentando. A competência internacional concorrente com relação aos defeitos dos produtos e dos ilícitos praticados nas relações de consumo visa o acesso à justiça do consumidor brasileiro. No entanto, se o consumidor realizar o contrato que contenha cláusula de eleição de foro estrangeiro, a competência da justiça nacional será afastada para julgar a demanda, nos termos do art. 25. A jurisprudência considerava nula a cláusula de eleição de foro diverso do domicílio do consumidor, por dificultar a defesa da parte hipossuficiente. O inciso III trata da cláusula da eleição de foro nacional para o julgamento dos conflitos surgidos nas relações negociais decorrentes de contrato internacional. Podemos vislumbrar no art. 23 do Código de Processo Civil a competência concedida ao judiciário brasileiro: Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. Já na competência exclusiva da Justiça brasileira, a legislação destacou quais seriam as demandas com os móveis situados no Brasil, as que envolvem a partilha de bens situados no Brasil nos casos de sucessão hereditária, de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável. Ao falarmos sobre os bens imóveis situados no Brasil, como o código estabeleceu a competência exclusiva 12 do judiciário brasileiro quanto ao julgamento das ações, não importa o seu fundamento, mas, que verse sobre a imóveis situados no Brasil independentemente da nacionalidade das partes, não tendo validade no Brasil qualquer decisão proferida pela Justiça estrangeira. Assim, acaba por afastar qualquer ingerência da Justiça estrangeira no tocante aos bens situados em território nacional, independentemente da nacionalidade do seu titular. Quando a demanda envolver a confirmação de testamento de particular, inventário e partilha aqui, apenas o magistrado nacional, ou seja, brasileiro, pode confirmar testamento particular, julgar inventário e partilha de bens móveis ou imóveis situados no Brasil, mesmo que o autor da herança seja estrangeiro e tenha domicílio fora do território nacional, bem como tenha falecido no exterior. Trata-se da regra forum rei sitae. Mediante a regra estabelecida pelo código, não pode ser homologada sentença estrangeira que ratifique a partilha de bens localizados no território brasileiro. Designar a competência ao poder judiciário brasileiro referente ao divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável significa dizer que a partilha dos bens situados no território nacional é de competência exclusiva da Justiça brasileira, nos processos de divórcio, separação judicial e de dissolução de união estável. Agora a Justiça Brasileira dispõe acerca da partilha de bens nas ações de divórcio, separação judicial e dissolução de união estável, não podendo ser homologada sentença estrangeira que disponha sobre a referida partilha por representar ofensa à soberania nacional. As hipóteses não acabam por aqui. Vamos falar sobre a litispendência, ou ainda, existência de causa não julgada que está prevista no Código de Processo Civil em seu art. 24: Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil. A legislação trata a litispendência para casos que envolvem a competência internacional concorrente, portanto, o fato de existir processo no exterior não impede a propositura de demanda igual no Brasil (identidade de partes, de causa de pedir e de pedido), tendo em conta que a sentença proferida em outro país tem de ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i da CF) para ter 13 eficácia no território nacional. Dessa maneira, mesmo havendo processo pendente com identidade de partes, de causa de pedir e de pedido, este não é afastado da jurisdição nacional. Da mesma maneira, das causas conexas (objeto da demanda idêntico ou mesma causa de pedir) também não é afastada a jurisdição nacional. Essa matéria afeta a cooperação internacional, possibilitando a litispendência e a conexão, sendo estas alegáveis quando a sentença proferida num Estado possa ter eficácia de coisa julgada no outro, desde que prevista em tratado internacional e acordo bilateral do qual o Brasil seja signatário. Aqui, para que possam assimilar de forma prática, vamos exemplificar como no caso do Código de Bustamante (Decreto 18.871, de 13 de agosto de 1929), fruto da Convenção de Havana de 20/02/1928, que no art. 394 trata da litispendência internacional. Portanto, a litispendência estrangeira somente ocorre nos casos de competência internacional concorrente dos arts. 21 e 22, não se aplicando para a competência exclusiva da jurisdição nacional do art. 23. Sendo assim, nos casos de competência internacional concorrente sempre prevalecerão a sentença que transitar em julgado no exterior quando arguida a litispendência, podendo a sentença estrangeira ser homologada para produzir efeitos no território nacional. Porém, não será da competência da Justiça Brasileira em demandas que possuam cláusula de eleição de foro que especifica a exclusividade ao foro estrangeiro como estabelece oart. 25 do Código de Processo Civil. Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação. Parágrafo 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo. Parágrafo 2º Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, parágrafos 1º a 4º. Quando há no contrato internacional a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, este é o competente para o julgamento da demanda relativa às obrigações decorrentes do referido contrato, excluindo-se a jurisdição nacional. Evidentemente, essa cláusula não pode afastar a jurisdição brasileira nas hipóteses de competência exclusiva do art. 23. Essa cláusula consiste na escolha consensual do juízo para solucionar os conflitos decorrentes da relação contratual. No Código de Processo Civil, mais precisamente no art. 63, há a possibilidade de modificação da competência (em razão do valor e do território) diante de convenção das partes na escolha do foro. 14 Nos contratos internacionais, a eficácia da eleição de foro estrangeiro é controvertida quando o Judiciário brasileiro também é competente para julgar a lide, nas hipóteses de competência internacional concorrente. A adoção pelo código da regra que confere a validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro afastando a jurisdição nacional nestes casos, salvo nas hipóteses de competência exclusiva