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CORPO, DANÇA, EXPRESSÃO E MOVIMENTO ALESSANDRA TORRES BITTENCOURT ISBN 978-65-5821-017-7 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 1 7 7 Código Logístico 59837 ALESSANDRA TORRES BITTENCOURT Corpo, dança, expressão e movimento Alessandra Torres Bittencourt IESDE BRASIL 2021 © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa:OSTILL is Franck Camhi/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B542c Bittencourt, Alessandra Torres Corpo, dança, expressão e movimento / Alessandra Torres Bitten- court. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 116 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-017-7 1. Dança. 2. Linguagem corporal. I. Título. 21-70231 CDD: 793.3 CDU: 793.3 Alessandra Torres Bittencourt Doutora em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Mestre em Comunicação e Linguagens pela mesma instituição. Especialista em Corpo Contemporâneo, Bacharel e Licenciada em Dança pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP/UNESPAR). Especialista em Design de Embalagens pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Bacharel em Desenho Industrial: Programação Visual pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Atua no Ensino Superior desde 2008 e foi docente da UTFPR, da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e do Centro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade). Possui experiência com os cursos de Tecnologia em Artes Gráficas, Arte-Educação e Educação Física. Trabalha como docente da Uniandrade desde 2011, no curso de Educação Física, sendo responsável por disciplinas que envolvem o corpo, o movimento e a expressividade, como: Dança, Dança de Salão, Atividades Rítmicas, Ludomotricidade e Psicomotricidade. SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Desenvolvendo a consciência do corpo 9 1.1 Reflexões sobre o corpo 9 1.2 Conhecendo o corpo 15 1.3 O corpo brinca 22 2 Linguagem do corpo 30 2.1 Gesto 30 2.2 Sons 37 2.3 Expressividade 41 3 O movimento: Laban e seu estudo 50 3.1 Rudolf von Laban: teórico do movimento 50 3.2 Corpo e espaço 57 3.3 Outros elementos do movimento 61 4 A dança na escola 68 4.1 Linguagem da dança 68 4.2 Dança como área de conhecimento 73 4.3 Caminhos para a dança na escola 80 5 A dança no século XXI 88 5.1 Dança e tecnologia 88 5.2 Movimento e mídia 98 5.3 O corpo na cibercultura 104 Este livro pretende estimular a reflexão e a criatividade dos profissionais que trabalham com as linguagens artísticas, especialmente com a dança, nas diversas instituições de ensino do país. Todos que estão envolvidos com a educação dessas linguagens deveriam se perguntar, com frequência, quais as contribuições e funções da arte na escola e na sociedade. Qual a função do professor nesse processo? Como é possível estimular a criação, a experimentação e a fruição da arte, dentro e fora da escola? Para ajudar a responder essas questões, o primeiro capítulo trata das concepções de corpo ao longo da história, bem como dos aspectos da motricidade humana, necessários para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras e afetivas. A partir do segundo capítulo, as questões expressivas são abordadas objetivando observar aspectos da linguagem do corpo, por meio dos estudos de teóricos que se debruçaram na compreensão do gesto, do som e da expressividade. Afinal, o ser humano percebe a si mesmo e ao outro por meio de suas relações interpessoais, usando a linguagem expressiva. O terceiro capítulo traz o teórico que estudou o movimento, Rudolf von Laban, e que continua influenciando profissionais das áreas da arte e da educação. O conhecimento da teoria e prática de Laban é praticamente obrigatório no ensino brasileiro, considerando que seus princípios estão dispostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte. As leis que contemplam as linguagens artísticas na educação brasileira são tratadas no quarto capítulo e têm o intuito de promover a compreensão da dança como uma das linguagens artísticas que é (ou deveria ser) trabalhada na escola. Para finalizar o livro, é abordada a mudança do mundo analógico para o mundo digital, que afetou igualmente as artes e influenciou o caminho e a relação entre a dança e a tecnologia. APRESENTAÇÃO Vídeo A partir do século XXI, não é mais possível fugir da influência da conexão via rede para a criação e fruição da dança e de outras linguagens artísticas. Aos profissionais e educadores, fica o desafio de interagir, de modo mais frequente, com a tecnologia, além de propor um novo olhar estético para as artes, nas mídias contemporâneas. Desejo-lhe ótimas e novas experiências dançantes na escola! Bons estudos! Desenvolvendo a consciência do corpo 9 1 Desenvolvendo a consciência do corpo Estudar, compreender, refletir sobre o corpo é o mesmo que desvendar a história. As concepções de corpo, assim como a cul- tura e a sociedade, transformaram-se ao longo do tempo. Neste capítulo veremos algumas delas de acordo com o contexto históri- co, além de aspectos da motricidade humana que são necessários para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras e afe- tivas. Para finalizar o capítulo, vamos ver de que forma podemos compreender melhor nosso corpo por meio de atividades lúdicas que estimulam o desenvolvimento humano. 1.1 Reflexões sobre o corpo Vídeo Imagine que você passou algumas horas estudando, lendo e assis- tindo videoaulas na frente do seu computador, ou em uma outra tela qualquer, como em um celular, um tablet ou uma televisão. Em algum momento é possível que se sinta desconfortável, comece a perceber alguma dor e queira trocar de posição. Estar sedentário por algumas horas não significa que esquecemos as partes do nosso corpo, porque ele nos dá sinais da nossa existência física. Aliás, a tarefa intelectual (ler, refletir, por exemplo) não acontece além do seu corpo, ela é igualmen- te corpórea, embora outros recursos corporais (cog- nitivos e emocionais) é que sejam ativados. Dito isso, perceber e reconhecer-se no corpo não é privilégio de bailarinos ou atletas, só porque são menos sedentários. Todos nós podemos 1 nos reconhecer corporalmente, porém, historicamente, separamos os sentidos do resto do corpo e, ainda hoje, colocamo-nos em uma visão dualista, tendo 1 No sentido de sermos respon- sáveis por esse reconhecimento corpóreo que, às vezes, não acontece por simples negligên- cia ou, ainda, por problemas mais graves de saúde mental. Não entrarei no mérito de pato- logias relacionadas ao corpo. 10 Corpo, dança, expressão e movimento que explicar de que corpo (humano) estamos falando, como se corpo e alma, cérebro e resto do corpo estivessem divididos. O termo corpo vem do latim corpus e significa a estrutura física, ana- tômica de um ser humano ou animal. Esse termo tem váriossignifi- cados, além de corpo humano, por exemplo, corpo docente, que se refere a um grupo específico, ou corpo de uma letra, que designa o tamanho de uma fonte, como Arial 12pt. Segundo Dagognet (1992 apud GREINER, 2005), o corpo sempre foi sinônimo de cadáver, algo morto, físico, em oposição à alma ou anima. A civilização grega, considerada o berço da civilização ocidental, utiliza- va o termo soma para designar corpo sem considerar funções psíqui- cas, tendo outro termo para simbolizar o corpo vivo. Provavelmente, desde a civilização grega é que essa visão separada de corpo físico e mental tenha se construído no mundo ocidental. 1.1.1 O corpo e a civilização grega Três grandes filósofos gregos influenciaram a cultura ocidental e nos deixaram o legado de uma das primeiras concepções de corpo, estruturada histórica e filosoficamente: Sócrates, Platão e Aristóteles. Segundo De Luca (1999), esses pensadores nos deixaram as bases para a maneira como nos enxergamos. Para eles, era importante desenvolver o corpo integral. A educação nesse período foi pensada em desenvolver o corpo tanto na parte fí- sica quanto na parte mental (alma), contudo separavam-se atividades do intelecto e do exercício físico, dando maior valor ao desenvolvi- mento da alma. Embora os três filósofos citados não concordassem com a ordem a qual o corpo deveria ser educado, primeiro o físico e depois o intelecto ou vice-versa, todos valorizavam o corpo harmonio- so (por meio de atividades físicas) para abrigar a alma (pelo desenvol- vimento do intelecto). A civilização grega é repleta de registros valorizando o corpo harmo- nioso, que representava boa saúde. O corpo era construído pelo treina- mento por meio de atividades físicas em conjunto com atividades mentais. A valorização da estética corporal estava relacionada com a ca- Desenvolvendo a consciência do corpo 11 pacidade atlética, a fertilidade e a saúde. Os jogos olímpicos são um exemplo dessa valorização do corpo e da capacidade atlética do homem. “O grego desconhecia o pudor físico, o corpo era uma pro- va da criatividade dos deuses, era para ser exibido, adestrado, treinado, perfumado e referenciado, pronto a arrancar olhares de admiração e inveja dos demais mortais” (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p. 25). Contudo, o significado de apreciar o corpo ia além do narcisismo, pois, para que o homem tivesse uma vida plena, deveria cuidar de si próprio, do corpo e da mente. As atividades físicas eram primordiais para os ho- mens mostrarem suas habilidades guerreiras, especialmente nos jogos olímpicos. Da beleza ao pecado, o corpo passa a ter outra concepção devido ao cristianismo. A crença de que Deus está em toda par- te e tudo vê faz com que homens e mu- lheres cubram seus corpos, inclusive na sua intimidade. Ocultar o corpo fazia par- te do pensamento cristão, que o abominava como vestimenta da alma, esta última consi- derada aprisionada no corpo. Desse modo, a dualida- de corpo e alma é evidenciada valorizando a alma em detrimento do corpo. O bem-estar em busca da salvação e da vida eterna só poderia ser efetivado com a valorização da alma em vez dos prazeres. A educação sufoca e controla o corpo, reprimindo os desejos da carne por serem considerados pecado. Ao negar tudo que é material, o homem, como ser divino, deve controlar seu corpo e todas as tentações a que ele é submetido. Segundo Werneck (1997, p. 304), o “corpo como fonte de pecado é a causa de todos os males e da decadência humana”. 