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AULA 6 NEUROCIÊNCIA E COMPORTAMENTO HUMANO Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 2 INTRODUÇÃO Além da motivação, a recompensa é outro fator que impulsiona a vida humana. Objetos, pessoas, eventos podem se transformar em recompensa, gerando sensações de prazer. A forma como isso acontece compreende o circuito cerebral da recompensa. Comunicações produzidas pela rede de neurônios no cérebro, por meio de substâncias químicas, mobilizam determinadas áreas cerebrais e provocam a sensação de recompensa. Que áreas são estas e que substâncias químicas são importantes em todo o processo é o que veremos a seguir. TEMA 1 – O REFORÇO E A RECOMPENSA Uma rede de nervos entre o tronco encefálico, que desempenha papel relevante no controle da excitação, referida como formação reticular (Myers; DeWall, 2022), foi a protagonista de dois erros em experimentos que vieram a trazer maior conhecimento sobre o estado de alerta e a recompensa. Esta área, que agrega de forma relativamente difusa neurônios de tamanhos e tipos diferentes e que ocupa a parte central do tronco encefálico, trouxe ao conhecimento, por meio de um erro casual, uma noção sobre onde poderia estar a consciência. Lent (2016) relata que, em 1949, o americano Horace Magoun e o italiano Giuseppe Moruzzi por engano acabaram estimulando a formação reticular do mesencéfalo de um gato anestesiado. O eletroencefalograma, que estava relacionado a uma resposta de sono profundo, imediatamente mudou para um estado de vigília. Os dois cientistas, ao avançarem no experimento, perceberam que o estímulo dessa região do cérebro provoca um estado de alerta de consciência em animais não anestesiados que estavam sonolentos ou adormecidos. Se a descoberta de um centro “causador de consciência” chamou a atenção da comunidade científica, um outro erro em procedimentos com outros pesquisadores levaria à descoberta dos “centros de recompensa”. Quando ouvimos falar em sistema de recompensa, considerando-se os estudos da neurociência, logo pensamos na interação de vários sistemas neurais. Neste ponto, buscamos uma visão geral de neurotransmissores e regiões cerebrais que se envolvem na recompensa. Falar em sistemas neurais e sua relevância é incluir áreas do cérebro envolvidas no aprendizado de que 3 determinado estímulo provoca determinada recompensa, e isso pode ser relacionado a sistemas neurais separados e que exercem um papel mediador entre um objeto ou evento estimulador e a resposta comportamental do indivíduo. A recompensa é facilmente ligada à ideia de reforço positivo, e a pergunta que surge é: como chegamos à concepção de que os mecanismos neurais respondem pelo reforço produzido no indivíduo? Gazzaniga e Heatherton (2005) explicam que tudo começou na década de 1950, em estudos sobre a estimulação elétrica de uma região específica do cérebro que facilitaria a aprendizagem. Num experimento, James Olds e Peter Milner destacados pelos autores, aplicaram um eletrodo ao cérebro de ratos quando eles estavam posicionados num ponto específico de uma jaula. Pela lógica, com o procedimento aversivo, os ratos deveriam evitar aquele local, mas um pequeno erro cirúrgico fez os pesquisadores aplicarem o estímulo elétrico na parte errada do cérebro, e por consequência, em vez de evitar a área da jaula associada ao procedimento aversivo, os ratos ali permaneceram querendo mais. Myers e DeWall (2022) reportam que, ao se dar conta de que invés de implantar o eletrodo na formação reticular do rato, o dispositivo foi colocado em uma região do hipotálamo, Olds e Milner se depararam com um centro cerebral que fornece recompensas prazerosas. No relato, os dois neuropsicólogos da McGill University de Montreal ampliaram o experimento em locais específicos do cérebro no procedimento referido por Gazzaniga e Heatherton (2005) como autoestimulação intracraniana (ICSS). O estudo localizou outros centros de prazer no cérebro à não atribuição de sentimentos humanos aos ratos. Hoje, estes pontos são vistos como centros de recompensa ao invés de centros do prazer. “Quando puderam pressionar alavancas para ativar sua própria estimulação, os animais as vezes o faziam