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AULA 1 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Profª Karla Knihs 2 TEMA 1 – COMUNIDADE INTERNACIONAL X SOCIEDADE INTERNACIONAL: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS Guerra (2017, p. 53) nos informa que a sociedade internacional já existia na mais remota Antiguidade, quando os povos mantinham relações entre si. Assim, pode-se afirmar que o direito internacional é tão antigo quanto a civilização em geral, posto que seja consequência necessária e inevitável de toda a civilização. A partir do desenvolvimento dessas relações entre os povos, houve a necessidade de promover a busca do equilíbrio de poder entre os diversos Estados modernos e a necessária compatibilização do exercício das respectivas soberanias de cada um de seus membros. Conforme nos informa Mazzuoli (2019, p. 3) “O Direito Internacional Público disciplina e rege prioritariamente a sociedade internacional” (grifo no original). Assim, é necessário notar que Comunidade Internacional e Sociedade Internacional não são a mesma coisa. Sidney Guerra (2017, p. 65) assim explica: Enquanto a comunidade internacional se trata de um vínculo entre pessoas que se unem por um laço moral e não jurídico, a sociedade internacional pode ser conceituada como a União de Estados, Organizações Internacionais e indivíduos. Evidencia-se, pois, que a sociedade internacional surge no momento em que a coletividade independente com a organização política se relaciona, isto é, no momento em que as relações entre as coletividades passam a existir de modo mais ou menos contínuo. A sociedade internacional dos atores internacionais. Tendo em vista que o Direito é a disciplina que cuida e regula a sociedade internacional, precisamos compreender o que é a sociedade internacional e quais são as suas características. Assim, a sociedade internacional é formada pelos Estados, pelos organismos internacionais e pelo homem, apresentando características específicas que a diferenciam em relação às sociedades internas: • Isonomia: deve haver igualdade entre os sujeitos, especialmente em decorrência da noção de soberania. • Descentralização: em razão da diversidade de criadores e destinatários das normas de direito internacional e a soberania dos Estados. Conforme ensina Guerra (2017, p. 59) a sociedade internacional não possui uma organização institucional, a exemplo do que ocorre nos Estados. A sociedade 3 internacional não se apresenta, portanto, como um “superestado” e, por isso mesmo, não existe poder legislativo, poder executivo e tampouco poder judiciário, como é concebido na estrutura de poderes de um Estado-nação • Universalidade: deve abranger o máximo possível de integrantes. Conforme Guerra (2017, p. 57) a universalização do Direito Internacional ocorreu após a Segunda Grande Guerra Mundial, em especial pela ocorrência da descolonização, haja vista que somente a metrópole tinha acesso à sociedade internacional. As relações internacionais eram bastante limitadas tendo em vista o número restrito de Estados soberanos existentes no plano global. • Abertura: a sociedade internacional é aberta a novos integrantes, embora nenhum Estado seja obrigado a se relacionar. Para Guerra (2017, p. 58), a sociedade internacional é aberta pelo fato de que não existe um número determinado de atores que façam parte das relações internacionais. • Paritária: uma vez que tem como premissa a igualdade jurídica, conforme disposto no art. 2º da Carta das Nações Unidas: Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros. 2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa-fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta. 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. 5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. 6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais. 7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII. 4 Segundo Guerra (2017, p. 51) as comunidades ou são compostas pelos indivíduos unidos por laços naturais ou são espontâneos ou ainda são compostas por objetivos comuns que transcendem os interesses particulares de cada pessoa. O que vemos, então, é que não temos ainda uma comunidade internacional, mas sim uma sociedade internacional em desenvolvimento. TEMA 2 — INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL O Direito Internacional se revela cada vez mais necessário no dia a dia do profissional do Direito. Conforme nos informa Varella (2018, p. 21) o Direito Internacional Público é “um ramo do direito que nasce na Idade Média, com a própria formação do Estado, mas que ganha maior importância a partir da consolidação dos Estados europeus e a expansão ultramarina”. Com a globalização cada vez mais intensa, se desenvolve no século XX e ganha ainda mais força a partir dos anos de 1990. Como o próprio mundo moderno, o direito internacional é um ramo do direito em constante transformação, sendo um dos ramos do direito que mais sofre transformações nos últimos anos. (Varella, 2018, p. 21). Quando pensamos no Direito Internacional, estamos nos referindo, principalmente a um Direito entre Estados, e, também, podemos nos referir a ele como Direito das Gentes (ou ius gentium). Assim, nesse primeiro momento, precisamos compreender o plano internacional como uma ordem jurídica horizontal, em que não há hierarquização ou subordinação. Isso significa que no plano internacional não há nenhuma autoridade superior, assim como não existe nenhum Tribunal Internacional soberano, capaz de obrigar os Estados a cumprirem, de forma cogente, suas decisões. Aqui, chegamos a uma reflexão importante: Ora, se não há um “Poder Legislativo” mundial, se não há um “Poder Executivo” mundial, de que forma o Direito regula as relações entre os países? É o que vamos discutir e compreender na presente disciplina de Direito Internacional Público. Conseguimos compreender, então, nesse primeiro momento, que as relações internacionais são caracterizadas pela inexistência de um poder central mundial. A partir dessa característica, destaca-se que: 5 • Não há um ente de direito internacional que imponha aos Estados Soberanos as suas deliberações. • Há igualdade jurídica entre os Estados, em razão da soberania dos Estados, que não podem, em razão do princípio da não intervenção, interferir nos assuntos internos dos outros países. Diante disso, podemos afirmar que o Direito Internacional Público disciplina e rege a chamada “sociedade internacional”. Como a vida em sociedade possui a característica da existência de conflitos, o Direito Internacional Público procura pacificar as relações entre seus diversos atores, tendo em vista a necessidadede resolução de inúmeras disputas entre os sujeitos, decorrentes dos interesses variados dos sujeitos da sociedade internacional. Assim, diante de tais conflitos, criou-se um sistema de normas e princípios inerentes ao Direito Internacional. Outra questão bastante comum diz respeito à diferença entre Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado. Embora no presente estudo estejamos dedicados ao primeiro, podemos dizer que a diferenciação está essencialmente no objeto de estudo. Enquanto o Direito Internacional Público regula as relações entre os Estados ou entre Estados e outros atores internacionais, o direito internacional privado é voltado para as relações entre particulares, tais como: contratos entre empresas ou solução de conflitos sem a presença do Estado. Assim, diz-se privado porque o Estado não integra sua problemática ou, quando integra, é tratado como um ator no mesmo plano dos particulares (Varella, 2018, p. 21-22). A partir disso, nesta aula nos concentraremos em estudar os conceitos principais acerca do Direito Internacional e da Sociedade internacional, para entender a maneira que esta é organizada do ponto de vista jurídico. Para compreendermos sua evolução, faremos uma breve contextualização histórica. O Direito Internacional Público surgiu a partir do final do século XVI e início do século XVII, quando se formaram os Estados-nação com as características que conhecemos hoje. Assim, na formação do direito internacional temos como primeiro e principal elemento o Estado, sendo que até o séc. XX ele era considerado o único sujeito absoluto do direito das gentes. Com a Segunda Guerra Mundial, essa concepção foi posta de lado, e passaram a surgir as chamadas Organizações Internacionais 6 intergovernamentais. Ou seja, os dois tratados de Westfália demarcam a nova era do Direito Internacional Público, assim como o fim da Guerra dos Trinta Anos (em 1648), quando nasce a soberania nacional. Muitos autores consideram que antes da Paz de Westfália não existia Direito Internacional. Assim, a Paz de Westfália celebrou o fim da guerra dos trinta anos, demarcando: • Soberania entre os Estados; • Obrigação de não intervenção nos assuntos internos • Igualdade jurídica. A partir disso, temos como um dos fundamentos centrais do Direito Internacional Público o consentimento: há necessidade do consentimento