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Cuide do seu cérebro - Álvaro Bilbao

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Prévia do material em texto

Para o Diego, a Leire e a Lucía. Os melhores �lhos com que um pai
pode sonhar.
 
«Os homens e as mulheres perdem a saúde para juntar dinheiro e
depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde; e por pensarem
ansiosamente no futuro esquecem o presente, de tal forma que acabam
por não viver nem o presente nem o futuro, vivem como se nunca
fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido.»
 
G�����
 
 
Antes de mais quero agradecer aos meus pais, José María e Begoña, por
me terem enchido o cérebro de responsabilidade e de oportunidades, mas
sobretudo de carinho. Aos meus avós, Carmen, José Luis, Rosario e Rafael,
por me terem dado amor e uma perspectiva ampla do cuidado do cérebro.
À minha mulher, porque é  simplesmente maravilhosa e porque é graças à
sua generosidade e apoio que este e tantos outros projectos podem seguir
em frente. A Jordi Nadal e a toda a equipa da Plataforma Editorial por me
proporcionarem a sua plataforma e me darem todo o seu apoio e
pro�ssionalismo. Em último lugar, e muito especialmente, a todos os
pacientes que me deixaram avaliar o seu cérebro e ajudá-los a optimizar o
seu funcionamento. Ensinaram-me e deram-me muito mais do que eu
alguma vez lhes poderei retribuir.
 
Introdução
«A principal função do corpo é transportar o cérebro.»
 
T����� E�����
 
 
O seu cérebro é o órgão mais valioso que tem. Nele encontra-se o seu
primeiro beijo, o sorriso da sua mãe quando regressava a casa da escola ou a
sensação de pegar no seu �lho ao colo pela primeira vez. O seu cérebro
permite-lhe respirar, faz que o seu coração bata, ouça as suas canções
preferidas e permite que os seus olhos possam ver o maravilhoso mundo
que o rodeia e, no entanto, é muito mais do que um órgão que lhe permite
viver e sobreviver. O seu cérebro fala por si, apresenta-o ao mundo como
quer ser conhecido, alberga as suas recordações mais ternas, esconde os
seus segredos mais íntimos, elabora os seus desejos e persegue as metas que
lhe permitem ser feliz. O seu cérebro é tão especial que é o único órgão que
nunca poderá ser transplantado, porque no momento em que pusessem
outro cérebro no seu corpo deixaria de ser você para passar a ser a pessoa
que o doou. É que o cérebro somos nós.
A in�nidade de mistérios que se escondem por trás das suas
intermináveis rugas, tais como a sua capacidade de cura, o conhecimento
da nossa própria existência, o amor ou o segredo da felicidade, junto com a
sua enorme complexidade, fazem que seja um tema de estudo fascinante.
Hoje em dia o conhecimento sobre o  funcionamento do cérebro está
presente na vida quotidiana. Na verdade, vivemos um verdadeiro boom da
neurociência favorecido pelo facto de as descobertas produzidas neste
campo terem encontrado uma aplicabilidade prática em âmbitos como o
marketing, a empresa, a economia ou a própria saúde. Mas julgo que
a verdadeira razão pela qual o cérebro seduziu tantos cientistas e despertou
um enorme interesse na sociedade nos últimos anos é o facto de o nosso
cérebro nos de�nir como pessoas. Neste sentido, cada nova descoberta
promete ser mais uma peça para resolver o difícil puzzle da felicidade.
Provavelmente você, tal como muitas outras pessoas, tem o desejo de que
nas novas descobertas sobre o seu funcionamento se encontre o segredo
para ser um bocadinho mais feliz.
Porém, apesar da importância que de todos os âmbitos concedemos ao
cérebro e de que os conhecimentos da pessoa comum sobre o que nos pode
oferecer sejam cada vez mais amplos, sabemos muito pouco sobre o que o
nosso cérebro precisa da nossa parte. A verdade é que só há poucos anos
começámos a compreender bem o que fazia que um cérebro se conservasse
em boas condições. O  motivo é simples; o cérebro é um órgão muito
resistente que mantém um elevado nível de funcionamento durante muitos
anos quase sem manutenção. Desde o início dos tempos passou quase
despercebido graças ao seu impecável funcionamento e à sua resistência às
doenças. No entanto, hoje em dia, mais do que em qualquer outra época, a
longevidade do ser humano e as rápidas mudanças nas quais a  sociedade
tecnológica nos mergulhou estão a pôr o nosso cérebro à prova.
O avanço da medicina durante o século passado permitiu prolongar a
esperança de vida em quase trinta anos. Algumas doenças potencialmente
mortais foram erradicadas por completo e outras têm hoje em dia um
tratamento simples. Esta realidade fez que cresça o número de pessoas
idosas e, ao mesmo tempo, que a esperança de vida também aumente. A
conquista de uma vida longa levou-nos a  depararmo-nos com o difícil
desa�o de encher esses anos de vida. Paralelamente, o imparável
desenvolvimento tecnológico fez que tenhamos uma vida mais segura e
confortável, cheia de comodidades, embora muito mais stressante
e solitária, na qual os valores do dinheiro, do imediatismo e da comodidade
substituíram outros tradicionais como a família, a  constância ou a
amabilidade. Tudo isto nos situou perante dois desa�os que terá de
enfrentar ao longo da sua vida. Em primeiro lugar, conservar o seu cérebro
numas condições que lhe permitam resistir ao embate do tempo e das
doenças. Em segundo lugar, procurar a plenitude ao longo de uma vida
mais longa e cheia de desa�os.
É no cuidado do cérebro que está a possibilidade de desfrutar da sua
memória, da sua alegria ou do seu bem-estar físico, agora e durante mais
tempo. A importância do cuidado do cérebro é tal que alguns países
iniciaram campanhas nacionais de saúde cerebral ou planos estratégicos
para prevenir o Alzheimer e a demência entre a terceira-idade. Os dados de
prevenção que estamos a descobrir com cada nova publicação cientí�ca
deixam-nos uma mensagem clara: uma grande parte das doenças do
cérebro podem ser evitadas e em quase todas as restantes os sintomas
podem ser atenuados ou atrasados. No entanto, para consegui-lo, a
sociedade deve abandonar a percepção de que pouco ou nada se pode fazer
para evitar estas patologias e ter um papel activo na sua prevenção. Neste
sentido, enquanto quase todos os olhares se centram na indústria
farmacêutica, os maiores especialistas na área da prevenção da deterioração
cognitiva e na luta contra as perturbações como o Alzheimer, a depressão
ou as doenças vasculares cerebrais estão de acordo em sublinhar que o
segredo do êxito se encontra na sua capacidade para ter um estilo de vida
saudável para o seu cérebro. Não precisa de se submeter a uma terapia
genética ou a uma pequena cirurgia ou li�ing cerebral. Na verdade, nada
disso pode ajudar. Embora os fármacos possam dar uma ajuda signi�cativa
no futuro e se fale até de vacinas contra o Alzheimer, os especialistas
garantem que o seu potencial terapêutico estará muito ligado ao grau de
cuidado que tenhamos tido com o nosso cérebro durante a vida. Por esta
altura, com os conhecimentos de que dispomos, seria ilusório pensar que é
possível compensar uma vida de sedentarismo físico e mental no �nal dos
seus dias graças a uma receita milagrosa.
O caminho mais e�caz para atenuar a deterioração intelectual e prevenir
doenças associadas ao envelhecimento é desenvolver um estilo de vida
saudável para o seu cérebro. De seguida, vai �car a conhecer os benefícios
de potenciar a saúde do seu cérebro e as chaves para o conseguir. Vai
descobrir como alguns alimentos, exercícios e hábitos diários podem desde
já ajudá-lo a proteger os seus neurónios e a melhorar a sua qualidade de
vida. Vai ver que consegue.
1
Os perigos para o seu cérebro
«A morte não é a nossa maior perda. A nossa maior perda é o que
morre dentro de nós.»
 