mais de mil vezes por hora” (Myers e Dewall, 2022, p. 61). Para Gazzaniga e Heatherton (2005), grande parte dos psicólogos vê a ICSS, como a ativação de pontos do cérebro por reforços naturais como alimento, água e sexo. Nos ratos, eletrodos aplicados aos centros de recompensa eliciam comportamentos como comer, beber e copular com um parceiro disponível. Privar um animal do alimento ou de água aumenta a ICSS, o que indicaria a tentativa de se chegar ao estado subjetivo da recompensa natural. As ações humanas, são, portanto, impulsionadas. Dois fatores contribuem para isso: as necessidades relacionadas à alimentação, sono e evitação da dor e as recompensas. Objetos, eventos e atividades transformam-se em recompensa se provocarem motivação. Como isso acontece? 4 Criaturas humanas que somos, damos sentido às coisas que acontecem no mundo que nos cerca. Pensamos, lembramos, falamos, mexemos os braços, caminhamos, respondemos a eventos geradores de emoções, como perder um emprego, apaixonar-se, ficar doente, ganhar um presente significativo. Quando isso acontece, podemos sentir os batimentos cardíacos, a velocidade da respiração. Duas coisas são importantes neste processo: as estruturas cerebrais e as substâncias químicas. Circuitos neurais estão ligados a estas duas coisas. Damos sentido às coisas ao nosso redor pela visão, olfação, audição, tato e paladar, recebendo e enviando mensagens, muitas vezes ao mesmo tempo. Os mecanismos neurais por trás da autoestimulação craniana, ao envolver tanto as estruturas cerebrais como as substâncias químicas, formam a base biológica da recompensa. O hipotálamo, por exemplo, uma parte vital do sistema límbico, é a área que por meio do desenvolvimento humano, e levando-se em conta os circuitos neurais, produz múltiplos mensageiros químicos, chamados hormônios. São estas substâncias que controlam os níveis de água no corpo, os ciclos do sono, a temperatura corporal e a ingestão de alimentos. Vejamos, na sequência, as principais estruturas cerebrais e substâncias químicas vinculadas ao que chamamos de sistemas de recompensa. TEMA 2 – SISTEMA DE RECOMPENSA Vimos anteriormente que dentro do tronco encefálico, entre os nossos ouvidos, está localizada a formação reticular, vista por Myers e DeWall (2022) como uma “rede” de neurônios que vão da medula espinhal até o tálamo. Nesta viagem, entre a medula espinhal e o tálamo, parte das informações sensoriais se ramificam para a formação reticular, que filtra os estímulos aferentes, transmite informações relevantes para outras estruturas e desempenham a função de controle da excitabilidade. Foi buscando esta região do cérebro que os experimentos de Moruzzi e Magoun, Olds e Milner, por meio de erros nos levaram a dar atenção a determinadas estruturas ligadas ao sistema de recompensa como o córtex pré-frontal, o núcleo accumbens e a área tegmental. Esta região responde pela vontade e tomada de decisão e resulta em sensações de prazer e satisfação. De forma objetiva, podemos dizer que o córtex pré-frontal trabalha a motivação e o foco da atenção e está envolvido com a amígdala, vista como base das emoções e o hipocampo, o regulador da memória. A conexão e o movimento motor são atribuídos ao núcleo accumbens. Estas estruturas estendem-se em 5 informações ao hipotálamo, que regula funções autonômicas (frequência cardíaca, regulação térmica, metabolismos como fome, sede e reprodução). Estendidas por várias regiões do cérebro, a área tegmental ventral transmite mensagens para o que resta do circuito de recompensa, influindo na liberação da substância química dopamina (Tassin, 2021), vista como a “molécula do prazer”.2.1 Córtex pré-frontal Tieppo (2021) vê o córtex pré-frontal (CPF) como a “torre de controle”, a parte do cérebro das funções executivas que orienta o comportamento para ganhos futuros, planeja etapas de projeto e responde pela organização à qual chamamos por nossa parte de “estruturação racional”. As habilidades de selecionar estratégias de movimento para respostas são determinantes para garantir a sobrevivência de um animal. Neste sentido, o CPF é apontado como uma região cortical aprimorada na supervisão da seleção de tarefas relevantes num dado contexto (Lent, 2016). Ter todos os predicados de uma torre de controle não garante que todas as decisões sejam determinadas pelo CPF e assim seguidas. Um exemplo é quando a pessoa come o chocolate preferido e experimenta a sensação de satisfação. Nesse instante, registra-se algo agradável e prazeroso que “precisará ser repetido em outro momento”. Como o cérebro detectou que o chocolate é bom, o sistema de recompensa ensaia um: “repita o ato”. O CPF, então, estabelece a modulação, onde a racionalidade busca assumir a situação e determinar a tomada de decisão. Neste momento o CPF se vê frente a frente com o sistema límbico (amígdala, hipotálamo, hipocampo) e a área tegmental ventral. Como resultado, poderemos ver o CPF garantir a decisão racional ou o sistema límbico defender o lado emocional. Neste caso, o comportamento prazeroso será repetido. 2.2 Hipotálamo Situado logo abaixo do tálamo, o hipotálamo tem participação efetiva na cadeia de comando responsável pela manutenção do organismo. Determinados agrupamentos neurais nesta estrutura têm influência na fome, outros na sede, na temperatura corporal e no comportamento sexual, elementos que juntos atuam na homeostase interna (Myers; DeWall, 2022). O hipotálamo recebe informações do CPF, e como dizem os autores, ao monitorar o estado do organismo, esta 6 estrutura regula tanto a química do sangue quanto as ordens oriundas de outras partes do cérebro. Um exemplo dado pelos autores mostra que, ao receber sinais do cérebro de que a pessoa está pensando em sexo, o hipotálamo secreta hormônios que ativam a “glândula mestra” do sistema endócrino, a hipófise, para induzir suas glândulas sexuais e liberar seus hormônios que acentuam o pensamento sobre sexo no córtex cerebral. Desta forma, o cérebro afeta o sistema endócrino e este afeta o cérebro. A experiência antes citada por Olds e Milner foi determinante para avançarmos no entendimento do papel do hipotálamo no sistema de recompensa. 2.3 Amígdala A amígdala não é descrita de modo frequente como relacionada ao circuito de recompensa, mas sim ao circuito do medo, por desempenhar papel significativo na resposta aos estímulos eliciadores do medo. Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 132) explicam que “o processamento afetivo de estímulos assustadores na amígdala é um circuito resistente, que se desenvolveu no curso da evolução para proteger os animais do perigo”. Um aspecto que a aproxima do circuito de recompensa é que, além do papel vital para aprendermos a associar fatos no mundo com respostas emocionais, a amígdala nos leva a associar, por exemplo, um novo alimento com seu sabor. Um artigo publicado pela plataforma francesa de informações médicas Santé Log (2015) destaca o papel da amígdala no planejamento de ações para obter recompensas. A publicação envolvendo um estudo da Universidade de Cambridge ressalta que durante um experimento com macacos, foi registrada atividade de diferentes áreas do cérebro por meio do uso de eletrodos que possibilitaram acompanhar a sequência de tomada de decisão. Os animais foram observados em situações em que deveriam decidir se tomavam um sumo de fruta em cada uma de alguma das etapas ou deixavam para consumi-lo em maior volume mais tarde. Quando os macacos decidiam por uma escolha de longo prazo, ou seja, vários passos a mais para obter uma recompensa maior, os neurônios na amígdala mostravam um padrão de atividade que refletia planejamento. O planejamento do macaco era atualizado à medida que o plano avançava, até que a recompensa planejada pudesse ser obtida. 7 2.3 Hipocampo Diante de alguma coisa que nos intriga, conexões entre os centros de recompensa e o hipocampo, responsável pela consolidação dos circuitos de memória, são ativadas no cérebro. Ao manter-se por algum tempo, esta condição torna mais fácil lembrar e aprender não só o que nos interessa, mas também outras informações recebidas ao mesmo tempo. Este entendimento, em Gambarini (2014), é por ele mesmo destacado no estudo de um grupo de neurocientistas e psicólogos da Universidade da Califórnia. Voluntários foram submetidos a exames de ressonância magnética enquanto respondiam a perguntas, algumas intrigantes e outras indiferentes. Os