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DOENÇA DE BEHÇET

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Marc Carolina Ferreira 
 
-A doença de Behçet (DB) é uma afecção inflamatória multissistêmica de natureza autoimune 
caracterizada por lesões vasculíticas que se manifestam basicamente por meio de úlceras orais 
recorrentes, úlceras genitais, lesões cutâneas, artrite e uveíte, além de um estado de 
hipercoagulabilidade responsável pela formação de trombos venosos e arteriais. 
-Seu diagnóstico é essencialmente clínico, a uveíte pode ser a 1º manifestação que leva o 
paciente a procurar atendimento. 
EPIDEMIOLOGIA 
-É + prevalente nos países ao longo da área correspondente à rota da seda, uma antiga rota 
entre o Mediterrâneo e a Eurásia. A incidência varia de acordo c/ a região, sendo de 1:100.000 
nos EUA, 13:100.000 no Japão e 420:100.000 na Turquia. 
-A faixa etária + acometida varia entre 20 e 40 anos, mas pode manifestar desde em crianças 
até em pessoas idosas 
-A proporção entre homens e mulheres afetados varia de acordo c/ a região, sendo + grave em 
homens. História familiar da doença aparece em torno de 12% dos casos 
-Manifestações oculares ocorrem em 50 a 85% dos casos, bilaterais em 75 a 94%, sendo o olho 
o principal órgão acometido na doença. No Brasil, a doença de Behçet é responsável por 
aproximadamente 3% dos casos de uveítes. 
ETIOPATOGÊNESE 
-A etiologia ainda ñ está totalmente conhecida. Especula-se que fatores intrínsecos e 
ambientais colaboram p/ o desenvolvimento da doença, que se caracteriza por uma resposta 
inflamatória exacerbada levando a graves alterações vasculares. 
-A parcela de fatores intrínsecos é demonstrada pela associação c/ HLA-B51, presente em 
56,4% dos pacientes no Brasil, além de outros genes ligados ao fator de necrose tumoral (TNF), 
molécula de adesão intercelular I (ICAM I), fator V de Leiden 
-Nesses pacientes geneticamente predispostos, fatores ambientais infecciosos (herpes simples 
tipo I, o adenovírus tipo I e bactérias) e ñ infecciosos(ingestão de nozes, chocolate e tomate) 
são tidos como possíveis desencadeadores da resposta inflamatória exacerbada 
-A ativação da resposta inflamatória através de linfócitos T causa as alterações 
histopatológicas da vasculite nas vênulas c/ infiltrado perivascular de células mononucleares, 
proliferação das células endoteliais, degeneração fibrinoide e consequente necrose da parede 
vascular. 
QUADRO CLÍNICO 
-Apresentação clássica: se caracteriza por episódios recorrentes de úlceras orais e genitais, 
lesões cutâneas e oculares, além do acometimento de outros órgãos e sistemas. 
-Úlceras orais: caracterizam-se classicamente por serem geralmente múltiplas, dolorosas, de tamanhos 
variados e apresentarem margens avermelhadas c/ um fundo necrótico amarelado. Ocorrem em cerca 
de 97% dos casos e constituem o sinal + precoce da doença. Apresentam caráter recorrente e localizam-
se frequentemente na língua, lábios e gengiva, mas podem ocorrer em qualquer parte da mucosa oral + 
raramente o palato, faringe e tonsilas. As úlceras geralmente cicatrizam sem sequelas em 7 a 15 dias, 
mas a alta taxa de recorrência pode ser responsável pela continuidade das lesões. 
-Úlceras genitais: ocorrem em 80 a 90% dos casos, é a 2º manifestação clínica + comum da doença. 
São semelhantes às aftas orais, porém são maiores, + profundas e evoluem p/ ulceração, deixando 
cicatriz. Localizam-se + comumente no escroto e vulva, mas podem acometer o pênis, vagina e região 
perianal, sendo + dolorosas no homem. Lesões na vulva geralmente aparecem no período pré-menstrual 
do ciclo e em mulheres c/ menopausa precoce 
Marc Carolina Ferreira 
 
-Lesões cutâneas: pseudofoliculite, erupção acneiforme e o eritema nodoso são lesões frequentes. O 
eritema nodoso ocorre em cerca de 30% dos casos, principalmente em mulheres, e geralmente acomete 
os membros inferiores, caracterizando-se pela presença de nódulos subcutâneos hiperemiados, 
dolorosos à palpação que se resolvem em 10 a 14 dias, mas que tendem a reaparecer frequentemente. 