N����� C������
 
 
Hoje de manhã uma notícia destacava-se no jornal por cima das
manchetes de economia e política. É algo pouco habitual, mas a  notícia
merece todo o protagonismo. Dizia o seguinte: «Dentro de quarenta anos
os casos de Alzheimer terão triplicado.»
Não o quero assustar. Quero que este livro transmita uma mensagem
positiva e que seja um compêndio de bons hábitos que o ajudem a ser mais
feliz durante mais tempo. Porém, neste capítulo, e apenas neste capítulo,
vou dedicar-mea apresentar-lhe a realidade tal como é. Nós, psicólogos,
sabemos que um dos motores da motivação é conhecer a sua situação
actual, com todas as suas implicações e riscos, para, desta forma, poder
valorizar, com responsabilidade, os benefícios de uma possível mudança.
A manchete com a qual iniciámos este capítulo descreve as conclusões de
uma investigação publicada na revista Neurology, uma das mais prestigiadas
no âmbito do estudo do cérebro. São muitos os investigadores que andam
há anos a alertar para a importância de deter o problema das doenças
cerebrais associadas ao envelhecimento. A verdade é que a esperança de
vida está a aumentar. Se num país como a Espanha há neste momento cerca
de 8 milhões de pessoas com mais de 60 anos, em apenas 35 anos seremos
16 milhões. O dobro. Basta este dado para qualquer pessoa se aperceber de
que os casos de Alzheimer ou de outras doenças associadas à velhice
também serão o dobro.
Como se não bastasse, a esperança de vida aumentou nada mais nada
menos do que três anos na última década. Só na última década. Em
comparação com as duas gerações anteriores, a sua esperança de vida
aumentou 15 anos. Se o seu avô viveu 75 anos é muito provável que você
viva 90 anos. E por cada ano que cresce a sua esperança de vida, aumenta
também o risco de o seu cérebro ter alguma doença. São muitas as
perturbações que podem atacar o seu cérebro. A maior parte não lhe diz
nada, deve ter ouvido falar de algumas e outras conhece bem e até esteve
perto de alguém que as sofreu. Alzheimer, Parkinson, tumores cerebrais e
AVC são as mais familiares, mas existem outros tipos de demências que
podem apanhá-lo de surpresa.
Provavelmente, de entre todas elas o Alzheimer é a que mais o  preocupa.
Não é de estranhar que assim seja. Está muito presente nos meios de
comunicação e provavelmente também na sua família ou na família de
algum dos seus amigos e colegas de trabalho mais próximos. É um
verdadeiro alarme social e económico, já que são muitas as pessoas
afectadas e a precisarem de muita ajuda durante cerca dos dez anos que a
doença dura. Há mais mulheres com Alzheimer do que homens (quase o
dobro) porque têm um pouco mais de vulnerabilidade genética à doença,
mas sobretudo porque vivem mais anos. Contudo, se pensa chegar aos 80
anos (e acredite quando lhe digo que tem muitas possibilidades de passar
dos 80  anos, e inclusivamente dos 90), é indiferente se é homem
ou mulher. Em dados gerais, cerca de 20 por cento dos maiores de 80 anos
desenvolvem uma demência tipo Alzheimer. Ou seja, quando for mais
velho, há 20 por cento de probabilidades de ter Alzheimer. Porém, se a
esperança de vida continuar a aumentar e os avanços médicos continuarem
o seu curso, é possível que as suas probabilidades de  sofrer de Alzheimer
estejam em cerca de 25 por cento, simplesmente porque viverá mais anos. A
esta realidade é   preciso acrescentar que, de acordo com as novas
descobertas, muitos dos hábitos de vida actuais são pouco bené�cos para o
seu cérebro, pelo que é possível que, se não começar rapidamente a cuidar
dele, quando chegar à idade do seu avô a probabilidade de sofrer de
Alzheimer será mais elevada do que a dele.
Se tem menos de 60 anos, é provável que pense que o abismo da mais
devastadora perda de memória está muito longe. Sim, de facto, ainda tem
toda a vida pela frente. Mas todos esses anos que o separam da doença não
tornam o seu futuro menos real. Com os dados que temos hoje em dia, as
suas probabilidades de sofrer de Alzheimer são tantas como as de que a sua
data de nascimento, do  número do cartão do cidadão ou de telefone
terminem em 3, 6 ou 9. Calhou-lhe a si? A alguém próximo de si?
Se teve a desgraça de ter estado perante o Alzheimer, deve saber que é
uma situação aterradora. Talvez tenha conhecido o seu avô com Alzheimer
quando era muito pequeno, mas é provável que não se lembre dele com a
vivacidade no olhar que tinha quando era novo e não terá �cado muito
impressionado. Se viu a sua mãe ou o seu pai, ou conheceu alguém que
posteriormente desenvolveu a doença, percebe bem o que estou a dizer. O
Alzheimer é uma das doenças mais cruéis que há para o paciente e a sua
família. O cérebro vai desaparecendo dia após dia, levando consigo as
recordações, os projectos e, por �m, a identidade da pessoa.
Vamos fazer um pequeno exercício. Escreva num papel dez coisas que o
identi�cam como pessoa ou o façam sentir-se bem. Pode incluir ser mãe ou
pai, a sua pro�ssão, os seus hobbies, os seus amigos, um restaurante ao qual
gosta muito de ir, um lugar ao qual gosta de voltar quando tem
oportunidade ou um cantor que gosta de ouvir. Imagine que lhe arrebatam
tudo isso, o levam para um apartamento partilhado, estranho e pouco
acolhedor e não conhece ninguém no mundo. Talvez o seu marido ou os
seus �lhos cuidem de si na sua própria casa, mas se algum dia sofrer de
Alzheimer provavelmente sentir-se-á de forma parecida à que acabo de
descrever. Perdido de si.
Apesar de o Alzheimer ser a doença mais temida por todos, há outra
ameaça maior para o seu cérebro. É a primeira causa de morte nas
mulheres, superior ao cancro, a segunda causa de morte nos homens, e
tanto nuns como noutros a primeira causa de incapacidade. Apesar da sua
enorme prevalência, é um grande desconhecido. Provavelmente, o
«despiste» social no que se refere a esta ameaça para o seu cérebro se deva
ao facto de ter muitos nomes. Pode conhecê-lo como enfarte cerebral,
apoplexia, derrame cerebral, aneurisma, acidente vascular cerebral ou AVC.
Embora cada um destes termos tenha uma razão de ser do ponto de vista
médico, todos se referem a uma interrupção brusca da irrigação sanguínea
para uma região do cérebro. Essa região do cérebro acaba por morrer, e se
não se agir a tempo é muito possível que a pessoa também morra. A não ser
que se faça alguma coisa para o remediar, um de cada três leitores terá
um AVC ao longo da sua vida e, ao contrário do Alzheimer, a
probabilidade de ter um AVC enquanto é jovem (antes dos 55) é elevada.
São muitas as pessoas que falecem por ano devido a um AVC, mas muitas
mais as que �cam com sequelas permanentes. No meu trabalho posso ver
dia após dia pessoas jovens, entre 16 e 50 anos, que tiveram um AVC e
perderam a capacidade de falar, escrever, ler, orientar-se, mexer um braço
ou caminhar. Embora façamos um grande trabalho com estes pacientes, a
maioria não volta a trabalhar ou a conduzir e muitos precisam de alguém
que cuide deles durante toda a vida.
É importante que saiba que a maior parte das pessoas que tiveram um
AVC manifestaram os mesmos sintomas num primeiro momento. Sentiram
debilidade e falta de sensibilidade num lado do corpo (na  perna e
sobretudo no braço e na cara) e apresentaram di�culdades para falar (não
conseguiam articular ou diziam coisas sem sentido). Perante estes sintomas,
é crucial que você ou um familiar chame uma ambulância e diga: «Acho
que estou a ter um AVC.» Não deve tomar nada: nem aspirinas, nem Coca-
Cola. O  mais importante é que ligue, porque se for atendido durante a
primeira hora a  probabilidade de ter sequelas é muito menor do que se
esperar umas horas para ver como a situação evolui. Conheço várias pessoas
que perderam um ser querido porque simplesmente não dispunham desta
informação. Transmita-a a todas as pessoas que conhece. Se este livro
ajudar uma única pessoa a identi�car estes sintomas e a pedir ajuda a
tempo, tenho a certeza de que eu e o meu editor estaremos mais do que
satisfeitos.
Entre os pacientes que têm um AVC encontramos pessoas de todas as
classes sociais, pro�ssões e idades. Abundam as que fumam e têm um
elevado nível de stress, excesso de peso, colesterol ou açúcar no sangue. De
facto, se tiver dois destes factores de risco antes dos 40, a probabilidade de
ter um AVC antes dos 80 anos é de 50 por cento. Se tiver mais de dois, a
probabilidade de sofrê-lo aumenta tão depressa como se aproxima a idade
na qual o pode sofrer. Muitas sentem-se indefesas perante esta informação,
como se os dados estivessem lançados, quando são factoresde risco
controláveis. Na verdade, há muita coisa que pode fazer para prevenir um
AVC.
De certeza que já está bastante assustado e por isso não vou aprofundar
mais o campo das doenças neurológicas, embora deva saber que há cada
vez mais casos de Parkinson e outros tipos de doenças neurodegenerativas.
É inevitável. Tornamo-nos mais velhos e  o  cérebro �ca mais vulnerável a
possíveis ataques. No entanto, não quero terminar este capítulo sem lhe
falar das outras grandes ameaças para o seu cérebro.
Em medicina existe uma separação das perturbações do cérebro entre
aquelas que são tratadas pelos neurologistas e as que são tratadas pelos
psiquiatras. É muito difícil para mim dar-lhe uma explicação clara de onde
se traça a linha entre o campo neurológico e o psiquiátrico porque
simplesmente não há. Em geral, o psiquiatra centra-se mais nas alterações
do ânimo, e é para estas doenças e perturbações que o quero alertar.
Nos últimos anos tem-se vindo a observar um aumento da presença de
alterações de humor. Hoje, há mais crianças submetidas a  tratamento
psiquiátrico do que em qualquer outra altura. Os casos de dé�ce de
atenção, depressão infantil ou juvenil, anorexia ou bulimia são alarmantes e
inadmissíveis numa sociedade que se preocupa com os seus �lhos.
Paralelamente, nos adultos a depressão, o stress e as perturbações de
ansiedade estão na ordem do dia, e o mais preocupante é que a sociedade
convive com eles com resignação e até indolência. Parece tão normal que o
nosso companheiro tome medicação para a depressão como nós chegarmos
às dez da noite, com demasiado trabalho para lhe dedicar uma hora a ouvir
como foi o seu dia. Simplesmente são coisas normais. Há cerca de 15 anos
ouvi uma conferência brilhante, possivelmente do psicólogo vivo mais
in�uente na psicologia moderna. Martin Seligman, pai da psicologia
positiva, apresentou naquele dia os dados de que lhe acabo de falar. Estava
francamente horrorizado, tanto com a elevadíssima prevalência de
perturbações de humor como com a tolerância que encontrava na
sociedade. Segundo apontavam as suas hipóteses, que pouco a pouco se
foram demonstrando, a vida moderna, cheia de bem-estar e até de luxos,
está a tornar o nosso cérebro menos resistente à frustração, menos grato
quanto ao que temos, mais stressado e mais sozinho do que em qualquer
outra época da humanidade. De�nitivamente, temos iPads, iClouds,
iPhones, mas menos iDeia do que é realmente iMportante e somos
menos felizes do que há uns anos.
De seguida vamos percorrer juntos os segredos do cuidado do  cérebro.
Como poderá veri�car, o caminho para um cérebro saudável é o caminho
de uma vida mais longa para o seu cérebro, mas também é o caminho de
um maior bem-estar emocional. Quando cuida do seu cérebro protege os
seus neurónios, mas também melhora a sua vida.
2
Sabe cuidar do seu cérebro?
«O cérebro não é um copo por encher, mas sim uma lâmpada por
iluminar.»
 
