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Livro Figueira Cap 2 - 2.1 Análise de política externa: as diferentes tradições interpretativas Para essas novas abordagens, o interesse nacional deve ser considerado um vetor resultante, flexível, mutável e fragmentado. Antes as abordagens trabalhavam o interesse nacional como elemento totalizante e unívoco personificado na figura do chefe de Estado; já as teorias que buscam desvendar a dinâmica interativa entre os atores domésticos e internacionais desconstroem essa posição, trabalhando o interesse nacional como resultante de múltiplos interesses particulares em conflito. Hill diz que os estudos da política externa devem integrar os ambientes domésticos e internacionais. O processo decisório de política externa é um complexo jogo de interação entre os diferentes atores. Três grandes estudos marcaram as primeiras tentativas de sistematização da análise da política externa, com bases conceituais e metodológicas. Sendo eles: ROSENAU: sua obra influenciou o surgimento de uma tradição teórica na análise da política externa: a política externa comparativa. Rosenau tem forte influência behavorista, sua marca é a busca pela identificação de tendências centrais em padrões de comportamentos externos e na diferenciação das escolhas do Estado, tendo como base algumas variáveis quantitativas: nível de desenvolvimento econômico do país, processo histórico, características institucionais, tipo de sociedade, estruturas de governos, sistema internacional, entre outras, assim estabelecendo inferências e possíveis generalização aplicadas à análise da relação entre as nações e do comportamento do Estado em âmbito internacional. Essa tradição foi criticada por sua excessiva quantificação de uma realidade complexa que envolve dinâmicas que não podem ser aferidas pela matemática e estatística; como: percepção dos agentes, não atribuir significativa importância à inter-relação dinâmica entre os ambientes domésticos e internacional e a participação de atores não estatais nesses processos. Por conta das deficiências atribuídas à tradição da política externa comparada; já a segunda geração de análise visa romper essas estritas parametrização matemática e com a positivação extremada dos comportamentos e das preferências estatais que caracterizam a geração anterior. A proposta direciona-se a criar instrumentos de análise que abarcam a multifatoriedade, a interdisciplinaridade, a compreensão dos elementos centrais e as correlações entre determinantes internos e externos. SNYDER, BRUKE E SAPEN: os pensadores utilizaram como atores específicos ou variáveis centrais: o indivíduo, as burocracias, os grupos de interesse a interação entre os poderes Legislativos e executivo, as instituições políticas, as regras decisórias, cada grupo de pesquisadores examinou um desses elementos. Essa geração destaca ainda que, que antes de se compreender as decisões e ações de política externa dos Estados, há a necessidade de entender o dinâmico processo com múltiplos atores e níveis de análise, e reconhecem que diferentes escolhas podem ser feitas em cenários semelhantes. Soma-se a isso, elementos da obra de HAROLD e MARGARET SPROUT; Essa tradição é influenciada amplamente pelas teorias pós-positivistas, que analisam o ser humano levando em conta sua natureza sociológica e não econômica, partindo da premissa de que a mente de um formulador e decisor não é uma tábua rasa, pois carrega ideologia, cultura, emoções, entre outros aspectos cognitivos e sociais que influenciam na forma de reconhecer o problema; essa tradição também é conhecida como foreign policy context. ARTHUR STEIN; a escolha de determinadas variáveis em detrimento de outras demonstra a diversidade inclusive das opções de acadêmicos em sua consideração sobre quais elementos são mais explicativos para a compreensão de determinados fatos sociais. 2.2 - O CARÁTER “INTERMÉSTICO” DA POLÍTICA EXTERNA A interação entre os ambientes doméstico e internacional na compreensão da política externa foi sistematizada e teorizada de forma precursora por ROBERT PUTNAM. Nessa análise o autor busca elementos-chaves para a explicação de como os negociadores internacionais jogam nas duas arenas (doméstica e internacional), tentando garantir e responder de forma equilibrada aos interesses dos atores domésticos ao mesmo tempo que têm de lidar com os constrangimentos e incentivos gerados pelo sistema internacional. Conhecida como o modelo o “jogo de dois níveis”, a tese de Putnam, tenta compreender o complexo jogo que envolve as negociações internacionais, apresenta variáveis a serem