dos Estados em se submeterem a regras e princípios advindos de toda sociedade internacional. Além disso, temos a soberania, que se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. O Congresso de Viena (1815) foi, depois dos tratados de Westfália, o segundo grande marco do Direito Internacional e das relações internacionais. Segundo Mazzuoli (2019, p. 10): O Congresso marcou o fim das guerras napoleônicas e estabeleceu um novo sistema multilateral de cooperação política e econômica na Europa, além de ter agregado novos princípios de Direito Internacional, como a proibição do tráfico negreiro, a liberdade irrestrita de navegação nos rios internacionais da região e as primeiras regras do protocolo diplomático. Os aspectos principais desse sistema perduraram até quase o início da Primeira Guerra Mundial.35 E, de maneira ainda mais nítida, essas novas características do Direito Internacional vieram a intensificar-se finda a Segunda Guerra, que ensanguentou a Europa entre 1939 e 1945. Destaque-se, por fim, que a partir desse momento o contexto internacional passa a conviver com particularidades até então desconhecidas, como os avanços científico e tecnológico em escala global e o nascimento cada vez mais crescente de organismos internacionais especializados. Destaca-se, então, os seguintes traços característicos no DIP (Direito Internacional Público): https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788530983383/epub/OEBPS/Text/11_chapter01.xhtml?favre=brett#fna35 7 a) inexistência de subordinação dos sujeitos de direito a um Estado; b) inexistência de uma norma constitucional acima das demais normas; c) inexistência de atos jurídicos unilaterais obrigatórios, oponíveis a toda a sociedade internacional. Mazzuoli Oliveira (2019, p. 10) afirma que uma das primeiras questões que se colocam ao estudar o Direito Internacional Público diz respeito a como seria possível falar em ordem jurídica num sistema de normas incapaz de centralizar o poder. Assim, quais seriam as condições necessárias para se afirmar existir uma ordem jurídica? Para o autor: A resposta é, possivelmente, simples: um conjunto de princípios e regras destinados a reger as situações que envolvem determinados sujeitos. Como se vê, não pertence ao conceito de “ordem jurídica” a ideia de centralização de poder, não obstante tal centralização existir (e ser nitidamente visualizada) no plano do Direito interno dos Estados. Portanto, a inexistência de um poder centralizador, no Direito Internacional, faz nascer a ideia de que a ordem jurídica da sociedade internacional é descentralizada, uma vez que em tal âmbito jurídico (bem ao contrário do sistema jurídico interno) não existe centralização de poder, bem como uma autoridade com poder de impor aos Estados as suas decisões. Em outras palavras, não existe ainda, na órbita internacional, nenhum órgão com jurisdição geral capaz de obrigar os Estados a decidirem ali suas contendas (lembre-se que a participação de Estados em tribunais internacionais requer o consentimento expresso destes, sem o qual o tribunal respectivo não poderá exercer a sua jurisdição). Dessa forma, pode-se afirmar que as relações jurídicas internacionais se desenvolvem quase que inteiramente em nível horizontal, o que evidencia o caráter embrionário das normas de organização da sociedade internacional, como destaca a melhor doutrina. Tem-se, assim, uma ordem jurídica descentralizada, apesar de organizada pela cooperação (também denominada de coordenação), em que os sujeitos de Direito Internacional atuam como titulares de direito e de obrigações. Conforme Varella (2018, p. 26): O direito internacional é guiado por milhares de tratados, com diferentes graus de normatividade, conforme atribuição pelos Estados. Alguns tratados têm caráter mais obrigatório (jus cogens), outros menos (soft norms), mas não há uma norma comum, que direcione a evolução do direito internacional como um todo. Não podemos dizer que essas características da consensualidade, da descentralização e da soberania retirem a efetividade do Direito Internacional Público. Isso porque, apesar de sua natureza, “com o processo de internacionalização econômica, política e cultural, o direito internacional também passa por mudanças importantes, aumentando seu poder de sanção, em caso de violação” (Varella, 2018, p. 25). 8 Assim, vemos que o Direito Internacional tem caminhado no sentido de criar regras internacionais mais rígidas, especialmente no que se refere ao direito econômico e ao direito humanitário. Antes de estudarmos com mais detalhes essas questões, necessário tratar do conceito, objeto e sujeitos do Direito Internacional Público. TEMA 3 – CONCEITO, OBJETO, ATORES E SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 3.1 Conceituação e objeto do Direito Internacional Público Para a corrente clássica-positivista, Direito Internacional é “o conjunto de regras e princípios que regem as relações jurídicas entre Estados” e “um sistema de princípios e normas que regulam as relações de coexistência e de cooperação, frequentemente institucionalizadas, além de certas relações comunitárias entre Estados, dotados de diferentes graus de desenvolvimentos socioeconômico e de poder” (Díez de Velasco). Ainda, vemos a conceituação do Direito Internacional como “o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, subsidiariamente,as das demais pessoas internacionais, como determinadas Organizações, e dos indivíduos” (Hildebrando Accioly). Essa ideia clássica está já defasada, pois, como veremos a seguir, não mais corresponde à realidade atual das relações internacionais. Um conceito mais adequado seria o de que Direito Internacional “É o Ramo da ciência jurídica que visa regular as relações internacionais com o fim precípuo de viabilizar a convivência entre os integrantes da sociedade internacional” (Gutier, 2012). Podemos conceituar Direito Internacional Público, então, como o ramo do direito que tem por finalidade regulamentar as relações jurídicas existentes entre os sujeitos de direito internacional dentro da sociedade internacional. Pode-se conceituar esse ramo do Direito como o conjunto de regras que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Segundo Mazzuoli (2019, p. 19), a definição do conceito de Direito Internacional Público abrange três critérios, a saber: 9 a) Critério dos sujeitos intervenientes – o Direito Internacional Público disciplina e rege a atuação e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos); b) Critério das matérias reguladas – o Direito Internacional Público visa alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais; e c) Critério das fontes normativas – o Direito Internacional Público consubstancia-se num conjunto de princípios e regras jurídicas, costumeiras e convencionais. Assim, o Direito Internacional fixa obrigações aos Estados soberanos, de modo que as suas liberdades de atuação são (de)limitadas, bem como rege as relações entre as organizações internacionais. As fontes, juntamente com o Direito do Tratados, é o objeto fundamental de estudo do DIP. Segundo Jorge Americano (citado por Gutier, 2012) “O objeto do direito internacional é o estabelecimento de segurança entre as Nações, sobre princípios de justiça para que dentro delas cada homem possa ter paz, trabalho, liberdade de pensamento e de crença”. O Direito Internacional Público tem, também, a função de repartição de competência entre os estados soberanos, cada qual com sua delimitação territorial, no qual exerce sua jurisdição. 3.2 Sujeitos e atores do Direito Internacional Público O Direito Internacional Público (DIP) é composto pelos sujeitos ou atores de direito internacional público, que estão sujeitos às regras, princípios e costumes internacionais. Mazzuoli (2019, p. 349), assim define: São, portanto, sujeitos do Direito Internacional Público todos aqueles entes ou entidades cujas condutas estão diretamente previstas pelo direito das gentes (ou, pelo menos, contidas no âmbito de certos direitos ou obrigações internacionais) e que têm a possibilidade de atuar (direta ou indiretamente) no plano internacional. Segundo Varella (2018, p. 25) “atores internacionais são todos aqueles que participam de alguma forma das relações jurídicas e políticas internacionais”. A expressão “atores internacionais” é mais ampla que “sujeitos de direito internacional”. Sujeitos seriam os Estados e as Organizações Internacionais, enquanto atores seriam as demais pessoas que participam das relações de Direito Internacional. Podemos, então, trazer o seguinte esquema sobre atores e sujeito do DIP: 10 Figura 1 – Atores e sujeitos do DIP Frise-se que nem todo ator internacional é considerado um sujeito de Direito Internacional, mas todo sujeito de DIP é ator internacional. Segundo Mazzuoli (2019, p. 349), é possível classificar os sujeitos do Direito Internacional, de forma mais didática, em quatro grupos: a) os Estados; b) as coletividades interestatais; c) as coletividades não estatais; e d) os indivíduos (ou particulares). Para facilitar o estudo, podemos assim classificar tais sujeitos e atores: 1) Estados: Conforme Mazzuoli (2019, p. 349) “dentre os atores que atualmente a compõem, os Estados são aqueles que detêm a maior importância, dado que somente com o seu assentimento outras entidades podem ser criadas”. Os Estados possuem personalidade jurídica originária e capacidade jurídica plena, e seus elementos constitutivos são: povo, território e governo soberano (capacidade de auto-organização). 