P�������
 
 
Apesar do fascínio que o cérebro desperta, temos muito pouca consciência
das suas necessidades e do seu cuidado. Tenho a certeza de que desde
pequeno lhe ensinaram a lavar os dentes três vezes por dia e a lavar as mãos
com água e sabonete. Os hábitos de higiene estão bem integrados na
sociedade, já que são essenciais para prevenir infecções. Para além disso, ter
uma bonita dentadura e uma pele lisa ajudá-lo-á a dar uma boa imagem e
a ter mais con�ança em si próprio. Hoje em dia é impensável que uma
pessoa não use sabonete diariamente. É difícil imaginar como poderia
passar sem a sua escova de dentes durante um �m-de-semana. No entanto,
e apesar da importância que o cérebro tem na sua vida, provavelmente sabe
pouco sobre como cuidar dele. Há pouco tempo um inquérito revelou que
só 8 por cento da população considerava que sabia como cuidar do seu
cérebro. Noventa e dois por cento referiram saber pouco ou nada sobre o
assunto.
A verdade é que são dados alarmantes. Existe uma in�nidade de doenças
que podem afectar o cérebro, todos os dias a população envelhece mais e,
porém, não sabemos cuidar do nosso órgão mais valioso. A importância do
cuidado do cérebro também está na sua longevidade. Enquanto as células
do resto dos órgãos do seu corpo se renovam de uma maneira constante
em curtos períodos de tempo, que vão desde as duas semanas para as
células que cobrem o estômago até aos 15 anos que podem viver algumas
células musculares, os seus neurónios acompanhá-lo-ão toda a vida.
Embora estudos recentes tenham demonstrado o aparecimento de novos
neurónios depois da adolescência, a verdade é que os neurónios que lhe
permitem ler e entender este texto agora são os mesmos que o  farão
quando tiver 60, 70 ou 100 anos. Bem vistas as coisas, parece mais do que
sensato ter no mínimo o mesmo cuidado com as  células que nos
acompanharão toda a vida que com as que se renovam periodicamente,
mais ainda tendo em conta a importantíssima missão que lhes foi atribuída:
preservar a sua identidade e desenvolver todo o seu potencial.
Os neurónios são as células mais resistentes do seu corpo. Parece incrível
que umas estruturas microscópicas possam viver até aos 100 anos, e porém
fazem-no. Graças a essa perdurabilidade pode ter consciência de si próprio
e reconhecer-se tanto numa imagem de quando tinha 2 anos como numa
da semana passada. As células que formavam o seu corpo quando era
criança terão sido substituídas por células novas, excepto os seus neurónios,
graças aos quais, embora o seu corpo seja diferente, você vai continuar a ser
você. No entanto, na perdurabilidade das células do cérebro está também a
sua fragilidade. Apesar da sua extraordinária resistência, a passagem do
tempo pode prejudicar a sua estrutura e funcionamento; como toda a gente
sabe, a probabilidade de sofrer de demência ou de outra perturbação
neurológica aumenta à medida que envelhece. Com o aumento da
esperança de vida, as estatísticas de que dispomos hoje calculam que quase
40 por cento das pessoas desenvolverá algum tipo de doença cerebral grave
se não �zer nada para o evitar. Para além da prevenção de perturbações
neurológicas, um cérebro bem cuidado pode ajudá-lo a ser mais feliz.
Cuidar do seu cérebro é muito mais importante do que cuidar da sua pele.
Uma pele hidratada pode fazê-lo sentir-se mais atraente e seguro, mas um
cérebro saudável vai dar-lhe con�ança, agilidade mental, uma memória
resistente e vai transmitir aos outros que tem um bom nível de energia e
uma atitude positiva.
A mensagem da saúde cerebral é uma mensagem poderosa. Durante os
últimos quatro anos pude veri�car o efeito que tem nos que vêm ouvir as
minhas palestras e conferências sobre o cuidado do cérebro e da memória.
Ando há muitos anos a dar palestras e  conferências para pro�ssionais, e
devo dizer que nunca tive uma audiência tão dedicada como a das pessoas
que se sentam a ouvir a  mensagem que lhe vou transmitir neste livro.
Provavelmente o aspecto mais positivo de divulgar esta mensagem é receber
notícias de pessoas que decidiram apostar na saúde do cérebro. Algumas
escreveram-me para me dizerem que, depois de muitos anos sem fazer
nada, começaram um plano de exercício cardiovascular. Outras decidem
introduzir alimentos «neurossaudáveis» na sua dieta. Há  pessoas que
deixam de fumar e outras que decidem pôr o stress de lado. Não me
surpreende que as reacções sejam tão variadas porque todos temos uma
grande margem de manobra para melhorar a forma como cuidamos do
nosso cérebro.
Mais à frente vamos rever juntos os pontos essenciais que podem fazer
que a sua mente brilhe durante mais tempo, mas antes disso gostaria que
dedicasse uns minutos a fazer um breve teste de cuidado cerebral. São
poucas perguntas baseadas nas últimas descobertas em matéria de saúde do
cérebro que espero que o ajudem a  tomar consciência do grau de cuidado
que está a ter com o seu actualmente.
 
BREVE TESTE DE SAÚDE CEREBRAL
Legenda: 0 Nada de acordo | 1 Ligeiramente de acordo
2 Bastante de acordo | 3 Totalmente de acordo
Sou um apaixonado pela leitura. 0 1 2 3
O meu trabalho faz-me estarem movimento. 0 1 2 3
Durmo pelo menos oito horas por dia. 0 1 2 3
Como peixe pelo menos três vezes por semana. 0 1 2 3
Tenho uma vida com pouco stress. 0 1 2 3
Vivo em família e sinto-me acompanhado. 0 1 2 3
Envolvo-me em novos projectos com facilidade. 0 1 2 3
Escrevo um diário ou exercito a minha mente com jogos e passatempos. 0 1 2 3
O meu trabalho implica aprender coisas novas. 0 1 2 3
Costumo acordar descansado e com energia. 0 1 2 3
Pratico desporto habitualmente. 0 1 2 3
Como muita fruta e legumes. 0 1 2 3
BREVE TESTE DE SAÚDE CEREBRAL
Legenda: 0 Nada de acordo | 1 Ligeiramente de acordo
2 Bastante de acordo | 3 Totalmente de acordo
Dou longos passeios. 0 1 2 3
Divirto-me a inscrever-me em cursos ou a aprender coisas novas. 0 1 2 3
Costumo fazer as principais refeições acompanhado. 0 1 2 3
Tenho uma vida calma e tranquila. 0 1 2 3
Actualmente não fumo. 0 1 2 3
Nunca fumei. 0 1 2 3
Bebo entre dois e três litros de água por dia. 0 1 2 3
Pratico meditação, oração ou yoga. 0 1 2 3
Desfruto de hobbies que me mantêm entusiasmado e activo. 0 1 2 3
No meu dia-a-dia rio-me ou passo bons momentos com frequência. 0 1 2 3
Estou no meu peso ideal. 0 1 2 3
Falo várias línguas ou toco um instrumento musical. 0 1 2 3
Não como muito. Costumo deixar um pouco no prato. 0 1 2 3
Participo em muitas reuniões sociais ou familiares. 0 1 2 3
Apercebo-me frequentemente de que tenho muita sorte. 0 1 2 3
Tenho uma vida activa com responsabilidades. 0 1 2 3
Considero-me uma pessoa curiosa ou criativa. 0 1 2 3
Não sou muito adepto da carne. 0 1 2 3
Acho que a minha vida tem um significado. 0 1 2 3
Evito comer bolos, chocolates ou batatas fritas. 0 1 2 3
Tirei um curso universitário. 0 1 2 3
Pontuação total
Menos de 45 pontos
O nível de saúde do seu cérebro é baixo. O seu cérebro está exposto a um envelhecimento prematuro e
é mais vulnerável às suas doenças. Não se esqueça de que um cérebro cuidado pode ajudá-lo no seu dia-
a-dia melhorando a sua disposição e as suas capacidades intelectuais. Pequenas mudanças podem
implicar um grande benefício. Leve a sério o cuidado com o seu cérebro.
Entre 45 e 65 pontos
O nível de saúde do seu cérebro é médio. É possível que tenha hábitos adequados, mas há outras
facetas às quais não está a prestar atenção, e isso não ajuda a proteger o seu cérebro e a melhorar o seu
funcionamento. Espero que no fim do livro descubra quais são os seus pontos fracos e adopte mudanças
que o ajudem a melhorar a saúde do seu cérebro.
Entre 65 e 85 pontos
O nível de saúde do seu cérebro é adequado. Alguns dos seus hábitos ajudam a manter o seu cérebro
jovem e a sua mente em forma. Porém, ainda tem muitos aspectos para melhorar. Como vai descobrir, há
muitas coisas que pode fazer para ajudar a manter esta boa forma durante muitos anos.
Entre 85 e 100 pontos
O nível de saúde do seu cérebro é muito bom. Nos capítulos que vai encontrar de seguida poderá ler
por que razão muitas das coisas que faz no seu dia-a-dia são benéficas para o seu cérebro e vai encontrar
áreas que pode melhorar.
3
Descubra o seu cérebro
«Não se pode desatar um nó sem se saber antes como está feito.»
 