Pode ocorrer também a tromboflebite superficial, caracterizada por vasculite migratória de vênulas 
subcutâneas nas extremidades. A patergia é uma hiperreatividade cutânea inespecífica seguida a um 
trauma mínimo e é característica da doença de Behçet. 
-O comprometimento de grandes vasos (25% dos casos), venosos ou arteriais, ocorre em 
consequência de vasculite de vasa vasorum e do estado de hipercoagulabilidade associado à 
atividade inflamatória, culminando em tromboses (venosas ou arteriais, em vasos de qualquer 
calibre) e na formação de aneurismas arteriais. A DB ñ poupa a circulação pulmonar e o 
aneurisma de artéria pulmonar é uma complicação com elevada letalidade. 
-Lesões articulares: são comuns, acomete cerca de 45 a 55% dos pacientes, caracterizam-se por uma 
artrite intermitente, autolimitada, ñ deformante, mono ou oligoarticular e que envolve 
predominantemente os joelhos e os tornozelos. Sintomas associados à artralgia, como eritema e edema, 
geralmente estão presentes. As queixas articulares são + comuns em mulheres, e c/ duração inferior a 1 
semana. 
-Alterações vasculares: ocorrem em cerca de 20% dos pacientes, sendo + comuns nos homens. A 
vasculite é a característica da doença de Behçet, sendo que as veias são + comumente acometidas do 
que as artérias. As manifestações + comuns são a tromboflebite superficial e a trombose de veias 
profundas podendo causar obstrução das veias cavas inferior ou superior, hepática e renal, situação que 
pode levar a óbito. Embolia pulmonar, acometimento cardíaco e de artérias de forma isolada podem 
ocorrer, mas são raros. 
-Alterações neurológicas: envolvimento neurológico ocorre em aproximadamente 25% dos pacientes, 
geralmente se manifesta 5 anos após o início da doença, sendo + comum em homens está associado a 
um pior prognóstico. Manifesta-se como meningoencefalite, hipertensão intracraniana secundária à 
trombose de seio venoso, lesões de tronco cerebral, paralisia de nervos cranianos, alterações 
psiquiátricas, síndromes piramidal ou extrapiramidal e/ou envolvimento periférico. Cefaleia é a + 
comum, podendo se associar a paralisias e paresias, alterações da personalidade, demência e perda da 
memória. A RM é o principal método diagnóstico na neuro-Behçet, podendo revelar áreas de edema, 
microinfartos e inflamação do parênquima em cerca de 50% dos casos. 
QUADRO CLÍNICO OCULAR 
-O acometimento ocular na doença de Behçet ocorre em torno de 50 a 85% dos pacientes, 
sendo + comum e + grave nos homens (83 a 95% dos casos) do que nas mulheres (67 a 73% 
dos casos) 
-O comprometimento geralmente é bilateral e assimétrico e ocorre cerca de 2 a 3 anos após o 
início da doença, mas pode ser a 1º manifestação clínica da doença em cerca de 10 a 20% dos 
pacientes. 
-O acometimento do segmento anterior são as + comuns e 
apresentam melhor prognóstico quando isoladas. Cerca de 
90% desses pacientes mantêm boa visão após 10 anos de 
doença. se caracteriza por episódios recorrentes de 
iridociclite aguda ñ granulomatosa, pode haver formação 
de hipópio, sinequias posteriores, celularidade no vítreo 
Marc Carolina Ferreira 
anterior e catarata . Os sintomas + comuns são embaçamento visual, dor, fotofobia e 
lacrimejamento. Glaucoma secundário ocorre frequentemente, c/ boa resposta inicial ao 
tratamento clínico, mas muitas vezes exigindo implante de válvula de drenagem. 
-O acometimento do segmento posterior do olho 
são + graves, c/ cerca de 25 a 50% dos pacientes 
apresentando baixa visual importante após 5 
anos. Inclui a vasculite retiniana, sendo 
manifestação + característica da doença de 
Behçet. Podem apresentar embainhamento e oclusões vascularesna retina, edema, 
exsudatos, hemorragias e mesmo infiltrados retinianos, frequentemente associados a vitreíte. 
Nas fases terminais, observa-se quadro de atrofia difusa da retina, atrofia do disco óptico, 
vasos fantasmas e eventualmente atrofia do bulbo ocular. 