participantes foram levados a tentar responder, mas apenas por um período de tempo durante o qual uma série de rostos era mostrada na tela. O estudo demonstrou que se a curiosidade dos sujeitos fosse despertada, eles teriam mais facilidade para aprender não apenas o que os estimulou, mas também informações mais bem lembradas sem qualquer interesse particular como os rostos mostrados. Outro resultado apontado foi de que quando a curiosidade é estimulada, a atividade nos circuitos da recompensa aumenta, conforme também ocorre com o hipocampo, região do cérebro importante para a formação de novas memórias. Gambarine (2014) destaca que estas interações entre o sistema de recompensa e o hipocampo parecem colocar o cérebro numa condição mais provável para aprender e reter informações, mesmo aquelas que não sejam de interesse ou relevância particular. 2.4 Núcleo accumbens O conjunto de neurônios localizados dentro da área cortical do prosencéfalo, denominado núcleo accumbens (NA), está vinculado à recompensa pela ativação dos seus neurônios de dopamina. Myers e DeWall (2022) citam sua descoberta como um centro de recompensa pelos estudos feitos em golfinhos e macacos. Nestes trabalhos, revelou-se a presença daquele transmissor ligado à sensação de prazer e motivação. Gazzaniga e Heatherton (2005) lembram que na maioria das vezes que fazemos algo agradável, o prazer obtido é consequência da ativação de neurônios da dopamina no NA. A apreciação da comida depende da atividade do referido mensageiro químico, o que enseja considerar que a fome está relacionada à 8 liberação de dopamina. Os dois psicólogos, professores e neurocientistas destacam que a comida tem melhor sabor na fome e a água é mais recompensadora na sede porque existe maior liberação de dopamina em situações de privação do que de não privação. 2.5 Área tegmental O núcleo accumbens recebe informações de uma outra estrutura localizada na parte superior do tronco encefálico, a área tegmental ventral (ATV). Trata-se de um grupo de neurônios particularmente importante no circuito de recompensa, por fazer parte de um circuito de mensagens de várias outras regiões sobre o grau de satisfação das necessidades básicas, ou mais especificamente humanas. A transmissão da ATV para o NA ocorre graças ao mensageiro químico que vem ocupando nossa atenção neste encontro, a dopamina. O aumento deste neurotransmissor no núcleo accumbens e em outras regiões terá então um efeito reforçador sobre comportamentos que nos permitem satisfazer nossas necessidades básicas. TEMA 3 – A QUÍMICA CEREBRAL NA RECOMPENSA Substâncias químicas produzidas no interior de organismos e liberadas interna ou externamente produzem respostas tanto internas como externas. A comunicação possibilitada por estas substâncias em mensagens regulares e rápidas afeta o modo como o indivíduo se sente e funciona. Este modo de comunicação corresponde a eventos no ambiente que evocam uma percepção fisiológica ou comportamental e que para ocorrer enseja a existência de um emissore um receptor da informação. Entre as substâncias químicas que nos interessam para compreender os mecanismos de funcionamento dos sistemas de recompensa estão os feromônios, os hormônios e os neurotransmissores. 3.1 Feromônios Podemos considerar que feromônios são quaisquer sinais químicos usados na comunicação entre indivíduos de uma espécie, sinais estes produzidos de forma endógena em quantidades mínimas por organismo. Na definição de Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 162), “os feromônios são substâncias químicas liberadas por animais, incluindo provavelmente os humanos” que desencadeiam 9 reações fisiológicas ou comportamentais. Neste entendimento, estas substâncias não eliciam “cheiros” conscientes, mas se processam de modo similar aos estímulos olfatórios. Para algumas espécies, os feromônios são essenciais para a sobrevivência e a interação social. Entre as formigas, por exemplo, há um tipo determinado de feromônio que faz um indivíduo seguir atrás do outro alinhadamente em busca de comida. Trata-se do “feromônio recrutador”, mas dependendo de qual seja a comunicação, cria-se uma expectativa de resposta a ser produzida em diferentes