A����������
 
 
Antes de mergulharmos no mundo do cuidado consigo, quero partilhar
alguns dados sobre o cérebro e o seu funcionamento. Acho que o podem
ajudar a conhecer-se melhor e a despertar um maior interesse naquilo que
estabeleci como objectivo: que depois de ler este livro queira cuidar do seu
cérebro.
Com um peso de aproximadamente um quilo e meio, o seu cérebro
permite-lhe sobreviver, conseguir aquilo de que precisa do meio que o
rodeia, relacionar-se e sentir-se tal como é. É, sem sombra de dúvidas, o
órgão estrela da evolução. Isaac Asimov, o grande escritor de obras de
�cção cientí�ca, garantia que o cérebro é a obra mais complexa do
Universo. As suas possibilidades são quase in�nitas. De maneira
independente é capaz de criar as mais belas melodias, de projectar um
edifício majestoso ou de liderar uma nação para a sua liberdade, e
trabalhando em equipa foi capaz de construir a Grande Muralha da China,
abolir a escravatura e levar o homem à Lua.
O seu cérebro contém cem mil milhões de neurónios, tantos como as
estrelas que existem numa galáxia. Tal como uma árvore tende a crescer até
ter uma folhagem frondosa ou um canguru se  desenvolve até dar saltos
pela planície australiana, estou convencido de que a �nalidade de todos e
cada um dos seus cem mil milhões de neurónios é permitir-lhe uma vida
plena. Ter um desenvolvimento pleno é uma tendência natural de todos
os organismos. Este princípio que faz que uma baleia cresça até ter um
tamanho descomunal é o mesmo que fez que por volta do seu primeiro
aniversário você sentisse um impulso irreprimível que o levou a pôr-se de
pé e a dar os seus primeiros passos. As suas primeiras palavras e o domínio
da linguagem, a curiosidade que o levou a investigar e descobrir como
funciona o mundo, a necessidade de criar vínculos sólidos com outras
pessoas ou o desejo de ter uma família são só alguns exemplos dessa
tendência para o desenvolvimento pleno. Este princípio irrenunciável da
natureza e da condição humana faz também que queira ser todos os dias
uma pessoa mais plena e feliz. O seu cérebro não pode renunciar a esta
procura de plenitude porque faz parte da sua essência.
O cérebro humano é tão complexo que, apesar de todo o esforço
dedicado à sua investigação, sabemos muito pouco sobre o seu
funcionamento, pelo que ainda temos muito por descobrir. A complexidade
começa nas suas múltiplas estruturas e sistemas. Imagine que abre o capot
do seu carro. Se for como eu, provavelmente nem sequer saberá diferenciar
uma parte da outra, e nem quer imaginar as ligações, os circuitos e os
mecanismos que se escondem debaixo de cada tampa ou porca. Contudo,
todos esses componentes são essenciais para que o veículo ligue, circule e
siga as ordens do condutor. Falei com um paciente que trabalhava numa
fábrica de automóveis e  disse-me que se demora aproximadamente uma
semana a montar um motor. O seu cérebro demora cerca de 23  anos a
«montar-se», ou seja, mais mil e duzentas vezes do que um motor.
Dessas mil e duzentas semanas, demoramos cerca de 38 a desenvolver as
estruturas mais essenciais para a vida. Aquelas que fazem o seu coração
bater, mobilizam o seu sistema digestivo e que permitiram que respirasse
pela primeira vez fora do útero materno. Todas essas estruturas vitais para a
sua sobrevivência se encontram nas regiões mais internas do seu cérebro,
protegidas de impactes e infecções no que chamamos córtex cerebral, a
parte mais externa do cérebro e aquela que lhe permite pensar.
Um ano depois de nascer terá desenvolvido as zonas do córtex cerebral (a
parte mais externa do seu cérebro) que lhe permitem ver, ouvir, cheirar e
sentir o mundo de uma maneira muito semelhante à actual. Pouco depois
vai começar a caminhar, o que lhe permitirá trilhar um caminho num
mundo de descobertas e desenvolver o seu sistema locomotor, que se
encontra dividido entre os dois hemisférios cerebrais. A parte esquerda
move a sua mão e perna direitas e  o hemisfério oposto faz o trabalho
simétrico. Em apenas 5  anos (250  semanas), o seu cérebro dominará este
sistema locomotor. Durante toda a sua vida desenvolverá habilidades físico-
desportivas e poderá aprender a conduzir uma mota, a coser, a saltar à vara
ou a jogar petanca, mas por volta dos 5 anos já terá desenvolvido a maior
parte do seu controlo motor, o que lhe permitirá correr, saltar, trepar,
dominar um lápis ou pegar em coisas à primeira com uma enorme destreza.
As mil semanas de restante desenvolvimento (cerca de 18 anos) serão
dedicadas quase em exclusivo ao desenvolvimento intelectual e à
construção da identidade. Durante estes anos o seu cérebro vai desenvolver
estruturas destinadas a adquirir conhecimentos, dominar a arte de resolver
problemas e a relacionar-se socialmente (sem dúvida, um autêntico
desa�o). Embora exista um momento em que se deixa de «crescer», o
cérebro humano está semprea desenvolver-se, alterando as suas conexões
neuronais e estruturando-se para que se possa adaptar às mudanças do seu
meio e seja todos os dias um pouco mais e�caz na resolução dos problemas
da vida quotidiana.
Todo este desenvolvimento físico e intelectual vai encaixando no cérebro
de tal maneira que a sua anatomia é o re�exo da sua funcionalidade.
Dividido ao meio por um grande sulco que o percorre longitudinalmente,
destacam-se dois hemisférios, que têm funções próprias. O hemisfério
esquerdo encarrega-se sobretudo de todas as tarefas linguísticas, da
capacidade de encontrar palavras, aprender línguas, calcular, raciocinar e
desenvolver ideias a partir da memória. Se for um advogado, escritor ou
jornalista, é provável que esta parte do seu cérebro seja a dominante. Se
gosta de uma boa conversa, de números ou também lhe é fácil convencer as
pessoas, provavelmente o hemisfério esquerdo também é o mais
dominante. O hemisfério direito encarrega-se mais de interpretar imagens,
mapas e de desenvolver ideias através da imaginação. Deixa-se levar pelas
emoções. Se for arquitecto, se se orientar num lugar desconhecido como
peixe na água, for intuitivo ou lhe for fácil entender a música ou tiver alma
de artista, então o seu hemisfério dominante é o direito.
Embora tradicionalmente o termo «cerebral» de�na uma pessoa fria e
meticulosa, há anos que estamos a descobrir uma nova faceta do cérebro
que nos afasta desta visão. Longe de ser um órgão «frio», como os pulmões
ou os rins, o cérebro é um órgão quente que sente, se emociona e toma
decisões de uma maneira mais emotiva do que racional. Se pensar nas
coisas realmente importantes da vida, como o seu companheiro, o seu
trabalho ou o lugar onde vive e como está decorado, dar-se-á conta de que
foram decisões mais emotivas do que racionais. A verdade é que a parte
emotiva do cérebro impregna qualquer percepção, recordação, análise ou
decisão. Neste sentido, os dois hemisférios têm a sua própria personalidade
e o seu próprio carácter. O hemisfério esquerdo é mais analítico e racional,
é realista, estratégico, plani�ca as suas acções, e tudo isso porque gosta dos
hábitos e da ordem. Pelo contrário, o hemisfério direito é intuitivo,
passional e imaginativo. Desenvolve-se na improvisação e dá mais valor aos
sentimentos do que à razão. Tão depressa faz com que dê uma boa
gargalhada como se descalce para sentir a areia debaixo dos pés.
Se a diferença entre esquerda e direita é importante, o mesmo acontece
com a diferença entre norte e sul, frente e trás. Em linhas gerais, a parte
posterior encarrega-se principalmente de sentir e  compreender. O seu
cérebro processa as sensações dos seus dedos, da sua visão e do seu ouvido
na parte do cérebro que �ca atrás das orelhas. Em contraposição, a parte da
frente do cérebro encarrega-se da acção. A mobilidade de todo o seu corpo,
bem como a tomada de decisões e a capacidade de se activar desenvolvem-
se em toda a parte da frente do seu cérebro. É o painel de comando da sua
vida e permite-lhe realizar actos como estabelecer objectivos, mostrar-se aos
outros como quer que o conheçam, decidir o tipo de vida que quer ter,
enfrentar as ameaças ou animar alguém que está a passar por um mau
momento. As suas funções são tão complexas que o cérebro humano
demora 23 anos a acabar de «construir» esta parte da frente.
Depois de 23 anos de aprendizagem e adaptação diária, podemos dizer
que a pessoa entrou na idade adulta. Mas são necessárias décadas de treino
para dominar a arte de governar a nossa vida. Aceitar as suas limitações,
explorar o seu potencial, as relações com os outros, conhecer-se a fundo e
sentir-se à vontade com as suas emoções mais íntimas são, provavelmente,
fases do desenvolvimento cerebral nas quais ainda está envolvido. É que, no
afã do seu cérebro para que seja uma pessoa plena, existe uma procura
constante de autoconhecimento, bem como de fórmulas para descobrir
como pode ser mais feliz.
A maior parte do conhecimento acerca do mundo, sobre como se pode
relacionar com os outros, bem como todo o seu historial de experiências
que lhe permitem enfrentar os problemas antigos com mais e�cácia e os
novos com maior acerto, é depositada no seu córtex cerebral. O córtex é a
parte mais humana de cada pessoa e  onde reside grande parte da sua
personalidade, conhecimentos e  identidade. Infelizmente, também é o
córtex que sofre os golpes mais duros na batalha contra o envelhecimento e
as suas doenças. As falhas de memória, a rigidez de pensamento, a perda de
re�exos ou vitalidade são sintomas de que o córtex cerebral começa a
envelhecer e são traços comuns de perturbações como a depressão ou de
doenças como o Alzheimer.
Mas o cérebro é muito mais do que um complexo jogo de construção, e as
diferentes partes e a relação entre elas não explicam totalmente o seu
funcionamento. A�nal de contas, homens e mulheres têm cérebros com as
mesmas estruturas e o seu funcionamento é muito diferente. Isto acontece
porque a química do cérebro desempenha um papel fundamental no seu
desenvolvimento e na forma como responde e se relaciona com o mundo
que o rodeia. Os neurotransmissores e as hormonas condicionam o
funcionamento do cérebro de tal forma que são capazes de marcar a nossa
vida de uma maneira inimaginável. Vejamos o exemplo das hormonas
sexuais. Quer acredite quer não, todo o cérebro arranca o seu percurso na
vida como um cérebro feminino. Durante as primeiras semanas de vida não
existe qualquer diferença entre o cérebro de um homem e o de uma
mulher. Só na oitava semana de gravidez, na qual os diminutos testículos
do feto começam a segregar testosterona, é que aparecem as primeiras
diferenças entre sexos a nível cerebral, que nos acompanharão durante toda
a vida.
O poder das hormonas sexuais é tão grande que elas moldam
literalmente os cérebros de homens e mulheres de maneira diferente.
Comecemos pelo cérebro feminino, não por machismo, mas sim pela
simples razão de que o seu funcionamento é mais complexo do que o
masculino. O cérebro feminino tem a capacidade de conectar o mundo
intelectual, social, afectivo e emocional de uma maneira quase automática,
ajudando as mulheres a relacionar ideias entre si, recordações e emoções, a
serem mais perspicazes para os pequenos pormenores e intuitivas na
tomada de decisões. A contrapartida desta enorme capacidade de
associação entre o mundo interno e o externo é que podem ser mais
sensíveis e emocionalmente vulneráveis. O cérebro masculino é muito mais
simples no sentido em que gosta de compartimentar a informação. Ao
contrário do feminino, o cérebro masculino tem tendência para tratar dos
problemas de maneira isolada e tentar isolar os aspectos afectivos na
tomada de decisões.
Por outro lado, o cérebro feminino está mais preparado para a vida social.
O seu desenvolvimento linguístico e a necessidade de comunicar são
superiores aos do homem. Há pouco tempo, uma conhecida investigadora
chegou a a�rmar que a mulher média pronunciava 20 000 palavras por dia,
enquanto o homem pronuncia apenas 7000. Embora se tenha demonstrado
que estes dados são exagerados, a verdade é que as mulheres são mais
comunicativas e  têm uma maior capacidade para construir frases e
transmitir informação de uma forma mais e�caz. Os antropólogos
acreditam que o  desenvolvimento da linguagem nas mulheres se
intensi�cou devido aos hábitos de vida desenvolvidos entre os nossos
antepassados mais longínquos. Enquanto os homens iam caçar ou lutavam
com inimigos, as mulheres �cavam na aldeia a desempenhar tarefas de
colheita, criação e educação dos �lhos. Isto fez que o seu cérebro
desenvolvesse uma componente social muito maior do que o dos homens.
Neste sentido, as mulheres recordam melhor qualquer conversa ou evento
social do que os homens, e também têm duas faculdades que não existem
no mundo masculino: em primeiro lugar, a mulher tem tendência para
partilhar o que vê e sente através da conversa. Aos  olhos do homem,
parecem passar o dia a falar de coisas irrelevantes, mas é a maneira que têm
de processar earmazenar informação. Em segundo lugar, as mulheres têm
uma grande capacidade para resolver problemas em consenso. Quando
uma mulher tem um problema ou está stressada, o seu cérebro procurará
de imediato a  companhia de outras mulheres que a ajudem a resolver o
problema. O homem, pelo contrário, reage ao stress procurando a solidão e
um lugar tranquilo para pensar ou para não pensar, mas em geral na
solidão, e a solução para o problema ou con�ito é determinada quase
sempre pela acção. O homem sente-se mais à vontade na acção do que na
conversa, e a sua maneira natural de atenuar a angústia costuma ser mover-
se ou empreender acções para resolver um problema. Parece que esta é a
herança dos nossos anos de caçadores, nos quais o nosso cérebro teve um
treino intensivo ao percorrer os bosques à procura de caça em total silêncio
para não afugentar as possíveis presas. Ao contrário das mulheres, nós, os
homens, não nos lembramos muito bem das conversas, mas temos um
cérebro privilegiado para recordar caminhos e lugares, dado que a nossa
memória visual e espacial nos permitia ler os sinais do bosque e encontrar
o caminho certo sem nos enganarmos.
É possível que ao ler isto tenha �cado com alguma ideia de por que
somos tão diferentes e de por que, às vezes, é difícil para homens e
mulheres entenderem-se. Simplesmente porque os seus cérebros têm
funcionamentos diferentes que nos tornam muito distintos uns dos
outros. Apesar disso, os nossos cérebros estão programados para
estarem juntos. Neste sentido, é muito curioso conhecer dados sobre como
as nossas hormonas provocam comportamentos sexuais complementares
durante o desenvolvimento sexual. Os estrogénios geram no cérebro
feminino a necessidade de a mulher se arranjar e de se tornar visualmente
atraente, enquanto a testosterona faz que o homem procure de maneira
activa uma companheira. Tudo isso faz que as mulheres se sintam mais
atraídas por homens independentes e solitários, e os homens por mulheres
que se destaquem num grupo.
Quer seja feminino ou masculino, o seu cérebro é um órgão misterioso,
fascinante e complexo. Mas, para além de ser uma simples parte do seu
corpo, é um órgão que, tal como você, tem o mérito de se ter construído a si
próprio e que procura e deseja reconhecimento e amor. Neste sentido é tão
forte, sensível e encantador como você próprio. Desde que nascemos que
andamos a esculpir um cérebro maravilhoso que nos ajude a conhecermo-
nos e a sermos mais felizes. Vale a pena cuidar do fruto de todos esses anos
e fazer um esforço para continuarmos a desfrutar dele durante toda a vida.
4
Uma viagem pelo mundo da saúde do cérebro
«Até a viagem mais longa começa sempre com um primeiro passo.»
 
