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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivo 1- Estudar a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, sinais e sintomas associados, bem como as formas de diagnóstico da síndrome nefrótica. Síndrome nefrótica ↠ A síndrome nefrótica (SN) caracteriza-se por proteinúria maciça (> 3,5 g/dia) e lipidúria (p. ex., gordura livre, corpúsculos ovais ou cilindros gordurosos) com hipoalbuminemia (< 3 g/dℓ), edema generalizado e hiperlipidemia (colesterol > 300 mg/dℓ) associados (NORRIS, 2021). A síndrome nefrótica também se associa a aumento no risco de infecções e tromboses. Quando há hematúria ou hipertensão associadas ao quadro renal, há evidências de glomerulonefrite aguda. À associação de síndrome nefrótica e glomerulonefrite aguda dá-se o nome de síndrome nefrítica-nefrótica (TITAN, 2013). ↠ A síndrome nefrótica não é uma doença glomerular específica, mas um conjunto de manifestações clínicas resultantes do aumento da permeabilidade glomerular e da perda de proteínas na urina (NORRIS, 2021). ↠ A síndrome nefrótica (SN) acomete tanto adultos quanto crianças, sendo causada por doenças primariamente renais (SN idiopática ou primária) ou por diversas patologias (SN secundária) (VERONESE et al., 2010). EPIDEMIOLOGIA ↠ Dados epidemiológicos mostram uma incidência anual de 2-7 novos casos de SN a cada 100.000 crianças e uma prevalência de 16 casos por 100.000 crianças. Desses casos, cerca de 70 a 80% ocorre em crianças com menos de seis anos (LOURENÇO, 2022). ↠ Na infância, o desenvolvimento da SN é normalmente idiopático, mas também pode ser congênita, em decorrência de infecções ou doença autoimune materna (LOURENÇO, 2022). ↠ A incidência das diversas causas da síndrome nefrótica varia de acordo com a idade e a geografia. Em indivíduos com idade inferior a 17 anos na América do Norte, por exemplo, a síndrome nefrótica é quase sempre causada por uma lesão primária nos rins. Em contrapartida, entre adultos, ela está frequentemente associada a uma doença sistêmica (KUMAR et al., 2023). ↠ Essa incidência acaba sofrendo influência pela variabilidade regional e racial, apesar de não comprovado, é consenso ser encontrada mais frequentemente nas raças branca e amarela. Quanto à idade de acometimento, geralmente se apresenta em crianças menores de 6 anos com um pico de incidência aos 3 anos (doença da criança pré-escolar). Há uma leve predominância no sexo masculino, na proporção de 2:1 (SANAR). ↠ A SN primária é a forma mais prevalente, tanto em adultos quanto em crianças. Em adultos, apenas 20 a 25% dos casos são de SN secundária, decorrente de diabete melito, lúpus eritematoso sistêmico, amiloidose, infecções bacterianas e virais, neoplasias, medicamentos, entre outras (VERONESE et al., 2010). FATORES DE RISCO • Doenças autoimunes: a síndrome nefrótica pode ser causada por doenças autoimunes, como a nefrite lúpica, a glomerulonefrite membranosa e a doença de Goodpasture. • Infecções: algumas infecções, como a hepatite B e a infecção por HIV, podem aumentar o risco de desenvolver síndrome nefrótica. • Medicamentos: certos medicamentos, como anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA), podem causar síndrome nefrótica em algumas pessoas. • Obesidade: a obesidade é um fator de risco conhecido para a síndrome nefrótica idiopática (sem causa conhecida). • Idade: a síndrome nefrótica é mais comum em adultos jovens e crianças. Crianças com síndrome nefrótica apresentam maior risco de infecções devido ao próprio status da doença e ao uso de vários agentes imunossupressores.. Em grande parte, as infecções desencadeiam recidivas que exigem hospitalização, com risco aumentado de morbidade e mortalidade (VERONESE et al., 2010). • História familiar: em alguns casos, a síndrome nefrótica pode ocorrer em famílias, sugerindo uma predisposição genética. • Doenças renais crônicas: algumas doenças renais crônicas, como a glomerulonefrite, podem aumentar o risco de desenvolver síndrome nefrótica. • Outros fatores: outras condições médicas, como diabetes, câncer e doenças hepáticas, também APG 20 – O QUE É ISSO, DOUTOR? 