1.1.2 Corpo e Idade Média A Idade Média foi dominada pelo cristianismo, o que favoreceu o dualismo corpo e alma, ou carne e espírito. Esse período foi marcado pelas punições corporais, como o autoflagelo. Os castigos e as puni- Figura 1 Estátuas representando os corpos atléticos e harmoniosos. Discóbolo, nome da estátua à direita, na Grécia antiga era como eram chamados os atletas que arremessavam o disco. aperturesound/Shutterstock Se rg ey V as ily ev /S hu tte rs to ck . 12 Corpo, dança, expressão e movimento ções públicas eram autorizados pelas instituições religiosas, com a in- tenção de salvar a alma daquele que era punido. Esses castigos eram verdadeiros espetáculos em praça pública, desde a punição até a con- denação do réu, e todo o povo se reunia para assistir tal “ato festivo” (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p. 27). Ainda na época medieval, é possível verificar o quanto a mulher era reprimida por ser considerada bruxa. Era entendido que os demônios em corpos femininos perseguiam os homens para se apropriar de suas almas. As mulheres como símbolo de sexualidade representavam o de- mônio e muitas delas foram mortas. Desse modo, era fácil reafirmar o pecado da carne, considerando que toda mulher poderia ser bruxa e dominar o corpo do homem. m at rio sh ka /S hu tte rs to ck 1.1.3 Corpo e Renascimento O Renascimento nega os valores antigos, tornando o homem dono de si e não mais vigiado pela ordem religiosa. Junto com esse período surge uma nova visão do corpo. No Renascimento, também denomina- do de Era Moderna, havia uma preocupação em valorizar a liberdade do homem e a razão em detrimento da espiritualidade. As pinturas de Leonardo Da Vinci são exemplos de valorização e redescoberta do corpo, assim como a importância de seu estudo cien- tífico inserido no trabalho do artesão. É possível verificar tais eventos em filmes que retratam a época, como O nome da rosa. Escrito por Umberto Eco em 1980, o suspense investigativo retrata a época medieval e aborda as crenças religiosas que regiam a sociedade. Direção: Jean-Jacques Annaud. Itália; França; Alemanha: 1986. Filme Desenvolvendo a consciência do corpo 13 Foi nesse período de descobertas científicas que começaram a estu- dar o corpo por dentro e por fora, tornando-se, assim, mais um objeto de pesquisa. O corpo começou a ser analisado, des- crito e investigado em sua parte anatômica e biome- cânica. Além da teologia e da filosofia, outras ciências surgiram, como a matemática, a química e a biologia. A referência da antiguidade clássica influenciou a visão de corpo no Renascimento e favoreceu não só o corpo saudável e harmonioso, valorizando a ativi- dade física, como o dualismo corpo-alma. Descartes é considerado o filósofo que instaurou e validou a no- ção de corpo. Para ele, o homem consistia em duas partes: uma tratava-se da razão, do pensamento, da alma; e a outra tratava-se da matéria, o corpo distinto da alma. A razão torna-se mais importante, sendo o corpo seu servo. A aristocracia fazia atividade física por prazer e para aperfeiçoar a saúde do corpo, enquanto os tra- balhadores usavam seus corpos para serviços mais pesados: agricultura, artesanato, malabarismo, arte e servidão à corte. Por esse motivo, os trabalhos corporais foram validando o pensamento de que a razão prevalece sobre o corpo. 1.1.4 Corpo e indústria À medida que as sociedades foram crescendo, a produção agrícola se ampliou, o comércio se expandiu e as grandes indústrias começam a ser criadas. A Era Industrial surgiu com uma nova concepção de corpo: o corpo como uma máquina. A Revolução Industrial colaborou com o acúmulo de capital e o corpo trabalhava como fonte de energia para favorecer esse processo. Os movimentos corporais eram regidos pelo tempo e espaço da indústria, um corpo manipulável e oprimido. Com o aumento das indústrias, surgiu a necessidade de mão de obra especializada, portanto precisavam fazer escolas para os traba- lhadores além daquelas voltadas só para a elite. O ensino teve que ser ampliado para o bem da indústria. Assim, a educação do corpo discipli- nado surge para poder servir às necessidades do mundo do trabalho. Figura 2 Homem Vitruviano – Leonardo da Vinci. Re ee d/ Sh ut te rs to ck 14 Corpo, dança, expressão e movimento O século XIX foi impactado pelas mudanças da Revolução Indus- trial e suas transformações sócio-históricas, como: a ampliação de técnicas agrícolas, a criação de novosmeios de transporte (como o navio a vapor), a substituição do carvão pelo petróleo e pela eletrici- dade. Para isso era necessário mais trabalhadores, aumento do ho- rário de trabalho e mais mão de obra especializada. Nesse contexto, mulheres e crianças eram igualmente exploradas para o trabalho na indústria, fortalecendo a visão de corpo como máquina geradora de energia para produção do capital. O século XX foi marcado por duas guerras mundiais, e uma grande transformação na concepção de corpo ocorreu, especialmente após a Segunda Guerra. Depois de anos reprimindo dores da guerra, o corpo passsou a contesta, libertar-se e clamar por mudança. Assim, algumas manifestações são lembradas até hoje, como o movimento de libertação das mulheres, de valorização dos negros, dos hippies e dos índios. É a mesma época do rock and roll, que pregava amor livre, drogas e sexo. O corpo estava se libertando de amarras históricas, mostrando tudo o que estava reprimido de uma forma explícita e pública. Usar roupas soltas, pegar carona, fumar, namorar, eram atitudes que indicavam uma liber- tação corporal. Independentemente de juízo de valor (certo ou errado, feio ou bonito), era a concepção de corpo que estava reprimida na socie- dade há séculos e encontrou caminhos para ser exteriorizada. Qualquer que seja a época histórica e quanto mais tentamos compreender as concepções de corpo em suas diferentes culturas, é possível perceber a necessidade do ser humano em explicar a diferen- ça daquilo que é matéria – o corpo como carne, “casca” ou “armadura” – para algo que não se pode enxergar imediatamente, a alma – o senti- mento, o pensamento, a história que aquele corpo conta, mesmo que sua intenção seja uma visão de corpo integral. 1.1.5 Corpomídia A teoria de corpo denominada corpomídia foi proposta por Christine Greiner e Helena Katz no início do século XXI. As duas autoras, envol- vidas no mundo da dança e da comunicação, apropriaram-se dessas ciências para criar sua concepção de corpo, baseando-se na teoria da A intenção deste texto é mostrar quanto a noção de corpo muda de acordo com a transformação da sociedade ao longo da história. Atenção Desenvolvendo a consciência do corpo 15 evolução e da comunicação. A dança é compreendida como linguagem do corpo e, por isso, é difícil de ser explicada em palavras. Portanto, essa concepção foi bastante difundida e aceita entre a área da dança na primeira década do século XXI. Para as autoras, o corpo não é um recipiente onde guardam-se in- formações, tampouco um meio pelo qual a informação passa, como se fosse um meio de transmissão. Toda informação que recebemos está em constante troca e transformação com aquelas referências que pos- suímos. Com base nessecruzamento de informação é que o corpo se torna o que é: a mídia de si mesmo, por meio das trocas de mensagens recebidas, enviadas e processadas. Imagine que você está recebendo uma informação nova, por exem- plo, a concepção corpomídia. Porém, você já conhece outras refe- rências a respeito de concepções de corpo e, à medida que escolhe processar esse cruzamento de novas mensagens percebidas e trans- formar em nova informação, seu corpo ressignifica suas referências. É um processo cognitivo que tem origem na motricidade, então o corpo remodela seu modus operandi e sua maneira de agir. O corpomídia faz parte de um processo evolutivo que seleciona as informações que vão construindo o corpo, transmitidas pelo processo de contaminação. Essa concepção de corpo é apenas um exemplo para tentar explicar em palavras, mais uma vez, algo que vários pesquisadores trabalham até hoje para fazer. Não há dúvidas que somos historicamente conta- minados pelo conceito de corpo separado da mente e que o nosso dis- curso, por mais integral que tente ser, ainda é dualista, legado deixado pelos filósofos gregos e base do pensamento ocidental. Imagine que você está com gripe e vai trabalhar. Seu corpo está contaminado com uma infor- mação (biológica, fisiológica, emocional, cognitiva, motora), no caso, um vírus (que represen- ta, neste texto, uma mensagem e um significado). Quando seu colega de trabalho chega perto de você e é contaminado por essa informação, o corpo dele percebe a mensagem e processa de outro modo, podendo ou não ter os mesmos sintomas. De qualquer forma, seu colega foi contaminado com uma informa- ção nova, que será ressignificada naquele corpo. Exemplo 1.2 Conhecendo o corpo Vídeo O conhecimento do corpo está relacionado aos estímulos externos que geram ações, ou seja, geram o movimento, por exemplo, observar, olhar e sentir. O movimento é considerado o principal elemento para o crescimento e o desenvolvimento do ser humano (BUENO, 1998). Toda ação está relacionada a um movimento, assim como todo movimento está relacionado a uma ação com significado. 