L�� T��
 
 
Embora na mente de muitas pessoas a velhice esteja associada
à decadência das funções intelectuais, um cérebro que envelhece bem pode
brilhar por mais que a vida dure. Ontem mesmo pude ver na televisão
como Bob Edwards se convertia no condutor com mais longevidade do
planeta ao renovar a sua carta de condução aos 105 anos. Para este inglês
instalado na Nova Zelândia, conduzir não é apenas uma questão de amor-
próprio ou de renovação da carta, pois ele usa a carta de condução pelo
menos três dias por semana para fazer compras no supermercado. Parece
incrível pensar que a primeira vez que se sentou à frente de um volante foi
em 1922. Porém, o mundo inteiro está cheio de exemplos de pessoas que
vivem mais e melhor graças a um cérebro bem cuidado. Vamos ver alguns
deles e os segredos da sua invejável saúde cerebral.
Okinawa é o lugar da Terra onde os habitantes vivem mais anos. Nesta
pequena ilha do Sul do Japão os seus habitantes vivem em média 85 anos,
mais três anos do que os seus vizinhos da ilha principal. Okinawa tem a
maior concentração de centenários do planeta, que em muitos casos têm
uma saúde invejável. Nesta ilha os nonagenários têm uma vida activa,
desempenham tarefas domésticas e  agrícolas, andam de bicicleta e alguns
deles têm relações sexuais. Os habitantes de Okinawa não só vivem mais
como desfrutam de melhores capacidades intelectuais ao longo da sua vida,
e as taxas de demência ou deterioração cognitiva associada à velhice são
muito inferiores em comparação com outros lugares do mundo. A
combinação de longevidade com um invejável estado de saúde �zeram que
estes japoneses tenham sido alvo de muitos estudos. Apesar de
a  comunidade cientí�ca ter procurado afanosamente um gene que
explicasse a sua longevidade, não foi capaz de encontrar a receita genética
que explique a longevidade desta população. Pelo contrário, a evidência
cientí�ca sugere que os hábitos e costumes desta população os tornam
resistentes ao envelhecimento. Uma prova destas teses é a comunidade de
habitantes de Okinawa que durante a década de 1930 foi para o Brasil
extrair borracha. Os que se estabeleceram neste país trocaram o consumo
de peixe e legumes pelo de carne, e também modi�caram outros hábitos de
vida. O resultado foi dramático. Os membros desta pequena comunidade
viveram menos 17  anos do que os seus parentes que nunca saíram de
Okinawa, o que para muitos representa uma prova da poderosa in�uência
do meio na saúde do nosso cérebro. Os esforços centram-se agora em
averiguar que características do estilo de vida desta ilha in�uenciam de
maneira mais decisiva a sua saúde. Desde a década de 1970 que o Estudo
de Centenários de Okinawa se centra nesta tarefa, e descartou mitos, e
também fez descobertas interessantes; algumas das mais surpreendentes
têm a ver com a elevada taxa de hormonas sexuais tanto em homens como
em mulheres. Segundo os investigadores que estudam estes habitantes há
mais de 30 anos, em linhas gerais, o segredo de uma vida duradoura está
na combinação de uma alimentação saudável, uma vida tranquila, uns
fortes laços sociais juntamente com uma actividade física moderada e
uma acentuada vida espiritual.
Okinawa não é o único lugar estudado pelos cientistas pela resistência à
passagem do tempo. Curiosamente, outros dos lugares que se encontram na
mira dos investigadores são também ilhas, e os seus habitantes partilham
com os de Okinawa alguns costumes e hábitos. Na ilha grega de Simi a
probabilidade de chegar a centenário é quase o dobro daquela da Grécia
continental e os seus habitantes vivem em média mais três anos. Na ilha
italiana da Sardenha encontra-se a família Melis, a mais longeva do planeta.
Os seus nove irmãos somam mais de 818 anos. Eles garantem que uma
dieta rica em alimentos da sua horta, bem como o peixe típico da região,
combinada com o trabalho no campo, ao qual continuam a dedicar cada
momento livre, é o segredo da sua longevidade. Os cientistas reconhecem
que os habitantes destas duas ilhas partilham certos costumes, como a vida
em família, a dieta mediterrânica, o ritmo tranquilo com o qual as suas
jornadas decorrem, a implicação em tarefas domésticas e agrícolas ao longo
de toda a vida e a boa auto-estima dos seus habitantes.
Curiosamente, os três pontos com maior longevidade do planeta são ilhas,
e 14 dos 15 países com maior esperança de vida no mundo estão banhados
pelo mar. Embora o índice de riqueza de um país tenha uma elevada
correlação com a esperança de vida dos seus habitantes (sobretudo pelos
recursos de saúde), neste selecto grupo não se encontram muitos dos países
mais ricos do planeta. Países como a Alemanha, a Áustria ou os Estados
Unidos cedem o  seu lugar a países mais modestos, mas com uma maior
in�uência do mar na sua alimentação e estilos de vida tradicionais como
a Grécia, Malta ou Espanha. O único país sem litoral que aparece nesta lista
é a Suíça. Talvez seja só um acaso. A�nal de contas, 75% dos países está
banhado pelo mar, mas costumo gostar de dar este dado, já que me ajuda a
exempli�car algo importante. Os habitantes de Okinawa, Simi e Sardenha
puseram os investigadores a pesquisar os benefícios que o consumo de
peixe poderia ter no cérebro, algo que a dieta mediterrânica e a japonesa
têm em comum, mas também a de muitos países incluídos na lista dos mais
longevosdo planeta. Actualmente há várias equipas cientí�cas a estudar os
benefícios do ómega 3 (presente em elevadas quantidades no peixe azul) no
envelhecimento cerebral e na prevenção das suas doenças.
Ainda no âmbito do consumo de peixe azul, devemos fazer uma paragem
para conhecer os povos esquimós que vivem na região do Círculo Polar
Árctico, que se estende por três continentes. Os seus habitantes são
lendários pela sua enorme resistência ao enfarte e porque entre eles quase
não há ocorrência de casos de doença vascular cerebral. A sua actividade
diária parece implicar um elevado grau de exercício cardiovascular, já que a
caça e a pesca nestas latitudes implicam um enorme esforço que se
complementa, tal como fazem os seus vizinhos japoneses e mediterrânicos,
com uma alimentação rica em peixe azul e uma contribuição extra de
ómega 3 proporcionada pela gordura de foca.
Entre o Mediterrâneo e o Pací�co encontramos o segundo país mais
habitado do mundo: a Índia. Durante anos pensou-se que os seus
habitantes tinham um certo grau de imunidade ao Alzheimer porque a
incidência desta doença era muito menor do que no resto do mundo. Hoje
em dia, com dados mais rigorosos à nossa disposição, sabemos que a
diferença não é tão grande como se pensava, mas que, efectivamente, a
percentagem de pessoas mais velhas que sofrem da doença de Alzheimer é
menor do que nos países ocidentais. Depois de anos de investigações parece
que o responsável pelo facto de os habitantes do subcontinente indiano
serem mais resistentes ao Alzheimer é um componente do caril. Embora
muitas pessoas julguem que o caril é uma especiaria, na verdade é uma
palavra indiana que signi�ca «molho», um molho que se elabora com
muitas especiarias (alguns tipos de caril levam até 20 tipos de especiarias).
De entre todas elas, os investigadores centraram a sua atenção na curcuma,
uma especiaria amarelada extraída da planta com o mesmo nome e que
parece ser capaz de inibir a acumulação de uma das proteínas relacionadas
com o Alzheimer: a proteína beta-amilóide. Ainda não temos dados
su�cientes, e como é óbvio parece evidente que a curcuma não é a solução
de�nitiva para a deterioração cognitiva, mas as companhias farmacêuticas já
estão a fazer ensaios clínicos e esta pode ser mais uma peça no puzzle do
Alzheimer.
Na viagem da saúde cerebral devemos fazer uma paragem em França, já
que a sua alimentação esconde algumas chaves do que devia ser uma
nutrição saudável para o cérebro, e porque a pessoa mais velha do planeta
viveu neste país. Determinar a idade de pessoas extraordinariamente
longevas implica sempre o desa�o de certi�car a data de nascimento, que
nos pode levar aos dois séculos anteriores (do ��� ao ���), quando os
nascimentos não tinham certidões em muitos países. De diferentes cantos
do planeta aparecem de vez em quando pessoas que reclamam que o seu
avô ou avó entre no livro do Guinness assegurando que é a pessoa viva
mais longeva, mas sem uma certidão adequada é, simplesmente, inviável.
Talvez por isso a pessoa mais longeva que conhecemos tenha vivido num
país europeu, onde estes registos começaram a ser rotineiros no �nal do
século  ���. Jeanne Calment faleceu aos 122 anos de idade. Nasceu em
1875 e morreu em 1997. Parece que faleceu há relativamente pouco tempo,
mas para ter uma ideia da sua longevidade, Jeanne Calment já era avó treze
anos antes de a Segunda Guerra Mundial começar. A fortuna do seu
marido permitiu-lhe viver sem trabalhar e dedicar-se aos seus hobbies; para
além disso, era uma mulher desportista, leitora e aberta a novas
experiências. Provavelmente desfrutou dos prazeres da cozinha francesa,
que é famosa pela paradoxal combinação de hábitos muito saudáveis face a