EXAMES COMPLEMENTARES 
-PCR podem estar elevadas durante os períodos de exacerbação em algumas manifestações 
específicas (como nas artrites), mas ñ em outras (como nas manifestações mucocutâneas). 
-A avaliação oftalmológica p/ a pesquisa de uveíte/vasculite retiniana é mandatória no 
momento da suspeita diagnóstica da DB e deve ser repetida, ao menos, sempre que sinais ou 
sintomas sugerirem a possibilidade de novo acometimento ocular 
-Endoscopia digestiva alta e colonoscopia são indicados na presença de sintomas 
gastrintestinais 
-Exames de imagem do encéfalo (preferencialmente a ressonância nuclear magnética), 
acompanhados de avaliação liquórica, estão indicados na suspeita de acometimento do SNC. 
-Angiotomografia ou angiorressonância são os exames indicados p/ a avaliação de grandes 
vasos torácicos e abdominais; a US c/ Doppler pode ser suficiente p/ os vasos periféricos 
-Teste da patergia: utilizado no diagnóstico da doença de Behçet se baseia na hipersensibilidade 
cutânea apresentada por esses pacientes. Utiliza-se a picada de 
uma agulha na pele do antebraço, sendo o teste considerado 
positivo quando há formação de uma pápula eritematosa ou 
pústula no local, 24 a 48 horas após a injeção. Biópsia do local 
estimulado realizada após 7 dias revela acúmulo perivascular de 
linfócitos, neutrófilos e mastócitos, caracterizando a vasculite. A 
biópsia  a especificidade diagnóstica do teste. 
-Angiofluoresceinografia: permite detectar precocemente o acometimento do segmento posterior 
do olho na doença de Behçet, mesmo quando ainda ñ 
há sintomas ou alterações fundoscópicas. Pode revelar 
extravasamento do contraste na parede dos vasos 
retinianos. Durante a evolução da doença podem-se 
observar oclusões vasculares, extravasamento de 
contraste no disco óptico, áreas de ñ perfusão capilar e 
vazamento de contraste na retina, caracterizando 
edema 
-Angiografia c/ indocianina verde: pode mostrar alterações que sugerem vasculite coroidiana, mas 
ñ é um exame essencial p/ o diagnóstico e acompanhamento dos pacientes 
-Eletrofisiologia ocular: pode ser útil como indicador do grau de comprometimento do segmento 
posterior dos olhos, predizendo o prognóstico visual dos pacientes. 
-Tomografia de coerência óptica (OCT): o uso do OCT na detecção precoce de alterações das 
camadas da retina cada vez + se mostra importante nos pacientes c/ doença de Behçet. O exame 
também é útil no acompanhamento e avaliação da resposta terapêutica 
DIAGNÓSTICO 
-O diagnóstico é baseado em critérios clínicos. A classificação adotada como critério 
diagnóstico p/ a doença foi formulada pelo Grupo de Estudo Internacional p/ a Doença de 
Behçet, em 1990, e abrange os critérios descritos na Tabela I. A presença de úlceras orais 
recorrentes associada a presença de 2 ou + critérios é suficiente p/ o diagnóstico. 
Marc Carolina Ferreira 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
-Deve ser feito c/ doenças que cursam c/ vasculite retiniana ou sistêmica e uveíte anterior ou 
difusa ñ granulomatosa. 
-São: sífilis, tuberculose, toxoplasmose, sarcoidose, esclerose múltipla, espondiloartropatias 
soronegativas, LES, granulomatose de Wegener e poliarterite nodosa 
TRATAMENTO 
-O paciente c/ diagnóstico de doença de Behçet deve ter uma abordagem multidisciplinar, 
c/ tratamento de acordo c/ as manifestações clínicas 
-Tratamento das manifestações oculares: tem como objetivo reduzir a gravidade e a frequência das 
crises. P/ as crises de uveíte anterior são utilizados colírios midriáticos e corticosteroides tópicos. Em 
caso de envolvimento do segmento posterior, o tratamento deve ser prednisona (1 a 1,5mg/kg/dia) 
associada a imunossupressor, geralmente ciclosporina (3 a 5 mg/kg/dia) ou a azatioprina (1 a 3 
mg/kg/dia). Outros fármacos imunossupressores alternativos são tacrolimo, micofenolato mofetil, os 
anticorpos anti-TNF-alfa (infliximabe e adalimumabe) e o interferon-alfa-2a. Os chamados 
imunossupressores biológicos têm sido cada vez + utilizados como alternativa eficaz no tratamento da 
doença de Behçet. Nos casos de oclusão vascular e de áreas de má perfusão capilar retiniana, a 
fotocoagulação a laser está indicada, visando melhorar a isquemia retiniana e prevenir a 
neovascularização da retina e do disco óptico. Complicações como catarata, glaucoma e alterações 
vítreorretinianas devem ser tratados caso a caso. 
