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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 2 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS ............................................................................................. 4 3 A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL .............................. 8 4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL CONTEMPORÂNEA ............................................................................................. 14 4.1 Cases de inovação na educação infantil contemporânea ........................ 15 4.1.1 Escola Inkiri ....................................................................................... 20 4.1.2 Escola Projeto Âncora ....................................................................... 21 4.1.3 Escola Pluricultural Odé Kayodê ....................................................... 22 4.1.4 Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner ................ 25 4.1.5 Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima..... .......................................................................................................... 27 5 Leitura complementar..................................................................................... 30 5.1 Aprendizagem baseada em problemas (ABP): um método de aprendizagem inovador para o ensino educativo ...................................................................... 30 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 58 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS Ao longo do século XX, emergiram várias tendências pedagógicas que procuraram ressignificar o papel da escola na sociedade e as formas como procurava desenvolver os processos de ensino e aprendizagem, alterando a relação entre professor e aluno, as avaliações e as metodologias aplicadas. Algumas das teorias pedagógicas tinham sua base ideológica no capitalismo, sendo denominadas liberais, constituindo boa parte das tendências que fizeram parte do movimento da Escola Nova, que surgiu no início do século XX na Europa e nos Estados Unidos. Outras teorias pedagógicas, porém, emergiram associadas ao pensamento socialista, sobretudo fundamentadas nas ideias do marxismo, sendo chamadas de progressistas. As escolas na contemporaneidade podem apresentar traços característicos dessas duas correntes amplas de pensamento, uma vez que, muitas vezes, elas ocorrem de forma paralela ou simultânea. Vamos conhecer, neste primeiro momento, as tendências pedagógicas progressistas, pois suas ideias estão aliadas ao paradigma educacional emergente na educação escolar, tanto na educação infantil quanto nas demais etapas da educação básica. Fonte: https://www.ufsm.br/ 5 Convém destacar que tanto o pensamento pedagógico tradicional quanto o liberal consideravam que a escola e a educação realizariam por si só a redenção dos homens e a sua projeção para uma melhor condição na sociedade, não julgando necessária a devida crítica às realidades sociais existentes. Sobre o contexto da época, Silva (2010, p. 29) acrescenta que: [...] a década de 60 foi uma década de grandes agitações e transformações. Os movimentos de independência das antigas colônias europeias; os protestos estudantis na França e em vários outros países; a continuação do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos; os protestos contra a guerra do Vietnã; os movimentos de contracultura; o movimento feminista; a liberação sexual; as lutas contra a ditadura militar no Brasil: são apenas alguns dos importantes movimentos sociais e culturais que caracterizam os anos 60. Foi nesse cenário, onde se buscava a transformação social, por meio da afirmação de direitos sociais e da resistência de grupos étnicos e culturais excluídos e marginalizados, que também foram contestados as finalidades e o papel da escola como instituição social. Ao analisar as tendências pedagógicas progressistas, Queiroz e Moita (2007) destacam três autores que, em nível internacional, procuraram evidenciar como eram ingênuas e insuficientes as concepções de uma escola dissociada do contexto econômico, social e político da época: “[...] Bourdieu e Passeron (1970) com a teoria do Sistema enquanto Violência Simbólica; Louis Althusser (1968) com a teoria da escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado; e Baudelot e Establet (1971) com a teoria da Escola Dualista” (QUEIROZ;MOITA, 2007, p. 12). Podemos acrescentar nesta lista o pensador inglês Michael Young (1971) e o norte-americano Michael Apple (1979), bem como, no Brasil, o pensador Paulo Freire (1970), com a obra Pedagogia do oprimido, conhecida internacionalmente. Para Libâneo (2002, p. 32), “[...] evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais”. Assim, os intelectuais progressistas entendem que a educação deve ocorrer também fora da escola, em ações típicas da educação não formal. Tais ideias progressistas na área da educação podem ser divididas entre autores que aderem, em maior ou menor 6 grau, aos fundamentos do marxismo, produzindo três principais manifestações destes pensamentos: • libertadora; • crítico-social dos conteúdos; • libertária. Vamos aprender sobre a pedagogia progressista libertadora e crítico-social dos conteúdos neste primeiro momento e, pela sua relevância para a educação infantil, abordaremos a pedagogia libertária no próximo tópico de aprendizagem. A tendência progressista libertadora tem como principal expoente o pensador brasileiro Paulo Freire, que, na década de 1970, escreveu a obra Pedagogia do oprimido, na qual manifesta seu posicionamento político fundamentado na teorização marxista. Nas palavras de Freire (2001, p. 31), “[...] enquanto educador progressista não posso reduzir minha prática docente ao ensino de puras técnicas ou conteúdos, deixando intocado o exercício da compreensão crítica da realidade”. Dessa forma, ser capaz de compreender a realidade social em que vivem poderia fazer os indivíduos se libertarem da condição de oprimidos estabelecida pelo sistema capitalista. Para atingir esse propósito, Freire destacou- se nas décadas de 1950 e 1960 na educação não formal de adultos analfabetos, que veio a ser conhecida como educação popular, sendo hoje vista como a precursora da educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil. Entendendo que, como educador “[...] nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar comele sobre a sua e a nossa” (FREIRE, 2003, p. 87), Freire procurou utilizar como principal método de ensino o diálogo, e propôs duas ideias opositoras de educação: a educação bancária e a educação libertadora, também conhecida como problematizadora. A educação bancária é aquela associada com a pedagogia tradicional, na qual o professor, detentor de todo o conhecimento, é central no processo de ensino, “[...] cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos de conteúdos de sua narração” (FREIRE, 2003, p. 57). Assim, o professor irá transmitir, “depositar” o seu conhecimento no seu aluno, o qual, por sua vez, receberá esses conhecimentos de forma passiva. 7 Na educação problematizadora, há análise da realidade social em que o aluno se encontra e, a partir de problematizações dela, por meio de um processo dialógico entre professor e aluno, ocorre a aprendizagem crítica dos conteúdos que necessitam ser desenvolvidos. Conforme Paulo Freire (2005, p. 47), “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção”. Na educação libertadora, alunos e professores são sujeitos dos processos de ensino e aprendizagem e ambos aprendem a partir de suas experiências em sala de aula, quebrando a ideia de verticalidade e imposição do ensino liberal tradicional. A tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos, segundo Libâneo (2002), é pautada na ideia de que os conteúdos ensinados na escola podem ser considerados concretos, reais e vinculados com as realidades sociais existentes, uma vez que são “[...] conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face as realidades sociais” (LIBÂNEO, 2002, p. 39). Assim, admite-se a ideia de que os conteúdos que compõem as matrizes curriculares seriam reconfigurados e atualizados de acordo com cada momento histórico vivenciado pela sociedade. Ao se referirem às ideias dessa tendência pedagógica, Queiroz e Moita (2007, p. 14) reforçam que a “[...] pedagogia crítico-social dos conteúdos defende que a função social e política da escola deve se assegurar, através do trabalho com conhecimentos sistematizados, a inserção nas escolas, com qualidade, das classes populares, garantindo as condições para uma efetiva participação nas lutas sociais”. Assim, a tendência crítico-social dos conteúdos retoma a centralidade e a importância dos conteúdos escolares, entendendo que estes seriam capazes de fornecer aos indivíduos de classes sociais inferiores as condições de participar de movimentos pela mudança de sua realidade. Segundo Saviani (2013, p. 420), “[...] no que se refere às manifestações da prática escolar o esforço se concentrará na proposição de modelos que permitam estabelecer a relação conteúdo-realidades sociais”. Assim, a educação teria uma função política e social que poderia promover a transformação da sociedade. 