situações como autodefesa, acasalamento ou alimentação, por exemplo, em que ele exerce o papel respectivo de “feromônio sinalizador”, “feromônio excitador” ou “feromônio desencadeador”. Alguns estudos relacionados aos feromônios têm apontado a participação dessas substâncias na recompensa. Num deles, publicado da revista Frontiers in Neuroanatomy e produzido por pesquisadores da Universitat de Valencia da Universitat Jaume I, ratas são atraídas pelos feromônios masculinos. Nesta condição, ocorre uma liberação de dopamina no núcleo accumbens do cérebro, a região que controla o comportamento direcionado à aquisição de recompensas (Sánchez-Catalán, 2017). Sabe-se que existem diferentes formas dos feromônios serem excretados: alerta de perigo, sinalização de comida, encontrar um parceiro. Há um debate em vigência sobre a existência desta substância em seres humanos, e o que se evidencia é o crédito que cientistas e pesquisadores dão ao potencial humano de se comunicar com outros pela produção de feromônios, algo que merece mais estudos. 3.2 Hormônios Se os feromônios são produzidos internamente e funcionam fora do corpo, os hormônios são produzidos e agem dentro do corpo de um organismo. Eles também atuam como mensageiros químicos e sua produção se dá por meio de glândulas endócrinas que viajam pela corrente sanguínea e afetam outros tecidos (Myers; DeWall, 2022). Quando falamos do hipotálamo anteriormente, destacamos que a tarefa de monitorar o organismo faz com que esta estrutura regule a química do sangue e as ordens do cérebro. Imagine um movimento sináptico do córtex pré-frontal em que o pensamento é voltado para o sexo. Nesta condição, o hipotálamo secreta 10 hormônios que ativam a chamada glândula mestra do sistema endócrino — a hipófise, que ativa a liberação de hormônios que por sua vez darão ênfase à ideia de sexo no córtex cerebral. É importante que se ressalte a condição de peça-chave do hipotálamo em relação aos hormônios. Tieppo (2021) enfatiza que é por ele que ocorre a secreção de praticamente todos os hormônios do corpo humano, incluindo-se aqueles secretados pelo córtex da glândula suprarrenal, que libera os corticosteroides, hormônios que orquestram respostas fisiológicas em situações estressantes. Os hormônios, a exemplo dos neurotransmissores que veremos a seguir, como se percebe, transportam sinais de uma parte do corpo para outra e ocupa papel relevante na fisiologia do corpo, controlando uma variedade de funções, sejam físicas, sejam psicológicas, onde se inclui o nosso humor, padrões alimentares e ciclos do sono. 3.3 Neurotransmissores Entre os aspectos que diferenciam neurotransmissores de hormônios, está o fato de que estes se incluem no sistema endócrino e aqueles no sistema nervoso. Considera-se que a comunicação via neurotransmissores pelo sistema nervoso é mais imediata, ocorrendo de um neurônio pré-sináptico que cruza a sinapse e é recebido pelo neurônio pós-sináptico que transmite o impulso nervoso. Já os hormônios atuam na comunicação celular pelo envio de sinais entre tecidos distantes, que são despejados diretamente no sangue e dirigem-se ao alvo. Nos últimos quarenta anos, vários progressos aconteceram na identificação dos neurotransmissores e suas funções. Gazzaniga e Heatherton (2005) postulam que até um certo tempo acreditava-se haver poucas destas substâncias envolvidas com a atividade cerebral. Hoje, estima-se que mais de cem diferentes tipos de neurotransmissores desempenham papel significativo na atividade mental e comportamento. Há um interesse visível entre os cientistas em estudar comportamentos recompensadores associados ao neurotransmissor chamado dopamina no núcleo accumbens. Os neurotransmissores são, portanto, os protagonistas no transporte de sinais entre neurônios. Eagleman (2017) argumenta que dependendo do histórico da atividade, as conexões podem ser mais fracas ou mais fortes. Quando enfraquece, a conexão murcha e desaparece; quando se fortalece, origina novas 11 conexões. Nesta dinâmica, parte da reconfiguração é orientada por sistemas de recompensa que colocam em destaque a dopamina. Atuando como mediadores, os neurotransmissores exercem a função de correio. Além da dopamina, são