dos magistrados brasileiros, no intuito de garantir a segurança nas negociações internacionais, a referida cláusula constitui elemento integrante do contrato internacional firmado entre as partes. Entretanto, se a cláusula for abusiva, poderá o juiz brasileiro torná-la ineficaz por se tratar de competência internacional concorrente. Ao finalizar esta aula, pudemos compreender a importância do Direito Internacional Privado para toda a sociedade internacional, porque além de regulamentar não somente as relações comerciais entre as nações, ela também regulamenta matérias específica como aqui aprendemos. AULA 3 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Profª Daniela Assad Gonçalves 2 INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos iniciar falando sobre a homologação da sentença, desde o seu conceito, que é uma decisão judicial proferida por outro Estado Soberano, a qual pode ser cumprida em outro Estado. O órgão jurisdicional responsável por esse processo é o STJ, que, mediante a verificação do cumprimento de vários requisitos, faz a análise e profere a homologação. Temos ainda a arbitragem internacional, que, embora esteja situada no âmbito do direito internacional público para solucionar litígios entre pessoas jurídicas do direito internacional público, quando se trata de conflitos nas relações de caráter privado no que tangem às questões comerciais, é analisada sob a ótica do direito internacional privado. Além da arbitragem internacional, aprenderemos sobre os tipos de arbitragem, que podem ser ad hoc e institucional: um compete aos atores do direito internacional público, e o outro aos sujeitos do direito internacional privado no Brasil, a Lei de Arbitragem é a 9.307/1996. Porém, não basta somente termos uma legislação complementar que verse sobre a matéria. Para isso, há ainda a convenção de arbitragem e aqui aprenderemos sobre suas vantagens e suas especificidades. TEMA 1 – HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA Primeiro temos de conceituar a homologação, que nada mais é do que um ato que permite que uma determinada decisão judicial proferida em um Estado possa ser executada no território de outro Estado. Também podemos dizer que a homologação da sentença estrangeira é o reconhecimento do Poder Judiciário brasileiro perante uma decisão proferida por um tribunal estrangeiro. Esse reconhecimento da sentença estrangeira assegura as relações entre os países envolvidos. Nesse caso, significa dizer que ao país que reconhece a sentença estrangeira não caberá um julgamento que verse sobre o mesmo tema da demanda. Trata-se de um procedimento que tem como objetivo verificar os requisitos da decisão que foi adotada em solo estrangeiro. Podemos afirmar que a homologação da sentença estrangeira é um processo judicial que deve ser tramitado no Superior Tribunal de Justiça e possui a característica de legitimidade jurídica em território brasileiro perante uma sentença estrangeira. Portanto, a 3 homologação da sentença estrangeira é um processo que lhe confere a eficácia de um ato judicial realizado em solo estrangeiro. Devemos deixar claro que qualquer provimento, mesmo os que não tenham caráter judicial, desde que provenientes de uma autoridade estrangeira, só poderá ter sua eficácia garantida em solo brasileiro após obter sua homologação junto ao Superior Tribunal de Justiça. Devemos compreender que a homologação da sentença brasileira envolve também a cooperação entre os países, a qual é vista mais como uma obrigação moral e não simplesmente uma cortesia internacional, uma vez que, havendo seu descumprimento, resulta na perda do prestígio do Estado na comunidade internacional. Para que haja uma convivência pacífica com a comunidade internacional, compete aos países permitirem que a homologação de sentenças estrangeiras ocorra em seu território. Quando falamos no Brasil, temos de nos ater ao nosso sistema jurídico, que regulamenta o tratamento ás sentenças e às decisões estrangeiras, previstas na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e pelo regimento interno do Superior Tribunal de Justiça. Isso significa dizer que temos a previsão legal imposta pelo nosso ordenamento jurídico interno sobre a homologação da sentença estrangeira. Portanto, internamente já está consolidada a homologação de sentença estrangeira devido a esta estar prevista em nossa legislação interna. Para o Estado Brasileiro, não é exclusivamente a cooperação entre as nações ou a convivência pacífica com a comunidade internacional que possibilita a homologação de sentença estrangeira, pois o objetivo é também atender a uma previsão legal prevista em nosso ordenamento jurídico interno. Para o Direito Internacional, um Estado ou país não é obrigado a reconhecer a eficácia de um provimento jurisdicional oriundo de outro Estado, seja pela autoridade do juiz, seja por tribunal estrangeiro. Inclusive no Direito Internacional Privado há a autorização expressa da aplicação da lei estrangeira mesmo em território nacional e isso não implicaria a negação da eficácia da sentença estrangeira. No entanto, pelo instituto da homologação, a sentença passa a gerar efeito no país que a homologou. Em outras palavras, ela é exequível na ordem jurídica interna, produzindo os mesmos efeitos de uma sentença nacional. Considera-se que ela tem duplo efeito o de atribuir força executiva a sentença estrangeira e a de assegurar a autoridade da coisa julgada. 4 No Brasil, a homologação está prevista em nossa Carta Magna, a Constituição de 1988, no art. 101, inciso I, “g” (Brasil, 1988). Depois veio a Emenda Constitucional n. 45/2004 (Brasil, 2004), que transpôs tal competência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, introduzindo a alínea “i” ao art. 105, I, da vigente Constituição Federal. Entretanto, houve uma mudança de paradigma sobre o tema com o advento do Novo Código de Processo Civil em 2015 pela Lei n. 13.105/2015, que versa sobre vários dispositivos legais que estão contidos nos arts. 24, 960 a 965 (Brasil, 2015). Portanto, quando há o reconhecimento de uma sentença condenatória estrangeira, existe a possibilidade de executá-la conforme o procedimento previsto na lei do país em que se requer instaurar o processo executório. No Brasil, constitui
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