8 Cabe destacar que, para que a aprendizagem ocorra nessa tendência pedagógica, o professor deve vincular os conteúdos de suas aulas com a realidade e as experiências dos alunos. Tanto o professor deve compreender como o aluno se expressa e age quanto o aluno deve entender o que o professor está dizendo. Dessa forma, os estudantes podem ter uma visão ampliada, mais nítida das realidades analisadas e estudadas. Podemos aprender que as tendências pedagógicas progressistas modificaram a forma de entender a função da escola, rompendo com a ideia de reprodução do sistema social existente e suas desigualdades, permitindo que o diálogo se estabelecesse como ferramenta pedagógica e que os estudantes ampliassem sua capacidade crítica e reflexiva acerca da realidade. No próximo tópico, vamos analisar a tendência pedagógica progressista libertária, que influencia diretamente a educação infantil brasileira, principalmente pelas contribuições de Celestin Freinet. 3 A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL A tendência progressista libertária propõe a ideia de que deve haver a autogestão na educação, ou seja, ao aluno cabe escolher entre os conteúdos a serem estudados e a base da aprendizagem se dá pelo movimento político promovido pelas atividades realizadas em grupo, o que proporcionaria maior liberdade aos estudantes. Assim, um dos aspectos mais significativos para a educação escolar seria proporcionar vivência e participação crítica nas ações em grupo, mais do que os conteúdos que as escolas pretendem ensinar. Com base no que propõe o educador Michel Lobrot (1971), criador da expressão pedagogia institucional, Libâneo (2002, p. 27) esclarece que: Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais conhecida entre nós, a ‘pedagogia institucional’, pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia. 9 Na visão de Lobrot (1971), caberia aos professores perceberem que a burocracia e as normas reguladoras impostas pelos sistemas de ensino também serviriam para que o domínio e controle do Estado e sua ideologia fossem assumidos como as verdades institucionalizadas nas escolas, o que faria com que estas não viessem a ter autonomia alguma. Lobrot (1971, p. 5) destaca que: A pedagogia institucional define-se como uma pedagogia que permite aos alunos que tomem ao seu cargo, total ou parcialmente, a sua própria formação. É uma pedagogia na qual os alunos não são considerados como objetos sobre os quais vertem-se os conhecimentos e que são obrigados a estudar, mas como sujeitos que assumem a responsabilidade de aprender e se formar. Cabe ressaltar que a tendência progressista libertária emergiu junto com o momento histórico democrático brasileiro e, por esse motivo, “[...] defende, apoia e estimula a participação em grupos e movimentos sociais: sindicatos, grupos de mães, comunitários, associações de moradores, etc., para além dos muros escolares e, ao mesmo tempo, trazendo para dentro dela essa realidade pulsante da sociedade” (QUEIROZ; MOITA, 2007, p. 13). Essa tendência foi responsável por propor o início da criação de espaços de participação democrática da sociedade na escola, como conselhos escolares, grêmios estudantis e eleição de diretores. Fonte: https://br.pinterest.com/ 10 Também merece destaque o fato de que “[...] o professor é um catalisador, ele se mistura ao grupo, para uma reflexão em comum” (LIBÂNEO, 2002, p. 37). Ao colocar-se junto ao aluno, o professor procura criar condições para que ele não se sinta coagido ou oprimido e possa, assim, exercer seus estudos críticos de forma livre. Os processos de ensino e aprendizagem na tendência pedagógica progressista libertária têm como características principais: • antiautoritarismo; • experiência; • coletividade; • autogestão; • educação integral. Os autores dessa tendência pedagógica, entre eles Freinet, se opunhamao caráter autoritário e centralizador do professor na pedagogia tradicional, entendendo que, para que possa ocorrer a autogestão por parte do aluno, deve haver uma relação não diretiva, que promova a autonomia dos estudantes. Outra característica fundamental dessa abordagem consiste em valorizar a experiência dos estudantes como método principal de produção da sua aprendizagem. Freinet (1977, p. 28) exemplifica como deveria ocorrer esse processo: O processo é realmente infalível, mas pressupõe uma reviravolta total da técnica educativa; em vez de situarmos no inícioda aprendizagem o estudo sistemático das leis e das regras, inserimos a tentativa experimental da criança num meio rico, acolhedor e propício, que lhe oferece flores perfumadas com que fabricar o seu mel. O estudo das regras e das leis só virá mais tarde, quando o indivíduo tiver transformado as suas experiências em indeléveis técnicas de vida. Desse modo, podemos perceber o quanto o caráter experiencial e um ambiente educacional acolhedor e estimulante são decisivos para os processos de ensino e aprendizagem nessa perspectiva. Tais aspectos fazem muitas iniciativas da educação infantil até os dias atuais serem embasadas nas ideias freinetianas, afinal, em escolas e salas desse nível de ensino costumamos encontrar ambientes ricos, acolhedores e altamente estimulantes para o desenvolvimento das crianças. 11 Outra ideia potente do pensamento de Freinet, que ainda hoje está em evidência nas escolas de educação infantil, é a consideração de que a escola deve ser uma extensão da família, da comunidade. Dessa forma, busca-se o envolvimento direto da comunidade com os afazeres cotidianos escolares, com os seus projetos e com a sua estrutura. Algumas técnicas amplamente utilizadas na educação escolar — como as aulas passeio, em que o professor conduz suas turmas para explorar ambientes externos à escola e aprender a partir deles, bem como a utilização da escrita de cartas/correspondência entre alunos e escolas, e a construção de murais de comunicação na escola e jornais a circularem no âmbito da comunidade escolar —, são originárias do educador. Freinet entendia que as crianças aprendem pelo que denominava de tateamento experimental, ou seja, elas formulam hipóteses sobre as coisas (fatos e fenômenos) com as quais se deparam e, assim, procuram testar a sua validade. Logo, a escola deveria oferecer condições para que isso ocorra, sendo que a biblioteca deveria existir para dar esse tipo de suporte aos estudantes. O educador preocupa-se também com as avaliações escolares, entendendo que elas deveriam superar o caráter meritocrático e classificatório das pedagogias liberais tradicionais, envolvendo um processo de autoavaliação. De acordo com Imbernón (2012, p. 84), Freinet propunha uma alternativa avaliativa composta pelos elementos apresentados figura 1. Figura 1. O percurso avaliativo para Freinet. Fonte: Adaptado de Imbernón (2012). 12 Valendo-se do uso de atividades práticas, cooperativas e processuais, Freinet, assim como a maioria dos educadores progressistas libertários, substitui a execução de provas pontuais pelo uso de representações gráficas elaboradas pelos estudantes como forma de autoavaliarem e acompanharem os seus respectivos níveis de aprendizagem ao longo do processo. Muitas são as contribuições de Freinet para a educação infantil e que têm sido aplicadas pelos professores no cotidiano. Entre elas podemos citar a própria organização das salas de aula, com a proposta de materiais ricos e acolhedores: Para se preparar de maneira adequada, as crianças precisam estar, pois, num ambiente rico e ‘auxiliante’, em que possam entregar-se a essas experiências tateadas (quando dizemos ricos, não consideramos em absoluto a situação pecuniária dos pais – que não é uma condição suficiente), mas a quantidade, a variedade e o interesse das atividades funcionais que esse meio possibilita à criança para a construção de sua personalidade. (FREINET, 1965, p. 19). Um ambiente rico em estímulos, associado aos interesses e possibilidades de escolha (autogestão) das crianças, com foco em seu desenvolvimento integral e relacional, para além das questões cognitivas, era a proposta de Freinet. Tais ideias ainda hoje costumam estar presentes nos projetos pedagógicos das escolas infantis e na práxis dos educadores. Além disso, podemos incluir nas contribuições os fundamentos da autoavaliação e da avaliação processual, que permitem às crianças expressar e elaborar seus pensamentos e, aos professores, registrarem os percursos e avanços. Conforme afirma Freinet (1965, p. 34): Depois de ter colocado a criança em seu espaço e situação de criação e de trabalho, a educadora deve ouvi-la falar, estimulá-la nas direções que lhe parecem favoráveis; ela anotará o essencial de suas palavras e realizará, assim, um texto que será como que a emanação superior, a sintetização e a fixação mágica de um pedaço de vida. As crianças são extraordinariamente sensíveis a isso e a emoção que daí resultará será a primeira manifestação verdadeiramente intelectual. Oportunizar às crianças que se comuniquem junto ao grupo, que elaborem seu pensamento e hipóteses acerca do mundo, por meio do registro de seus comentários e expressões por parte do professor, costuma fazer parte de muitas rotinas em turmas de educação infantil no Brasil e no mundo. Como exemplo, 13 podemos destacar as rodas de conversa, bom como a construção de documentos avaliativos com a participação dos alunos, em composições de livros da vida ou portfólios. Warschauer (1993, p. 56), ao referir-se à importância dos documentos produzidos pelos professores acerca das atividades e avanços realizados pelos alunos das turmas de educação infantil, acrescenta que “além de favorecer a reflexão, o registro possibilita a construção da memória e da história, enfatizando o papel do diálogo e da experiência grupal na formação”. Assim, por meio da construção de portfólios ou dos chamados