exemplos a noradrenalina, a histamina, a tirosina e a serotonina, que é ligada à felicidade por transmitir a sensação de bem-estar, ajudar a conciliar o sono e por reduzir o desejo exagerado de doces (Fernandes, 2016). TEMA 4 – O NEUROTRANSMISSOR DO PRAZER E OUTRAS SUBSTÂNCIAS 4.1 Dopamina A dopamina, muitas vezes referida como “neurotransmissor do prazer”, é uma das substâncias químicas mais conhecidas do sistema nervoso. Sua função principal é ativar os circuitos de recompensa do cérebro, além de outras funções menos conhecidas. Ela atua tanto na ativação quanto na inibição da atividade cerebral dependendo do lugar em que é liberada. Se uma pessoa come quando está com fome, bebe quando tem sede ou faz sexo quando está excitada, ela ativa os receptores de dopamina e vivencia o prazer (Gazzaniga; Heatherton, 2005). Algumas drogas têm papel agonista em relação à dopamina. Os autores afirmam num exemplo que a cocaína bloqueia a reabsorção de dopamina nas vesículas pré-sinápticas e possibilita um efeito mais prolongado da dopamina sobre os receptores pós-sinápticos, ensejando uma excitação aumentada e a sentimentos de euforia. Ratos em experimentos aprendem rapidamente a se autoadministrar cocaína, o que reforça a ideia das qualidades recompensatórias. Eagleman (2017) ilustra o papel da dopamina num passeio ao parque. A pessoa faz uma previsão no cérebro quando será recompensador ir até aquele local. Se lá estiverem amigos e por consequência o passeio for melhor do que a pessoa esperava, haverá um aumento da avaliação na próxima vez em que ela tomar esta decisão. Se por outro lado, o parque mostrar abandono e chover a avaliação na próxima ocasião será menor. Isso é explicado pelo grupo de células no mesencéfalo que falam a língua da dopamina. Diante de um descompasso entre expectativa e realidade, a dopamina transmite um sinal que reavalia o nível do valor. Se as coisas ocorreram melhor do que o esperado, há um aumento explosivo de dopamina; se foi pior, há uma diminuição da substância. Ocorre um ajuste de expectativa para a próxima vez se aproximar mais da realidade. A 12 dopamina age como corretora de erros: uma avaliadora química que atualiza avaliações. A dopamina é, portanto, uma moduladora final de entradas físicas e psíquicas. Neurônios dopaminérgicos (principal fonte de dopamina) modulam a hierarquia das estruturas corticais e subcorticais a fim de que a açãodesejada (motora, se for algo como correr ou andar, ou psíquica, se exigir atenção) possa ser realizada. Como dissemos, a dopamina é o modulador final de entradas físicas e psíquicas. Isso significa que, dependendo das informações recebidas a montante, neurônios dopaminérgicos modulam a hierarquia das estruturas corticais e subcorticais para que a ação desejada (motora, se for uma questão de correr ou andar, ou psíquica, se for uma questão de concentrar a atenção) pode ser realizada (Tassin, 2021). 4.2 Outras substâncias químicas Outras substâncias não tão referidas à recompensa, como a dopamina, são citadas pelas sensações de alegria, gratificação e bem-estar. Liberados pelo próprio organismo, apresentam-se em determinadas situações e são observados, por exemplo, em práticas esportivas, meditação e outros. Entre eles, estão a serotonina, a endorfina e a ocitocina. A exemplo da dopamina, a serotonina tem função moduladora e atua em diferentes regiões do cérebro. Sua relevância é observada em estados emocionais, controle de impulsos e no sonhar. Pessoas com baixos níveis de serotonina podem apresentar humor triste e estado de ansiedade; algumas sentem voracidade por alimentos e também agressividade. Ela também é referida na mediação de funções fisiológicas importantes, como os movimentos peristálticos, a manutenção da circulação sanguínea e a integridade cardiovascular. A endorfina atua na redução natural da dor e na recompensa. Ao atuar nas células nervosas específicas, nos faz sentir menos desconforto. Além disso, ela ajuda a controlar a resposta do corpo ao estresse. Pesquisas apontam ainda potencial para inibir o crescimento de células cancerígenas e equilibrar a produção de outros hormônios. Esta substância está associada ao humor eufórico, condição que nos ajuda a entender por que drogas como a heroína ou a morfina, que imitam as endorfinas, quando se unem aos seus receptores tornam-se aditivas (Gazzaniga; Heatherton, 2005). 