16 Corpo, dança, expressão e movimento Mesmo as nossas primeiras ações, aquelas que não temos controle, chamadas de atos reflexos, são responsáveis pela origem de nossas fu- turas ações, voluntárias e conscientes. Um exemplo de ação reflexa é quando tomamos um choque na tomada. Imediatamente, nosso corpo responde, retraindo os músculos e sentindo a dor e o susto do choque. Isso acontece automaticamente, antes de a mensagem ir para o cérebro e, por isso, é denominada de ação incons- ciente ou reflexa. Essas ações, mesmo fugindo ao nosso controle, fazem parte da nossa percepção de sobrevivên- cia. Ao tropeçar em uma fogueira e cair com as mãos em cima dela, temos a mesma resposta rápida de movimento reflexo que faz parte da nossa sobrevivência, pois não quere- mos que aquela dor continue e que o fogo atinja o resto do corpo. Então, uma ação reflexa é involuntária, ou seja, uma resposta rápida a um estímulo, mas é precursora de nossas ações motoras conscientes. Outro exemplo de ação reflexa é quando o médico toca no seu joe- lho com um martelinho de borracha. A perna se move para cima no sentido de esticar o joelho, antes mesmo de você pensar na ação, O mesmo ocorre quando um bebê usa a mão para prender o dedo de um adulto, está utilizando o reflexo de preensão, o que irá ajudá-lo futura- mente a manipular objetos. Figura 3 Movimentos reflexos M on gk ol ch on /S tu di o 72 /S hu tte rs to ck Os exemplos vistos até aqui são de movimentos reflexos. Para que o bebê e a criança comecem a ter uma consciência do corpo, das WAYHOME studio/Shutterstock Desenvolvendo a consciência do corpo 17 suas ações físicas, intelectuais, sociais e emocionais, é de fundamen- tal importância o estímulo psicomotor que se dá, especialmente, do nascimento até os 8 anos aproximadamente. Veremos a seguir alguns aspectos da psicomotricidade que colaboram para o reconhecimento e o desenvolvimento das ações motoras voluntárias, ou seja, movimen- tos conscientes. Os conceitos funcionais da psicomotricidade são aque- les que conseguimos medir e perceber se o ser humano está integrado em um espaço e um tempo adequados para sua idade. Todo “professor deve considerar o desenvolvimento motor da crian- ça, observar suas ações físicas e habilidades naturais” (BRASIL, 1997, p. 49). Dessa maneira, é possível capacitar o corpo para o movimento, ampliar o vocabulário motor e dar sentido às potencialidades das crian- ças e dos jovens. 1.2.1 Coordenação dinâmica global A coordenação dinâmica global 2 está relacionada ao controle dos movimentos amplos do corpo. “Sua função é permitir, da forma mais eficaz e econômica possível, movimentos que interessam a vários segmentos corporais, implicados em um gesto ou em uma atitude” (BUENO, 1998, p. 51). A coordenação dinâmica global pode ser estática ou dinâmica. A coordenação estática está relacionada a movimentos que permitem a conservação de certa atitude, por exemplo, ao imitar uma estátua, fa- zer uma pose ou esperar imóvel. A coordenação dinâmica é utilizada para executar movimentos que exigem mais de um grupo muscular trabalhando ao mesmotempo, por exemplo: correr, saltar, arremessar, engatinhar, rastejar, rolar etc. A intenção desta seção é compreender que a parte psicomotora está interligada ao reconhecimento do corpo, do eu e das escolhas motoras. Não cabe aqui falar da psicomotri- cidade em si, mas como essas características psicomotoras colaboram para podermos ajudar a criança por meio de estímulos de reconhecimento pessoal, interpessoal e formação da sua identidade corporal. Atenção Podem ser encontradas nomenclaturas diferentes como: coordenação dinâmica geral (LE BOULCH, 2001), ou simplesmen- te coordenação motora. 2 Figura 4 Crianças correndo. M on ke y B us in es s Im ag es /S hu tte rs to ck 18 Corpo, dança, expressão e movimento 1.2.2 Coordenação motora fina Quando a criança consegue controlar pequenos músculos (mãos, dedos, boca, olhos) para fazer atividades específicas e exercícios re- finados, como encaixar, colar e recortar, ela está envolvida com a coordenação motora fina. A relação olho-mão, conhecida como coordenação visomotora, é quando a criança consegue controlar movimentos pelo olhar. Para desenhar uma linha, por exemplo, é preciso acompanhar o lápis com os olhos. Para rabiscar, pintar, encaixar, observar e explorar, é preci- so mover esses pequenos músculos. Esse tipo de estímulo vai favorecer o desenvolvimento da grafia e colaborar para a construção da identidade da criança, que começa a ter maior autonomia ao conseguir pegar a própria comida com o talher, por exemplo. 1.2.3 Tônus, postura e equilíbrio O tônus muscular refere-se à resistência de um músculo durante uma ação. Quando tocamos um músculo, percebemos pelo nosso tato se ele está muito firme, ou seja, se a resistência à distensão é elevada, o que é denominado de hipertonia. Já o contrário, a chamada hipotonia ocorre quando percebemos o músculo flácido, ou seja, a resistência à distensão é baixa. O tônus muscular nos dá a capacidade de manter a postura e o equilíbrio corporal. A postura está diretamente relacionada ao tônus e constitui uma unidade tônico-postural (BUENO, 1998). É o tônus que ajuda a criança a ficar em determinadas posições: em pé, sentada, deitada. Para cada ação corporal, há uma postura ou uma mudança de posturas que são definidas com a ajuda da energia tônica canalizada para tal ação. O in- divíduo deve ser capaz de dominar cada postura para poder executar a ação pretendida, e o tônus é o responsável pela manutenção postural. O equilíbrio compreende a noção de distribuição do peso corporal em relação ao espaço, ao tempo e ao eixo de gravidade. Para Bueno (1998), é a base para a coordenação dinâmica global. Há dois tipos de equilíbrio: o estático e o dinâmico, sendo o primeiro mais difícil por exigir maior concentração e controle. Dominar o equilíbrio estático significa saber controlar sua postura. Já o equilíbrio dinâmico relacio- Figura 5 Bebê utilizando sozinho o talher. Ole.CNX/Shutte rstoc k Desenvolvendo a consciência do corpo 19 na-se com o centro de gravidade e com o domínio do tônus e da pos- tura. O aparelho vestibular é o responsável por manter as sensações relacionadas ao equilíbrio, incluindo a posição ereta. “Na evolução psi- comotora da criança é necessário que ela tome consciência do seu con- tato com o solo e com a mobilidade da articulação do pé e do tornozelo para uma boa progressão do equilíbrio” (BUENO, 1998, p. 56). Figura 6 Crianças praticando exercício de equilíbrio. Da vid T ad ev os ia n/ Sh ut te rs to ck 1.2.4 Esquema e imagem corporal Segundo Bueno (1998), algumas pessoas acabam compreendendo esquema e imagem corporal como termos sinônimos. Porém, o esque- ma corporal está relacionado à percepção das partes do corpo e suas funções. A personalidade da criança é formada pela compreensão e percepção do seu esquema corporal, por isso é indispensável para o equilíbrio das funções psicomotoras. A ação é uma linguagem funda- mental, pois por meio dela o indivíduo se comunica com o mundo. Des- se modo, o esquema corporal faz parte do resultado das experiências corporais (ações) que vão criando a consciência de si e da relação com o meio. A imagem corporal é a percepção que a pessoa tem de si mesma, e não somente de suas funções motoras. A imagem corporal, para Schilder (1963 apud FONSECA, 2008), refere-se a uma relação perma- aparelho vestibular: conjunto de órgãos do ouvido interno, orgão sensorial responsável pelo equilíbrio e pelos estímulos auditivos. Glossário 20 Corpo, dança, expressão e movimento nente com a história motora, afetiva e cognitiva. É por meio dessa inter- -relação que o indivíduo vai se estruturando e reestruturando de modo contínuo ao longo da vida. Perceber o corpo como baixo ou alto e ter consciência de si e de suas capacidades e habilidades ajudam no desenvolvimento da identidade da criança. A imagem corporal, a identidade, o esquema corporal são construídos por meio das experiências com o outro. Muitas vezes, a visão de nós mes- mos se dá no processo relacional, em nosso investimento no outro e no investimento do outro em nós. As novas percepções de mim mesmo e da minha relação com o outro e o meio se tornam constantes a cada ação psicomotora e desenvolvendo a maturidade biopsicossocial do ser no mundo. 1.2.5 Organização espacial e temporal De acordo com Bueno (1998), é difícil compreender a noção de es- paço, de tempo e de corpo separadamente, pois o corpo ocupa um espaço em determinado tempo. É pelo nosso corpo que a percepção de espaço e tempo se desenvolvem. A organização espacial é a capacidade de tomar consciência da si- tuação das coisas entre si. As noções de direção, de distância, de mo- vimentar coisas de um lugar para outro ou de organizá-las colaboram para a compreensão da percepção espacia. Pe organização espacial, a criança aprende a se situar na sua casa, na escola, nos caminhos que percorre e nos locais que frequenta. A percepção espacial ocorre, em um primeiro momento, funda- mentada na referência do próprio corpo; é uma noção egocêntrica, pessoal e se organiza de acordo com a experiência do esquema corpo- ral. Piaget denominava essa fase de pré-operacional, em que a criança é mais egocêntrica e pensa que tudo que lhe acontece está relacionado com suas vontades. Já Wallon 3 chamava essa fase (entre os 5 e 6 anos) de personalística, que é quando a criança evolui por si, desenvolvendo sua identidade (BUENO, 1998). A percepção temporal está totalmente relacionada à noção espa- cial. O tempo, por sua vez, é algo mais abstrato, que não pode ser ob- jetivado e percebido como o espaço, mas pode ser expresso pelo som. Figura 7 Bebê observando sua ima- gem refletida no espelho. ARTYOORAN/Shutterstock Jean Piaget centrou seus estudos na importância do movimento para formação da inteligência. Para saber mais, algumas obras deste autor estão disponíveis na internet para download, gratuitamente. Disponível em: https://www. livrosgratis.com.br/ler-livro- -online-119943/jean-piaget. Acesso em: 5 jan. 2021. Saiba mais Henri Paul Hyacinthe Wallon foi filósofo, médico e psicólogo. Ele também baseou seus estudos no desenvolvimento cognitivo. Para Wallon, a motricidade, a afetivi- dade e a cognição têm a mesma importância, criticando estudos anteriores que privilegiavam a compreensão do aspeto motor ou cognitivo. 