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck podem aumentar o risco de desenvolver síndrome nefrótica ETIOLOGIA ↠ A síndrome nefrótica pode ser primária, como manifestação de doença puramente renal. As formas primárias podem ser idiopáticas ou associadas a defeitos genéticos em proteínas da barreira de filtração glomerular (TITAN, 2013). ↠ Pode, ainda, ser secundária a diversas doenças sistêmicas, como doenças de depósito (p. ex., amiloidose), metabólicas (p. ex., nefropatia diabética), autoimunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico – LES), infecções bacterianas ou virais, presença de medicamentos ou drogas e tumores sólidos ou hematopoiéticos (TITAN, 2013). As causas sistêmicas mais frequentes da síndrome nefrótica são o diabetes melito, a amiloidose e o LES. As lesões glomerulares primárias de maior importância são a doença por lesões mínimas, a nefropatia membranosa e a GESF (KUMAR et al., 2023). Síndrome nefrótica primária DOENÇA DE LESÃO MÍNIMA | NEFROSE LIPOÍDICA ↠ Caracteriza-se por destruição difusa (causada por fusão) dos pseudópodos das células da camada epitelial da membrana glomerular (NORRIS, 2021). Detectável apenas por microscopia eletrônica, nos glomérulos que exibem aparência normal na microscopia óptica (KUMAR et. al., 2023). O apagamento dos pedicelos também é observado em outros estados de proteinúria (p. ex., glomerulopatia membranosa, nefropatia diabética); somente quando o apagamento está associado a glomérulos normais na microscopia óptica é que é possível estabelecer o diagnóstico de doença por lesões mínimas. As alterações das células epiteliais viscerais são totalmente reversíveis após a terapia com corticosteroides, concomitantemente com a remissão da proteinúria. As células dos túbulos proximais estão, com frequência, carregadas de lipídios e proteínas, refletindo a reabsorção tubular de lipoproteínas que passam através dos glomérulos doentes (o que explica o nome histórico nefrose lipoide para essa doença). Os estudos por imunofluorescência não mostram a presença de depósitos de Ig ou de complemento (KUMAR et. al., 2023). ↠ Trata-se da causa mais frequente de síndrome nefrótica em crianças, embora seja menos comum em adultos. O pico de incidência é entre 2 e 6 anos. Às vezes, a doença ocorre após uma infecção respiratória ou imunização profilática de rotina (KUMAR et. al., 2023). ↠ A causa dessa doença é desconhecida. Embora a doença de lesão mínima não evolua para insuficiência renal, pode produzir complicações significativas, inclusive predisposição às infecções por bactérias gram-negativas, tendência a episódios tromboembólicos, hiperlipidemia e desnutrição proteica (NORRIS, 2021). ↠ A principal hipótese atual sustenta que a doença por lesões mínimas envolve alguma disfunção imune, resultando na produção de fatores que provocam danos às células epiteliais viscerais e causam proteinúria (KUMAR et. al., 2023). ↠ Apesar da proteinúria maciça, a função renal permanece boa, e normalmente não há hipertensão nem hematúria. Em geral, a proteinúria é altamente seletiva, sendo a maior parte da proteína constituída pela albumina. Um aspecto característico é a sua resposta comumente dramática à terapia com corticosteroides. A maioria das crianças (> 90%) com doença por lesões mínimas responde rapidamente a esse tratamento (KUMAR et. al., 2023). Todavia, o prognóstico a longo prazo é excelente, e até mesmo a doença dependente de esteroides normalmente regride quando as crianças alcançam a puberdade. Embora os adultos sejam mais lentos para responder, o seu prognóstico a longoprazo também é excelente (KUMAR et. al., 2023). GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL ↠ A GESF primária constitui a causa mais comum da síndrome nefrótica em adultos nos EUA. Às vezes, ela é considerada um 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck distúrbio primário de podócitos, à semelhança da doença por lesões mínimas (KUMAR et. al., 2023). Doença predominante no adulto jovem, é responsável por até 20% das causas de síndrome nefrótica em adulto (TITAN, 2013). Embora a esclerose segmentar focal geralmente seja uma síndrome idiopática, também pode estar associada à redução da concentração de oxigênio no sangue (p. ex., doença falciforme e cardiopatia congênita cianótica), à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou ao uso de substâncias intravenosas, ou também pode ser um distúrbio secundário