outros prejudiciais. Os cientistas referem este paradoxo na alimentação
francesa porque aos bons hábitos associados à dieta mediterrânica, como o
consumo de verduras, legumes e azeite e muito especialmente o consumo
moderado de vinho, junta-se um gosto excessivo pelas gorduras animais.
Neste sentido, a França sente verdadeira devoção pelos queijos, o foie, a
carne de pato e por incluir natas em muitas das suas receitas. Não parece
paradoxal que os seus pratos sejam deliciosos, mas o que é difícil é o
equilíbrio entre o consumo de pratos saudáveis e pouco saudáveis. No seu
conjunto, os franceses têm menos enfartes de miocárdio e AVC, pelo que
parece que os efeitos saudáveis da alimentação compensam os excessos.
Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, centenas de freiras
distribuídas por congregações de todo o país estão a participar num
interessante estudo sobre envelhecimento cerebral. Por trás dos velhos
muros dos seus conventos foram encontrados interessantes dados sobre
como se pode fazer prevalecer as faculdades mentais face ao Alzheimer e
outras formas de deterioração cognitiva. Estas freiras submetem-se
anualmente a um minucioso estudo da sua memória até falecerem,
momento em que lhes fazem uma autópsia cerebral. O objectivo do
conhecido como «estudo das freiras» era apenas identi�car que problemas
de memória podem servir como sinais de detecção do Alzheimer e outras
doenças do cérebro. Curiosamente, os investigadores depararam com uma
freira que desa�ava os conhecimentos que tínhamos até à data sobre o
Alzheimer. A irmã Bernadette faleceu de um ataque de coração com
84 anos. Todos esperavam encontrar um cérebro perfeitamente saudável, já
que os resultados dos seus testes de memória tinham sido ano após ano
excepcionais e mantinha uma vida muito produtiva no convento. Contudo,
ao analisar o seu cérebro encontraram sinais que indicavam que sofria de
um caso de Alzheimer moderado. De todos os pontos de vista, o grau de
afectação que o seu cérebro mostrava deveria ter-lhe provocado
signi�cativos problemas de memória, e, no entanto, não o tinha feito. Este
dado con�rmava aquilo de que os investigadores suspeitavam há anos: um
cérebro culto é mais resistente à lesão cerebral e às suas doenças. A irmã
Bernadette tinha terminado os estudos universitários, tinha vivido em
missões em diferentes lugares do mundo, falava várias línguas, adorava ler,
tinha passado os últimos anos a dar aulas numa escola secundária e
mantinha a sua cabeça ocupada organizando as actividades domésticas da
congregação. De acordo com os investigadores, o seu estilo de vida
possivelmente ter-lhe-ia outorgado uma grande reserva cognitiva, um
termo que se refere a uma maior resistência à deterioração intelectual
propiciada por um elevado nível de exposição a novas aprendizagens. Neste
sentido, parece claro por este e por outros estudos que as mentes mais
cultas são mais resistentes à deterioração.
A poucos quilómetros de uma destas congregações encontra-se o Hospital
Johns Hopkins, onde me formei como neuropsicólogo. É um dos centros de
excelência a nível internacional no estudo de doenças neurológicas.
Quando estava a fazer o internato neste hospital, tive oportunidade de
colaborar num dos estudos pioneiros que se estavam a realizar naquela
altura no âmbito do Alzheimer. O objectivo deste estudo era descobrir que
genes determinavam a  idade de aparecimento do Alzheimer. Naquela
época conhecíamos muitos dos genes associados à doença de Alzheimer e a
maioria dos investigadores estava convencida de que, depois de termos o
genoma humano totalmente sequenciado, poderíamos conhecer em
pormenor quem desenvolveria a doença, em que momento começaria a
mostrar os sintomas e quanto tempo viveria. No entanto, o tempo não nos
deu razão e evidenciou que a genética é apenas uma peça do puzzle das
perturbações neurológicas. Prova disso são os resultados de estudos
realizados com gémeos. Estes estudos mostraram que nalguns casos um
irmão gémeo tem Alzheimer, enquanto o outro permanece perfeitamente
saudável durante toda a vida. Estamos a falar de gémeos idênticos nos
quais não existe nenhuma diferença entre os genes do primeiro e os do
segundo. Também sabemos que, no caso de os dois irmãos desenvolverem a
doença, costuma existir uma variabilidade no momento do aparecimento
de entreum e dez anos. Num irmão a doença pode aparecer aos 70 anos,
enquanto o seu gémeo pode não mostrar nenhum sintoma até aos 80.
Para que as pessoas se apercebam do limitado papel da genética no
envelhecimento cerebral costumo apresentar-lhes esta analogia.
Imaginemos que o seu vizinho acaba de comprar um carro topo de gama
que vem equipado de série com uma das melhores pinturas do mercado.
Porém, o seu vizinho é um homem descuidado e pouco apegado às coisas.
Só lava o carro uma ou duas vezes por ano. O carro �ca estacionado na rua
dia e noite, pelo que está exposto aos raios do Sol durante todo o dia e às
frias temperaturas à noite. Se alguma vez o deixa à sombra de uma árvore,
os pássaros bombardeiam-no com os seus excrementos, aos quais não dá
qualquer importância. No outro extremo, você é uma pessoa mais
sentimental. Tem uma daquelas maravilhosas furgonetas Volkswagen da sua
época de estudante. A furgoneta vinha equipada com uma pintura
modesta, mas ao contrário do seu vizinho você mima-a com esmero. Dorme
na garagem ao abrigo do frio e dos raios do Sol. Lava-a de 15 em 15 dias
com uma solução de sabão e nunca se esquece de a encerar. Evita
estacioná-la debaixo das árvores cheias de pássaros porque sabe quão
corrosivos podem ser os seus excrementos e repara qualquer risco assim que
possível para evitar que o óxido estrague a chapa e a pintura. A pergunta
que costumo fazer é muito simples: passados 60 anos… qual das pinturas
dos dois carros acha que estará em melhor estado? Provavelmente terá
pensado, como toda a gente, que a furgoneta terá melhor aspecto. Com os
genes acontece a mesma coisa do que com a pintura. Cada um de nós nasce
com uma pintura de série, os nossos genes. Existem aqueles que são mais
resistentes à passagem do tempo, à oxidação, às situações de stress ou à falta
de cuidados. Mas, independentemente dos genes que tiver, a saúde do seu
cérebro depende em grande parte do cuidado que tiver com ele. Vejo isso
todos os dias no meu trabalho. Uns bons genes vêem-se facilmente
encurralados e vencidos pelo tabaco, o colesterol ou o  stress. Até em
doenças com um elevado componente genético como o Alzheimer, os
investigadores cada vez encontram mais evidências de que o cuidado que
dedicar durante toda a vida aos seus neurónios pode ser determinante.
Vamos terminar a nossa viagem na velha Europa. Se perguntarmos aos
principais especialistas do mundo em Alzheimer, muitos deles estarão de
acordo em que o papel de cada um destes componentes na prevenção desta
doença ainda está por demonstrar. Certamente, embora existam estudos
que evidenciam os benefícios do ómega 3, também existem aqueles que o
descartam, e o mesmo acontece com a curcuma, o exercício físico ou com
quase qualquer outro componente da saúde do cérebro que queiramos
analisar. É muito possível que o efeito de cada um destes componentes seja
demasiado pequeno para apresentar dados signi�cativos. Precisamente por
isso, uma iniciativa europeia para a prevenção do Alzheimer que combina
equipas de investigação da Holanda, Suécia, Finlândia e França está a
estudar todos estes factores de maneira combinada. O objectivo destes
investigadores é detectar se, para além do efeito individual de um alimento
ou de outro factor, um estilo de vida que bene�cie o cérebro de maneira
global pode ajudar a prevenir o Alzheimer e outros tipos de perturbações
neurodegenerativas. Os resultados destas investigações são muito
animadores e estão a encontrar esperança onde outros fracassam. Graças a
estes estudos, sabemos que ter um estilo de vida saudável para o cérebro
pode ser muito e�caz para atrasar o seu envelhecimento, prevenir algumas
das suas doenças e atrasar o aparecimento e progressão de outras. Alguns
dos dados que as investigações centradas em estilos de vida saudáveis para
o cérebro lançam são tão categóricos que garantem que se poderiam
prevenir mais de 3 milhões de casos de Alzheimer no mundo reduzindo
certos hábitos como fumar, a má alimentação ou o sedentarismo.
Curiosamente, vários estudos concluíram que as populações com maior
resistência a doenças neurológicas como os residentes de Okinawa, os
monges budistas ou os naturais da península de Nicoya na Costa Rica
também estão entre os habitantes mais felizes do planeta. Embora ainda
não saibamos identi�car com total precisão que componentes são mais
decisivos ou qual é o peso especí�co de cada um deles, aquilo que para a
maioria dos cientistas é evidente é que os hábitos e estilos de vida podem
afastar as doenças neurológicas e que a saúde do cérebro se pode potenciar.
5
As chaves da saúde do cérebro
«Inteligência é a capacidade de adaptação à mudança.»
 