3 https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-119943/jean-piaget https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-119943/jean-piaget https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-119943/jean-piaget Desenvolvendo a consciência do corpo 21 De acordo com Bueno (1998), a organização temporal é a capacida- de de: Perceber a ordem dos acontecimentos Perceber a duração de intervalos de tempo Compreender os ciclos que se renovam Compreender como o tempo é irreversível Antes, depois, durante. Hora, minuto, andar, correr, acelerar, frear. Estações do ano, dias da semana, meses, anos. Envelhecimento, plantas,animais, pessoas. Vamos ver algumas situações para exemplificar o desenvolvimento de noção do tempo: • Uma criança viajando de carro com os pais normalmente per- gunta várias vezes: “estamos chegando?”, “falta muito?”, “já chegamos?”. • Uma criança conta uma história e diz: “eu fui brincar na casa do tio João, amanhã”, “Nós vamos ver a vovó, ontem?”. Várias atividades são desenvolvidas na educação infantil para que a criança consiga desenvolver a organização temporal. Pode-se pedir para observar uma plantinha nascendo ou fazer um calendário e deixar desenhado na sala, com os dias da semana indicando os aniversários. O exercício rítmico é uma das formas de explorar a noção de tempo, assim como outras formas de conscientização corporal. Para perceber o ritmo, é necessário explorar o espaço ao redor com o próprio corpo. Fazer atividades rítmicas com música e explorar o ritmo natural favore- ce o desenvolvimento da noção rítmica. Para Bueno (1998, p. 67), a praxia do ritmo, ou seja, a capacidade de reproduzir estrutu- ras rítmicas pela noção da evolução dos fenômenos temporais com domínio da sucessão dos elementos constituintes de uma estrutura rítmica homogênea, só é obtida com grande vivência corporal do ritmo em relação a si primeiramente e depois em relação ao outro. Vimos até agora como é importante o desenvolvimento de algumas habilidades da criança para que ela consiga compreender-se como ser 22 Corpo, dança, expressão e movimento no mundo: coordenação dinâmica global, coordenação motora fina, tônus, postura, equilíbrio, imagem e esquema corporal, organização es- pacial e temporal. Além disso, não podemos esquecer outros fatores do desenvolvimento, como a percepção dos sentidos (audição, visão, tato, olfato, paladar) e os conceitos que tratam da interação do eu com o mun- do (expressão, comunicação, afetividade). Esses aspectos irão construir a identidade da criança, suas habilidades, capacidades motoras, cognitivas e afetivas, por meio de jogos e brincadeiras por ela experienciados. 1.3 O corpo brinca Vídeo Quando nascemos, não somos ainda civilizados, no sentido de não sermos conscientes das regras sociais a nossa volta. À medida que vamos crescendo, aprendemos que algumas ações não podem acon- tecer em determinados lugares. Assim, o corpo começa, desde cedo, a aprender como se mover em determinadas situações. Essas regras são essenciais para manter a sociedade organizada, contudo, algumas crianças, especialmente as menores de 5 anos, desobedecem algumas delas, como ao pegar algo ao seu alcance no mercado ou na farmácia sem avisar os pais. Propositalmente, os mercados, bancas, mercearias e estabele- cimentos em que as crianças costumam ir com um adulto têm mer- cadorias que as atraem, como balas, pirulitos, biscoitos, bichinhos e personagens da moda. As crianças não levam balas para casa sem pa- gar no intuito de roubar, porque para elas não é errado levar embora, até que alguém explique como e por que aquilo pode ou não ser feito, ou seja, até que ela compreenda a regra social em vigor. Depois que a criança começa a entender que as coisas têm valor e que não é possível simplesmente pegar e levar embora, ela começa a mostrar para o adulto aquilo que quer levar/comprar. Nesse caso, tem outra regra que ela desconhece: não fazer escândalo em lugares públicos. Quantas vezes vemos crianças no mercado ou na mercearia chorando, gritando, fazendo uma cena por ter sido contrariada? Não estamos questionando aqui se isso é recorrente, se a criança é mimada ou se a culpa é do adulto que está junto, mas dando um exemplo de uma situação que pode acontecer ao menos uma vez na vida dessa criança até ela descobrir que também há uma regra social para isso. Imagine você nessas duas situações com uma criança, o que você faria? Iria ensinar o que é certo? Ou falaria que não pode e explicaria o porquê? Indepen- dentemente de sua resposta, a criança seria repreendida de alguma forma e sua ação seria tolhida. Claro que essas situações são exemplos extremos de como o corpo pode ser reprimido. Porém, isso é mais comum do que imaginamos. Para refletir Desenvolvendo a consciência do corpo 23 Podemos perceber que em qualquer lugar, como escola, igreja, tra- balho, ou casa de parentes, nossos movimentos são, de alguma ma- neira, reprimidos. Uma das maneiras de estimular a ação corpórea e ao mesmo tempo ensinar regras sociais para as crianças é por meio de jogos e brincadeiras. A criança aprende dessa maneira e começa a resolver problemas individualmente e/ou em grupo. Brincar no escor- regador sozinha, mas sob supervisão de um adulto, é uma maneira de experimentar uma sensação nova e individual. Participar de um jogo ou de uma brincadeira que exija a cooperação em equipe é outra for- ma de aprender a resolver problemas. O estímulo das habilidades motoras faz parte do aprendizado da criança e favorece não só a parte motora, mas afetiva e cognitiva. Con- siderando que as crianças do século XXI estão cada dia mais vivendo “dentro” de telas individuais de smartphones, tablets e outros dispo- sitivos, é de responsabilidade do adulto, seja tutor, mãe ou professor, estimular experiências motoras, lúdicas e criativas. 1.3.1 Brincadeira de criança Atualmente está cada vez mais difícil ver crianças brincando. Por que isso acontece? Primeiro porque muitas não moram mais em casas, que são locais com espaços abertos. Um pedaço de grama ou de calça- da já seria o suficiente para a criança espalhar alguns objetos para brin- car. Os edifícios nem sempre têm área comum, como quadra, jardim ou churrasqueira. Os espaços encolheram, assim como os movimentos corporais, fazendo com que as crianças brinquem na escola, no parque ou em casa de parentes e amigos. Por esse motivo, o horário de recreio (intervalo) na escola é ansiosamente esperado, mesmo em dias de chuva, considerando que nesse lugar as crianças têm mais espaço aberto para se mover e ainda assim são controladas por adul- tos: espaço e segurança no mesmo lugar. Figura 8 Crianças brincando de cabo de guerra. Ro be rt Kn es ch ke /S hu tte rs to ck 24 Corpo, dança, expressão e movimento Outro motivo por que as crianças não brincam mais como antiga- mente é devido à insegurança que os pais têm em deixá-las brincarem na rua ou na pracinha devido à violência urbana. Isso acaba diminuindo as interações sociais entre vizinhos, amigos de bairro ou de rua. Algu- mas crianças em cidades pequenas, normalmente conseguem experi- mentar formas diferentes de brincar, explorando mais sua capacidade corporal do que as que vivem em grandes centros urbanos. O videogame, o smartphone e a internet começaram a se tornar as melhores opções de brincadeira para aqueles que vivem em espaços pequenos e violentos, o que dificulta não só a movimentação corpórea e expressiva da criança e do futuro adulto, mas de seu processo de desenvolvimento afetivo, emocional e social. Além disso, crianças que não podem sair de casa enquanto os adultos estão trabalhando podem enfrentar outros problemas de saúde, como a obesidade 4 . Figura 9 Menina jogando videogame. Af ric a St ud io /S hu tte rs to ck O papel do adulto, para que a criança comece a desenvolver sua coordenação global na idade pré-escolar, consiste em transmitir afeto e segurança enquanto ela tenta descobrir formas de resolver os proble- mas propostos em determinadas brincadeiras. Na escola, o professor deve saber intervir, sem dar a resposta. As crianças menores de 5 anos podem ter mais dificuldades de compreender a brincadeira ou a situa- ção-problema 5 do que crianças maiores. É possível dar exemplos ges- tuais, verbalizar outra instrução ou mostrar um exemplo de finalização do processo, mas nunca dos caminhos que a criança deve tomar para chegar ao resultado, estes devem ser conquistados por ela. Não cabe aqui discutir os pro- blemas de saúde que podem ser causados. São apenas exemplos para deixar os adultos e respon-sáveis atentos. Os profissionais da educação devem, igualmente, ter um olhar apurado para esse tipo de situação. 