2) Organizações Internacionais (coletividades interestatais): As organizações internacionais têm personalidade internacional recente, e surgiram a partir da Liga das Nações, que foi a primeira organização internacional. Proliferaram após a Segunda Grande Guerra. Para Mazzuoli (2019, p. 352) “Trata-se de entidades criadas por acordos constitutivos entre Estados com personalidade jurídica distinta da dos seus membros”. Assim, a OIs são “o produto da associação de vários Estados, estabelecida em tratado internacional, para gerir as finalidades às quais foram criadas”. (Mazzuoli, 2019, p. 352). Rezek (2018, p. 191) afirma que “sua existência não encontra apoio senão no tratado constitutivo, cuja principal virtude não consiste, assim, em disciplinar-lhe o funcionamento, mas em haver-lhe dado vida, sem que nenhum elemento material preexistisse ao ato jurídico criador”. ATORES INTERNACIONAIS E TRANSNACIONAIS SUJEITOS DE DIP 11 Há autores que as distinguem entre perfeitas, que gozariam de personalidade jurídica internacional (por exemplo ONU, OIT), e imperfeitas, que não teriam personalidade jurídica internacional (organizações supranacionais, como a União Europeia). Para o direito internacional público, os seguintes aspectos caracterizam uma organização internacional: • • Multilateralidade: significa que a organização internacional surge da vontade de variados Estados, por meio de tratado constitutivo; apresenta- se em âmbito universal (como é o caso das Nações Unidas – ONU) ou apenas em âmbito regional (como a Organização dos Estados Americanos – OEA). • • Permanência: significa que a organização internacional não tem data definida de duração, ou seja, tem tempo indeterminado. • • Institucionalização: significa que a organização internacional conta com todo um aparato próprio, incluindo órgão e meios para resolução de conflitos. Aqui também é importante ressaltar que a criação e o funcionamento da organização internacional dependem do disposto em seu respectivo tratado constitutivo. São exemplos de organizações internacionais: Organização das Nações Unidas (ONU); UNESCO; Organização Mundial do Comércio (OMC); União Europeia (UE). 3) Coletividades não estatais A doutrina majoritária classifica as coletividades não estatais como: • Beligerantes: movimentos armados, organizados e com viés político. Podemos citar como exemplo os confederados da Guerra de Secessão dos EUA. • Insurgentes: grupo que se revoltou contra o Estado e quer tomar o poder. Podemos citar como exemplo as FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo. • Movimentos de libertação nacional: movimentos que visam a independência de determinados povos. A luta pela independência da Argélia pode ser citada como um exemplo de movimento de libertação nacional, bem como a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). 12 • Soberana ordem militar de Malta: com origem na Igreja Católica, é uma organização humanitária reconhecida como entidade de direito internacional privado. A ordem dirige hospitais e centros de reabilitação. 4) A Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano Embora ainda haja discussões sobre o tema na doutrina, utilizaremos o pensamento de Mazzuoli (2019, p. 359) para quem “o Estado da Cidade do Vaticano (criado pelos Tratados de Latrão de 1929) é de fato um Estado, e, como tal, pertence à sociedade internacional e intervém no seu funcionamento”. 5) Comitê Internacional da Cruz VermelhaCom sede em Genebra, na Suíça, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem objetivos humanitários. Pode ser definida como uma “organização de direito privado, independente e neutra, dotada de estatuto próprio, cuja finalidade é proporcionar proteção e assistência humanitária às vítimas da guerra e da violência armada” (Mazzuoli, 2019, p. 364). 6) Outros sujeitos: empresas transnacionais e mídia internacional As empresas transnacionais podem ser conceituadas como empresas constituídas sob as leis de determinado Estado e que têm representações ou filiais em dois ou mais países, neles exercendo seu controle, acionário ou contratual, ainda que o seu capital provenha de um único Estado ou de uma única pessoa (Mazzuoli, 2019, p. 372). A mídia global também tem sido apontada pela doutrina no rol de sujeitos do DIP, tendo em vista a sua grande influência na cena internacional e nas tomadas de decisão da sociedade internacional no que tange a diversos assuntos de interesse global apoiados pela opinião pública mundial (Mazzuoli, 2019, p. 372). 7) Indivíduo (conceito contemporâneo) Tem-se admitido que indivíduos sejam considerados sujeito de DIP, tendo em vista que podem fazer valer seus direitos em Tribunais e Cortes internacionais. Por exemplo, a Corte Europeia de Direitos Humanos – CEDH e o Tribunal Penal Internacional. Esse reconhecimento decorre, também, da solidificação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Segundo Varella (2018, p. 24) a personalidade jurídica internacional de indivíduos, empresas ou associações apenas pode ser reconhecida a partir de alguns pressupostos: 13 a) A possibilidade da construção de personalidade se faz a partir da atribuição de direitos e deveres que, em alguns casos, prevê a possibilidade de constituir normas, exigir o seu cumprimento, mesmo por vias judiciais. São poderes sempre restritos à norma de direito internacional que os reconhecem e à forma e aos poderes concedidos; b) A personalidade jurídica internacional será reconhecida por regime jurídico específico, tendo como característica um caráter derivado, funcional e relativo. É derivado, pois decorre da vontade dos Estados que os reconhece. É funcional, em razão de ser limitada ao que lhe foi autorizado e concedido pela norma. É relativo, porque poderá ser oposta a quem a criou e a reconhece. Por fim, Mazzuoli (2019, p. 374) argumenta sobre a necessidade de o indivíduo ser considerado sujeito de DIP porque ele é “sujeito essencial de todo do Direito”. TEMA 4 – FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL Conforme vimos, o Direito Internacional é o conjunto de fontes que vai regular as relações entre os seus sujeitos. Por fontes do DIP entendemos os documentos ou pronunciamentos dos quais emanam os direitos e os deveres das pessoas internacionais; são os modos formais de constatação do direito internacional. As fontes, juntamente com o Direito do Tratados, é o objeto fundamental de estudo do DIP. Podemos dividir as fontes em formais e materiais. As fontes materiais são os elementos sociais, históricos e econômicos. Já as fontes formais são os meios e as formas por meio dos quais as fontes materiais se exteriorizam. No Direito Internacional Público temos a peculiaridade da inexistência de uma autoridade superior que subordine os Estados, e, assim, as fontes formais de Direito Internacional Público surgiram ao longo da história e foram consolidadas no antigo art. 38, do Estatuto da Corte Permanente da Justiça. A Corte Internacional de Justiça é o principal tribunal judiciário de natureza permanente da Sociedade Internacional. O citado art. 38 não traz exatamente uma relação das fontes, mas sim os elementos aplicáveis em suas decisões, ou seja: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo de direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; 14 d) e, excepcionalmente, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados. No parágrafo 2º o Estatuto esclarece que a CJI tem a faculdade de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem. Vejamos o que diz a redação do dispositivo, que traz o chamado “rol originário” do DIP: Art. 38 da CIJ • A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: o a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; o b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; o c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; o d. sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. • A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem (equidade). Importante ressaltar que não existe hierarquia entre as fontes principais, ou seja, o CIJ pode se utilizar de qualquer delas para a resolução dos conflitos que lhes sejam submetidos. Já as fontes auxiliares, que são a jurisprudência e a doutrina, servem como parâmetros para a aplicação das fontes principais. Temos, então, esquematicamente: Fontes principais: • Convenções internacionais • Costume internacional — não há hierarquia • Princípios gerais de direito Fontes auxiliares • Decisões judiciárias e doutrina — meios auxiliares • Analogia e equidade o Atos unilaterais dos Estados 15 o Decisões das Organizações Internacionais o Soft Law É consenso que a partir do fomento ao movimento de normatização do DIP, os tratados internacionais são a sua principal fonte, tendo em vista que, por sua natureza, trazem segurança e estabilidade. Por meio dos tratados temos a internalização da vontade livre dos Estados e das Organizações Internacionais. Contudo, não podemos desprezar a importância de todas as demais fontes do DIP, razão pela qual estudaremos, detalhadamente, cada uma delas. TEMA 5 – FONTES EM ESPÉCIE 5.1 Tratados Veremos com detalhes a matéria relativa aos Tratados e Convenções coletivas como fontes do DIP. Podemos conceituar, nesse primeiro momento, tratado como sendo todo acordo formal e escrito, celebrado entre Estados ou organizações internacionais, e que busca produzir efeitos numa ordem jurídica de direito internacional. Assim, tendo em vista a sua característica consensual, pressupõe manifestação de vontade bilateral ou multilateral. 