livros da vida freinetianos, cada criança constrói sua história, com o uso do diálogo, da participação e da colaboração coletiva. A autora ressalta, ainda, que esse registro pode ser visto como: [...] possibilidade de formação, de reflexão, de introversão, tendo em vista a compreensão, busca de sentido para a ação cotidiana em sala de aula. O registro é um grande instrumento para a sistematização e organização dos conhecimentos. É também uma possibilidade de que a roda não se feche em si mesma, mas se abra para o mundo. Através de textos, os conhecimentos ali gestados podem, por exemplo, atingir outros grupos. (WARSCHAUER, 1993, p. 56). Freinet entendia que as rodas de conversa, por possibilitarem a expressão e a elaboração de ideias junto ao coletivo, permitiam que as crianças expandissem suas possibilidades de análise e interpretação das experiências que vivenciavam. Enquanto o professor preparava condições para que isso ocorresse, cabia a ele observar, registrar e documentar tais acontecimentos. Barbosa e Horn (2008, p. 114) alertam, porém, que “[...] não basta agruparmos e organizarmos materiais produzidos na sala de aula. [...] eles só têm sentido se o educador puder apreciá-los, analisá-los, interpretá-los, contextualizá- los, construindo um sentido para essas produções”. É a partir da análise de tais registros, documentados no portfólio, que tanto as crianças quanto os educadores têm acesso à aprendizagem que ocorreu. Assim, o portfólio também pode servir de base para ajustes, ou mesmo correções que se fizerem necessárias, nas metodologias aplicadas em sala de aula, podendo contemplar as necessidades específicas de cada aluno, e não mais buscando uma aprendizagem universal e que ocorra no mesmo ritmo para todos. 14 No próximo tópico, vamos aprender sobre algumas escolas de educação infantil consideradas inovadoras na contemporaneidade, onde você poderá perceber o quanto essas ideias propostas pela pedagogia libertária e seus autores progressistas ainda se apresentam de forma potente, compondo o paradigma educacional emergente da educação infantil. 4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL CONTEMPORÂNEA O paradigma educacional da educação infantil contemporânea foi sendo construído a partir da emergência de novas tendências pedagógicas ao longo do século XX, que possibilitaram uma reconfiguração nas escolas de educação infantil, sobretudo nas formascomo a criança e seu desenvolvimento são compreendidos, na relação entre professor e aluno e nas metodologias aplicadas em sala de aula. Behrens (2011) reforça a importância das ideias progressistas que hoje se fazem presentes no paradigma educacional. Embora as ideias progressistas, de base socialista, não tenham se efetivado como modelo político na maioria das nações contemporâneas, os ideais de seus pensadores continuam fazendo parte dos projetos educacionais que visam uma formação integral dos sujeitos e a busca pela transformação social a partir das percepções das realidades que estes experienciam. No Quadro 1, apontamos alguns dos elementos da educação progressista que compõem esse paradigma educacional e que estão em vigor em várias escolas de vanguarda da educação infantil contemporânea. Quadro 1. Características da tendência progressista da educação que fazem parte do paradigma educacional emergente A utilização de metodologias ativas, em que o aluno passa a ser o centro dos processos de ensino e aprendizagem. O fato de a aprendizagem e o processo de socialização serem considerados mais importantes do que o ensino propriamente dito. 15 O entendimento de que a criança já traz consigo saberes adquiridos em seu convívio social e cultural. A necessidade de envolvimento da realidade em que a criança se insere ao longo das aulas. A importância do desenvolvimento do pensamento crítico. A busca por uma formação mais plena para o convívio social e para o trabalho. A compreensão da criança como um ser em potencial que pode alcançar patamares cognitivos maiores a partir da mediação do professor e dos colegas. 4.1 Cases de inovação na educação infantil contemporânea Ao apontarmos algumas experiências contemporâneas que podem ser consideradas de vanguarda na educação infantil mundial, não podemos deixar de citar as escolas públicas de Reggio Emilia e a atuação de Loris Malaguzzi, seu fundador, que procurou unir o que havia de mais adequado das ideias pedagógicas liberais e progressistas em seu projeto educacional. Assim, conforme declara Malaguzzi (1999) em entrevista concedida a Lella Gandini, que veio a compor a obra As cem linguagens da criança, fundamentaram as escolas infantis daquela região italiana as ideias de Dewey, Pestalozzi, Froebel, Piaget e Vigotsky, Gardner, entre outros. Ao procurar definir essa iniciativa educacional voltada para a primeira infância, Gardner (1999, p. X) comenta: O sistema de Reggio pode ser descrito sucintamente da seguinte maneira: ele é uma coleção de escolas para crianças pequenas, nas quais o potencial intelectual, emocional, social e moral de cada criança é cuidadosamente cultivado e orientado. O principal veículo didático envolve a presença dos pequenos em projetos envolventes, de longa duração, realizados em um contexto belo, saudável e pleno de amor. Aqui podemos perceber traços que irão compor o paradigma educacional emergente da educação infantil: a busca pelo desenvolvimento pleno, que envolva os aspectos subjetivos, sensoriais das crianças, possibilitando que, a partir das atividades práticas e colaborativas presentes nos projetos das escolas, possam desenvolver seu potencial em diferentes áreas. Malaguzzi (1999, p. 75) acrescenta 16 que o “[...] objetivo é construir uma escola confortável, onde crianças, professores e famílias sintam-se em casa”. Para que isso seja possível, as escolas adotam “um estilo aberto e democrático” (MALAGUZZI, 1999, p. 75). Compõem as ações democráticas da escola uma rede de comunicação ativa com a comunidade, em que todos podem participar e colaborar nas aprendizagens desenvolvidas interna e externamente, por meio de excursões e visitas. Os pais, inclusive, podem participar da construção de móveis e brinquedos para uso nas escolas. Malaguzzi (1999, p. 75) revela que a filosofia e os valores básicos das escolas de Reggio Emilia “[...] incluem aspectos interativos e construtivistas, a intensidade dos relacionamentos, o espírito de cooperação e o esforço individual e coletivo na realização de pesquisas. Apreciamos diferentes contextos, damos uma grande atenção à atividade cognitiva individual dentro das interações sociais e estabelecemos vínculos afetivos”. Assim, as crianças têm liberdade para explorar e experienciar os ambientes da escola e o professor passa a ser muito mais um observador e mediador, registrando e documentando seus avanços ao longo dos projetos. Além disso, as escolas de Reggio Emilia costumam ter um ateliê, definido como “[...] um espaço rico em materiais, ferramentas e pessoas com competências profissional” (MALAGUZZI, 1999, p. 85), onde as crianças podem manifestar suas diferentes linguagens, expandindo seus processos criativos. Outra experiência internacional que merece destaque é a da Escola da Ponte, localizada em Portugal, idealizada pelo educador José Pacheco, inspirado em Freinet, Bruner e Vigotsky. A Escola da Ponte tem como foco as pessoas e suas relações, que podem vir a produzir a autonomia dos estudantes. Segundo Pacheco (2012, p. 11), “[...] é, essencialmente, com os pais e os professores que a criança encontra os limites de um controle que lhe permite progredir numa autonomia, que é liberdade de experiência e de expressão dentro de um sistema de relações e de trocas sociais”. Assim, por meio da participação de várias práticas democráticas coletivas e comunitárias, com as quais as crianças se familiarizam (como os Grupos de responsabilidade, Plano quinzenal e Plano do dia, Eu já sei, Preciso de ajuda/posso ajudar, Assembleia, Acho bem/Acho mal, Comissão de ajuda e 17 Caixinha de segredos), elas podem se desenvolver. No Quadro 2, a seguir, vamos conhecer essas práticas. Podemos perceber nos dispositivos pedagógicos adotados na Escola da Ponte que existe uma ação de planejamento organizada, porém, sempre transferindo responsabilidades aos estudantes, que atuam como sujeitos de direitos no funcionamento democrático da escola. O fato de as crianças terem maior liberdade de escolha, possibilidades de agir individual e coletivamente em busca do desenvolvimento de sua autonomia, reconfigura o papel do professor. Pacheco (2011) reforça que o papel do professor, porém, continua focado nos processos de ensino e aprendizagem, não mais na forma de protagonista, mas como um ator voltado para auxiliar os estudantes na construção de seus conhecimentos, orientando as atividades. Quadro 2. Algumas das práticas pedagógicas presentes na Escola da Ponte Nome da prática Descrição Grupos de responsabilidade É um dispositivo pedagógico que divide responsabilidades relativas ao funcionamento dos espaços da escola entre alunos e professores. Por meio de reuniões semanais, organizam recepções aos visitantes da Escola da Ponte, uso da biblioteca, jornal e murais da escola, planejamento de datas e organizações dos eventos existentes, arrumação das salas e dos materiais utilizados, entre outros. Plano quinzenal e Plano do dia Os estudantes e seus orientadores educacionais planejam quinzenalmente o que irão aprender, de acordo com suas escolhas e interesses. Após, divide-se o plano maior e seus objetivos 18 em planos diários a serem postos em prática. Eu já sei Quando os alunos já se sentem preparados sobre algum dos conteúdos que compõem o plano quinzenal, podem informar ao orientador e, assim, serem avaliados. Preciso de ajuda/posso ajudar Por meio do uso de cartazes nas salas de aula, as crianças expressam aos seus colegas aquelas habilidades que já dominam (posso ajudar) e as que ainda sentem dificuldades (preciso de ajuda), permitindo que se organize a troca de conhecimentos e o desenvolvimento do grupo. Assembleia É uma reunião maior, formal, onde, na forma de conselho, todas as turmas de crianças e os profissionais da escolapodem deliberar sobre assuntos diversos de seu funcionamento cotidiano. Também são realizadas com todos os membros da comunidade escolar semanalmente. Acho bem/Acho mal São cartazes distribuídos ao longo da escola que permitem que as crianças registrem pontos que lhe agradam (acho bem) e que deveriam ser corrigidos (acho mal). Os itens do Acho mal são discutidos nas assembleias em busca de soluções. 