4 Uma situação-problema consiste em “colocar a criança em uma tarefa bem definida, onde deverá encontrar uma resposta através de ajustamentos progressivos, permitindo-lhe assim a descoberta de uma nova praxia. (...) Praxia – conjunto de movimentos coordenados com uma finalidade determinada” (LE BOULCH, 2001, p. 150). 5 Desenvolvendo a consciência do corpo 25 “É a imaginação da criança que cria suas próprias experiências” (LE BOULCH, 2001, p. 149). Quando sugerimos jogos ou brincadeiras que estimulam a motricidade da criança, nem sempre é o gesto ou o movi- mento que importa como resposta, mas a pesquisa que a criança fez até chegar àquele resultado. O professor precisa saber orientar e dei- xar a criança explorar o corpo, o movimento e a expressividade para colaborar em seu desenvolvimento. A seguir, alguns exemplos (não são fórmulas prontas) de brincadeiras que podem ser utilizadas para esti- mular as habilidades biopsicossociais da criança. 1.3.2 Jogos e brincadeiras É possível encontrar muitos exemplos de brincadeiras 6 que explo- ram o corpo e ajudam na descoberta e tomada de consciência. Para que isso aconteça, precisamos começar do simples para o mais com- plexo, assim como nas fases de um videogame. Primeiro, devemos per- mitir que a criança reconheça as partes essenciais do corpo e depois as diferentes. Mobilizar a cabeça, o tronco, os braços e as pernas por meio da verbalização pode ser um começo. Depois pode-se explorar a face e suas partes: boca, testa, bochecha, orelha, acessórios de orelha e ir di- ficultando. À medida que a exploração corporal vai se desenvolvendo, a criança começa a descobrir seu próprio vocabulário motor, assim como a consciência do corpo, a noção de eixo corporal, o equilíbrio e o tônus começam a ficar mais precisos. A verbalização das partes do corpo co- labora com o desenvolvimento da linguagem e da fala. A brincadeira de estátua pode ser utilizada para o desenvolvimento da linguagem, assim como para o desenvolvimento do equilí- brio, tônus e postura. Brincar de estátua consiste em mover-se com um comando específico e ficar para- do em outro. Normalmente, é utilizado um som enquanto o indivíduo se move, estimulando a percepção auditiva e, ao pausar o som, o mo- vimento para, como uma estátua, mantendo a postura, o tônus e o equilíbrio. Deixar a criança se expressar verbalmente, além de corporalmente, faz parte do desenvolvimen- to infantil, por isso escutá-la e interagir ver- balmente é tão importante quanto a interação não verbal. Os jogos e brincadeiras sugeridos são baseados em LE BOULCH (2001) 6 Figura 10 Crianças brincando de estátua. Ia ko v F ili m on ov /S hu tte rs to ck 26 Corpo, dança, expressão e movimento As brincadeiras de saltos e transposição de obstáculos são boas para trabalhar a coordenação motora global. Uma sugestão seria dese- nhar formas no chão (círculos) e pedir para que as crianças pulassem dentro delas. Deixe que elas descubram de qual maneira fica mais fácil pular: com dois pés, com um pé, com mais ou menos impulso. Para ir dificultando a brincadeira, o espaço entre as formas pode ir mudando e formando circuitos diferentes. Esse tipo de brincadeira lembra muito uma brincadeira antiga cha- mada amarelinha. Depois que o desenho da brincadeira já está no chão, a criança tem que pensar no espaço que vai saltar, depois de arremessar um objeto na casa específica. Lançar e saltar são exemplos de movimentos que estimulam a coordenação motora global. É possível aproveitar a brincadeira da amarelinha para pro- por novos desafios, como estimular a coordenação motora fina por meio do desenho (montagem) da brincadeira. Pe- dir para que as crianças saltem e lancem o objeto dentro da casa que vai pular, de maneiras variadas, é um exem- plo de exploração das partes do corpo. Quanto mais estudamos os aspectos psicomotores e o desenvolvimento humano, mais temos a noção de que eles estão interligados intrinsecamente. É possível anali- sar uma única brincadeira, como a da estátua, por meio de vários aspectos psicomotores dependendo do nível de maturação corporal 7 . Por exemplo, quando a criança cessa o movimento, ela tem que parar em uma postura es- pecífica. Para mantê-la, ela precisa ativar músculos específi- cos, trabalhando o tônus e o equilíbrio. Enquanto a criança se move, se tiver o som de uma música ou algum comando, ela deve estar atenta pela percepção visual e auditiva para saber que horas terá outro comando da brincadeira. Esses exemplos são de brincadeiras de criança que estão se per- dendo com o tempo, devido ao meio tecnológico que as crianças têm sido expostas. Esse tipo de brincadeira, como amarelinha, pega-pega, esconde-esconde, entre outras, são praticadas nas escolas, por terem mais espaço e ser um ambiente controlado, isto é, os professores estão acompanhando e o local é, teoricamente, mais seguro. Figura 11 Crianças brincando de amarelinha. New Africa/Shutterstock Nem sempre a idade da criança está relacionada ao nível de maturação corporal. Para poder- mos incluir os indivíduos e suas habilidades, devemos saber em qual nível de maturação corporal se encontram. 7 Desenvolvendo a consciência do corpo 27 Contudo, as crianças quando ficam em suas moradias, muitas vezes não têm espaço suficiente para brincar ou são proibidas de brincar em determinados lugares da casa ou da área comum de edifícios e condo- mínios. Primeiro porque nem todas as crianças moram em casa, por- tanto os movimentos já são naturalmente mais contidos. Além disso, aquelas que moram em casa, não têm necessariamente um lugar que seja grande e adequado para brincadeiras. São inúmeras situações que dizem respeito à segurança, prevenção de acidentes, aos tipos de mo- radia, de classe social, entre outras. Qualquer que seja a situação de não se utilizar muito as brincadei- ras de criança mais antigas, o fato é que as crianças gostam de brin- car de games, utilizar tablets ou ficar brincando nos smartphones, e não podemos simplesmente julgar, mas devemos saber refletir sobre cada situação e, ao mesmo tempo, adaptarmo-nos ao contexto atual. A tecnologia veio para facilitar muitas coisas e dificultar outras. Por exemplo, não há nada melhor para conter movimentos corporais do que deixar a criança sentada em frente a uma tela, sem supervisão de adulto, como se lá estivesse mais segura. O melhor caminho para o professor seria adaptar-se e incluir em suas aulas e brincadeiras a tecnologia a favor do desenvolvimento hu- mano e das habilidades motoras, cognitivas e afetivas. Para crianças maiores, por exemplo, pode-se utilizar alguns aplica- tivos de perguntas e respostas durante uma gincana. A gincana é um tipo de brincadeira em que algumas equipes são submetidas a várias provas de habilidades. As equipes podem ser bem democráticas e in- cluir crianças de todas as idades. A sugestão em utilizar os smartphones pode ser para ler códigos QR ou para responder certas questões antes de completar determinada prova. Outro caminho que o professor pode aderir seria adaptar as brin- cadeiras antigas ao uso de tecnologia, de acordo com a turma. Pre- cisamos ter em mente e respeitar as condições de todos os tipos de alunos e turmas. Afinal, nem todos os alunos são familiarizados com a tecnologia e é preciso ter cuidado ao adaptar certas brincadeiras para não causar outros problemas de competição entre eles. Seja qual for o tipo de brincadeira que o professor queira propor, é imprescindível uma leitura minuciosa da turma para poder fazer as adaptações necessárias, com ou sem tecnologia. Além disso, o estímulo código QR: é um exemplo de código de barras que contém certo tipo de informação: um link, um preço, uma pergunta, uma imagem etc. Ele pode ser lido por meio da câmera de um dispositivo móvel. Atualmente, os smartphones já vêm com essetipo de função. Glossário 28 Corpo, dança, expressão e movimento ao desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo deve sempre ser consi- derado. Os adultos, professores, pais, tutores são os responsáveis pela formação da próxima geração. Para refletir Você lembra quais brincadeiras participava quando era criança? Brincava na rua, em casa, na escola, onde? A brincadeira que veio à memória chamava-se pular elástico, e eu brincava na escola entre as amigas, os meninos não partici- pavam. E você? CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo buscou compreender o corpo por meio da história, assim como a importância em desenvolver os aspectos biológicos, psicológicos, sociais e motores. Ao longo da história, o corpo já foi cultuado e margina- lizado. É pelos registros da história e da nossa própria que vamos desen- volvendo nossa identidade e nossas habilidades. Nosso desenvolvimento como ser humano depende das nossas ações e relações com o outro e com o meio. Aprendemos a nos relacionar por meio das brincadeiras que estimulam nossos sentidos, emoções, cognição e motricidade. Cabe aos adultos (professores, tutores) estimular todos os aspectos da psico- motricidade da criança para colaborar na construção de sua identidade, lembrando a importância que a arte tem nesse processo. ATIVIDADES 1. Perceba seu corpo. Você consegue, a partir do que estudou nesta seção, escrever o que ele significa para você? 2. Qual experiência importante para seu desenvolvimento você lembra de ter vivido na infância? De que forma você acha que ela colaborou no seu desenvolvimento? 