5.2 Costumes Podemos conceituar os costumes como uma repetição ao longo do tempo de determinado comportamento, de tal forma que, por sua repetição, ele é considerado a maneira justa e juridicamente correta de agir. O direito costumeiro tem origem principalmente nas trocas comerciais realizadas no âmbito internacional, por isso é ainda uma fonte muito utilizada. Segundo Mazzuoli (2019, p. 70) “dois são os elementos necessários à formação do costume internacional, sem os quais não se pode determinar e provar a sua existência: o material e o psicológico” sendo que “o elemento material do costume consubstancia-se na repetição generalizada e habitual de certos atos praticados pelos Estados ou organizações internacionais, capaz de criar uma prática entre eles”. Já o elemento psicológico é, justamente, a aceitação da conduta como uma prática geral, bem como, a possibilidade de aplicação de sanção pelo seu descumprimento. No âmbito comercial essa é uma realidade fácil de ser percebida, uma vez que o descumprimento do costume pode gerar uma 16 sanção de natureza comercial, causandoprejuízos financeiros àquele que não observa o costume. Por fim, é possível a extinção do costume, por exemplo, por meio de tratado mais recente que o codifica ou o revoga, pelo desuso e até mesmo pelo surgimento de um novo costume. Vemos atualmente uma crescente codificação do direito consuetudinário, sendo que muitos tratados hoje existentes tiveram origem em costumes que regiam o Direito Internacional. Isso se dá porque é muito difícil provar a existência de costume, mas é simples provar que um tratado está em vigor e vincula as partes. 5.3 Princípios gerais de direito Os princípios gerais de direito, conforme citado no art. 38 do CIJ são aqueles reconhecidos por diversos sistemas jurídicos nacionais, tais como a ampla defesa e contraditório, a boa-fé, o respeito à coisa julgada e o direito adquirido, o pacta sunt servanda, a solução pacífica de conflitos, a não agressão. 5.4 Jurisprudência e doutrina Doutrina e jurisprudência são meios auxiliares para a determinação das regras do direito, ou seja, elas não criam normas jurídicas, apenas auxiliam a sua aplicação, especialmente, para melhor interpretação das fontes principais. A doutrina, como produção de juristas, tem como funções principais o fornecimento da prova do conteúdo do direito, bem como, a influência no seu desenvolvimento. Quanto à jurisprudência, ela se refere às decisões judiciárias dos tribunais internacionais, ou seja, à jurisprudência internacional. A jurisprudência internacional é formada por decisões arbitrárias, decisões judiciárias e pareceres consultivos da CIJ. Frise-se que as decisões não vinculam terceiros, sendo obrigatórias apenas para as partes envolvidas. 5.5 Analogia e equidade A analogia é muito utilizada quando há lacuna na lei. Utiliza-se a solução dada a um caso semelhante para que se resolva a controvérsia. Já a equidade é um método de raciocínio jurídico, mecanismo de análise amparado pela combinação da noção de igualdade com a ideia de moderação (a 17 equidade não é norma jurídica). Consiste na aplicação de outras normas jurídicas ou princípios para dirimir as controvérsias. O julgamento ex aequo et bono significa que a corte internacional poderá solucionar uma controvérsia com base na equidade, havendo, contudo, a necessidade de concordância das partes, sob pena de a sentença ser considerada nula. 5.6 Atos unilaterais dos Estados Entende-se por ato unilateral aquele manifestado por sujeito de direito internacional público (Estado ou organização internacional) que se apresenta suficiente para a produção de efeitos jurídicos. Podemos citar como exemplos as barreiras alfandegárias, a determinação de alíquotas de impostos de importação; a política de vistos etc. 5.7 Decisões das OIS Podemos citar as Resoluções, as recomendações, as declarações e as diretrizes como espécies de decisões das OIS. Frise-se que nem todas as decisões das organizações internacionais são obrigatórias, já que algumas possuem caráter facultativo ou apenas enunciam princípios e planos de ação. Assim, o significado e seus efeitos variam conforme a entidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um exemplo de decisão emanada da Assembleia Geral da ONU e que é fonte de DIP. 5.8 Soft law O Direito Internacional Público tem no jus cogens seu alicerce, uma vez que se tratam de normas peremptórias e imperativas. Contudo, destaca-se também a existência do chamado soft law, expressão utilizada no âmbito do Direito Internacional Público para descrever os textos do DIP que são desprovidos de caráter jurídico em relação aos signatários. Significa dizer que são normas facultativas, ao contrário do que ocorre com o jus cogens, que são normas cogentes. 18 REFERÊNCIAS GUERRA, S. Curso de direito internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. GUTIER, M. Introdução ao direito internacional público. 2012. Disponível em: <http://murillogutier.com.br/wp- content/uploads/2012/02/INTRODU%C3%87%C3%83O-AO-DIREITO- INTERNACIONAL-MURILLO-SAPIA-GUTIER.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2020. MAZZUOLI, V. D. P. Curso de direito internacional público. 12. ed. Grupo GEN, 2019. REZEK, J. F. Direito internacional público: curso elementar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. VARELLA, M. D. Direito internacional público. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. AULA 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Profª Karla Knihs 2 TEMA 1 — O ESTADO COMO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL A palavra “Estado” foi utilizada pela primeira vez com sentido jurídico e político por Maquiavel, em sua obra O príncipe, no século XVI. Conforme nos informa Guerra (2017, p. 137): Segundo Bedin, a emergência do Estado moderno foi resultado da convergência histórica de um conjunto significativo de acontecimentos (a crise da sociedade feudal, o florescimento do comércio, o declínio do papado, o Renascimento, a reforma protestante etc.). Por isso esse processo foi bastante lento e se mostrou um longo e difícil caminho para ser concluído. Mazzuoli (2019, p. 375), por sua vez, sobre a evolução histórica do conceito de Estado, afirma que: A entidade política conhecida como Estado aparece, com seus contornos modernos, semelhantes aos atuais, entre os séculos XV e XVI. Isso não significa, entretanto, que antes desse período não existiam sociedades politicamente organizadas, com acentuado grau de desenvolvimento e autonomia, de que eram exemplos as cidades italianas de Veneza, Pisa, Modena, Milão e Bolonha, que se destacaram por quebrar o isolamento característico do período medieval, a partir de quando começaram a intensificar suas atividades de intercâmbio recíproco (principalmente de mercadorias), inclusive com outros países.4 Já a partir do final do século XVIII, o Estado moderno e a Nação moderna fundem-se para formar o chamado Estado-nação, que tem mostrado sua superioridade em relação tanto às cidades-Estado (ou às suas federações) quanto aos herdeiros modernos dos antigos impérios (sendo que o último deles, a China, tem passado por um processo de profunda transformação). Conforme ensina Rezek (2018, p. 190), “o Estado, com efeito, não tem apenas precedência histórica: ele é antes de tudo uma realidade física, um espaço territorial sobre o qual vive uma comunidade de seres humanos”. De acordo com o que já estudamos, os Estados são os primeiros e principais atores do DIP, razão pela qual iremos formular alguns conceitos sobre eles. É importante notar que o Estado, por sua complexidade, é de difícil definição e conceituação, então esse será mais um exercício de reflexão acerca do nosso objeto de estudo, especialmente porque sequer a doutrina é uníssona quanto a essa matéria. Para essa reflexão, vamos trazer as diversas maneiras como os principais autores vieram a conceituar “Estado”. Rezek (2018, p. 191) afirma que “o Estado é contingente humano a conviver, sob alguma forma