-Tratamento das manifestações mucocutâneas: preparados c/ corticosteroides em base emoliente 
p/ uso tópico podem ser usados no tratamento das úlceras orais. Algumas apresentações comerciais de 
corticosteroides têm associações c/ anestésicos locais que melhoram o controle sintomático da dor. 
Parar de fumar e tratar adequadamente afecções dentárias, periodontites e gengivites são medidas 
provavelmente benéficas a estes pacientes. P/ reduzir a intensidade e a frequência dos episódios de 
exacerbação, a 1º escolha é a colchicina por via oral, iniciando c/ 0,5 mg/dia, podendo ser  a dose até o 
melhor controle dos sintomas ou surgimento de efeitos colaterais. Talidomida (evitar em mulheres), 
dapsona e pentoxifilina podem ser usadas c/ a mesma finalidade, como drogas de 2º linha ou em 
associação à colchicina. O uso da penicilina benzatina como profilaxia de infecções estreptocócicas (um 
dos principais suspeitos como agente desencadeador de surtos da DB) revelou-se eficaz na redução da 
frequência de episódios de exacerbação quando associado à colchicina. 
-Tratamento das manifestações articulares: são em geral adequadamente controladas c/ AINES, e 
a frequência dos episódios pode ser  pelos mesmos agentes sugeridos p/ o controle das exacerbações 
mucocutâneas (inclusive a penicilina benzatina). Se a intensidade ou a frequência dos episódios 
articulares justificarem seu uso, drogas anti-reumáticas tradicionais podem ser utilizadas (sulfassalazina 
e metotrexato são os agentes de 1º escolha). Porém, nos casos de artrite persistente, recomenda-se 
reavaliar o diagnóstico diferencial 
Marc Carolina Ferreira 
-Tratamento das manifestações 
gastrointestinais: indicam-se sulfasalazina e 
corticosteroides. O tratamento cirúrgico é necessário 
em caso de perfuração intestinal e sangramento 
persistente 
-Tratamento das manifestações no SNC: usam-se 
corticosteroides em altas doses, podendo-se optar em 
alguns casos por pulsoterapia. Os corticosteroides 
podem ser associados a ciclofosfamida, clorambucil e 
metotrexato 
-Tratamento das manifestações viscerais: o 
acometimento vascular ativo, c/ formação de 
aneurismas, deve ser tratado c/ altas doses de corticosteroides (preferencialmente em pulsoterapia) e 
agentes imunossupressores (por extrapolação de outras síndromes vasculíticas, dá-se preferência à 
ciclofosfamida, também em pulsos). Na existência de tromboses, anticoagulação c/ heparina seguida 
por cumarínicos via oral está indicada. Após a fase aguda, a necessidade de manter a anticoagulação 
deve ser avaliada a cada caso individualmente: uma vez que a hipercoagulabilidade está associada à 
atividade da doença, pacientes que mantêm episódios de exacerbação, apesar da terapia 
imunossupressora, talvez possam se beneficiar com a manutenção da anticoagulação. Intervenção 
cirúrgica pode ser necessária p/ a correção definitiva de aneurismas c/ risco de ruptura. De forma 
semelhante (imunossupressão e anticoagulação), são tratadas as tromboses de seios venosos 
encefálicos. Também por extrapolação de outras síndromes, a vasculite do SNC é geralmente tratada c/ 
pulsos deciclofosfamida e corticosteroides em altas doses, enquanto a inflamação do TGI é tratada c/ 
sulfassalazina e corticosteroides por via oral. 
PROGNÓSTICO 
-Na maioria dos pacientes, a doença apresenta períodos de exacerbação e remissão. O 
acometimento ocular pode tornar-se um importante risco à visão, c/ 25 a 50% dos pacientes 
evoluindo c/ baixa visual importante mesmo c/ tratamento 
-O envolvimento vascular, gastrointestinal e do SNC constitui a manifestação de > risco à vida 
do paciente, c/ uma taxa de mortalidade de 3 a 4%

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