associado à fibrose glomerular em consequência de outros tipos de glomerulonefrite (NORRIS, 2021). ↠ Como o próprio nome sugere, essa lesão é caracterizada pela esclerose de alguns glomérulos, mas nem todos (por conseguinte, ela é focal); nos glomérulos afetados, apenas parte do tufo capilar está comprometida (por conseguinte, é segmentar) (KUMAR et. al., 2023). ↠ Com frequência, a GESF manifesta-se clinicamente pelo início agudo ou subagudo de síndrome nefrótica ou proteinúria não nefrótica. É comum a presença de hipertensão, hematúria microscópica e certo grau de azotemia quando a doença é clinicamente reconhecida pela primeira vez (KUMAR et. al., 2023). A ocorrência de hipertensão arterial e redução da função renal diferencia a esclerose focal da doença por alteração mínima. Além disso, a pesquisa indica que pessoas com doença por alteração mínima (uma manifestação de síndrome nefrótica diagnosticada por biopsia renal) evoluem posteriormente para glomeruloesclerose segmentar focal (NORRIS, 2021). Diferentemente da doença de lesões mínimas, pode haver perda definitiva de função renal em 30 a 55% dos casos após 10 anos (TITAN, 2013). ↠ Classificação e tipos: (KUMAR et. al., 2023). A GESF ocorre nas seguintes condições: • Como doença primária (GESF idiopática); • Em associação a outras condições conhecidas, como infecção pelo HIV (nefropatia associada ao HIV), dependência de heroína (nefropatia por heroína), doença falciforme e obesidade mórbida; • Como evento secundário, refletindo a cicatrização de lesões necrosantes previamente ativas, em casos de glomerulonefrite focal (p. ex., nefropatia por IgA); • Como componente da resposta adaptativa à perda de tecido renal (ablação renal, descrita anteriormente), devido a anomalias congênitas (p. ex., agenesia renal unilateral ou displasia renal) ou a causas adquiridas (p. ex., nefropatia de refluxo), ou em estágios avançados de outros distúrbios renais, como nefropatia hipertensiva; • Em formas hereditárias incomuns de síndrome nefrótica, em que a doença pode ser causada por mutações em genes que codificam proteínas localizadas no diafragma em fenda, por exemplo, podocina, α-actinina 4 e TRPC6 (canal de cálcio potencial de receptor transitório 6). ↠ Na microscopia óptica, as lesões focais e segmentares podem acometer apenas uma minoria dos glomérulos e passar despercebidas se a amostra de biopsia apresentar um número insuficiente de glomérulos. Nos segmentos escleróticos, há colapso de alças capilares, aumento da matriz e deposição segmentar de proteínas plasmáticas ao longo da parede capilar (hialinose), que pode se tornar pronunciada a ponto de ocluir a luz capilar. Com frequência, observa-se a presença de gotículas lipídicas e células espumosas. Os glomérulos que não apresentam lesões segmentares normalmente permanecem normais na microscopia óptica, mas podem exibir um aumento da matriz mesangial (KUMAR et. al., 2023). ↠ Na microscopia eletrônica, as áreas tanto escleróticas quanto não escleróticas mostram apagamento difuso dos pedicelos, e pode haver desprendimento focal das células epiteliais e desnudamento da MBG subjacente (KUMAR et. al., 2023). Observa-se uma pequena tendência à remissão espontânea na GESF idiopática, e as respostas à terapia com corticosteroides são variáveis; as crianças apresentam um prognóstico melhor do que os adultos. Ocorre progressão para a insuficiência renal em taxas variáveis (KUMAR et. al., 2023). Nefropatia membranosa É a causa mais comum de nefrose primária dos adultos, mais comumente entre a quinta e a sexta décadas de vida, quase sempre depois dos 30 anos (NORRIS, 2021). ↠ A nefropatia membranosa caracteriza-se pelo espessamento difuso da parede capilar glomerular, devido ao acúmulo de depósitos que contêm Ig ao longo do lado subepitelial da membrana basal. Aproximadamente 75% dos casos de nefropatia membranosa são primários. Os demais casos ocorrem em associação a outras doenças sistêmicas e apresentam agentes etiológicos identificáveis, razão pela qual são chamados de nefropatia membranosa secundária. As mais notáveis dessas associações são as seguintes: (KUMAR et. al., 2023). • Fármacos (penicilamina, captopril, ouro, AINEs). Entre 1 e 7% dos pacientes com artrite reumatoide tratados com penicilamina ou ouro (medicamentos agora utilizados Glomeruloesclerose segmentar e focal, com coloração pelo ácido periódico de Schiff. A. A esclerose segmentar acomete a metade superior de ambos os glomérulos. B. Vista em grande aumento mostrando a insudação hialina (seta) e lipídios (pequenos vacúolos) na área esclerótica. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck raramente para essa doença) desenvolvem nefropatia membranosa; • Neoplasias malignas subjacentes, particularmente carcinomas de pulmão e de cólon, e melanoma. De acordo com alguns estudos, essas neoplasias estão presentes em até 5 a 10% dos adultos com nefropatia membranosa; • LES. Cerca de 10 a 15% dos casos de glomerulonefrite no LES são do tipo membranoso; • Infecções (hepatite B crônica, hepatite C, sífilis, esquistossomose, malária); • Outros distúrbios autoimunes, como a tireoidite, podem estar associados à nefropatia membranosa secundária. Como a parede capilar glomerular se torna permeável na nefropatia membranosa? Há uma escassez de neutrófilos, monócitos ou plaquetas nos glomérulos. A presença praticamente uniforme de complemento e as pesquisas experimentais confirmatórias sugerem que o complexo de ataque à membrana C5b– C9 do complemento desempenha um importante papel. Foi postulado que o C5b–C9 ativa as células epiteliais glomerulares e mesangiais, induzindo-as a liberar proteases e oxidantes, que provocam lesão da parede capilar e aumento do extravasamento de proteínas. Uma subclasse de IgG, a IgG4, que difere de outras subclasses de IgG por ser um ativador fraco da via clássica do complemento, constitui a principal imunoglobulina depositada na maioria dos casos de nefropatia membranosa. Ainda não foi esclarecido como a IgG4 pode ativar o sistema complemento (KUMAR et. al., 2023). ↠ Na microscopia óptica, os glomérulos parecem normais nos estágios iniciais da doença ou exibem espessamento difuso e uniforme da parede capilar glomerular. Na microscopia eletrônica, constata-se que o espessamento é produzido por depósitos eletrodensos irregulares que contêm imunocomplexos entre a membrana basal e as células epiteliais sobrejacentes, com apagamento dos pedicelos podocitários. Ocorre deposição de material da membrana basal entre esses depósitos, que aparecem como espículas irregulares que se projetam a partir da MBG. Essas espículas são mais bem observadas por colorações de prata, que coram de preto a membrana basal, mas não os depósitos (KUMAR et. al., 2023). Em geral, esse distúrbio começa com a síndrome nefrótica de início insidioso ou, em 15% dos pacientes, com proteinúria não nefrótica. Em 15 a 35% dos casos, ocorrem hematúria e hipertensão leve. Em qualquer paciente,é necessário excluir, inicialmente, as causas secundárias descritas anteriormente, visto que o tratamento da condição subjacente (neoplasia maligna, infecção ou LES) ou a suspensão do fármaco agressor podem reverter ou melhorar a lesão (KUMAR et. al., 2023). Glomerulonefrite membranoproliferativa ↠ A GNMP é mais bem considerada como um padrão de lesão imunomediada do que uma doença específica. Um consenso emergente sobre a classificação divide a GNMP em dois grupos: (KUMAR et. al., 2023). • o primeiro (tipo I) é caracterizado pela deposição de imunocomplexos que contêm IgG e complemento; • no segundo (tipo II, agora denominado doença de depósito denso), a ativação do complemento parece constituir o fator mais importante. Esse último pertence a um grupo de distúrbios denominados glomerulopatias C3. ↠ Os glomérulos são grandes e hipercelulares. A hipercelularidade é produzida pela proliferação de células no mesângio e pela denominada proliferação endocapilar envolvendo o endotélio capilar e os leucócitos infiltrativos. Os glomérulos apresentam uma acentuada aparência “lobular”, devido à proliferação das células mesangiais e ao aumento da matriz mesangial (KUMAR et. al., 2023). A. Coloração pela prata metenamina. Observe o acentuado espessamento difuso das paredes capilares, sem aumento do número de células. São observadas “espículas” proeminentes de matriz impregnada pela prata (seta), que se projetam a partir da lâmina densa da membrana basal para o espaço urinário, que separa e circunda os imunocomplexos depositados que carecem de afinidade pela prata. B. Micrografia eletrônica mostrando depósitos eletrodensos (seta) ao longo do lado epitelial da membrana basal (B). Observe o apagamento dos pedicelos que recobrem os depósitos. C. Depósitos imunofluorescentes granulares característicos de IgG ao longo da membrana basal glomerular. D. Representação diagramática da nefropatia membranosa. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Ocorre espessamento da MBG, que, com frequência, exibe um “duplo contorno” ou aparência em “trilho de bonde”, que é particularmente evidente em colorações pela prata ou PAS. Isso é causado pela “duplicação” da membrana basal (também chamada de “desdobramento” ou splitting), geralmente como resultado da síntese da nova membrana basal em resposta aos depósitos subendoteliais de imunocomplexos. Entre as membranas basais duplicadas, há inclusões ou interposições de elementos celulares, que podem ser de origem mesangial, endotelial ou leucocitária. Essa interposição também dá origem ao aparecimento de membranas basais “duplicadas” (split) . Em muitos casos, observa-se a presença de crescentes (KUMAR et. al., 2023). ↠ A GNMP tipo I caracteriza-se pela presença de depósitos eletrodensos subendoteliais característicos. Além disso, pode haver depósitos mesangiais e depósitos subepiteliais ocasionais. Na imunofluorescência, a IgG e o C3 estão depositados de acordo com um padrão granular, e os componentes iniciais do complemento (C1q e C4) frequentemente estão presentes, indicando uma patogênese por imunocomplexos A doença de depósito denso afeta principalmente crianças e adultos jovens.. O prognóstico é sombrio, com evolução de mais da metade dos pacientes para a DRT. Observa-se uma alta incidência de recorrência nos receptores de transplante; há recorrência de depósitos densos em 90% desses pacientes (KUMAR et. al., 2023). NEFROPATIA POR IGA (DOENÇA DE BERGER) ↠ A nefropatia por IgA, caracterizada pela presença de depósitos proeminentes de IgA nas regiões mesangiais e por hematúria recorrente, é o tipo mais comum de glomerulonefrite em todo o mundo. Pode-se suspeitar da doença pelo exame ao microscópio óptico, porém o diagnóstico só é estabelecido pela detecção de deposição de IgA glomerular. A proteinúria leve está geralmente presente, e, em certas ocasiões, pode haver desenvolvimento da síndrome nefrótica (KUMAR et. al., 2023). Glomerulonefrite membranoproliferativa mostrando a proliferação das células mesangiais, o aumento da matriz mesangial (coloração preta pela prata), o espessamento da membrana basal com duplicação (splitting), a acentuação da arquitetura lobular, o edema das células que revestem os capilares periféricos e o influxo de leucócitos (proliferação endocapilar). Glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I. Observe os depósitos eletrodensos característicos (setas) incorporados à parede capilar glomerular, entre as membranas basais duplicadas (split) (setas duplas) e em regiões mesangiais (M). B. Doença de depósito denso (glomerulonefrite membranoproliferativa tipo II). Há depósitos densos homogêneos dentro da membrana basal. Em ambos os tipos, a interposição mesangial produz a aparência de membranas basais duplicadas quanto examinadas na microscopia óptica. Nefropatia por IgA. A. Microscopia óptica mostrando a proliferação mesangial e o aumento da matriz. B. Deposição característica de IgA, principalmente em regiões mesangiais, detectada por imunofluorescência. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck FISIOPATOLOGIA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A barreira de filtração glomerular é composta pela célula endotelial do capilar glomerular (a célula que entra em contato direto com o sangue a ser filtrado), pela membrana basal do capilar, pelo podócito (célula epitelial visceral) e suas pedicelas e, mais externamente, pela célula mesangial. A passagem de moléculas pela barreira ocorre através das fenestras entre as células endoteliais do capilar, pela membrana basal e pelos espaços entre as pedicelas podocitárias (fenda podocitária). Além da restrição à filtração pelo tamanho molecular, a barreira glomerular também é capaz de limitar a filtração por seletividade de cargas elétricas (a membrana basal é carregada negativamente). Assim, proteínas grandes (> 150 kd) são dificilmente filtradas porque não passam pelos orifícios