de regramento, dentro de certa área territorial, sendo certo que a constituição não passa do cânon jurídico dessa ordem”. Já Mazzuoli (2019, p. 375) traz a seguinte definição: 3 Pode-se definir o Estado (do latim status = estar firme), em sua concepção jurídica moderna, como um ente jurídico, dotado de personalidade internacional, formado de uma reunião (comunidade) de indivíduos estabelecidos de maneira permanente em um território determinado, sob a autoridade de um governo independente e com a finalidade precípua de zelar pelo bem comum daqueles que o habitam. Segundo Azambuja (2002, p. 6), “Estado é uma sociedade natural que se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e organizados, permanentemente, com o intuito de realizar um objetivo comum”. É também obra da inteligência e da vontade dos membros do grupo social, ou dos que nele exercem governo e influência. Para esse autor, “o Estado moderno é uma sociedade à base territorial, dividida em governantes e governados,e que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições” (Azambuja, 2002, p. 6). Além disso, Azambuja afirma que o Estado é a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado (Azambuja, 2002). Assim, desse autor podemos retirar os seguintes elementos caracterizadores do Estado: sociedade natural, organização político-jurídica, objetivo comum, vontade, governo, território, poder, supremacia ou soberania. Dalmo Dallari (2011, p. 119) afirma que o Estado é uma força material irresistível, limitada e regulada pelo Direito. O Estado seria, também, uma nação politicamente organizada. O conceito que ele coloca como mais abrangente é aquele segundo o qual o Estado seria uma “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (Dallari, 2011, p. 122). Assim, tal conceito consegue abranger todos os elementos necessários à composição de um Estado. Por fim, o conceito de Clóvis Beviláqua (citado por Maluf, 1999, p. 50), segundo o qual “Estado é um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica”. Podemos retirar desse conceito os seguintes elementos: ordem, soberania, bem comum, povo e território. Temos como consenso, então, que o Estado tem os seguintes elementos caracterizadores: povo, território, governo soberano. Vejamos, detalhadamente, cada um deles. 4 Figura 1 – Elementos caracterizadores do Estado Crédito: Knihs, 2020. 1.1 Povo Em linhas gerais, povo significa o conjunto de nacionais pertencentes ao Estado. Segundo Dallari (2011, p. 100), há a necessidade do elemento pessoal para a constituição e a existência do Estado, “uma vez que sem ele não é possível haver Estado e é para ele que o Estado se forma”. Ainda assim, frise-se que “nação” não é sinônimo de Estado, assim como “população” também não. A nação seria a ligação de indivíduos pela mesma cultura, enquanto povo do Estado possui um vínculo político e jurídico. Já a população seria o conjunto, sintetizado em números aritméticos ou não, formado pelo povo mais os estrangeiros e apátridas situados no mesmo território e numa mesma autoridade (o Estado). Sobre isso, Mazzuoli (2019, p. 351) afirma que: O Estado não se confunde com a Nação, com o povo ou com demais grupos de pessoas. Para o direito das gentes a pessoa internacional é o Estado, ainda que em alguns países (e em alguns sistemas jurídicos) se lhe atribua outras denominações não técnicas. Em verdade, o Estado é a organização jurídico-política da Nação, e que lhe dá validade e legitimação para atuar, no plano externo, como sujeito do Direito Internacional Público. A Constituição Federal de 1988 delega poderes, sendo o povo o sujeito ativo de tal delegação. 1.2 Território Dallari (2011) afirma ser o território componente indispensável para a caracterização do Estado Moderno, tendo em vista que ele estabelece a delimitação da ação soberana do Estado. 5 Segundo Mazzuoli (2019, p. 425), “a competência territorial do Estado é exercida, em regra, sobre o seu próprio território (in re sua), local onde o poder estatal tem sua incidência”. Assim, pode-se afirmar que “o território, propriamente dito, é a base física ou o âmbito espacial do Estado, onde ele se impõe para exercer, com exclusividade, a sua soberania” (Mazzuoli, 2019, p. 486). Não existe Estado sem território, por menor que seja a extensão, como é o caso de alguns Estados com extensão territorial bem pequena, dos quais podemos citar Mônaco, Vaticano e Maldivas. E independentemente do tamanho do Estado, ele será tratado com igualdade pelo Direito Internacional Público. 1.3 Governo soberano Listado por alguns autores apenas como “soberania”, essa é uma das bases da ideia de Estado Moderno, afirmando o poder “absoluto e perpétuo” do Estado, sendo essa a sua qualidade essencial (Dallari, 2011). Utilizamo-nos aqui da expressão “governo soberano” porque entendemos que o governo fornece o elemento político do Estado, sendo o responsável pela organização da ordem interna e de seu povo. Da mesma forma, é por meio desse poder político que o Estado pode participar das relações internacionais. Não existe sociedade sem poder, porque o poder é elemento necessário à organização de qualquer forma de sociedade, seja ela familiar, profissional, ou de qualquer outro gênero. Daí a necessidade de se delimitar certas regras para que se possa manter a ordem e buscar o desenvolvimento. No Estado, costuma-se chamar o poder de governo. O governo é, então, soberano. Por fim, listamos, com breve explicação, as características da soberania. Dizemos que ela é: • una: a soberania é una, ou única, por Estado, de tal forma que não pode haver duas ordens soberanas no mesmo ente estatal; • indivisível: não pode ser dividida pelos entes estatais; • inalienável: pois pertence ao povo; • imprescritível: não tem prazo de validade. TEMA 2 – DIREITOS E DEVERES DOS ESTADOS Mazzuoli (2019, p. 437) afirma que todos os Estados, “na condição de sujeitos do Direito Internacional Público, gozam de prerrogativas jurídicas 6 (direitos) e, de forma correlata, respondem por obrigações (deveres) no plano internacional, quer em tempo de paz quer em tempo de guerra”. Ainda de acordo com o mesmo autor (2019, p. 437), “os mesmos direitos e deveres impostos a um Estado mais fraco devem também ser impostos àqueles mais poderosos, desde que todos eles sejam membros das Nações Unidas”. Em primeiro lugar, temos os Direitos Fundamentais dos Estados, que estão dispostos na Carta das Nações Unidas, de 1945, e na Carta da OEA, de 1948. Destacamos a redação do art. 2º da Carta da OEA: Artigo 2 Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes: a) Garantir a paz e a segurança continentais; b) Promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção; c) Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros; d) Organizar a ação solidária destes em caso de agressão; e) Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; f) Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; g) Erradicar a pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do Hemisfério; e h) Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros. Podemos afirmar que, segundo a doutrina, são considerados Direitos Fundamentais dos Estados: o direito à existência, o direito de conservação e defesa, o direito de liberdade e soberania, o direito à liberdade e o direito ao comércio internacional. Cada um deles será explicado nos próximos tópicos. 2.1 Direito à existência Pressuposto de todos os demais Direitos Fundamentais dos Estados, pode ser compreendido a partir do art. 13 da Carta da OEA: A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos direitos de outros Estados, conforme odireito internacional. 7 2.2 Direito de conservação e defesa Compreende todas as medidas estatais necessárias à conservação e defesa do Estado. Nos termos do art. 51 da Carta das Nações Unidas: Artigo 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais. Nos termos do art. 29 da Carta das OEA: Se a inviolabilidade, ou a integridade do território, ou a soberania, ou a independência política de qualquer Estado americano forem atingidas por um ataque armado, ou por uma agressão que não seja ataque armado, ou por um conflito extracontinental, ou por um conflito entre dois ou mais Estados americanos, ou por qualquer outro fato ou situação que possa pôr em perigo a paz da América, os Estados americanos, em obediência aos princípios de solidariedade continental, ou de legítima defesa coletiva, aplicarão as medidas e processos estabelecidos nos tratados especiais existentes sobre a matéria. 2.3 Direito de liberdade e soberania Nos termos do art. 19 da Carta da OEA, nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Esse princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem. Mazzuoli (2019) diferencia soberania interna de soberania externa, como veremos • Soberania interna estatal: poder supremo do Estado de impor dentro de seu território suas decisões. 