3. Pense em um exemplo de brincadeira que possa ser adaptada junto à tecnologia e descreva-a. O filme Como Estrelas na Terra: Toda Criança é Especial trata de um aluno que tem proble- mas de aprendizagem, os quais são percebidos pelo professor de artes, que é fundamental para o seu desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo. Podemos perceber a sen- sibilidade do professor ao incluir o aluno e estimulá- -lo no desenvolvimento de suas capacidades. Direção: Aamir Khan. Índia: Aamir Khan Productions, 2007. Filme Vídeo Desenvolvendo a consciência do corpo 29 REFERÊNCIAS BARBOSA, M. R.; MATOS, P. M.; COSTA, M. E. Um olhar sobre o corpo: o corpo ontem e hoje. Psicol. Soc., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 24-34, abr. 2011. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822011000100004&lng=en&nrm=i so. Acesso em: 5 jan. 2021. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Arte. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ livro06.pdf. Acesso em: 5 jan. 2021. BUENO, J. M. Psicomotricidade, teoria & prática – estimulação, educação e reeducação psicomotora com atividades aquáticas. São Paulo: Editora Lovise, 1998. DE LUCA, N I. (Re)Significando o Corpo: um estudo sobre as concepções de corporeidade legitimadas pelos professores de Educação Física de uma escola pública. 1999. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Setor de Pos-Graduação - Universidade Federal de Santa Catarina. Santa Catarina, 1999. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/80561. Acesso em: 5 jan. 2021. FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008. GREINER, C. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento até os 6 anos - A psicocinética na idade pré-escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. WERNECK, C. L. G. Educação Física: novos olhares sobre o corpo. In: SOUZA, E. S.; VAGO, T. M. (orgs.). Trilhas e partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Ed. 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O objetivo deste capítulo será observar aspectos da linguagem do corpo por meio dos estudos dos teóricos que se debruçaram em estudar o gesto, o som e a expressividade. 2.1 Gesto Vídeo Veja as fotos na Figura 1 e perceba o que os gestos, de cada situação, representam. A imagem A é uma imagem gestual que indica felicidade, que está tudo bem, um “ok”, positivo. Já a imagem B representa alguém que está perdendo a paciência, que está brava, irritada, indicando sen- timentos negativos em relação à dada situação. Enquanto a imagem C traz uma mulher fazendo um gesto que indica um pedido de silêncio. Figura 1 Representação de gestos Kra ken im ag es .co m /S hu tte rs to ck . WA YH OM E s tu dio /S hu tte rs t o ck Ma ste r13 05 /S hu tte rs to ck . A B C O corpo pode falar de modo verbal ou não verbal. A linguagem ver- bal é composta por códigos predeterminados: as palavras que consti- tuem o signo linguístico, sendo esses sinais verbais que mostram duas Linguagem do Corpo 31 formas de significado: um perceptível e outro inteligível. Sons e letras representam um signo perceptível da linguagem verbal. Por exemplo, a palavra gato tem como significado um determinado animal de esti- mação, mas também pode ser usada como uma gíria para indicar uma pessoa bonita. Quem nasce no Brasil comunica-se verbalmente pelo uso da língua portuguesa, já os nascidos em Londres se comunicam usando a língua inglesa. A comunicação verbal, portanto, é estabelecida por meio da linguagem que aprendemos em nosso local de origem, com sílabas, palavras, frases e regras para construção de um discurso ou texto. Quanto à comunicação não verbal, segundo alguns pesquisadores, pode ocorrer em aspectos distintos, conforme apresentado no Quadro 1. Quadro 1 Classificação de comunicação não verbal Tipo Definição Aspectos paralinguísticos (comunicação paralinguística) Estão relacionados ao som e ao silêncio. Elementos da fala como timbre, ritmo, intensidade, prosódia – entoação e pausas vocais. Aspectos cinésicos 1 (comunicação cinésica) São posturas, gestos, movimentos do corpo, expressões faciais. Aspectos proxêmicos (comunicação proxêmica) Estão relacionados ao uso do espaço - proximidade do locutor, uso do espaço corporal em relação ao meio social – vestuário, objetos que nos cercam. Fonte: Elaborado pela autora com base em Viana, 2014 e Ramos, 2007. Pode-se dizer, de acordo com o Quadro 1, que esses aspectos da lin- guagem corporal exprimem emoções, sentimentos e ideias reforçando a comunicação verbal e, às vezes, substituindo-a. Muitas vezes não percebemos o quanto a linguagem não verbal se faz presente na comunicação humana e quão importante ela é para transmitir o que queremos dizer, informar, demonstrar. Veja a seguir dois exemplos de pesquisas feitas por cientistas da comunicação. O antropólogo Ray Birdwhistell (1918-1994) considerou a comu- nicação não verbal (gestos, atitudes, postura, olhar, expressão facial, toque, vestuário etc.) responsável por 65% a 70% da transmissão de informação em uma conversa. Os outros 35% faziam parte da comuni- cação verbal (VIANA, 2014). Já Albert Mehrabian (1939 –), pioneiro em pesquisas sobre linguagem corporal, demonstrou, nos anos 1950, que os aspectos não verbais correspondiam a 93% da comunicação, sendo Do grego kinēsis+ico; relaciona- do ao estudo dos movimentos, gestos e expressões corporais. 1 Aspectos proxêmicos: termoutilizado para o estudo do espaço do indivíduo em um meio social. Glossário 32 Corpo, dança, expressão e movimento 38% relacionados aos aspectos vocais (voz, entoação e timbre), e 55% aos aspectos visuais (postura, gestos, quantidade de contatos por meio do olhar e aspecto em geral), o que significa que apenas 7% estariam relacionados, efetivamente, à linguagem verbal (língua nativa e a men- sagem por ela transmitida) (VIANA, 2014). Muitos resultados de pesquisas relacionadas à comunicação não verbal demonstram que ela representa uma porcentagem significativa na transmissão de mensagens. Por esse motivo, devemos observar e compreender os gestos, os sons e as expressões. 2.1.1 Princípios do livro O Corpo Fala Como você viu no Quadro 1, um dos tipos de comunicação não ver- bal é a de aspecto cinésico, certo? Trata-se da comunicação feita por meio de gestos, expressões, posturas. Os autores da obra O Corpo Fala, Pierre Weil e Roland Tompakow (1986), criaram quatro princípios rela- cionados à percepção cinésica na comunicação que foram denomina- dos de princípios da teoria de informação e percepção cinésica. Esses princípios são analisados dentro de situações em conjunto, e não de uma pessoa falando de modo isolado, mas interagindo com outra ou com um grupo. Não cabe aqui trazer tudo o que eles já falaram, por isso exemplificaremos com imagens dois princípios. O primeiro princí- pio será nomeado de concordância – “os componentes simultâneos das mensagens” (WEIL; TOPAKOW, 1986, p. 87) sempre concordam ou dis- cordam entre si. Então, na Figura 2 vemos que as três pessoas receben- do a mesma mensagem pela leitura de um documento, reagem com uma linguagem corporal que demonstra estarem de acordo com o lido. Figura 2 Pessoas no trabalho baranq/Shutterstock. Linguagem do Corpo 33 Já na Figura 3, as duas pessoas envolvidas com a mesma mensagem estão em desacordo. O segundo princípio é denominado de discernimento – “é possível discernir entre atitude conscientemente exteriorizada e atitude consciente ou inconsciente- mente oculta” (WEIL; TOPAKOW, 1986. p. 88). A Figura 3 mostra um homem e uma mulher discutindo. A ati- tude conscientemente exteriorizada na cena está no homem, que está com as mãos abertas em direção à mulher. Já ela responde com uma cara fechada, tendo uma atitude oculta com os braços cruzados. Claro que os autores sa- bem que não existe apenas um nível de inconsciente, mas eles deixam esse trabalho para que os profissionais da área possam explicar. Vale ressaltar que, se o corpo fala, não podemos nos limitar a ouvir uma pessoa ao mesmo tempo em que estamos no celular, por exem- plo. Desse modo, não conseguiremos compreender a mensagem que a pessoa está tentando emitir. Esse simples ato de atenção pode evitar muito desconforto na comunicação. A seguir vamos ver outro autor que colaborou com estudos na co- municação não verbal. 2.1.2 François Delsarte e seu sistema de ensino François Delsarte (1811-1871) teve uma infância difícil, extremamen- te pobre. Sua mãe abandonou seu pai e fugiu com ele e o irmão para Pa- ris. Aos 10 anos, o menino já tinha perdido a mãe e logo em seguida perdeu o irmão; assim foi encontrado por um homem que trabalhava na rua e o levou para sua casa. Durante o período que acompanhava o homem nas ruas, via cantores por todo canto, o que desper- tou seu interesse pela música. Aos 13 anos, o pequeno gênio desenvolveu um método para escrever as canções que tanto gostava e ou- via, o que logo foi percebido por um professor de música, que enxergou seu talento e o le- Figura 3 Casal discutindo WAYHOME studio/Shutterstock Podem ser profissionais da área do gesto e do inconsciente: neu- rologistas, psiquiatras, psicólo- gos, peritos em microexpressões faciais, entre outros. Atenção A intenção do livro O Corpo Fala é justamente ser prático e de fácil com- preensão. Além disso, a leitura é uma dica para que possamos parar para observar, analisar e perceber a linguagem corporal do outro. WEIL, P.; TOMPAKOW, R. Petrópolis: Vozes, 1986. Livro R. Carjat/W ikim edia Com m ons 34 Corpo, dança, expressão e movimento vou para sua casa. Aos 14 anos foi admitido no Conservatório de Paris e pôde aperfeiçoar seu talento musical e artístico. Foi cantor e trabalhou em ópera, porém teve que se aposentar cedo (com aproximadamente 23 anos) devido a problemas vocais. Após sua carreira breve, dedicou sua vida a estudar a expressividade não só da voz, mas do gesto. Estudou