19 Comissão de ajuda Quando existem problemas graves a serem resolvidos com urgência, provenientes de um Acho mal e deliberados nas assembleias, são criadas Comissões de ajuda para implementar as soluções. Caixinha de segredos Uma caixa de papelão que permite aos alunos se expressarem, de forma anônima ou não, quando estão passando por algum conflito maior, dentro e fora do ambiente escolar. Fonte: Adapatado de Pacheco (2011). Em entrevista à revista eletrônica Ensino superior (2020), José Pacheco, defende que “[...] a aprendizagem precisa ser significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora” (KUZUYABU, 2020, documento on-line). Essas ideias sintetizam muito bem os preceitos que costumam fazer parte dos paradigmas emergentes da educação infantil — o envolvimento dos sentidos, a integração dos estudantes em atividades ativas e a busca por espaços e práticas de socialização que os preparem para o convívio social. A Finlândia atualmente também tem sido considerada referência no âmbito educacional, servindo de modelo para outros países. De acordo com Muuri (2020, documento on-line), existem seis princípios que justificam o êxito da educação finlandesa: • o foco em habilidades transversais ao currículo; • o apoio governamental em relação ao uso das tecnologias digitais na aprendizagem; • a busca pela aprendizagem multidisciplinar; • a busca pela diferenciação das atividades em sala de aula; • a aplicação de várias práticas avaliativas com os estudantes; 20 • o papel ativo que as crianças desempenham nos processos de ensino e aprendizagem. Assim, a educação infantil adota a aprendizagem baseada em fenômenos, que, a partir da consulta aos alunos pelo professor acerca de seus interesses, irá proporcionar o contato com os objetos e materiais em suas atividades de sala de aula, agregando as tecnologias atuais, de forma globalizada, podendo escolher entre o rol de atividades planejadas pelo professor em quais delas se engajarão durante as aulas. 4.1.1 Escola Inkiri Uma iniciativa muito interessante na educação infantil brasileira é o projeto da Escola Inkiri, proposto pela organização social Instituto Inkiri, em Piracanga, na Bahia. De acordo com o portal eletrônico da escola, Foi do desejo de criar nossas crianças de uma forma livre, divertida e amorosa que nasceu a Escola Inkiri. No início nossas inspirações foram: a Escola da Ponte, de Portugal – que tem como principais valores a autonomia e a liberdade, e a Fundação Pestalozzi, do Equador – que relaciona afeto com autodesenvolvimento. (INKIRI, 2020, documento on- line). Reconhecida como um centro de inovação e criatividade, a Escola Inkiri também evidencia em seu projeto pedagógico a necessária liberdade e o desenvolvimento pleno, o que envolve as emoções e os sentimentos das crianças. Na Escola Inkiri existem três pilares que fundamentam suas práticas: SER: esse pilar representa o autoconhecimento, o ‘eu comigo’ de cada criança. SOCIAL: também é importante trabalhar o ‘eu com o outro’, por isso, temos um pilar focado no senso de comunidade. PLANETÁRIO: por fim, acreditamos na importância do ‘eu com o mundo’, que pode ser traduzida no pilar da ecologia. (INKIRI, 2020, documento on- line). Assim, com base nesses fundamentos, a escola tem se destacado como uma comunidade de aprendizagem que busca preparar para a vida, tendo como objetivo 21 a alegria, a busca pela paz, o holismo e a felicidade de seus estudantes e da comunidade em que se insere. Fonte: Escola Inkiri 4.1.2 Escola Projeto Âncora O Projeto Âncora foi criado em 1995 por um casal que, ao se aposentar, realizou o antigo sonho de se dedicar à área social. O espaço era, inicialmente, uma associação civil de desenvolvimento social que tinha o desafio de melhorar a realidade de crianças e de adolescentes de baixa renda do município de Cotia, na região metropolitana de São Paulo, e da região. Em 2012, o espaço deu um importante passo ao decidir ampliar sua atuação e tornar-se uma escola formal, com a ajuda do professor José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, em Portugal. A Escola Projeto Âncora oferece hoje todos os segmentos da educação básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio (EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). A escola vem se consolidando como pioneira de um trabalho de assistência social que, aliado à educação, fornece às crianças, jovens e suas comunidades as ferramentas necessárias para acabarem com o círculo vicioso da pobreza e contribuírem para uma sociedade mais justa, íntegra e sustentável. Em 2017, foi 22 mapeada pelo MEC como uma das 178 instituições legais, inovadoras e criativas do Brasil (EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Sempre centrada no desenvolvimento da autonomia de todos os atores envolvidos na comunidade escolar, a aprendizagem se dá na relação entre crianças, jovens e professores, de forma que cada um possui uma trajetória singular, com tempos próprios para aprender e se desenvolver. Há na escola o ideal de aprender sem paredes, no convívio sincero entre todos. Não há relação hierárquica entre educador e estudante e o aprender se faz junto, na troca de experiências, ideias, gostos e sonhos. “Acreditamos que é na prática e pela prática que se dá a (trans)formação, refletindo constantemente sobre o papel da escola na vida de cada indivíduo e na reconfiguração de uma nova sociedade”, diz a cofundadora da escola, Regina Steurer. Fonte: Escola Projeto Âncora 4.1.3 Escola Pluricultural Odé Kayodê “A Escola Pluricultural Odé Kayodê não surgiu porque faltavam escolas em Goiás. Mas porque faltava essa.” A frase perpassa pelas vozes de diferentes educadoras e educadores que circulam diariamente pelos caminhos de pedras, 23 árvores, esculturas e símbolos indígenas e de religiões afro-brasileiras presentes no espaço onde está localizado a escola, no município de Goiás, a 150 quilômetros da capital Goiânia (GO) (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). Embora tenha sido inaugurada oficialmente em 2004, a Odé Kayodê é resultado de um encontro de muitas pessoas que há muito tempo já vinham transformando vidas e realidades por meio do Espaço Cultural Vila Esperança. O terreno onde fica o Espaço Cultural era, até a década de 1990, um local de depósito de lixo, às margens do rio Vermelho, que recebeu os cuidados e o olhar de um dos fundadores do local, o educador Robson Max. Com poucos recursos, mas muitas ideias e força de vontade, ele se uniu a um grupo de artistas e educadores, que foi tirando, um a um, os lixos jogados ali. A partir dessa ação inicial, a construção física e filosófica do espaço foi “tomando pé e posse” – como Robson explica. Pouco tempo depois, a Vila Esperança dispunha de uma área de teatro e uma arena de circo, e já era tida, na região, como um local de difusão de culturas, valorizando, especialmente, os povos originários e invisibilizados do país – os indígenas, africanos e afro-brasileiros. O espaço é uma referência social, humana, artística e cultural para a comunidade e, ao longo do ano, oferece uma programação de eventos abertos à cidade, com atividades educativas e artísticas como artes plásticas, música, canto e dançaterapia (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). Por anos, foi desejo dos educadores dali entrar e permanecer em redes públicas de ensino. Até que, em 2004, foi inaugurada a Escola Pluricultural Odé Kayodê, dentro do Vila Esperança, que atende, atualmente,50 estudantes de Educação Infantil e Ensino Fundamental I. Um projeto que, como conta a diretora, Rosângela Magda, muitos dos educadores “foram ajudando a nascer”. A concepção de educação que prevalece é a de que a aprendizagem não se dá fora de um contexto real da sociedade. Busca-se educar não para que os indivíduos se adaptem à realidade, mas para que nela atuem politicamente, provocando grandes transformações sociais. O conhecimento, para a escola, não é algo dado, tampouco transmitido, mas sim uma busca, uma constante construção. O nome da escola diz muito do que ela acredita para seus educandos, professores e comunidade: na língua iorubá, “Odé” significa caçador – não caçador de animais, mas caçador de si 24 mesmo – e “kayodê”, alegria. A escola apresenta-se, então, como uma “caçadora de alegria”, pressuposto filosófico que sustenta sua concepção e prática pedagógica (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). Fonte: Escola Pluricultural Odé Kayodê A escola recebe regularmente visitas guiadas de grupos e escolas. Estabeleceu, há alguns anos, uma relação próxima com estudantes universitários e pesquisadores de instituições como Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás e Instituto Federal de Goiás, especialmente os que buscam referências para o trabalho com a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressaltando a importância da cultura negra na formação da sociedade, e a Lei 11.645/08, que diz respeito à inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. As parcerias firmadas com universidades da região têm possibilitado a efetivação de projetos em comum, como as visitas e cursos de extensão em disciplinas como História, Pedagogia, Filosofia e Ecologia, e grupos de estudo de educação étnico-racial (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). 