1) direito de livremente escolher a sua organização política, sua forma de governo, estabelecendo os princípios constitucionais que melhor atendam às suas peculiaridades; 8 2) direito de legislar e aplicar suas leis aos nacionais e estrangeiros residentes no seu território; 3) direito de exercer sua jurisdição, por meio dos seus órgãos competentes (juízes e tribunais). • Soberania externa estatal: projeção internacional da personalidade jurídica do Estado: 1) direito de celebrar tratados com outros Estados ou com Organizações Internacionais; 2) direito de legação ativo e passivo, ou seja, de enviar representantes diplomáticos junto a Estados estrangeiros e organismos internacionais, bem como, por outro lado, de receber os que lhes forem enviados por tais entidades; 3) direito ao respeito mútuo entre os Estados, tanto em relação às suas prerrogativas internacionais, bem como em relação à sua integridade territorial, sua honra e sua dignidade; 4) direito à igualdade jurídica, segundo o qual nenhum Estado pode imiscuir-se na esfera de competência de outro etc. 2.4 Direito à igualdade Decorre da Carta das Nações Unidas de 1945 que, no art. 2º, parágrafo 1º, afirma que “a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. Podemos citar, também, o art. 4º da Convenção Pan- americana sobre Direitos e Deveres dos Estados, assinada em Montevidéu, em 1933, que dispõe que “os Estados são juridicamente iguais, gozam dos mesmos direitos e têm a mesma capacidade no seu exercício”. 2.5 Direito ao comércio internacional Os Estados devem ter liberdade de comércio internacional, desde que obedecidos os princípios de igualdade de tratamento. Quanto aos deveres, podemos dividi-los em jurídicos e morais. Para Mazzuoli (2019, p. 453), “os deveres morais dos Estados encontram- se agrupados sob a denominação comum e geral de dever de assistência mútua. São deveres que têm por base os preceitos de cortesia internacional (comitas 9 gentium)”. Conforme nos ensina o autor, são exemplos de deveres morais dos Estados (Mazzuoli, 2019): a. o dever de socorro e a colaboração por ocasião de calamidades naturais, bem como nos momentos de inquietação política e social; b. os salvamentos marítimos em casos de sinistros, quer ocorridos em águas territoriais ou em alto-mar, como naufrágio, incêndio a bordo ou qualquer outro acidente do gênero; c. o abrigo concedido, em portos nacionais, a navios estrangeiros que aí procurem refúgio contra tempestades que lhes causem danos e prejuízos à estrutura, ou por necessitarem de reparos, em virtude de avarias por algum acidente no mar ou prejuízos físicos já sofridos; d. o estabelecimento de medidas sanitárias e providências para a proteção da saúde, impedindo a propagação de enfermidades; e. a assistência financeira aos Estados subdesenvolvidos ou aos que se encontram em situação econômica extremamente crítica; f. a assistência e cooperação em matéria judiciária, tanto civil como criminal, incluindo-se a adoção de medidas facilitadoras da ação social contra o crime; g. o apoio em relação a questões de caráter humanitário, em tempo de paz ou em tempo de guerra etc. Já os deveres jurídicos são sempre fruto de convenções internacionais concluídas entre os Estados. Entre esses deveres, podemos destacar especialmente o de não intervenção. Nos termos do art. 20 da Carta da OEA, nenhum Estado poderá aplicar ou estimular medidas coercivas de caráter econômico e político para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter deste vantagens de qualquer natureza. Por fim, quanto à matéria, a Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados, conforme a Carta da ONU, chegou ao consenso com relação aos seguintes princípios que regem a ordem jurídica internacional: • proibição do uso ameaça da força; • solução pacífica de controvérsias; • não intervenção nos assuntos internos dos Estados; • dever de cooperação internacional; 10 • igualdade de Direitos e Autodeterminação dos Povos; • igualdade soberana dos Estados; • boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais. TEMA 3 – RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS Conforme estudamos, as relações entre os Estados estão permeadas de diversos princípios que criam obrigações e direitos mútuos, de tal forma que é possível se falar, também, na responsabilização do Estado caso haja o cometimento de atos ilícitos. Para Mazzuoli (2019, p. 493), a responsabilidade internacional traduz-se numa “ideia de justiça, segundo a qual os Estados estão vinculados ao cumprimento daquilo que assumiram no cenário internacional”. Assim, uma vez assumidos, os compromissos devem ser cumpridos, uma vez que “o instituto da responsabilidade internacional do Estado, diferentemente da responsabilidade atinente ao Direito interno, visa sempre à reparação a um prejuízo causado a determinado Estado em virtude de ato ilícito praticado por outro” (Mazzuoli, 2019, p. 493). Isso decorre, inclusive, do princípio da boa-fé. Quando falamos em responsabilidade internacional, temos que atentar ao fato de que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o Direito Internacional deve reparar o Estado a que tenha causado o dano, por meio da adequada reparação. A primeira forma de reparação é chamada de “restitutio naturalis” ou “restitutio in integrum”, ou seja, trata-se do restabelecimento da situação ao que era anteriormente ao cometimento do ato ilícito. Assim, sempre que possível de forma material ou jurídica, o Estado internacionalmente responsável deve reporas coisas no seu estado primitivo. Contudo, se esse restabelecimento não for possível, ou caso seja possível apenas parcialmente, temos uma segunda hipótese, em que o prejuízo deve ser reparado por meio de indenização ou compensação pecuniária. Segundo Mazzuoli (2019, p. 495), a responsabilidade internacional tem como característica ser operada sempre de Estado para Estado, mesmo que o ato ilícito tenha sido praticado por um indivíduo ou ainda quando a vítima seja um particular seu. Trata-se da chamada Proteção Diplomática: Tal significa que a pessoa (vítima da violação) não demanda diretamente o Estado, apenas dirigindo uma reclamação ao Estado de sua nacionalidade para que este a proteja internacionalmente. Quando o Estado de nacionalidade oferece proteção, ele endossa a reclamação da 11 vítima e toma como sua a queixa alegada. Será esse endosso o instrumento que irá outorgar a chamada proteção diplomática – que nada tem a ver com os privilégios e imunidades diplomáticos dos quais ainda iremos tratar – de um Estado a um particular: o Estado, quando endossa a queixa do particular, “toma as suas dores” e passa a tratar com o outro Estado de igual para igual, a fim de ressarcir o particular do dano sofrido (daí o entendimento que, mesmo nesse caso em que o objeto da reclamação é constituído pelo indivíduo e pelo seu patrimônio, a responsabilidade internacional opera-se de Estado para Estado). O Estado se substitui ao particular, tornando-se dominus litis e assumindo os encargos daí resultantes. (Mazzuoli, 2019, p. 495) Assim, é necessário, no plano internacional, que a vítima faça a sua reclamação e, havendo endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, o Estado violador poderá ser responsabilizado. Antes da reclamação pela via diplomática, devem ser esgotados todos os recursos internos para a reparação do dano sofrido. Por fim, pode-se afirmar que, para que haja a responsabilização internacional, devem ser cumpridos três requisitos: 1) Ocorrência de um ato internacionalmente ilícito, ou seja, a violação ou lesão de uma norma de Direito Internacional. 2) Nexo causal que liga o ato danoso violador do Direito Internacional (ou a omissão estatal) ao responsável causador do dano (autor direto ou indireto do fato). Trata-se do “vínculo jurídico que se forma entre o Estado (ou organização internacional) que transgrediu a norma internacional e o Estado (ou organização internacional) que sofreu a lesão decorrente de tal violação” (Mazzuoli, 2019, p. 498). 