anatomia e fisiologia para obter o máximo de conhecimento a respeito do aparelho fonador e se debruçou na ca- pacidade de cada indivíduo, ensinando a consciência de trabalhar com suas habilidades e dificuldades. Delsarte não poupou esforços para de- senvolver o seu sistema de ensino da arte da expressividade, conheci- do como estética aplicada. Sistema de ensino de Delsarte Delsarte acreditava que o corpo, invólucro da alma, expressava-se por meio de três condições que regiam a lei universal: o espaço, o tem- po e o movimento. A sua pedagogia está baseada na metafísica e no empirismo, em que a relação corpo-alma se torna objeto de estudo. A alma, para Delsarte, expressa-se por meio do movimento, em um espa- ço e em um determinado tempo. A força que produz esse movimento podia ser de três tipos: força vital (vida-corpo), mental (mente-inte- lecto) ou emotiva (emoções, alma). A força vital causa o movimento para fora, a força mental causa movimento para dentro, e a força emo- tiva mantém o corpo em equilíbrio, não há um movimento indo para dentro ou para fora. Por exemplo, uma pessoa que tenha hábitos inte- lectuais e que priorize a parte mental tem sua natureza revelada pelo movimento subjetivo, mais para dentro, em direção ao corpo. Ao con- trário, aquela pessoa mais expansiva tem sua natureza revelada pelo movimento objetivo e pela força vital. Se a natureza do indivíduo for governada pelo emocional, então o movimento pode ser objetivo ou subjetivo de acordo com a força mais presente, vital ou mental. Ao se debruçar no estudo do gesto expressivo, Delsarte criou suas nove leis do gesto, também denominadas nove leis do movimento, ins- piradas na física mecânica. Delsarte identificou nove fatores de mo- vimento e os relacionou à expressividade: movimento, velocidade, direção, reação, forma, personalidade, oposição (equilíbrio), sequência, altitude (altura) (SOUZA, 2012). metafísica: uma das disciplinas da filosofia que estuda a natureza da realidade e a relação entre a mente (consciente e subconsciente) e a matéria. empirismo: teoria do conheci- mento relacionada, especifica- mente, à experiência sensorial para adquirir o conhecimento do mundo. Glossário mecânica: parte da física que estuda o movimento e o repouso dos corpos, sendo o movimento seu objetivo principal. Glossário Linguagem do Corpo 35 Quadro 2 Nove leis do movimento Lei do movimento Os gestos se expandem com paixão e excitação; gestos se contraem com pensamento ou reflexão, gestos são moderados quando há amor e afeição. Lei da velocidade O movimento é mais ou menos veloz de acordo com a força aplicada à massa do agente. Lei da direção e extensão Todos os gestos têm uma direção e, dependendo dela, Delsarte clas- sificava como vital, mental ou emocional. Lei da reação Qualquer extremo de emoção tende a reagir ao seu oposto. Por exemplo: uma criança, quando é extremamente repreendida pela mãe para não fazer determinada ação, fica irritada e pode represen- tar isso por meio de chutes e pontapés no ar até o clímax do choro, que representa o desabafo de sua raiva. Lei da forma Todo gesto ocupa uma forma específica no espaço. E cada um deles é classificado, segundo Delsarte, com a tríade vital-mental-emocional. Lei da personalidade O gesto, o movimento, o som marcam sinais da personalidade dentro do contexto cultural em que a pessoa vive. O tom de voz de uma mãe, a maneira com que um homem toca sua barba. Cada gesto e som imprimea personalidade do agente. Lei da oposição Está relacionada ao equilíbrio e à gravidade. Imagine uma linha verti- cal no centro do corpo da cabeça aos pés. Essa linha imaginária man- tém o homem em equilíbrio. Qualquer desvio dela, de acordo com Delsarte, precisa de uma compensação oposta. Quando levantamos uma perna, por exemplo, temos que compensar esse movimento com alguma força ou gesto oposto, pode ser a contração muscular ou um braço estendido do lado oposto para gerar equilíbrio. Lei da prioridade ou sequência do gesto É a ordem em que os agentes de expressão (forças vital, emocional e mental) aparecem. Desse modo, primeiro temos uma ideia, para depois expressá-la. A natureza vital é uma das primeiras a se afirmar no gesto, em seguida a natureza emocional e, por fim, a mental, embora não seja uma regra fixa. Lei da altitude Quanto mais para cima o gesto é, mais positivo e, quanto mais para baixo, mais é negativo. Uma queda, por exemplo, gera um gesto ne- gativo, e um salto, positivo. Fonte: Elaborado pela autora com base em Morgan, 1889. O gesto, para François Delsarte, significava a revelação imediata do ser e por meio dele o ser se manifestava de modo instintivo, por mais que tenha sido treinado. Podemos treinar nossa voz, ou aquilo que va- mos falar e comunicar – como um discurso importante, por exemplo –, mas o som sempre vem junto do gesto e é este que para Delsarte “des- mascara” a expressão do ser, sendo mais fácil perceber sua verdade e sua emoção. Desse modo, não é possível escapar das verdades do nosso caráter, já que nossa natureza imprime as formas da nossa mente pelos movimentos corporais, da linguagem não verbal (MORGAN, 1889). O canal do youtube Metaforando faz análises das microexpressões faciais pelo especialista em linguagem corporal, perito facial da emoção, Vitor Santos. Disponível em: https://www. youtube.com/c/Metaforando/ featured. Acesso em: 28 dez. 2020. Curiosidade https://www.youtube.com/c/Metaforando/featured. https://www.youtube.com/c/Metaforando/featured. https://www.youtube.com/c/Metaforando/featured. 36 Corpo, dança, expressão e movimento Quando viajamos a um lugar que não conhecemos a língua, normal- mente nos mexemos mais, fazendo gestos e movimentos para indicar aquilo que estamos precisando. De preferência buscamos alguém ou algum lugar que possa tirar algumas dúvidas turísticas com os gestos que conseguimos fazer. Não é difícil identificar um turista quando o observamos gesticular com as mãos, os braços, o olhar e outras ex- pressões do corpo. Figura 4 Turista solicitando orientação. 9n on g/ Sh ut te rs to ck Os gestos podem ser objetivos e subjetivos. Veja o quadro a seguir: Quadro 3 Classificação dos gestos Fonte: Elaborado pela autora com base em Santos, 2011. Tipos de gestos Gestos Situações de uso Objetivos Quando nos referimos a causas ou condições exter- nas – exemplo: apontar um objeto. Mais observável em crianças que fazem as ações sem julgamento, mais espontâneo. Subjetivos Quando é resultado de uma expressão de ação subjetiva, como pensar em algo que se aprende – exemplo: colocar a mão na testa ou na boca enquanto compreende um texto. Mais observável em crianças maiores e jovens que começam a racionalizar ações. Kh os ro / fi zk es /S hu tte rs to ck O filme mudo Tempos Modernos é um exemplo de como o gesto é prati- camente uma linguagem universal. Charles Chaplin por meio da expressão corporal possibilitava que todos compreendessem suas ideias. Direção: Charles Chaplin. Estados Unidos: Charles Chaplin Productions, 1936. Filme Linguagem do Corpo 37 François Delsarte preocupou-se em transmitir seu conhecimento aos alunos com a finalidade de dar-lhes liberdade de expressão sem ter que repetir códigos do teatro 2 que os tornavam exagerados ou “afeta- dos”. A intenção era que cada aluno pudesse descobrir, dentro da sua natureza e da sua capacidade natural, a expressividade do gesto, da oratória, da linguagem corporal. Além do gesto, Delsarte debruçou-se nos estudos do som, especial- mente da voz. Entenda teatro aqui como todas as formas de expressão dentro de um teatro – música, dança, peça teatral, circo etc. 2 2.2 Sons Vídeo O som é utilizado pelo ser humano para se comunicar. Os sons que emitimos, desde que nascemos, são para expressar nossos sentimen- tos. À medida que vamos amadurecendo, desenvolvemos a percepção auditiva que está relacionada aos sons emitidos e a seus significados. Veremos a seguir as implicações vocais na linguagem corporal. 2.2.1 Som O som é tudo aquilo que ouvimos, embora seja uma explicação bem simplista e esteja relacionada ao senso comum. Quando aprendemos o som nas aulas de física, entendemos o fenômeno acústico como vibra- ção de energia (onda) em um meio que assim se propaga. Dito de outra forma, o som é uma vibração de onda que se propaga através de um meio (sólido, líquido, gasoso). O ser humano só consegue captar frequências de onda sonora que variam entre 20Hz e 20.000Hz. As frequências de onda sonora menor que 20Hz são consideradas infrassom e, aquelas acima de 20000Hz, ultrassom. A audição humana é capaz de diferenciar algumas características do som: altura, intensidade, timbre, duração. Ao contrário do que muitos pensam, a altura não é o volume que aumentamos ou diminuímos ao ouvir uma música, mas está relacionada à fre- quência da onda sonora, podendo ser classificada como grave ou aguda. Curiosidade Alguns fenômenos naturais, como terremotos, avalanches, raios, podem emitir infrassons. Alguns animais conseguem emitir e perceber infrassons e ultrassons. Baleias e girafas comunicam-se por meio de infrassons. Exemplo de insetos com audição ultrassônica são: louva-deus e mariposa. 