13 A ocitocina é ligada à redução da ansiedade e insegurança, sendo chamada de hormônio do amor. Muitas pesquisas também indicam a ligação entre a ocitocina e a saúde sexual, potencializando o desejo sexual feminino e o orgasmo masculino. Ela também está presente na hora do parto, estimulando as contrações do útero e a liberação do primeiro leite. Pliszka (2004) reporta que quando a ocitocina é liberada em fêmeas prenhas, ela provoca contrações uterinas e desencadeia a lactação. Ele também afirma que o som do choro do bebê, leva neurônios hipotalâmicos a liberar ocitocina.. TEMA 5 – AMOR, BEM-ESTAR E APEGO EM CIRCUITOS NEUROQUÍMICOS As duas amigas da faculdade, que por vezes aparecem em nosso estudo, se reuniram para estudar para uma prova de Neuropsicologia. Na casa de Helena, num pequeno intervalo para o café, Célia passou a fazer confidências de sua experiência amorosa com Nestor, até que a amiga disse: — O que você acha de ligar a sua história ao que estamos aprendendo no curso? — Como assim, Helena? — Você já está há algum tempo namorando o Nestor, lembro como tudo isso iniciou. Aí tem circuitos neurais, tem neurotransmissores, tem cérebro. Vamos reconstruir um pouco da sua história por este caminho? Quais as etapas deste circuito? — Quatro ou cinco. — Não, Célia, deve haver mais! — Sim, claro, mas estou me referindo ao início de tudo no meu caso, claro. Celia rememorou o momento em que se interessou por Nestor. Eles já se conheciam da faculdade, mas não tinham proximidade. Um dia em que foi caminhar no Parque Barigui, reparou em Nestor correndo. Ele vestia uma camiseta preta t-shirt running com lateral e manga estampados em azul claro. Nunca o vira daquele jeito, charmoso, olhos no horizonte, peito se alargando nas passadas, braços a se mexer graciosamente. Ficou admirando a corrida até ele se perder ao longe. — Aquela visão produziu dopamina no meu cérebro, que me levou a vir ao parque durante a semana mais três vezes no mesmo horário até vê-lo de novo. A atração que uma pessoa sente por outra envolve paixão, motivação e prazer, estados ativadores de estruturas num circuito cerebral vinculado à 14 recompensa em ações repetitivas que a aproximem do alvo da atração. Quando voltou ao parque no outro dia e reparou Nestor, Célia voltou a sentir o efeito da dopamina. Dali para frente, o córtex pré-frontal (CPF), o núcleo accumbens (NA) e a área tegmental ventral (ATV) viriam a ser ativados. No início de tudo, disse ela, a sensação de prazer ativa a produção de neurotransmissores (neste caso, a dopamina), desencadeando o sistema de recompensa. Célia “deu um jeito” de se mostrar visualmente e Nestor parou a fim de cumprimentá-la, o que lhe provocou uma situação interna típica àqueles momentos em que os níveis de dopamina no NA do cérebro aumentam pela projeção de neurônios que viajam na via mesolímbica por meio da ATV. Quando começou a conversar com Nestor, Célia vivenciou em seu cérebro movimentos neurais que levaram a informação ao CPF, que a fez pensar se não estava se oferecendo, se ele estava sendo gentil, se valia ou não valia a pena ter buscado encontrá-lo. Neste ponto, lembrou de alguns olhares trocados na faculdade, em alguém que com ele se encontrou, em trabalhos que ele apresentou, ao mesmo tempo que olhava seu porte físico, seu sorriso cúmplice. Isso tudo movimentava seu cérebro sobre o passo seguinte. As mensagens chegadas ao CPF são trabalhadas na atenção, memória, motivação e planejamento de ação. Neste processo de modulação, o cérebro prepara-se para colocar o lado racional frente ao lado emocional. À medida que avançou no bate-papo, Célia pensou: “será que eu quero estar com ele?”