3) Prejuízo ou dano, que pode ser material ou moral. A responsabilidade pode ser objetiva ou subjetiva, frisando-se que, para a caracterização da responsabilidade subjetiva, é necessário que, além do descumprimento de uma norma ou obrigação jurídica internacional, tenha o Estado agido com dolo ou culpa. Conforme nos informa Miranda (2009, p. 309), classicamente, a responsabilidade era só dos Estados uns perante os outros (e principalmente em relações bilaterais), mas agora há também responsabilidade dos Estados perante organizações internacionais e entidades afins e até perante o indivíduo. Admitem-se excludentes de responsabilidade internacional do Estado, a saber: • consentimento do Estado; • legítima defesa; 12 • represálias ou contramedidas; • caso fortuito e força maior; • perigo extremo; • estado de necessidade; • renúncia do indivíduo lesado. TEMA 4 – AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS COMO SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Ao lado dos Estados, as organizações internacionais (OIs) são sujeitos clássicos do Direito Internacional Público, sendo os únicos capazes de celebrar tratados. Anteriormente, já estudamos as principais características das organizações internacionais, mas neste tópico nos dedicaremos de forma mais aprofundada ao tema e ainda conheceremos algumas das principais OIs. Na maior parte das vezes, são os Estados que criam organizações internacionais para cumprir diferentes propósitos, tendo em vista que uma organização internacional possibilita o controle institucionalizado de temas específicos, sendo um fórum permanente de negociações. Os Estados atribuem capacidades às organizações internacionais, que têm como ato constitutivo um tratado. Conforme nos informa Varella (2018, p. 294): Organizações Internacionais têm natureza de pessoa jurídica de direito internacional, de caráter institucional. A criação de Organizações Internacionais fundamenta-se no poder soberano dos Estados. A natureza jurídica é, portanto, a mesma dos Estados, mas com limites de competência predeterminados pelos próprios membros. Frise-se que “são os Estados que atribuem capacidades internacionais de controle às Organizações Internacionais, ou seja, os Estados permitem que as Organizações Internacionais os controlem” (Varella, 2018, p. 294). Além disso, as organizações internacionais também podem criar outras organizações internacionais. Essas organizações têm autonomia jurídica, uma vez que seu ordenamento jurídico, apesar de ser aprovado pelos Estados membros, não depende do ordenamento jurídico interno dos países que as criaram. Conforme nos informa Varella (2018, p. 307), as OIs têm capacidade para: a. celebrar tratados com outros sujeitos de Direito Internacional; b. enviar e receber representantes diplomáticos; 13 c. promover e participar de conferências internacionais; d. apresentar reclamações perante tribunais internacionais; e. ser depositárias de tratados; f. operar navios e aeronaves com bandeira própria. As organizações internacionais podem, inclusive, ser chamadas a solucionar controvérsias entre Estados. A solução de controvérsias pode ser operada por bons ofícios, conciliação, mediação, arbitragem e por órgãos jurisdicionais internacionais (Varella, 2018, p. 309). Até perante tribunais internacionais temos a possibilidade de participação das OIs: As Organizações Internacionais têm capacidade postulatória perante os tribunais internacionais, respeitado o princípio da especialidade. Elas podem ainda fazer reclamações contra Estados perante as Cortes internacionais. Por serem sujeitos de direito internacional, podem ingressar contra outros Estados em sistemas pacíficos de solução de controvérsias. (Varella, 2018, p. 308) Quando uma Organização Internacional é criada, há a celebração de um tratado em que os Estados aceitam voluntariamente limitar suas próprias competências e capacidades. Contudo, a criação, por parte do Estado, de uma norma contrária ao que dispôs a OI é possível, não sendo considerada tal norma inválida, podendo ser aplicada no direito interno. Sobre a matéria, Varella (2018, p. 317) leciona: No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, se uma lei for contrária e posterior à norma da Organização Internacional, fazendo referência expressa ao tratado, a lei brasileira será válida perante os tribunais brasileiros. Se for na França ou na Holanda, a lei nacional não será válida, pois existe uma hierarquia entre os tratados e as normas nacionais, em favor dos primeiros. No entanto, mesmo se o direito brasileiro determina que a norma nacional posterior é a aplicável, somente o será no território nacional. A partir do momento em que o Estado brasileiro ou seus nacionais agirem de forma contrária ao ordenamento jurídico da Organização Internacional, poderão ser responsabilizados internacionalmente, sob a perspectiva de que o país continua engajado no plano internacional pelo compromisso aceito anteriormente. Como é possível perceber, a tendência é que as organizações internacionais ganhem cada vez mais espaço no cenário internacional. Por isso, vamos estudar algumas das principais OIs. 14 4.1 Organização das Nações Unidas – ONU Atualmente com 193 membros, foi criada em 1945, na Conferência de São Francisco, por iniciativa dos vencedores da Segunda GuerraMundial, e tem como principais objetivos assegurar a paz e a segurança mundial, a promoção dos Direitos Humanos e a cooperação para o desenvolvimento econômico e social. A ONU foi criada com a intenção de funcionar como um sistema multinacional de defesa coletiva. A partir dela, surgiram diversas novas organizações internacionais dedicadas a temas específicos, com o objetivo de promover o desenvolvimento global, combater a fome, preservar a diversidade cultural etc. 4.2 Organização Mundial da Saúde – OMS Fundada em 1948, faz parte da ONU e tem como objetivo principal a gestão de políticas públicas voltadas para a saúde em nível mundial. 4.3 Organização Internacional do Trabalho – OIT Fundada em 1919 para promover a justiça social, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência das Nações Unidas que tem como missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. Para tanto, a OIT procura definir e promover normas e princípios e direitos fundamentais no trabalho, criar maiores oportunidades de emprego e renda decentes. 4.4 Organização Mundial do Comércio – OMC Com o objetivo de promover a expansão do comércio global, a OMC surgiu oficialmente em 1º de janeiro de 1995, com o Acordo de Marraquexe. É um ambiente permanente de negociações multilaterais comerciais, com especial destaque para seu sistema de solução de controvérsias entre os Estados. É composta por um grande número de países em desenvolvimento (cerca de 160 países membros) e tem as decisões tomadas por consenso, o que contribui para estabelecer um comércio internacional livre e transparente. 15 TEMA 5 – RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL: TEORIAS MONISTA E DUALISTA Até este momento do nosso estudo, é possível que você tenha se deparado com as seguintes questões: “Ora, como se dá então a relação entre o Direito interno e o Direito Internacional?” e “De que forma o Direito Internacional influencia o Direito interno dos Estados?”. Para compreender os fenômenos relativos às relações do Direito Internacional Público com o Direito interno, é necessário compreender duas teorias fundamentais, quais sejam: a teoria monista e a teoria dualista. Conforme já estudamos, podemos dividir a soberania em interna e externa. No Direito interno, a ordem jurídica é sustentada pelo Estado, que é soberano. Contudo, no plano internacional, não há uma autoridade superior em relação aos Estados, não havendo entidade capaz de tornar obrigatório o cumprimento da ordem jurídica internacional e de cominar sanções caso esta não seja cumprida, tendo em vista que cada Estado tem soberania e ordenamento jurídico próprio, de tal forma que os Estados não se subordinam a outro Direito que não seja aquele que eles reconheceram ou criaram. A partir dessas características, os doutrinadores passaram a adotar duas teorias para explicar as relações do Direito Internacional e do Direito interno: a teoria dualista, encabeçada por Carl Heinrich Triepel e Dionísio Anzilotti, e a teoria monista, cujo maior expoente é Hans Kelsen. Vamos estudar cada uma delas separadamente. 5.1 Dualismo Para a teoria dualista, o Direito Internacional e o Direito interno são sistemas independentes e distintos. Uma norma de Direito interno não se condiciona à norma internacional (Mazzuoli, 2019). Conforme nos explica Guerra (2017, p. 88): A norma interna, segundo os dualistas, vale independentemente da norma internacional, podendo, quando muito, levar à responsabilização do Estado. Todavia, para que isso ocorra, a norma internacional precisa ser incorporada ao ordenamento interno do Estado por força de uma lei, por exemplo. Assim, para os defensores dessa corrente, há uma clara dicotomia entre as normas de Direito interno e as normas de Direito Internacional. 16 5.2 Monismo Já o monismo apresenta o Direito interno e o Direito Internacional como dois ramos do Direito num mesmo sistema jurídico. Para Guerra (2017, p. 88), “o Direito Internacional não carece de qualquer ‘transformação’, haja vista que os Estados mantêm compromissos que se justificam juridicamente por pertencerem a um sistema único”. Assim, para o autor, o monismo parte do pressuposto de que existe uma unidade no conjunto de normas jurídicas, isto é, um conjunto no qual estariam inseridas distintas ordens jurídicas, podendo ser aplicadas as alternativas: o Direito Internacional subordinado ao Direito interno (monismo com primazia do Direito Interno) e o Direito interno subordinado ao Direito Internacional (monismo com primazia do Direito Internacional) (Guerra, 2017). Para facilitar a compreensão das duas teorias, veja a figura a seguir: Figura 2 – Esquema que diferencia as teorias monista e dualista Fonte: Knihs, 2020. No Brasil, adotamos o sistema monista, uma vez que admitimos conflito entre norma de Direito interno e norma de Direito Internacional. 