da barreira, e proteínas carregadas negativamente (mesmo que pequenas) são filtradas em pouca quantidade porque são repelidas pela membrana basal. Graças à complexidade da barreira de filtração glomerular, o rim é capaz de filtrar mais de 170 litros de sangue por dia e perder < 300 mg de proteínas em 24 horas (esta é a quantidade máxima normal de proteinúria de um indivíduo saudável) (TITAN, 2013). ↠ Qualquer aumento da permeabilidade da membrana glomerular possibilita que proteínas saiam do plasma e entrem no filtrado glomerular. O resultado disso é proteinúria maciça, que acarreta hipoalbuminemia (NORRIS, 2021). Proteinúria é o principal componente da SN e resulta da perda de proteínas plasmáticas nos glomérulos. Hipoalbuminemia deve-se sobretudo a proteinúria, mas também a hipercatabolismo proteico e alterações na síntese de proteínas (FILHO, 2021). ↠ O edema generalizado – marca característica da síndrome nefrótica – é causado pela redução da pressão coloidosmótica do sangue, com acumulação subsequente de líquidos nos tecidos intersticiais. Também há retenção de sódio e água, agravando o edema. Isso parece atribuível a vários fatores, inclusive aumento compensatório da aldosterona, estimulação do sistema nervoso simpático e redução da secreção dos fatores natriuréticos. Inicialmente, o edema acumula-se nas partes inferiores do corpo (inclusive membros inferiores), mas torna-se generalizado à medida que a doença avança (NORRIS, 2021). IMPORTANTE: Esses mecanismos de formação do edema na síndrome nefrótica também são conhecidos como as teorias do underfill (a hipoalbuminemia como fator primário causador de edema) e de overflow (a retenção de sódio e água como mecanismos primários). Em geral, tais mecanismos coexistem, com a predominância de um ou outro a depender da doença em questão (TITAN, 2013). Os pacientes com síndrome nefrótica podem ter dispneiacausada por edema pulmonar, derrames pleurais e compressão diafragmática pela ascite (NORRIS, 2021). O edema é caracteristicamente mole e com cacifo e é mais acentuado nas regiões periorbitais e nas porções pendentes do corpo. Se for grave, também pode levar a derrames pleurais e ascite (KURMA et al., 2023). ↠ A hiperlipidemia nos pacientes com nefrose caracteriza-se por níveis altos de triglicerídios e lipoproteínas de densidade baixa (LDL). Os níveis das lipoproteínas de densidade alta (HDL) geralmente estão normais. Por causa da elevação das concentrações de LDL, é mais provável que pacientes com síndrome nefrótica desenvolvam aterosclerose (NORRIS, 2021). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Hiperlipidemia associa-se a aumento na síntese de lipoproteínas pelo fígado (albumina e lipoproteínas são sintetizadas no fígado pelos mesmos estímulos; com a perda renal de albumina, surge estímulo para maior síntese de albumina, o que resulta em maior produção também de lipoproteínas); elevam-se os níveis plasmáticos de colesterol, triglicerídeos e lipoproteínas de muito baixa e baixa densidades. Com a hiperlipidemia e o aumento da permeabilidade dos glomérulos para lipoproteínas, ocorre lipidúria (FILHO, 2021). Apesar de a albumina ser a principal proteína excretada em quadros nefróticos, também há perda variável de diversas outras proteínas, como imunoglobulinas, complemento, fatores inibidores da coagulação (proteína C, proteína S, antitrombina III), eritropoietina, PTH, proteína ligadora de vitamina D, proteínas carreadoras de metais como ferro, zinco e cobre, etc. A perda dessas proteínas está envolvida na gênese de outras complicações do quadro nefrótico, como suscetibilidade a infecções, trombofilia, anemia, desnutrição e, possivelmente, doença óssea (TITAN, 2013). ↠ Os pacientes nefróticos são particularmente vulneráveis à infecção, em particular às infecções estafilocócicas e pneumocócicas, provavelmente devido à perda de imunoglobulinas na urina (KUMAR et al., 2023). ↠ As complicações trombóticas e tromboembólicas também são comuns na síndrome nefrótica, devido, em parte, à perda de anticoagulantes endógenos (p. ex., antitrombina III) na urina. A trombose da veia renal, que antigamente se acreditava ser a causa da síndrome nefrótica, representa, com mais frequência, uma consequência desse estado de hipercoagulabilidade, particularmente em pacientes