consideradas para avaliação dos dois níveis: no nível dois (plano interno): as preferências dos jogadores, as coalizões domésticas e as instituições ganham destaque; no nível um (plano externo): a relevância central é atribuída à estratégia e barganha dos negociadores no sistema internacional. O tamanho do wind-set, assim denominada pelo autor a estrutura de ganhos esperados pelos interlocutores domésticos durante processo de negociação de acordos internacionais, depende da distribuição de poder, das preferências, dos atores e das possíveis coalizões entre os constituintes no nível dois. As coalizões domésticas reforçam a posição do negociador em âmbito internacional, tornando o acordo mais vantajoso. Mas há situações em que acontecimentos internacionais podem influenciar de maneira significativa a alteração das preferências internas, denominadas como linkages cinergéticos. Ressalta-se que não há sobreposição de um nível ao outro, ambos influenciam e são influenciados mutuamente. Putnam também incorpora em sua análise atores antes desconsiderados em assuntos internacionais; atores estatais (burocracias e Poder Legislativo) e não estatais (ONGs, grupos de interesses, opinião pública) na participação e na influências sobre os processos decisórios de política externa, considerando o caráter “interméstico” dessas questões. As preferências dos países manifestas nas negociações internacionais não apenas consideram a interação com as demais unidades no sistema internacional, mas também as preferências manifestas internamente, sendo a estas conjugadas por diversos atores e estruturas. LISA MARTIN analisa elementos sobre a participação do Poder Legislativo em política externa, destacando sua relevância como ator capaz de atribuir mais credibilidade aos acordos de cooperação internacional assinados pelo país em âmbito internacional. Na perspectiva de Lisa, à medida que os Estados se tornam cada vez mais interdependentes, a credibilidade assume importância cada vez maior e consequentemente, o Poder Legislativo passa a ser considerado um ator primordial no estabelecimento de cooperação entre os Estados. Em sua tese, quanto maior a participação do parlamento no processo decisório, maior a confiança que os outros Estados depositam no país para estabelecimento de acordos, já que decisões tomadas pelo governo, com aprovação do Legislativo, demonstram ter sido fruto de debates domésticos nas instâncias democráticas; a participação legislativa institucionalizada na cooperação aumenta a credibilidade dos compromissos internacionais do Estado. No entanto, em situações de divergências de interesses entre os poderes, o Legislativo aciona seus mecanismos para influenciar no processo de tomada de decisão. A tese de HELEN MILNER destaca a importância entre os poderes (Legislativo e Executivo) para definição de política externa. Mas incorpora um terceiro ator em seu modelo de análise de base triangular (os grupos de interesse). Modelo formado pelo Executivo Nacional, Poder Legislativo e pelos grupos de interesse domésticos, a interação entre os atores é permeada por variáveis: instituições políticas, preferências dos atores domésticos e distribuição da informação. Pressuposto-chave da tese é a teoria das escolhas racionais, significa que as preferências dos atores políticos estão em função dos cálculos eleitorais, já os grupos sociais são das consequências distributivas da ação política em âmbito internacional. Outras duas variáveissão utilizadas como base explicativa, sendo: as instituições políticas domésticas e a distribuição de informações; Na primeira se busca identificar como sistemas políticos e eleitorais influenciam na diferenciação da participação desses atores em assuntos de política externa, pois quanto maior o número de atores com capacidade de veto no sistema, maior dificuldade de negociação. Na distribuição de informação, se dá um importante papel aos grupos de interesses, responsáveis pela geração de informações técnicas ao Poder Legislativo, para que o mesmo participe de modo mais assertivo de matérias internacionais, promovendo equilíbrio de dados e informações entre os poderes (poder executivo detém as informações técnicas e privilegiadas, gerando desequilíbrio informacional entre os poderes. A participação dos grupos sociais é importante por isso, pois para promoverem seus interesses em âmbito internacional, buscam influenciar o Poder Legislativo, atribuindo informações técnicas e minuciosas sobre assuntos que estão sendo tratados em processos negociadores internacionais; gerando distribuição de informação favoráveis à poliarquia. Cap 3 - 3.1