17 REFERÊNCIAS AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 42. ed. São Paulo: Globo, 2002. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2011. GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1999. MAZZUOLI, Valerio D. Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Grupo GEN, 2019. MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público: uma visão sistemática do Direito Internacional dos nossos dias. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. AULA 3 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Profª Karla Knihs 2 TEMA 1 – TRATADOS INTERNACIONAIS Vimos nas aulas anteriores que os tratados internacionais são fontes principais do direito internacional público. Segundo Mazzuoli (2019, p. 120): O desenvolvimento da sociedade internacional e a intensificação das relações internacionais fizeram despontar o interesse pelo estudo dos tratados internacionais, atualmente considerados a fonte mais segura e concreta das relações entre os sujeitos do Direito Internacional Público. [...] Pode-se então dizer que, nos dias de hoje, a vida internacional funciona quase que primordialmente com base em tratados, os quais exercem, no plano do Direito Internacional, funções semelhantes às que têm no Direito interno as leis (caso em que se fala estar diante dos tratados normativos) e os contratos (dizendo-se, nesse caso, tratar-se dos assim chamados tratados-contrato), regulamentando uma gama imensa de situações jurídicas nos mais variados campos do conhecimento humano, o que já justifica o seu estudo mais aprofundado. São os tratados internacionais, enfim, o meio que têm os Estados e as organizações intergovernamentais de, a um só tempo, acomodar seus interesses contrastantes e cooperar entre si para a satisfação de suas necessidades comuns. Segundo Husek (2010), tratado é o acordo formal concluído entre os sujeitos de direito internacional público destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. É a manifestação de vontades de tais entes – e um ato jurídico formal envolve pelo menos duas vontades. Varella (2018, p. 40) afirma que os tratados obedecem aos seguintes princípios: 1. Consensualismo Fundamenta-se sobre a autonomia da vontade dos sujeitos de direito internacional. Um tratado precisa de, ao menos, dois sujeitos de direito internacional (Estados ou Organizações Internacionais) para existir; 2. Ausência de hierarquia Como regra geral, não há hierarquia entre os tratados. A exceção à regra é o jus cogens, considerado uma espécie de normaobrigatória a todos os Estados e que, portanto, coloca-se acima dos demais tratados, por exemplo, a Carta da ONU; 3. Ausência de formalismo Os tratados devem ser realizados por escrito. No entanto, não existem procedimentos específicos, rígidos para a redação dos tratados. Os tratados são previstos como fontes do Direito Internacional no art. 38, “a” do ECIJ e, embora não sejam hierarquicamente superiores às demais fontes, 3 são de fato os instrumentos mais utilizados, tendo em vista que garantem maior segurança jurídica para as relações internacionais. Tamanha é a sua importância que temos, inclusive, um ramo próprio no direito internacional público para tratar acerca dos tratados, sendo que o direito dos tratados possui regulamentação própria, com regras acerca da celebração, da entrada em vigor e da extinção dos tratados. Quanto à competência, historicamente, os tratados poderiam ser celebrados num primeiro momento apenas pelos Estados soberanos. Hoje, contudo, outros entes do DIP possuem competência para a sua celebração, tais como as OIs. Contudo, ainda não é permitida a celebração de tratados por indivíduos, empresas públicas e privadas, mesmo as multinacionais. Quanto à natureza jurídica, podemos dizer que os tratados são atos jurídicos complexos, na medida em que se trata de acordos celebrados entre as partes interessadas, com efeitos jurídicos. A Constituição Federal, sobre a formação dos tratados, assim dispõe: “Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;” “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;” e “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;” (Brasil, 1988). Percebe-se, portanto, que o direito brasileiro prevê que a formação do tratado tem duas fases, uma externa e outra interna, na medida em que o Congresso Nacional possui papel definido constitucionalmente nesse processo. Destacamos, também, a redação do art. 5º, parágrafo 2º da CF/88: “§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (Brasil, 1988). Assim, os tratados são fontes do direito brasileiro, sendo que cabe ao Estado adaptar-se ao disposto nos tratados que tenha ratificado. Daí porque podemos afirmar que, em caso de conflito, os tratados devem ter força superior à da lei interna. 4 TEMA 2 – TERMINOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados é um manual de como criar tratados. Conforme nos informa Mazzuoli (2019, p. 122): Chamada Lei dos Tratados, Código dos Tratados ou ainda Tratado dos Tratados, a Convenção de Viena de 1969 é um dos mais importantes documentos já concluídos na história do Direito Internacional Público. Ela não se limitou apenas à codificação do conjunto de regras gerais referentes aos tratados concluídos entre Estados, mas também se preocupou em regular todo tipo de desenvolvimento progressivo daquelas matérias ainda não consolidadas na arena internacional. A Convenção regula desde questões pré-negociais (capacidade para concluir tratados e plenos poderes), até o processo de formação dos tratados (adoção, assinatura, ratificação, adesão, reservas etc.), sua entrada em vigor, aplicação provisória, observância e interpretação, bem assim a nulidade, extinção e suspensão de sua execução. Entre as regras basilares de direito das gentes reconhecidas pela Convenção, pode ser citada a norma pacta sunt servanda (art. 26) e o seu corolário segundo o qual o Direito interno não pode legitimar a inexecução de um tratado (art. 27); recorda-se, ainda, o reconhecimento da cláusula rebus sic stantibus, que permite a extinção ou retirada de um tratado quando passa a existir uma mudança fundamental nas circunstâncias relativamente àquelas existentes ao tempo da estipulação do acordo (art. 62), entre outras. Em seu art. 2, a Convenção de Viena traz a seguinte terminologia: a. “tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica; b. “ratificação”, “aceitação”, “aprovação” e “adesão” significam, conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado; c. “plenos poderes” significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado; d. “reserva” significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado; e. “Estado negociador” significa um Estado que participou na elaboração e na adoção do texto do tratado; f. “Estado contratante” significa um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado, tenha ou não o tratado entrado em vigor; g. “parte” significa um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado e em relação ao qual este esteja em vigor; h. “terceiro Estado” significa um Estado que não é parte no tratado; i. “organização internacional” significa uma organização intergovernamental. (Brasil, 2009) 5 Os tratados possuem denominações diversas, conforme sua natureza. Vejamos a terminologia utilizada, conforme explica Varella (2018, p. 42) e Mazzuoli (2019, p. 134): 2.1 Tratado Acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. 2.2 Convenção Tem caráter mais amplo e cria normas gerais. As Convenções são reguladas por outros tratados mais específicos, como os protocolos, que realmente criam obrigações concretas para as partes. As convenções nem sempre são obrigatórias, mas refletem um primeiro passo no processo de negociação. Exemplo: Agenda 21. 2.3 Protocolo É um tratado que regula outro tratado mais geral, como uma convenção, ou que altera determinado ponto de um tratado anterior. De modo geral, a expressão protocolo pode aparecer designando acordos menos formais que os tratados, acordos complementares, suplementos a acordos preexistentes ou já estabelecidos (ex.: Protocolo de Ouro Preto de 1994, suplementar ao Tratado de Assunção, de 1990), acordos interpretativos de tratados ou convenções anteriores ou acordos de prolongamento de uma situação jurídica em trâmite (ex.: protocolo concernente ao prolongamento do Tratado de Aliança, de 31 de agosto de 1922, entre a Tchecoslováquia e a Iugoslávia, assinado em Genebra em 19 de setembro de 1928) ou, ainda, acordos modificativos de tratados anteriores (ex.: Protocolo de Paris, de 25 de julho de 1928, relativo à revisão da Convenção de 18 de dezembro de 1923 sobre a organização do estatuto da zona de Tanger). 2.4 Carta Comumente empregada para estabelecer os instrumentos constitutivos de organizações internacionais, pode também ser empregada para tratados solenes que estabeleçam direitos e deveres para os Estados-partes (Ex.: Carta das 6 Nações Unidas, de 1945, Carta da Organização dos Estados Americanos,
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