S������ H������
 
 
A saúde do cérebro é uma disciplina tão recente que nem sequer estou
convencido de que seja uma disciplina. Nós, neurologistas, psiquiatras e
psicólogos andamos há décadas a estudar como curar os problemas do
cérebro. Da mesma forma, durante estes anos também houve um crescente
interesse pela prevenção destas perturbações. O que se revela como uma
novidade nos últimos anos é  a  tradução de todo esse conhecimento em
matéria de prevenção numa conceptualização de saúde do cérebro como o
conjunto de hábitos e estilos de vida que podem afastar as doenças e
perturbações cerebrais. Os princípios da saúde cerebral são,
fundamentalmente: 1)  reduzir factores de risco comuns no Alzheimer, no
AVC e noutras perturbações neurológicas que podem provocar ou acelerar
o aparecimento e a progressão destas perturbações e 2) potenciar os factores
protectores que se demonstraram e�cazes no momento de prevenir ou
atrasar o aparecimento destas perturbações, bem como a deterioração
intelectual associada a estas doenças e ao próprio envelhecimento cerebral.
Ainda existem muitos cépticos da saúde cerebral. Felizmente, são muitos
mais os entusiastas das possibilidades que proporciona transmitir um
conceito tão lógico como simples; a simples ideia de que se pode cuidar do
cérebro e da forma como este envelhece com alguns hábitos de vida
equilibrados e saudáveis. O interesse por esta área é  tal que consegui
encontrar muitíssimas investigações que abordavam diferentes aspectos da
saúde do cérebro, até ao ponto de ter sido difícil concluir o livro, já que
todos os meses apareciam novas e interessantes evidências. Depois de rever
centenas de artigos cientí�cos sobre factores de risco e práticas preventivas
de distintas perturbações neurológicas, bem como trabalhos sobre o efeito
de certos estilos de vida nas faculdades mentais e no bem-estar psicológico,
apercebi-me de que estes três campos estavam intimamente relacionados,
pelo menos nalgumas características comuns. Com toda esta informação, e
centrando-me nos pontos em comum, desenvolvi um modelo de saúde
cerebral com seis áreas-chave. Cada uma demonstrou um efeito bené�co
na prevenção de perturbações cerebrais ou na deterioração cognitiva
associada ao envelhecimento, bem como efeitos signi�cativos sobre os
estados de humor e as faculdades mentais:
Reserva cognitiva
Actividade física
Nutrição
Sono
Controlo de emoções
Relações sociais
Teria gostado de organizar as áreas-chave por ordem de importância, mas
a verdade é que, como verá, a relevância de cada uma delas para a saúde
do seu cérebro depende mais do grau de atenção que lhe dedicar do que de
outra coisa. Como veremos mais à frente, para a pessoa que vive sozinha,
cuidar das suas relações sociais adquire uma importância primordial, e para
aquele que tem excesso de peso a nutrição ou a actividade física podem ser
cruciais.
De seguida vamos rever juntos as seis áreas-chave no cuidado do cérebro
ao longo de sete capítulos (dividi o controlo de emoções em dois capítulos).
Espero que possa extrair facilmente de cada uma delas aplicações práticas
que lhe permitam potenciar a saúde do seu cérebro.
6
Aumente a sua reserva cognitiva
«Não tenho nenhum talento especial. Sou apenas apaixonadamente
curioso.»
 