25 A Odé Kayodê é também uma referência cultural por ter contribuído no reconhecimento da cidade de Goiás como patrimônio histórico da humanidade pela UNESCO (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). 4.1.4 Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner O Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Hermann Gmeiner é uma escola pública da cidade de Manaus (AM) que fica localizada em terreno amplo e arborizado da ONG Aldeias Infantis SOS de Manaus, alugado pela Prefeitura Municipal, junto a outras duas escolas com as quais divide alguns espaços. A escola está situada em área periférica da cidade, atendendo crianças de nove bairros da região, a maioria oriunda de famílias de baixa renda, além de outras da própria ONG (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). Com o apoio do Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA), movimento da sociedade civil engajado na luta por uma educação pública de qualidade, a escola iniciou em 2016 um processo de transformação em seu projeto político-pedagógico, afastando-se do ensino tradicional. Antes, a escola usava muito pouco seus espaços amplos e bosques, e o processo de alfabetização iniciava-se muito cedo, por meio do uso de sistemas apostilados. Após muita reflexão sobre o currículo da escola, tais materiais deixaram de ser utilizados, pois percebeu-se o excessivo direcionamento das atividades para as crianças e educadores com pouca liberdade de trabalho. Hoje, as propostas pedagógicas são desenvolvidas pelos próprios educadores da escola, norteadas por um documento construído por especialistas e pela Secretaria Municipal de Educação. Com a nova diretriz, há uma grande troca de saberes, resultados e referências entre os educadores, coordenadores e com a diretoria, que se desafiam a criar “um novo formato de educação infantil” (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). A mudança no projeto político-pedagógico da escola, orientada pela concepção de Educação Integral e Escola Democrática, já renderam muitos frutos. O índice de evasão da escola, por exemplo, foi diminuindo ano a ano. Em 2014, a escola quase chegou a fechar por falta de aluno. “Havia uma quantidade grande de 26 estudantes que se matriculavam e depois deixavam de ir à escola ao longo do ano. Isso não acontece mais. As crianças sentem-se pertencentes à instituição”, conta a diretora Zilene Maia Trovão. Outra transformação resultante da nova proposta é o nítido aumento da disposição dos professores e funcionários, em função do fato da escola ter se tornado um ambiente mais fértil e acolhedor. “Eles adoecem menos, e também faltam menos”, explica a diretora. A professora Paula Vasconcelos vê com entusiasmo esse novo momento, inclusive em sua trajetória pessoal. “Durante esse percurso, eu me transformei como profissional, mas também em todas as áreas da minha vida. Como a gente vai parar algo que nos faz bem?”, questiona. Fonte: Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner A nova proposta da escola prioriza a importância da escuta e do protagonismo das crianças, especialmente por meio das múltiplas linguagens e formas de ser e estar dos pequenos, os quais constroem o processo educativo junto a outros atores (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). As crianças escolhem temas de interesse para estudar e compartilhar com todos a partir de propostas de atividades elaboradas pelos educadores, que veem no brincar e na educação experiencial o espaço mais propício para o estímulo do 27 protagonismo. Os estudantes são a escola, assim como todos que compartilham daquele espaço. “Aqui as crianças aprendem integralmente. Não é primeiro o conteúdo e depois a brincadeira. Tudo isso acontece de maneira interligada”, conta a diretora Zilene Maia (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). A escola tem um modelo de gestão democrática e participativa em desenvolvimento, compatível com a idade dos estudantes. Entre as ações que sustentam esse modelo estão as assembleias, encontros quinzenais da comunidade escolar para discutir problemas, soluções e proposições (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018). 4.1.5 Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima Inaugurada em 1956, a EMEF Desembargador Amorim Lima foi a primeira escola da Vila Indiana, bairro do Butantã, na capital paulista. Mas foi depois de quarenta anos de existência, em 1996, que a Amorim passou por seu maior processo de transformação. Transformação esta que se deu com a entrada da diretora Ana Elisa Siqueira, que chegou à escola com ideias inovadoras, que pretendiam aproximar a escola da comunidade (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Dado o alto índice de evasão dos alunos, a diretora pensou em aumentar o tempo de permanência das crianças e adolescentes na escola. Em um sinal de confiança da escola aos estudantes, foram derrubados os alambrados que cercavam o prédio escolar e o mesmo passou a ser aberto também aos fins de semana, viabilizando uma relação mais orgânica entre aquilo que acontecia dentro e fora da instituição. E, na perspectiva de reconhecer os saberes comunitários e torná-los mais um incentivo para a permanência interessada dos alunos, a escola buscou apoio de mães e pais para oferecer uma diversa gama de atividades que foram periodicamente incorporadas ao conteúdo programático e currículo (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). 28 O Conselho Escolar também se fortaleceu nesse período, participando até mesmo da reformulação da proposta pedagógica da Amorim. E foram nessas discussões que perceberam como a proposta antiga estava destoante do cotidiano da escola, que buscava integrar a comunidade e os diferentes saberes ao processo de aprendizagem. Nesse período, a psicóloga especializada em educação Rosely Sayão apresentou ao Conselho a metodologia e o trabalho desenvolvido pela Escola da Ponte, em Portugal, que extinguia o uso de carteiras, avaliações e a função tradicional dos professores (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL,2013). O Conselho Escolar tomou a experiência portuguesa como uma inspiração e começou a dar os primeiros passos rumo a uma escola com proposta pedagógica diferenciada. Em vez de professores fixos, cada estudante tem um educador tutor, que vai auxiliá-lo em seu processo de aprendizagem, a partir de orientações de uma normativa curricular elaborada pela direção, grupo de professores e Conselho Escolar. Na Amorim, cada tutor é responsável por 20 estudantes por período. Uma vez por semana este educador realiza um encontro de cinco horas com seus tutorados (educandos). Caso o estudante tenha alguma dúvida, pode procurar pelo tutor nos outros dias da semana (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Fonte: EMEF Desembargador Amorim Lima 29 O conteúdo do ano letivo é organizado por roteiros de pesquisa. Cada roteiro possui em torno de 18 temas (ou tarefas) para que o aluno os desenvolva. Esses roteiros são propostos a partir do conteúdo dos livros didáticos recebidos pelo estudante. Porém, no processo de aprendizagem, ele consulta diversos livros e de variadas áreas do conhecimento, integrando-as em um mesmo assunto (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Em vez de paredes e salas de aula montados ao modelo tradicional, a Amorim Lima possui espaços educativos chamados de salões – a escola possui dois deles. Em um fica o ciclo I (do 1º ao 4º ano) e em outro o ciclo II (do 5º ao 9º ano). Os estudantes se sentam em grupos de quatro pessoas para realizem a pesquisa de forma coletiva, mas respondem o roteiro individualmente (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Em cada salão, ficam de cinco a seis educadores. As aulas expositivas acontecem apenas nas disciplinas de matemática, inglês e oficina de texto. Os professores ficam circulando pelo salão, orientando ou respondendo as questões levantadas pelos alunos durante as pesquisas. Como é o estudante que decide a ordem dos roteiros que irá seguir, mesmo sentados em grupo, nem sempre os alunos estão desenvolvendo as pesquisas de um mesmo roteiro (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Ao terminar um roteiro, os estudantes descrevem em um portfólio o que aprenderam e o entregam ao tutor, que vai avaliar se o aluno pode receber a próxima apostila, com um novo roteiro. Não há provas e as avaliações são realizadas por meio dos portfólios produzidos participação dos estudantes (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Além dos roteiros e espaços de estudo guiado, os estudantes tem a disposição uma vasta gama de atividades – oficinas que são realizadas em parceria com outras organizações da comunidade e da cidade como um todo. Entre as aulas disponíveis, tem até oficina para quem quer aprender latim (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Como podemos perceber, as escolas de educação infantil consideradas referências na contemporaneidade procuram se inspirar em algumas das ideias que 30 compuseram os paradigmas pedagógicos liberais e progressistas, enfatizando traços em comum. Entre eles, podemos citar: a aprendizagem ativa, o desenvolvimento pleno, integral (cognitivo, motor, social e emocional), a busca pelo lúdico, pelo afeto e pela felicidade, a liberdade de escolha dos alunos — que protagonizam os processos de ensino e aprendizagem —, a mistura de atividades individuais e coletivas, em que a participação e a colaboração podem ser base para que o convívio e a socialização se efetivem (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). Além disso, agregam-se a essas características as preocupações com os aspectos culturais, regionais e o emprego de tecnologias em favor da aprendizagem, bem como o devido senso de compromisso com o planeta e seus cuidados. Que possamos, como professores ou gestores da educação infantil, pesquisar acerca dessas práticas pedagógicas inovadoras e nos desafiarmos a colocá-las em funcionamento com os nossos alunos (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013). 