com nefropatia membranosa (KUMAR et al., 2023). ↠ Anemia deve-se a eliminação urinária de ferro fixado à transferrina, que possui baixo peso molecular (76 kD) (FILHO, 2021). Em alguns pacientes, pode haver perda apenas de proteínas de baixo peso molecular (proteinúria seletiva) ou de peso molecular variável, como as globulinas (proteinúria não seletiva); no primeiro caso, o prognóstico e a resposta terapêutica são melhores (FILHO, 2021). A insuficiência renal nos pacientes com SN pode ocorrer de forma aguda ou crônica, decorrente da evolução progressiva da glomerulonefrite, mas também associada ao estado nefrótico. Entre as possíveis causas de insuficiência renal aguda citam-se a hipovolemia, que pode ser devida ao uso de diuréticos, o emprego de medicamentos nefrotóxicos e mais raramente a trombose de veias renais (VEROSENE, 2010). A evolução para insuficiência renal crônica (IRC) depende do tipo histológico da doença primária e da resposta ao tratamento. Em torno de 50% dos pacientes com GESF ou GNMP evoluem para IRC em 10 anos, havendo ainda a possibilidade de recorrência nos pacientes submetidos a transplante renal (VEROSENE, 2010). Entretanto, independente do tipo histológico, pacientes com proteinúria nefrótica (>3,5 g/dia) tem um risco 35% maior de evoluir para IRC em 2 anos quando comparados a pacientes com proteinúria não nefrótica (VEROSENE, 2010). DIAGNÓSTICO ↠ O diagnóstico de SN é feito por critérios clínicos, laboratoriais e pela análise histopatológica da biópsia renal. Em adultos, uma análise clínica e laboratorial criteriosa permite diagnosticar até 25% dos casos como sendo de SN secundária (VEROSENE, 2010). CRITÉRIOS CLÍNICOS ↠ A principal manifestação clínica da síndrome nefrótica é o edema, o qual pode progredir para anasarca e derrames cavitários. Pode haver ainda queixa de urina espumosa, expressão clínica da proteinúria importante (TITAN, 2013). ↠ Fadiga e perda de massa muscular estão comumente presentes, mas esta última deve ser sempre um sinal de alerta, principalmente em idosos, pois algumas doenças que levam à síndrome nefrótica podem estar associadas a neoplasias. Muitos pacientes referem dispneia aos esforços, provavelmente em função de derrame pleural, desnutrição, anemia e disfunção cardíaca (TITAN, 2013). ↠ Em diversas doenças, a síndrome nefrótica é acompanhada de hipertensão arterial. Com a exceção de lesões mínimas, todas as outras formas de síndrome nefrótica podem cursar com hematúria microscópica. Já a hematúria macroscópica é mais habitual na nefropatia da IgA, mas pode ocorrer em outras doenças também (TITAN, 2013). ↠ Deve-se atentar também a dados de anamnese e exame físico que sejam sugestivos de doenças sistêmicas (infecciosas, autoimunes, tumorais e de depósito), assim como pesquisar ativamente o uso prévio de medicamentos, exposição a drogas ilícitas, comportamentos de risco e epidemiologia para doenças infecciosas (TITAN, 2013). 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Em pacientes hipertensos, obesos e diabéticos, é sempre importante avaliar a presença de lesão em outros órgãos-alvo (p. ex., se há retinopatia coexistente). A concomitância de síndrome nefrótica e retinopatia diabética permite definir o quadro renal como nefropatia diabética (mesmo sem biópsia renal) na ausência de outros achados que levem a pensar em outras causas de glomerulopatia (TITAN, 2013). ↠ A história familiar também pode auxiliar no diagnóstico, tanto em doenças complexas, como nefropatia diabética, como em doenças monogenéticas, como Alport, GESF familiar, etc (TITAN, 2013). EXAMES COMPLEMENTARES ↠ Para estabelecer o diagnóstico de síndrome nefrótica, são necessários os seguintes exames: (TITAN, 2013). • análise do sedimento urinário: para avaliação de hematúria e cilindrúria; • proteinúria de 24 horas: também pode ser estimada por meio da relação entre proteinúria de amostra isolada e creatinina urinária; • dosagem de colesterol total e frações; • albumina sérica: preferencialmente por meio da eletroforese de proteínas, pois dessa forma já se avalia também a presença de pico monoclonal de gamaglobulinas, caso exista, o que levaria a pensar, por exemplo, no diagnóstico de síndrome nefrótica associada a gamopatia monoclonal, como a amiloidose ou a glomerulonefrite fibrilar. ↠ Para que se possa estabelecer a etiologia da síndrome nefrótica, outros exames costumam ser necessários: (TITAN, 2013). • exames de função renal: creatinina, ureia, clearance de creatinina; • exame de fundo de olho: na suspeita de nefropatia diabética, esse exame é essencial; • dosagem de complemento sérico (frações C3 e C4): permite diferenciar a síndrome nefrótica em dois grandes grupos: as glomerulopatias normocomplementêmicas (doença de lesões mínimas, GESF, glomerulonefrite membranosa idiopática e as doenças de depósito, como diabetes melito, amiloidose, etc.) e as glomerulopatias hipocomplementêmicas (glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefrite crioglobulinêmica e as diversas apresentações de nefrite lúpica), que consomem C3 e C4. • eletroforese de proteínas no sangue e na urina, com imunofixação sérica e urinária, se houver suspeita de gamopatia monoclonal, e mielograma, se necessário: para quantificar a hipoalbuminemia e o grau de perda das imunoglobulinas, avaliar a presença de paraproteína eavaliar a função hepática; • sorologias para hepatites B, C e HIV; • autoanticorpos (FAN, anti-DNA, ANCA) na possibilidade de doença autoimune; • crioglobulinas séricas na suspeita de crioglobulinemia; • índice de seletividade (IS): apesar de não ser um exame diagnóstico, pode sugerir a etiologia da síndrome (p. ex., habitualmente, a permeabilidade para imunoglobulinas é baixa em relação à de albumina na doença de lesões mínimas, enquanto o contrário ocorre em glomerulopatia membranosa). Há também trabalhos que sugerem que o índice de seletividade possa ser utilizado como um parâmetro de gravidade e resposta terapêutica na glomerulopatia membranosa; • ultrassonografia renal: principalmente para avaliação de tamanho e ecogenicidade dos rins, além de espessura da córtex renal, informações que podem mostrar se o quadro renal tende a ser agudo ou crônico. Além disso, sabe-se que os rins de nefropatia diabética e de amiloidose, por exemplo, mesmo que crônicos e hiperecogênicos, podem ter tamanho normal. Deve-se saber, no entanto, que rins nefróticos são discretamente mais ecogênicos que rins normais; • ecodopplercardiograma: importante em casos de HAS, diabetes melito, amiloidose, etc.; • biópsia renal: é necessária na maioria dos casos de síndrome nefrótica para elucidação diagnóstica. O diagnóstico exclusivamente clínico da síndrome nefrótica em adultos determina um percentual não desprezível de erro diagnóstico e, por esse motivo, a biópsia renal tornou-se imprescindível nas abordagens diagnósticas e terapêuticas. 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck No anatomopatológico, podemos encontrar lesões mínimas, geralmente em crianças, em 80% dos casos de síndrome nefrótica apresentam esse padrão histológico, o que justifica a não realização de biópsia em larga escala (SANAR). Se o padrão não for lesão histológica mínima, as outras causas de síndrome nefrótica são: (SANAR). • glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) que é uma doença renal caracterizada por síndrome nefrótica, com frequente progressão para insuficiência renal terminal. • glomerulonefrite membranoproliferativa é um grupo de doenças imunomediadas caracterizadas, histologicamente, por espessamento da membrana basal glomerular e alterações proliferativas na microscopia. • nefropatia membranosa ou glomerulonefrite membranosa é uma doença renal caracterizada pela inflamação e espessamento lento e gradual da membrana basal dos capilares sanguíneos dos glomérulos renais. O padrão de agressão histológica é que melhor informa sobre o prognóstico renal e o tipo de tratamento a ser empregado (TITAN, 2013). Referências FILHO, Geraldo B. Bogliolo - Patologia. Grupo GEN, 2021. TITAN, Silvia. Princípios básicos de nefrologia. Grupo A, 2013. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Grupo GEN, 2023. NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Grupo GEN, 2021. LOURENÇO, F. G. Estratégias dietoterápicas no manejo da síndrome nefrótica: uma revisão de literatura. Trabalho de conclusão de curso de graduação em nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022. VERONESE et al. Síndrome nefrótica primária em adultos. Revista HCPA, v. 2, n. 30, 2010.
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