. “Será que eu já gostava dele antes sem me dar conta?” Neste momento — disse a Helena —, é quando o córtex pré-frontal desfila suas razões e a área tegmental ventral expõe suas emoções. A conversa se estendeu. Ele pareceu até esquecer que a corrida fora interrompida e por um momento colocou a mão nos ombros de Célia. Nesse instante, ela sentiu o pulso acelerar, a respiração mudar e as bochechas a esquentar (o que estava acontecendo?). Célia, não falou numa quinta etapa, apenas disse que no seu caso a emoção do amor venceu, o que levou Helena a perguntar: — Mas, e aquilo que aconteceu em setembro passado, que você teve uma crise de ciúme, disse que iria acabar o namoro e coisa e tal? — Menina, aquilo foi quando eu inventei de achar que estava muito gorda e resolvi fazer uma dieta. Naqueles dias, passei mal, fui ao médico e ele me disse que eu estava carente de vitamina B. Fui ao psicólogo, ao neurologista e me disseram que provavelmente eu estava com problemas de serotonina. 15 — Sei, aí você tomou fluoxetina? — Negativo. Basicamente, decidi mudar meus hábitos, passei a comer alimentos ricos em triptofano (aquela substância que produz serotonina) na minha alimentação, passei a caminhar mais vezes no parque. Depois disso, sabe o que aconteceu? Diminuiu minha irritabilidade, a insônia, os problemas gastrointestinais e entendi que meus ciúmes do Nestor era uma coisa minha, boba. Na verdade, amiga, o curso que estamos fazendo na faculdade me ajudou nisso. Quando pensei nisso nesse assunto, lembrei de alguns livros que nós lemos falando sobre a diminuição de neurotransmissores nas fendas sinápticas, coisa que acontecia comigo. Célia se referia a coisas do tipo neurônios não produzirem o suficiente de um neurotransmissor específico, desativação por enzima, reabsorção muito rápida e, no seu caso, pelo que entendeu do que ouviu dos profissionais, era a falta da serotonina. Em determinadas situações em que as pessoas não denotam bem-estar, elas podem estar carentes deste neurotransmissor. Isso pode estar relacionado ao que Fernandes (2016) explica quando fala em desequilíbrio químico de serotonina: pouca presença de serotoninanas lacunas sinápticas, fazendo com que as vias serotonérgicas no cérebro fiquem: <hipoativas. — Célia, você e o Nestor estão namorando há um ano e meio, e em um ano nos formamos. Você pensa em alguma coisa séria? Ainda está loucamente apaixonada por ele? — Olha, a minha dopamina não está mais disparando. Isso não significa que nós nos desapaixonamos, mas que temos que seguir em frente. Ao que tudo indica, vamos nos casar, sim, no momento certo. No início, era aquela atração física; hoje, eu gosto dele como um todo. Existe um amor companheiro na nossa relação. Você sabe que se uma pessoa ficar só dominada pela dopamina, ela não fica satisfeita por muito tempo, existem os outros neurotransmissores. Eu acho que a ocitocina entrou em campo; acredito que ela me ajuda a reduzir a ansiedade, me dá confiança, me ajuda a ter conexões com pessoas como você. Minha recaptação está ok, acredito. — É verdade. Esta coisa de reabsorção do neurotransmissor é que nos equilibra. Se um neurotransmissor é reabsorvido por um neurônio a seguir à transmissão de um impulso nervoso, isso previne atividades prolongadas dele sobre seus receptores e enfraquece seus efeitos. E sobre a ocitocina, eu a sinto em mim. Não tenho namorado, nem projeto, mas amo minha família. 16 Produzida pelo hipotálamo, como a dopamina, a ocitocina está vinculada ao apego, sendo frequentemente apelidada de hormônio do abraço. A literatura é pródiga em dizer que a ocitocina ajuda a construir conexões, formando laços sociais que com a sua forte presença proporciona bem-estar. Para Brenan (2021), a falta de conexão é uma forma de estresse que faz com que o corpo libere ocitocina e o envie à procura de interação com outras pessoas. 17 REFERÊNCIAS BRENAN, D. What to Know About Oxytocin Hormone. 11 jun. 2021. Disponível em: <https://www.webmd.com/sex-relationships/what-to-know-about-oxytocin>. Acesso em: 21 abr. 2022. EAGLEMAN, D. Cérebro, uma biografia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. Edição do Kindle. FERNANDES, E. V. Cérebro e emoções nas aprendizagens e nos comportamentos positivos. Unknown, [S.l.], 2016. Edição do Kindle. GAMBARINI, M. Come la curiosità facilita l'apprendimento. Le Scienze, 2014. Disponível em: <https://www.lescienze.it/news/2014/10/02/news/curiosit_apprendimento_cervell o_ippocampo-2314688/>. Acesso em: 20 abr. 2022. GAZZANIGA, M. S.; HEATHERTON, T. F. 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