5 LEITURA COMPLEMENTAR 5.1 Aprendizagem baseada em problemas (ABP): um método de aprendizagem inovador para o ensino educativo S. C. SOUZA e L. DOURADO RESUMO A prática de ensino, ainda hoje, não diferente do que ocorreu durante muito tempo, consiste, essencialmente, no modelo de aula em que o professor transmite um conteúdo com breve momento de discussão e atividades as quais o aluno, após memorizar as informações, tem de responder. Algumas estratégias metodológicas de ensino diferenciadas vêm sendo desenvolvidas por professores, que acreditam ser possível promover mudanças em suas práticas pedagógicas, tendo em vista uma aprendizagem significativa. A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) 31 surge como uma dessas estratégias de método inovadoras em que os estudantes trabalham com o objetivo de solucionar um problema real ou simulado a partir de um contexto. Trata-se, portanto, de um método de aprendizagem centrado no aluno, que deixa o papel de receptor passivo do conhecimento e assume o lugar de protagonista de seu próprio aprendizado por meio da pesquisa. Este artigo constitui- se em uma revisão da literatura básica sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas. O objetivo é apresentar a ABP como um método de aprendizagem significativo e eficaz, que pode ser utilizado nos diversos níveis de ensino e nas mais diferentes disciplinas. Por meio de uma investigação do estado da arte sobre a ABP, buscamos refletir acerca da sua importância como método de aprendizagem. A ABP tem apresentado resultados positivos, observados por pesquisadores das mais diferentes áreas, os quais a utilizaram como método de aprendizagem, seja em cursos universitários, seja na educação básica. Espera-se, com este artigo, possibilitar a reflexão sobre novas estratégias de aprendizagem para um ensino educativo. PALAVRAS-CHAVE: Educação. Ensino. Método de Aprendizagem. Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). 1 INTRODUÇÃO Um dos maiores desafios da educação na atualidade é promover reformas que, de fato, acompanhem o desenvolvimento científico, tecnológico, social, cultural, econômico e ambiental, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, social e economicamente. O processo de reforma na educação, que, inevitavelmente, traz diversas mudanças, entre as quais romper com estruturas rígidas e com o modelo de ensino tradicional (LIBÂNEO, 1992; FREIRE, 1996, 2011; CAMBI, 1999; MIZUKAMI, 1986; SAVIANI, 1991) precisa investir na formação de professores com vistas ao desenvolvimento de competências que lhes permitam recuperar a dimensão essencial do ensino e da aprendizagem, que é a produção de conhecimento pertinente (MORIN, 2000) e 32 significativo para contribuir com a formação de profissionais que irão atuar na sociedade, de forma inovadora e ética, com o cuidado necessário nas relações entre os seres humanos e o meio ambiente. Muitas vezes, as experiências inovadoras são introduzidas a partir de práticas de ensino individuais bem sucedidas, cujos docentes alcançaram resultados de destaque em sua atuação pedagógica, facilitando, por isso, sua disseminação e ampliação nas demais instituições. Assim, na contramão do modelo tradicional de ensino, as experiências desenvolvidas buscam inovar, tendo em vista a exploração de novas possibilidades no contexto educacional, para mobilizar processos significativos de mudança. Nesse cenário, em que se visa à satisfação da demanda por novas formas de trabalhar com o conhecimento, surge a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) como um método de aprendizagem inovador, contrapondo-se aos modelos didáticos de ensino apoiados em perspectivas ditas tradicionais, em que o professor é o centro do processo de transmissãode saberes para alunos que apenas recebem e memorizam o conhecimento transmitido. Este artigo constitui-se, metodologicamente, em uma revisão da literatura básica sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas. Configura-se como uma investigação do estado da arte sobre a ABP. A revisão da literatura é um método sistemático de coleta de conhecimentos já produzidos, para identificar, avaliar e interpretar de forma crítica o conhecimento em um determinado campo de estudo. A escolha dos referenciais estudados se deu pelo critério cronológico de produção das obras, levando-se em consideração os autores clássicos do estudo da ABP, os principais autores do período intermediário, em que a ABP teve sua expansão em outros países, áreas de conhecimento e autores mais atuais que desenvolveram pesquisas na fase de consolidação do método e avaliação do campo de estudo. Outro critério levado em consideração na escolha dos referenciais partiu da experiência vivenciada com o grupo de investigadores do Instituto de Educação da Universidade do Minho em Portugal, que possui uma larga experiência no desenvolvimento de pesquisa sobre ABP. 33 A partir dos critérios mencionados, os referenciais foram coletados em biblioteca física e digital e adquiridos em livrarias. Os artigos foram coletados em portais de periódicos e repositórios de universidades, o que proporcionou a recolha de um número significativo da melhor produção bibliográfica sobre o tema. A análise dos referenciais coletados foi baseada em uma leitura crítica, para além da mera identificação e descrição de estudos já realizados, o que proporcionou a produção de um conhecimento aprofundado do tema para discutir pressupostos, conceitos, processos e resultados, que de forma criativa foram articulados com os diversos estudos, para compreender o significado da relação entre o tema e o contexto do tema. Assim, buscamos refletir criticamente acerca da importância da ABP como método de aprendizagem e apresentamos os seus aspectos conceituais e históricos, bem como as características e etapas do processo de aprendizagem; em seguida, apresentamos como ocorre o processo de avaliação na ABP e realizamos uma análise crítica das vantagens e dificuldade da ABP na construção da aprendizagem. Sob tal perspectiva, o objetivo do artigo é apresentar a Aprendizagem Baseada em Problemas como um método de aprendizagem inovador tendo em vista um ensino educativo e que pode ser aplicado em todos os níveis, da educação básica à Pós-Graduação. 2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS 2.1 Aspectos conceituais A Aprendizagem Baseada em Problemas é um método de aprendizagem que, nos últimos anos, tem conquistado espaço em inúmeras instituições educacionais de ensino superior (nos cursos de graduação e pós-graduação) e no ensino básico em diversas disciplinas. A leitura dos referenciais teóricos sobre ABP apresenta-nos definições variadas acerca da temática. Cada uma delas traz contribuições importantes para a 34 compreensão do seu significado, o que permite um melhor desenvolvimento do processo de aplicação nas mais diversas áreas do conhecimento e níveis de ensino, contribuindo para o avanço desse campo de pesquisa. Na concepção de Barrows (1986), a ABP representa um método de aprendizagem que tem por base a utilização de problemas como ponto de partida para a aquisição e integração de novos conhecimentos. Em essência, promove uma aprendizagem centrada no aluno, sendo os professores meros facilitadores do processo de produção do conhecimento. Nesse processo, os problemas são um estímulo para a aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades de resolução. Na definição dada por Delisle (2000, p. 5), a ABP é “uma técnica de ensino que educa apresentando aos alunos uma situação que leva a um problema que tem de ser resolvido”. Lambros (2004), em uma definição muito semelhante à de Barrows (1986), afirma que a ABP é um método de ensino que se baseia na utilização de problemas como ponto inicial para adquirir novos conhecimentos. Já Barell (2007) interpreta a ABP como a curiosidade que leva à ação de fazer perguntas diante das dúvidas e incertezas sobre os fenômenos complexos do mundo e da vida cotidiana. Ele esclarece que, nesse processo, os alunos são desafiados a comprometer-se na busca pelo conhecimento, por meio de questionamentos e investigação, para dar respostas aos problemas identificados. Leite e Esteves (2005) definem a ABP como um caminho que conduz o aluno para a aprendizagem. Nesse caminho, o aluno busca resolver problemas inerentes à sua área de conhecimento, com o foco na aprendizagem, tendo em vista desempenhar um papel ativo no processo de investigação, na análise e síntese do conhecimento investigado. Em concurso com essas várias definições, apresentamos a ABP como uma estratégia de método para aprendizagem, centrada no aluno e por meio da investigação, tendo em vista à produção de conhecimento individual e grupal, de forma cooperativa, e que utiliza técnicas de análise crítica, para a compreensão e resolução de problemas de forma significativa e em interação contínua com o professor tutor. 