38 Corpo, dança, expressão e movimento A intensidade sonora é também chamada de nível sonoro e pode ser classificada como forte e fraca. A unidade do nível sonoro é o Bel e no nosso dia a dia usamos o decibel (dB) como medida, por ser o múltiplo da unidade Bel. Nesse caso, aumentar ou diminuir o som vai variar o nível sonoro, ou seja, os decibéis que são emitidos. Figura 5 Quadro de decibéis Em ir Ka an / S hu tte rs to ck respiração sussurro chuva carro secador trombone motor a jato movimento de folhas geladeira conversa caminhão helicóptero sirene de polícia fogos de artifício som de baixa intensidade som de média intensidade som muito barulhento som extremamente alto limite de intensidade O timbre é o resultado da vibração da onda sonora em determinado meio. É a característica que permite diferenciar dois sons de mesma altura e mesma intensidade, mas podem ser emitidos por diferentes instrumentos. Nesse caso, uma música na mesma altura e intensidade executada por um piano e depois por uma guitarra é diferenciada pelos timbres dos instrumentos. Cada instrumento pode ter seu próprio tim- bre, dependendo do material que vibrará a onda sonora. Por exemplo, uma guitarra feita no Brasil e outra nos Estados Unidos são fabricadas de materiais e maneiras diferentes, o que irá diferenciar seus timbres. Cada um de nós tem um timbre de voz porque o material que compõe nossa “caixa acústica” é diferenciado, dando a cada ser humano uma identidade vocal. Linguagem do Corpo 39 A duração do som está relacionada ao tempo em que a vibração da onda sonora ocorre. Pode ser rápida, lenta, acelerada ou desacelerada. O mesmo som pode ser emitido em tempos variados. 2.2.2 Voz Retomando o que já foi visto no início do capítulo, a linguagem está classificada em verbal e não verbal. Vimos em Delsarte o quanto ele se debruçou no estudo do gesto, embora já houvesse estudos sobre gestos das mãos e posturas. Figura 6 Chironomia - gestos das mãos, estudo antes de Delsaarte. W ik im ed ia C om m on s Contudo, a voz também fez parte de suas observações. Sabemos que, antes de falarmos com a língua materna e copiar palavras que os adultos esperam, ansiosamente,que os bebês imitem, o ser humano emite sons para se expressar. O som do choro, de um gemido de dor ou de um balbuciar de palavra significa, assim como o gesto, uma ex- pressão de emoção. Para Delsarte a voz é um som e, assim como o gesto, está classificada de acordo com a tríade da natureza humana, ou correspondente aos três estados do ser: vital, emotivo e mental. Assim ele define o som em: 1. Vital – é o som, a voz do peito, expressão do sensível; é ouvida quando o lado animal de nossa natureza é ouvido; paixões, raiva, tristeza, ódio são as nuances da voz – trêmula, nervosa, confiante etc. 2. Emotivo – é o som modulado ou o tom, chamado de voz média, expressões emocionais; pode ser ouvida quando nem o lado mental ou vital é predominante. 40 Corpo, dança, expressão e movimento 3. Mental – é resultado da fala articulada; a voz da cabeça ou mental; expressão da fala depois que o sentimento foi racionalizado. Pode ser ouvido quando falamos, fazemos uma palestra ou ministramos uma aula. Considerando a voz como um meio de expressividade assim como o gesto, Delsarte fez questão de estudar a fundo a anatomia e a fisio- logia do aparelho fonador a fim de explicar aos seus alunos a importância de cuidar da voz e saber expressar-se por ela. Por ter perdido sua capacida- de de cantar e expressar-se por meio da voz ainda jovem, não é de se espantar o quanto Delsarte que- ria que seus alunos tivessem esse cuidado. Desse modo, sua preocupação estava em ajudar o aluno a compreender a produção da sua voz. No vídeo Teste de Audição Divertido: Você é um Super Humano?, publicado pelo canal Incrível, é possível testar o quanto você consegue escutar a frequência de onda sonora. Na verdade, é só uma brincadeira para ter uma noção de quanto podemos ouvir. Contudo, para que você tenha um registro científico disso, procure seu médico e faça os testes específicos que são capazes de dizer como vai a saúde do seu ouvido. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KszGV_UfBXw. Acesso em: 28 dez. 2020. Vídeo aparelho fonador: é um composto de órgãos do ser huma- no, responsável por emitir o som. São eles: pulmões, traqueia, laringe, lábios, dentes, alvéolos, palato duro, palato mole, parede rinofaríngea, ápice da língua, raiz da língua, nariz. Glossário Os elementos principais para produção de todos os sons tratados nos ensinamentos de Delsarte eram: os pulmões (e diafragma), a la- ringe (traqueia) e a boca. Um dos exercícios primordiais para o corre- to uso da voz seria a respiração (inspiração e expiração), prática que fortalece os órgãos que produzem os sons. A boa leitura é recomen- dada por Delsarte, assim como outros exercícios. Ao ler, podemos praticar a respiração correta, o tom de voz, a postura adequada para que o som saia sem esforço e sem machucar os órgãos que o emitem. Quantas vezes já pediram para você ler algo em voz alta e você teve vergonha? Raramente praticamos a leitura em sala de aula, exercício que poderia colaborar para a expressividade da voz, inclusive para dar confiança aos tímidos, equilíbrio aos mais agitados, e segurança ao falar em voz alta. Au tta po n W on gt ak ea w/ Sh ut te rs to ck https://www.youtube.com/watch?v=KszGV_UfBXw. Linguagem do Corpo 41 2.3 Expressividade Vídeo François Delsarte influenciou muitos outros artistas e pesquisado- res do movimento humano que desenvolveram suas próprias teorias do movimento expressivo. Os anos 1920 foram marcados pela criação de alguns métodos de dança, ginástica e práticas corporais, sendo um deles a ginástica ex- pressiva. Sem esquecer do contexto da época, o início do século XX marca um novo pensamento dançante que negava os padrões fixos e rígidos do balé clássico. Por esse motivo, a descoberta de novas possi- bilidades de práticas corporais começaram a ser pensadas e desenvol- vidas. Antes disso, Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) já se preocupava com as técnicas rígidas utilizadas com os alunos que aprendiam mú- sica. E, embora alguns considerem Rudolf Bode o criador da ginástica moderna, foi Dalcroze que o formou e, portanto, merece o crédito de influenciador dessa criação. 2.3.1 Émile Jaques-Dalcroze Émile Henri Jaques-Dalcroze (1865 – 1950) nasceu em Viena (Áus- tria). Sua família, de origem suíça, influenciou o seu gosto pela música, pois seu tio – e padrinho – era professor, violinista e pianista. Aos 6 anos começou a estudar piano. Sua família voltou para Suíça e Dalcroze seguiu seus estudos de música. Quando jovem frequentou, além da escola normal, o Conservatório de Genebra. Sempre foi inte- ressado por música, contudo, teatro e literatura também fa- ziam parte de suas paixões, as quais lhe renderam prêmios de composição e recitação, antes de se formar no colégio, aos 16 anos. Aos 19 anos foi para Paris seguir carreira ar- tística e para bancar os custos dos seus estu- dos começou a trabalhar como pianista em um hotel. Aos 21 anos seguiu para Argel 3 (uma colônia francesa) a convite do compositor Er- nest Adler e, ao lado dele, ajudou a dirigir a orquestra Vaudeville. Lá Émile Jaques pôde observar rituais má- gicos africanos, corpos que se contorciam ao dançar e Wikimedia Commons 3 Atual Argélia. Curiosidade Dalcroze foi um nome artístico escolhido por Émile Henri Jaques e ficou conhecido com o sobrenome Jaques-Dalcroze. 42 Corpo, dança, expressão e movimento o ritmo exótico daquelas músicas de forte influência árabe. Em Argel, esse lugar exótico e rico em dança, música e rituais mágicos, Dalcroze começou a pensar sobre seu sistema de educação musical. Voltou para Viena para se especializar na Academia de Música da cidade. No final dos seus dois anos de estudo, o artista tinha mui- tas ressalvas com relação ao ensino da música. Percebeu que seus professores se importavam mais com a métrica do que com a sensi- bilidade dos alunos. A visão científica da música se sobrepunha à arte musical, à expressividade e ao que dava colorido a uma obra. Assim, Dalcroze resolveu mudar esse panorama tornando o ensino mais sen- sível, criando, assim, uma educação musical mais completa. Aos 27 anos passou a ministrar aulas na cadeira de Harmonia e Sol- fejo, no Conservatório de Genebra. Intrigado com as dificuldades de seus alunos, Dalcroze foi levado a estudar mais a fundo a relação músi- ca-ritmo-movimento-expressão, resultando em seu método de ensino denominado Ginástica Rítmica ou Rítmica (MADUREIRA, 2008). Enquanto esteve no Conservatório de Genebra como professor, tentou convencer os diretores de que seu método, a Rítmica, era impor- tante para os futuros musicistas. Contudo, seu método foi brutalmente criticado e ele chegou a ter suas invenções sendo denominadas como satânicas. Seus colegas musicistas acreditavam que Dalcroze tinha se convertido para o mundo da dança, pois trabalhava com exercícios corporais e expressivos em suas aulas. Além disso, alunos usavam os pés descalços, os braços e axilas desnudas, e a expressividade causava espanto e repulsa. Seus estudos só puderam seguir adiante mediante documento assinado por 35 pessoas influentes, entre eles artistas, mé- dicos, professores e psicólogos atestando sua capacidade em ministrar tal método. Mesmo assim, suas aulas foram supervisionadas por auto- ridades eclesiásticas, o que causou espanto daqueles que lhe eram mais próximos. Descontente com a impossibilidade de fazer seu laboratório de ex- pressividade em Genebra, Dalcroze parte para a Alemanha a convite de amigos influentes para comandar um instituto totalmente voltado aos estudos da Rítmica. Encontrou, fora de sua pátria, o acolhimento que tanto precisava para continuar trabalhando com o que realmente acre- Linguagem do Corpo 43 ditava. “Sabeis que, se eu deixei Genebra, foi por sentir que o Conserva- tório, do ponto de vista musical, atravancava o meu caminho graças à hostilidade de seu diretor” (JAQUES-DALCROZE 1939 apud MADUREIRA, 2008, p. 55). Essa experiência durou apenas três anos, sendo
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