A����� E�������
 
 
Se há uma estratégia que o pode ajudar a criaruma autêntica barreira
face ao envelhecimento do cérebro e às suas doenças é  aumentar a sua
reserva cognitiva. Mas, o que é realmente a reserva cognitiva? A reserva
cognitiva pode-se de�nir como um factor de protecção neuronal que
permite ao cérebro envelhecer melhor, atrasar o aparecimento de doenças
no cérebro ou conseguir que avancem mais devagar. A verdade é que ainda
não entendemos totalmente como se forma ou a melhor maneira de a
medir, mas o seu efeito protector sobre o cérebro é inegável.
O conceito de «reserva cognitiva» nasce da observação de pessoas que
tiveram lesões cerebrais no desporto. Enquanto alguns desportistas
apresentavam problemas de memória graves depois de terem sofrido três
ou quatro contusões, outros pareciam ser mais resistentes ao mesmo
número de impactes. Depois de estudarem uns e  outros, os psicólogos
desportivos aperceberam-se de que os desportistas que tinham chegado
mais longe nos estudos, ou que simplesmente mostravam um maior grau de
inteligência em testes de aptidão escolar, tinham um certo grau de
protecção perante as lesões neurológicas. Enquanto os seus colegas sofriam
de amnésia e de outras síndromes neuropsicológicas, estes desportistas não
mostravam qualquer tipo de alteração intelectual. Estas observações
levaram os cientistas a criar o termo reserva cognitiva para designar essa
resiliência do cérebro a padecer de problemas cognitivos secundários à
deterioração cerebral. A capacidade protectora da reserva cognitiva está
muito bem documentada e foi observada em pessoas com tumores
cerebrais, AVC ou doenças neurodegenerativas.
O substrato biológico da reserva cognitiva encontra-se na capacidade do
cérebro para criar novas conexões entre os seus neurónios. De facto, a
reserva cognitiva não se desenvolve, pois, literalmente, constrói-se. Sempre
que uma pessoa aprende alguma coisa nova, quer seja uma nova palavra
noutra língua, um atalho para chegar ao seu restaurante preferido, o gosto
de uma fruta que não tinha provado antes ou simplesmente o nome de um
novo colega de trabalho, está a criar novas ligações neuronais ou, o que é o
mesmo, novas sinapses. Sabemos que as pessoas que mais viajaram, que
mais línguas falam, que mais longe chegaram na escola ou que cultivam
hobbies têm um maior número de ligações cerebrais. Se hoje de manhã leu
uma notícia no jornal, conheceu uma nova pessoa ou simplesmente
aprendeu algo sobre o cérebro ao ler este livro, posso garantir-lhe que
acrescentou vários milhares de sinapses às que tinha ontem quando se foi
deitar. Cada uma dessas novas sinapses que constrói sempre que aprende
algo novo tem um pequeno peso e ocupa um espaço no seu cérebro. Neste
sentido, a expressão «o saber não ocupa lugar» não é muito acertada.
Embora estejamos a falar de quantidades microscópicas, a soma de todas as
aprendizagens que realizar ao longo da vida implica uma parte considerável
do volume do seu cérebro e as diferenças de peso do cérebro entre pessoas
cultas e pessoas não cultas podem ser signi�cativas.
Reserva cognitiva e protecção intelectual
Tal como as poupanças que tem no banco o podem ajudar a  enfrentar
uma época de poucos lucros, uma boa reserva de conhecimentos
acumulada no seu cérebro pode ajudá-lo a resistir durante mais tempo
ao embate de doenças como o Alzheimer. Pode �car surpreendido ao ler
uns termos tão materialistas, mas a verdade é que o seu cérebro funciona
como uma reserva bancária a acumular conhecimentos em forma de novas
ligações neuronais. Como já viu, cada nova aprendizagem que �zer
(aprender o nome de uma nova rua, uma nova receita de cozinha ou a cara
da nova empregada da padaria) traduz-se por centenas de conexões
sinápticas novas no cérebro que lhe permitirão recordar essa nova
experiência e incorporá-la na sua vida. A soma de todas as ligações que
desenvolverá ao longo da sua vida con�gura o que conhecemos como
reserva cognitiva.
Todos temos reserva cognitiva, mas, tal como acontece com as �nanças,
uns são mais ricos do que outros. Lembra-se da irmã Bernadette? Falei-lhe
dela no capítulo em que percorremos juntos o mundo da saúde do cérebro.
Ela falava várias línguas, tinha trabalhado toda a sua vida como professora
em escolas secundárias, escrevia um diário, tinha formação universitária,
tinha viajado muito e mantido uma vida intelectualmente activa depois da
reforma, a  ler muito e a organizar a sua congregação religiosa. Quando
faleceu sem nenhum sintoma de ter problemas de memória, os
investigadores descobriram placas características do Alzheimer no seu
cérebro. Aparentemente, o cérebro conseguiu suportar o embate da doença
durante alguns anos sem mostrar sintomas. Tal como aconteceu com a irmã
Bernadette, há casos muito conhecidos, entre eles políticos, desportistas e
escritores, que se mostraram extraordinariamente resistentes à doença. Um
exemplo claro é Ronald Reagan, que se manteve na Presidência dos Estados
Unidos quando o Alzheimer já lhe tinha começado a provocar problemas
cognitivos. Em Espanha, Pasqual Maragall, já diagnosticado com a mesma
doença, foi capaz de manter o cargo de expresident da Generalitat e presidir
à fundação que tem o seu nome durante anos. Nos dois casos, o facto de
serem pessoas muito cultas (e o facto de terem uma equipa de pro�ssionais
e uma família extraordinária a apoiá-los) permitiu-lhes desempenhar as
suas funções e resistir à doença de uma maneira pouco comum.
Hoje em dia, várias décadas depois de surgirem os primeiros estudos
sobre a reserva cognitiva com jogadores de futebol americano, começou a
observar-se que a reserva cognitiva continua a proteger o cérebro de alguns
deles. Embora receber impactes repetidos aumente a vulnerabilidade
natural do cérebro para sofrer de demência na velhice e existam muitos
jogadores deste desporto afectados por perturbações neurodegenerativas
como o Alzheimer ou o Parkinson, os investigadores concluíram que esta
tendência não atinge no mesmo grau os desportistas com maiores níveis de
escolaridade. Por outras palavras, os jogadores que mais cultivaram a sua
mente são menos vulneráveis ao envelhecimento cerebral e  às suas
doenças.
Há pouco tempo li um estudo que garantia que um aumento de 5 por
cento de reserva cognitiva pode reduzir em 30 por cento o risco de sofrer
de Alzheimer. É um dado realmente promissor, não é? Num tom menos
cientí�co, cheguei a ler que os jogadores de xadrez são imunes a esta
doença, ou que a quantidade de músicos que sofre dela é de cerca de
metade que em outras pro�ssões. Como é evidente, parece que estes dados
são exagerados, embora existam indícios de que as pessoas que se dedicam
a estas actividades têm um grau extra de protecção. A verdade é que ainda
não sabemos se a reserva cognitiva pode prevenir totalmente doenças
neurodegenerativas como o Alzheimer. A minha opinião pessoal é que não,
e o consenso cientí�co indica que a reserva cognitiva não pode prevenir a
doença, embora possa ajudar a atrasar o seu aparecimento, a atenuar os
seus sintomas e a abrandar a sua progressão.
Pode parecer peccata minuta, mas atrasar, atenuar e abrandar uma
doença como o Alzheimer pode ser muito importante. Nós, que nos
dedicamos à sintomatologia, observamos os efeitos protectores da reserva
cognitiva na nossa prática quotidiana. Pela minha parte, conheci muitos
pacientes que tiveram lesões cerebrais de todo o tipo e, enquanto alguns
deles �caram muito afectados, outros recuperaram e conseguiram ter uma
vida relativamente normal. Embora o tipo de lesão ou a gravidade da
mesma determinem o prognóstico, quando nos deparamos com duas
pessoas com lesões praticamente iguais, o que determina em muitos casos
a diferença entre uma boa recuperação e outra um pouco pior costuma ser
o grau de reserva cognitiva. Para dar um exemplo, as lesões em regiões
cerebrais relacionadas com a linguagem costumam apresentar uma escassa
margem de recuperação, e na maior parte dos casos o paciente sofre de uma
incapacidade total para falar. Porém, lembro-me de vários casos em que a
recuperação superou todas as expectativas.
Os protagonistasdestes casos que conseguiram uma boa recuperação
contra qualquer prognóstico foram professores de literatura, �lólogos e
jornalistas. Tal como a irmã Bernadette conseguiu resistir ao forte embate
do Alzheimer durante mais anos, estes pacientes bene�ciaram da sua
reserva cognitiva para se recuperarem das suas graves lesões cerebrais. Tal
como todos eles, você pode expandir a  rede de sinapses e fortalecer a
muralha da sua reserva cognitiva. Uma ideia que acho especialmente
motivadora é que, embora os recursos materiais e económicos do planeta
sejam limitados, e,  portanto, nem toda a gente possa chegar a ser rica, a
informação circula livremente e o caminho para o enriquecimento
intelectual está livre de obstáculos. Na era da informação é muito simples
aceder à informação que alimenta a mente. Um cartão de biblioteca ou
uma ligação à internet são su�cientes para ler ou até ouvir em primeira mão
os grandes pensadores de todas as épocas da humanidade. Neste sentido,
com o tempo e a motivação necessários você pode ser o próximo Rockefeller
da reserva cognitiva.
Muita gente pergunta-me como pode exercitar a mente e prevenir a perda
de memória. A resposta é relativamente simples e está ao alcance de todos.
Longe de dedicar jornadas intensivas a fazer brain trainings e sudokus, a
maneira mais e�caz de cultivar a mente e construir reserva cognitiva é
manter a mente activa nas actividades quotidianas e aprender coisas novas.
As pessoas sentem-se com frequência desiludidas quando lhes indico que o
tipo de exercícios que se encontram nos passatempos ou jogos de
computador são pouco e�cazes para treinar a mente e fortalecer a reserva
cognitiva. A verdade é que, embora muitos deles se anunciem como
verdadeiros protectores do cérebro, o seu grau de estimulação é muito
limitado e não conhecemos o efeito que podem ter a longo prazo.
Os  poucos estudos neutros indicam que realizar muitos destes exercícios
durante anos pode signi�car uma pequena ajuda. Porém, devo insistir em
que a evidência cientí�ca mais signi�cativa se encontrou em actividades
mais tradicionais como dedicar-se a um hobby, relacionar-se socialmente,
aprender coisas novas ou ler. Um  estudo recente demonstrou que as
pessoas que incluíam mais actividades estimulantes na sua vida quotidiana
apresentavam na velhice uma menor quantidade de placas beta-amilóides
(depósitos de proteína que aparecem no Alzheimer). De facto, são várias as
investigações que destacam que este efeito aumenta na medida em que
estas actividades que estimulam a mente e ajudam a construir reserva são
mais regulares e precoces. Uma fácil leitura do que acabamos de ver é que
levar a sério a estimulação da sua mente aos 30  ou 40 anos lhe
proporcionará um maior nível de protecção do que se começar aos 60.
Aprenda coisas novas
Se há um ponto em que os teóricos da reserva cognitiva coincidem é em
a�rmar que a melhor maneira de construir reserva cognitiva é expor o
cérebro a situações novas e relativamente complexas. Para alguns
divulgadores este princípio funciona como o dogma central da saúde do
cérebro. Tive a oportunidade de ler livros totalmente dedicados a explicar
como fazer de cada situação quotidiana uma experiência nova: desde ir
para o trabalho todos os dias por um caminho diferente até reorganizar a
sua secretária uma vez por semana.
Embora julgue que o cérebro vai achar estes métodos pouco e�cazes e um
pouco ridículos, a verdade é que a base teórica sobre a qual se sustentam
faz muito sentido. São três os princípios que considero importantes para
criar reserva cognitiva através da aprendizagem. Em primeiro lugar, a
novidade do que aprendemos é crucial porque obriga o cérebro a criar
novas conexões que permitam assimilar estes novos conceitos. Neste
sentido, quanto mais novo for o que aprende melhor. Trocar o seu pão
preferido por outro da mesma padaria não implica muita novidade na sua
vida, e, no entanto, aprender a fazer pão em casa pode ser uma actividade
muito mais nova, já que os seus olhos, mãos e língua vão aprender as
quantidades de cada ingrediente, descobrir a sensação de amassar e
degustar o sabor do pão acabado de fazer com as suas próprias mãos. Em
segundo lugar, temos a importância ou signi�cação que isso tem para a sua
vida. O facto de o que aprende ser importante para si (quer porque o pode
aplicar no seu dia-a-dia quer porque desperta o seu interesse) assegura que
o relembra melhor e que possa passar a fazer parte da sua rede permanente
de neurónios. Para que possa recordar este segundo ponto e incorporá-lo
nesta rede de neurónios dar-lhe-ei um exemplo que possa associar à sua
vida: é possível que tenha aprendido a lista dos reis godos ou as declinações
latinas. Foram difíceis de aprender e fáceis de esquecer porque não
signi�cavam nada de especial para si nem despertavam o seu interesse. No
entanto, a receita do seu prato preferido ou a constituição da sua equipa de
futebol encontram com facilidade um espaço no seu cérebro e ancoram-se
às suas recordações de uma maneira e�caz porque é informação que
considera importante ou, pelo menos, interessante. Por �m, quanto mais
difícil ou complexa for a tarefa maior número de neurónios estará implicado
na sua aprendizagem e maior número de sinapses deverão ser construídas
para edi�car a sua recordação. Com estes dados na mão, quando me
perguntam sobre a e�cácia de fazer sudokus e palavras-cruzadas costumo
dar a seguinte resposta: «Não sei. Fazer essas palavras-cruzadas é algo novo,
complexo e importante para si?» Só estas três condições garantem que
estimule ligações no córtex cerebral, a  região do seu cérebro na qual se
constrói a reserva cognitiva. Portanto, se quer uma boa recomendação para
construir reserva cognitiva, procure actividades que reúnam estas três
características. Pode ser aprender uma nova língua, desenvolver um hobby
que implique desa�os novos e estimulantes, aprender um novo desporto,
começar uma nova colecção ou aprender a tocar um instrumento.
Independentemente daquilo que o motivar, trans�ra-o para o âmbito da
aprendizagem e viva-o como um desa�o no qual se deve superar todos os
dias. Para além de encher o seu cérebro de novas conexões, dará um maior
sentido à sua vida.
Desenvolva a linguagem
Desde a mais tenra infância o desenvolvimento da linguagem está
relacionado com um maior desenvolvimento intelectual em geral e com um
maior nível de protecção cerebral. Sabemos há algum tempo que as crianças
bilingues ou que desenvolvem a  linguagem gestual paralelamente à
linguagem falada têm um quociente de inteligência mais elevado.
Rea�rmando a teoria de quanto maior for o desenvolvimento intelectual
maior será a reserva cognitiva, há pouco tempo li um estudo que mostrava
uma menor incidência de Alzheimer entre pessoas idosas que tinham tido
uma infância bilingue.
Outros dados que apoiam o desenvolvimento da linguagem na luta
contra o envelhecimento do cérebro são aqueles que garantem que entre as
pessoas analfabetas o Alzheimer se apresenta em idades mais precoces, ou
os que indicam que as pessoas com hábitos férreos de leitura, as que
escrevem um diário ou poesia parecem afastar a  perda de memória
associada ao envelhecimento e às suas doenças.
Ler e escrever ajuda muito o desenvolvimento da linguagem, transfere-
nos para outros países ou realidades, expõe-nos a novas ideias e potencia a
imaginação. Por tudo isso parece lógico que as actividades descritas
contribuam para o arsenal de conhecimentos da sua mente e para a
construção de uma sólida reserva cognitiva. Este é o motivo pelo qual, de
todos os passatempos para a mente, as palavras-cruzadas são os que mais
recomendo. Por isso e porque a minha avó, que fez palavras-cruzadas todos
os dias durante toda a sua vida adulta, faleceu aos 99 anos com a mente
mais lúcida que vi numa pessoa da sua idade.
Exercite a memória
A memória é um dos aspectos mais vulneráveis ao envelhecimento do
cérebro e a muitas perturbações neurodegenerativas. Quase qualquer
condição neurológica está associada a uma perda de memória e,
precisamente

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