35 Podemos constatar que, na extensa literatura produzida sobre ABP, existe um consenso acerca de suas características básicas. Numa percepção comum, todos admitem que a ABP promove a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades, de competências e atitudes em todo processo de aprendizagem, além de favorecer a aplicação de seus princípios em outros contextos da vida do aluno. Assim, a ABP apresenta-se como um modelo didático que promove uma aprendizagem integrada e contextualizada. O benefício da interação que a ABP promove é fundamental para alcançar o sucesso na sua aplicação. Isso porque ela é necessária em todos os sentidos: com o tema e com o contexto do tema estudado, entre os alunos e o professor tutor; enfim, entre todos. A estrutura da ABP se constrói sobre essa base, uma vez que a interação é a chave do processo de aprendizagem. Não obstante, outras dimensões da aprendizagem também são mobilizadas com a ABP, tais como: a motivação, que é estimulada pela curiosidade sobre os temas de cada área de estudo e as habilidades de comunicação individual e grupal, fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem pelo grupo. A estrutura da ABP foi concebida justamente para que o aluno desenvolva habilidades e capacidades para proceder à investigação de forma metódica e sistemática; para aprender a trabalhar em grupo cooperativo e alcançar os resultados da pesquisa, de forma satisfatória, complementando sua aprendizagem individual. 2.2 Aspectos históricos Ao longo da história da educação, vários modelos didáticos e teorias de ensino e aprendizagem foram criados para contribuir, de forma mais eficaz, no processo educacional. Por volta do final do século XIX e início do século XX, surgiu o movimento progressista na educação, conhecido como Escola Nova, que desenvolveu novas práticas de ensino centradas na aprendizagem e com o foco principal no aluno como protagonista de sua própria aprendizagem. Esse movimento teve como representantes exponenciais os educadores John Dewey 36 (1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Henri Wallon (1879-1962), Célestin Freinet (1881-1966), Lev Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1897-1980), entre outros que desenvolveram experiências educacionais inovadoras e que se contrapunham ao modelo tradicional de educação vigente (ROCHA, 1988). Na teoria pedagógica de John Dewey, encontra-se a mais significativa inspiração para a Aprendizagem Baseada na Resolução de problemas. A Pedagogia Ativa ou Pedagogia da Ação, de Dewey, propõe que a aprendizagem deve partir de problemas ou situações que propiciam dúvidas ou descontentamento intelectual,pois os problemas surgem das experiências reais que são problematizadas e estimulam a cognição para mobilizar práticas de investigação e resolução criativa dos problemas (CAMBI, 1999). Delisle (2000) e O’Grady et al. (2012) também apontam Dewey como um dos inspiradores da ABP. Segundo eles, Dewey acreditava que para estimular o pensamento de um aluno, o professor teria de partir de um assunto de natureza não formal, que viesse da vida; do cotidiano dele. A partir da iniciativa de um grupo de professores da Universidade de McMaster, no Canadá, no final dos anos de 1960, o modelo da ABP se expandiu para muitas escolas de medicina em todo o mundo. Não restam dúvidas de que a ABP foi influenciada por diversos pensadores que, na busca por transformar o ensino, realizaram experiências pedagógicas inovadoras. Vários autores, como, por exemplo, Delisle (2000); Savin-Baden & Major (2004); Hillen et al. (2010); Hill & Smith (2005); O’Grady et al. (2012) são unânimes em confirmar a origem e o desenvolvimento do termo ABP, no modelo atual, a partir da experiência na Universidade de McMaster no Canadá, mais especificamente na faculdade de Medicina, em 1969. Howard Barrows é apontado como um dos principais articuladores da equipe de professores formada por Jim Anderson e John Evans, que pensaram o currículo da faculdade de medicina, a partir de 1966, implantado oficialmente em 1969 (HILLEN et al., 2010). Com o intuito de promover o desenvolvimento das capacidades dos alunos para contextualizar os conhecimentos teóricos adquiridos na faculdade, pondo-os em prática no cotidiano, de forma competente e humana, 37 Barrows compreendia que, para realizar esse objetivo, os médicos precisavam, além de possuir o conhecimento teórico, saber utilizá-lo na prática (DELISLE, 2000; O’GRADY et al., 2012). Explica-se, assim, porque o desenvolvimento e a difusão da ABP no Canadá, Estados Unidos e por toda a Europa alcançou excelentes resultados. Um sucesso, aliás, bem justificado, no processo de ensino, pelas características peculiares da ABP: é um método centrado na aprendizagem, que tem por base a investigação para a resolução de problemas contextualizados e que envolve os conhecimentos prévios dos alunos, facilitando o desenvolvimento das competências necessárias ao trabalho profissional; desenvolve a capacidade crítica na análise dos problemas e na construção das soluções; desenvolve a habilidade de saber avaliar as fontes necessárias utilizadas na investigação, bem como estimula o trabalho cooperativo em grupo (DUCH et al., 2001; LEVIN, 2001; O’GRADY et al., 2012). Cabe ressaltar, ainda, que a ABP, ao se espalhar pelo mundo, não ficou restrita apenas à área da saúde; também assimilada por várias áreas do conhecimento (sendo adaptada às suas respectivas especificidades), tais como: as engenharias, a matemática, a física, a biologia, a química e bioquímica, o direito, a psicologia, a geografia, entre outras, bem como aos diversos níveis de ensino: da educação básica ao nível superior e a pós-graduação (DELISLE, 2000; HILL & SMITH, 2005; LAMBROS, 2002; 2004). Cumprindo esse percurso, a Aprendizagem Baseada em Problemas terminou por constituir-se um método sistematizado, que permitiu aos professores das mais diversas áreas e níveis de ensino estimular a criatividade de seus alunos, desenvolver a capacidade investigativa e o raciocínio para a resolução de problemas, consolidando-se, assim, como um método de aprendizagem considerado eficaz nas mais diversas instituições de ensino e pesquisa em todo o mundo. 38 3 CARACTERÍSTICAS E ETAPAS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA ABP 3.1 O aluno como centro da aprendizagem na ABP Ao analisarmos a prática pedagógica tradicional, apoiada nos procedimentos didáticos de aulas expositivas, em que o professor reproduz e transmite um conteúdo apoiado em um manual didático, para alunos que devem ouvir, ler, decorar e repetir, constatamos que esse ainda é o modelo mais comum nas instituições de ensino no Brasil e fora do país. Observamos, também, que esse modelo pedagógico reflete práticas didáticas centradas no professor e no ensino, sustentadas por um paradigma que tem sido pouco eficiente para a educação do século XXI por promover uma visão fragmentada e reducionista nas mais diversas áreas do conhecimento científico, tecnológico, social e cultural. Visando a uma reorientação de rumos, nesse contexto, busca-se estimular os professores a pesquisar metodologias inovadoras que possibilitem o desenvolvimento das competências dos alunos para a problematização como componente fundamental de um método que seja centrado na aprendizagem. O foco na problematização possibilita uma visão transdisciplinar e tem como ponto de partida o levantamento de questões e a busca de soluções para os problemas identificados nos temas curriculares de cada disciplina, nos respectivos níveis de aprendizagem, com a finalidade de produzir conhecimento. A opção por uma metodologia de aprendizagem centrada no aluno acentua a importância da ABP, vez que, por sua aplicabilidade, estaríamos possibilitando o desenvolvimento de atividades educativas que envolvem a participação individual e grupal em discussões críticas e reflexivas. Mesmo porque esse método compreende o ensino e a aprendizagem a partir de uma visão complexa e transdisciplinar que proporciona aos alunos a convivência com a diversidade de opiniões, convertendo as atividades desenvolvidas em sala de aula em situações ricas e significativas para a produção do conhecimento e da aprendizagem para a vida. Além disso, propicia 39 o acesso a maneiras diferenciadas de aprender e, especialmente, de aprender a aprender (DELISLE, 2000). Em contraponto, os métodos tradicionais de ensino proporcionam o aprendizado de conceitos num contexto teórico. Para muitos estudantes, o principal produto desse ensino é representado pela memorização. A ABP, por iniciar-se com a apresentação de um problema, envolver discussão em grupo, acompanhamento do professor e a investigação cooperativa, contribui significativamente para conferir mais relevância e aplicabilidade aos conceitos aprendidos. Parece bem fortalecida a afirmação de que as atividades desenvolvidas em sala de aula deverão estar mais conectadas com o contexto de aprendizagem da área em estudo, sendo os currículos ligados às aprendizagens que se interconectam com o cotidiano, dentro e fora da escola. Sob totais condições, os alunos poderão aprender praticando o que será a sua futura profissão, tornando-se profissionais ativos capacitados a resolver, com autonomia e responsabilidade, os problemas que surgirão no seu dia a dia. Essa atitude de enfrentamento, muito provavelmente lhes favorecerá o desenvolvimento da habilidade para o diálogo e a partilha de ideias em grupo, argumentando, de forma sistemática, para que a resolução do problema seja satisfatória e eficaz (LAMBROS, 2004; DELISLE, 2000). Como já foi sublinhado, a ABP enfatiza muito mais a compreensão do que a memorização; mas considera que esta última também é importante para a aprendizagem, pois quanto maior for a compreensão de determinado assunto, mais fácil será a memorização e, consequentemente, a aprendizagem. Entretanto, o aprendizado que fica apenas no nível da memorização tem pouco valor para a vida social e profissional. Esse é um dos principais problemas decorrentes de aulas expositivas que enfatizam o conteúdo apenas no contexto em que foi aprendido. Isso não ocorre quando se utiliza a ABP. Como os problemas são apresentados num contexto real, favorecem a transferência dos conhecimentos e habilidades aprendidos em sala de aula para o mundo do trabalho (ALBANESE & MITCHEL, 1993; DELISLE, 2000). Assim, aderir a um currículo no qual a didática está centrada no aluno e na aprendizagem é o diferencial para promovera inovação na educação. 40 Interessante observar que, se por um lado a ABP tem como objetivo estimular os alunos a buscarem soluções para os problemas apresentados, por outro lado, os alunos acabam motivados a assumir mais responsabilidade pela própria aprendizagem; afinal, “os modelos curriculares da ABP são largamente construtivistas na sua natureza, pois é dada a oportunidade aos alunos de construírem o conhecimento” (CARVALHO, 2009, p. 35). Tanto é que os estudantes passam a selecionar e a utilizar recursos de investigação e técnicas de coleta de informação com variedade e frequência muito maior que aqueles envolvidos em atividades tradicionais de ensino. Por outro lado, como os professores são vistos não como fontes de respostas, mas como facilitadores da solução de problemas, os estudantes tendem a se tornar mais competentes na busca de informações (ALBANESE & MITCHEL, 1993; BARELL, 2007; BARRETT & MOORE, 2011). A solução de problemas geralmente requer interação social. Por essa razão, a ABP incorpora atividades com uma maior cooperação grupal. “Durante esse tempo, os alunos têm a oportunidade de confrontar, comparar e discutir as suas ideias prévias com as perspectivas dos seus colegas” (CARVALHO, 2009, p. 35). Essas atividades requerem interação social dos estudantes, o que contribui para o desenvolvimento de habilidades interpessoais e para o aprimoramento do espírito em equipe, que são fundamentais para o bom desempenho no mundo do trabalho. Para a maioria dos estudantes, a ABP é muito mais interessante, estimulante e agradável do que os métodos tradicionais de ensino. Para além disso, oferece aos estudantes muito mais possibilidades de desenvolver seus estudos de maneira independente. A satisfação que os estudantes experimentam, consequentemente, tem muito mais a ver com a estratégia em si do que com o carisma do professor ou com a qualidade dos recursos visuais. De fato, o aluno torna-se o protagonista da sua aprendizagem, porque se sente motivado, valoriza os conhecimentos trazidos das suas experiências adquiridas ao longo da vida, amplia e desenvolve o seu potencial para novas aprendizagens. Assim, a aprendizagem torna-se autodirigida, auto orientada, e motivadora (BARRETT & MOORE, 2011; BARELL, 2007; LAMBROS, 2004). O currículo centrado na ABP muda o foco do ensino para a aprendizagem: do professor para o aluno como centro do processo de ensino e 41 aprendizagem, levando este à compreensão de que aprender não é apenas adquirir informações, mas processar as informações para transformá-las em conhecimentos. 3.2 O trabalho em grupo Nos métodos tradicionais de ensino, o trabalho em grupo é uma atividade habitual, usada pelos professores, nos cursos superiores, para o estudo de determinado conteúdo. Os grupos se organizam de muitas formas e de acordo com as exigências decorrentes dos tipos de atividades. Os objetivos são os mais variados: organizar os alunos para a leitura e análise de textos; responder questões prontas ou desenvolver alguma atividade que exige troca de conhecimento e discussões que promovam a aprendizagem. Na ABP, o trabalho em grupo destaca-se como uma forma de atividade em que o aluno valoriza a convivência e se dispõe a participar, de forma criativa, do processo de aprendizagem, buscando criar espaços para o trabalho cooperativo, no qual todos são protagonistas, colaborando para uma aprendizagem mútua e integral (BARRETT & MOORE, 2011). Durante o trabalho grupal, em que o processo educativo se desenvolve, o aluno apresenta-se como um investigador reflexivo, competente, produtivo, autônomo, dinâmico e participativo. Nesse processo, o professor tutor é responsável por definir o tamanho dos grupos, de acordo com a quantidade de alunos, de forma que os grupos atinjam um número em torno de 4 a 5 componentes. Esse quantitativo permite que todos possam se envolver com as atividades e participar de forma colaborativa, igualitária, a fim de favorecer o desenvolvimento das habilidades individuais, apesar das diferentes personalidades, para que haja coesão entre os componentes, o que permitirá chegar a consensos nas discussões (WOODS, 2000; LAMBROS 2004; SAVIN-BADEN & MAJOR 2004). Decerto um trabalho em grupo sempre revelará divergências e até mesmo membros que não conseguirão se integrar, devido às dificuldades em desenvolver suas competências colaborativas (SAVIN-BADEN & MAJOR, 2004; CARVALHO, 2009); por isso, o professor tutor deve estar atento à 42 formação dos grupos para perceber quando algum membro não está conseguindo participar, seja não se mostrando integrado ao grupo, seja não se mostrando interessado pela forma de trabalho. Diante dessa dificuldade, o professor tutor deverá buscar outras estratégias de integração desses alunos, tais como: verificar o motivo real do desinteresse pelo trabalho; mudar o aluno de grupo, entre outras. O trabalho em grupo promove a aprendizagem colaborativa, que é uma oportunidade de formação pessoal e social. A colaboração oferece o espaço para a reconstrução do conhecimento, que se configura como um conhecimento da situação problemática; a análise e interpretação de dados; a comparação de pontos de vista divergentes; e a explicação de conceitos e ideias. Assim, a criação de um clima colaborativo é também uma fonte de valores entre os alunos que formam o grupo: a capacidade de escutar e observar o que o outro diz; a solidariedade que surge de maneira espontânea e a solidariedade que é construída entre todos; a busca da verdade nas relações e na maneira de atuar de todos e de cada um dos membros; o potencial de corrigir-se mutuamente e a espera do ritmo de aprendizagem comum, considerando o tempo de cada um. Experimentar essas aprendizagens é uma oportunidade de crescimento enriquecedora que somente o trabalho colaborativo facilita. Nesse sentido, a aprendizagem colaborativa em grupo, na educação superior, é um processo de mudança cultural; o professor tutor é o agente dessa mudança quando, no espaço acadêmico, facilita a aprendizagem por meio de métodos como a ABP (BARRETT & MOORE, 2011). Essa aprendizagem em grupo, por meio da ABP, é mais um processo do que um resultado. É um desafio a ser introduzido como um processo de investigação e análise de problemas reais. Mas, para isso, é necessário um maior interesse e a assunção de um maior compromisso dos professores para construir novas práticas pedagógicas que consolidem, cada vez mais, a ABP na educação superior. E vale ainda acrescentar que o trabalho em grupo, característico da ABP, admite variações não só no tocante ao tamanho dos grupos, da frequência com que os grupos se encontram para as reuniões, mas, também, no que concerne à complexidade dos problemas a serem solucionados (BARELL, 2007; DELISLE, 2000). 43 Portanto, para os alunos, o trabalho em grupo é um conjunto de atividades que favorece a aprendizagem; o desenvolvimento de competências; o desenvolvimento da comunicação intergrupal e individual, possibilitando também o desenvolvimento da socialização na sala de aula. Em si mesmo, o trabalho em grupo já possibilita o desenvolvimento de todos esses aspectos por todos. Mas isso vai depender diretamente do empenho de cada um no desenvolvimento das atividades a serem realizadas pelo grupo. Na ABP, o trabalho em grupo possibilita uma aprendizagem interdisciplinar e cooperativa e, também, proporciona aos alunos refletirem acerca dos métodos tradicionais para poder perceber até que ponto a ABP proporciona uma melhor aprendizagem. 3.3 O professor como tutor A educação, por ser um processo dinâmico, exige do professor uma permanente atualização e mudança nas suas práticas docentes, tendo em vista o desenvolvimento de habilidades diferentes das que tradicionalmente são exercidas em seu fazer pedagógico. Uma dessas habilidades
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