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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Conhecer o trabalho de parto, com ênfase em dinâmica fetal e uterina. 2- Entender as fases e a assistência do parto. 3- Entender o puerpério. Trabalho de parto ↠ O momento do nascimento é determinado por um ajuste entre a maturação fetal e os mecanismos que deflagram a parturição (FERNANDES, 2018). A média da duração da gravidez humana única é de 280 dias (40 semanas) contados a partir do primeiro dia do último período menstrual, sendo definida a gravidez a termo como o período de 259 dias até 293 dias, após o último ciclo (37 a 41 e 6/7 semanas) (FERNANDES, 2018). ↠ Trabalho de parto é o período que vai desde o início das contrações uterinas regulares associadas ao apagamento e à dilatação cervical até a expulsão do concepto e da placenta. O reconhecimento do início do TP nem sempre é simples, pois, muitas vezes, o seu diagnóstico só é confirmado retrospectivamente (MARTINS-COSTA et al., 2017). A admissão de uma parturiente para acompanhamento do TP deve ser feita com base no grau de dilatação e na presença de contrações uterinas regulares e frequentes. Quando a gestante chega ao centro obstétrico (CO) com colo apagado, dilatação cervical de 4 cm ou mais e contrações uterinas com frequência de pelo menos 2 a cada 10 minutos, presume-se que tenha alcançado a fase ativa do TP. Esse método presuntivo de identificar o TP traz muitas incertezas durante os períodos iniciais (MARTINS-COSTA et al., 2017). ↠ O TP e o parto não podem ser considerados um processo passivo no qual um motor de contrações empurra um objeto rígido inanimado através de uma abertura fixa. A habilidade do feto em “negociar” o sucesso final de passar por essa trajetória depende de uma complexa interação de três variáveis: (FERNANDES, 2018). • O poder propulsor, fornecido pelas contrações uterinas; • A mobilidade do passageiro (móvel-feto); • A passagem (trajeto duro e mole do canal de parto). Mecanismo do parto fisiológico: apresentação cefálica fletida em bacia ginecoide (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FASES DA FISIOLOGIA DA ATIVIDADE CONTRÁTIL UTERINA O útero é composto por músculo liso e, portanto, tem como unidade funcional a fibra muscular lisa (FERNANDES, 2018). ↠ De modo didático, a atividade miometrial ao longo da gravidez poderia ser dividida nas seguintes fases (FERNANDES, 2018). Fase zero: inibição ativa ↠ A atividade miometrial inibida: durante a maior parte do período gestacional o útero tem sua cinética quiescente, decorrente da ação atribuída a várias substâncias inibidoras, a saber: (FERNANDES, 2018). • Progesterona; • Prostaciclinas (prostaglandina – PG – 1 e 2); • Relaxina; • Óxido nítrico; • Peptídeos relacionados ao gene da calcitonina; • Peptídeos relacionados ao hormônio da paratireoide; • Adrenomodulina; • Peptídeo vasoativo intestinal. Importante destacar que o útero apresenta atividade contrátil durante toda a gravidez, embora a frequência, localização e intensidade das contrações, cujo somatório define o chamado trabalho uterino, não são suficientes para deflagrar o processo da parturição (FERNANDES, 2018). Fase 1: Atividade miometrial ↠ Período próximo ao termo, quando o útero começa a reagir às ações de substâncias com poder uterotrópico, por exemplo, os estrogênios. A fase é reconhecida pela ativação dos receptores associados a proteínas (CAP), principalmente os de ocitocina e de PGs, dos canais de íons e aumento das chamadas conexinas-43, que fazem parte das GAP (comunicações intercelulares). Esse processo aumenta a sincronia elétrica miometrial e facilita a efetiva coordenação das contrações (FERNANDES, 2018). Fase 2 ↠ Fase de estimulação, quando o útero, “devidamente preparado”, pode ser estimulado pelos agonistas uterotônicos como as PGs E2 e F2-alfa, as endotelinas-1 e a ocitocina (FERNANDES, 2018). Teleologicamente, é razoável considerar que o feto, alcançando suficiência na maturidade de seus órgãos, “sinalizasse” para o processo de parturição se iniciar. O “sinal” que seria emitido pelo concepto não é conhecido ou foi identificado no ser humano, sendo apenas sugerido (FERNANDES, 2018). ↠ Alternativamente, nos humanos, o “sinal de partida” poderia ser transmitido dos pulmões ou rins, por meio de secreções ou excreções desses órgãos, para o interior do líquido amniótico – o braço parácrino do sistema de comunicação do binômio mãe-feto (FERNANDES, 2018). ↠ Esta fase do processo poderia ser dividida em três estágios individualizados: (FERNANDES, 2018). • O primeiro deles começa quando podem ser identificadas contrações com frequência, intensidade e duração suficientes para provocar demonstráveis esvaecimento e dilatação do colo uterino. Terminaria quando a dilatação APG 22 – “É AGORA, DOUTORA?” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck atingisse suficiente espaço para permitir a passagem do feto, havendo importante liberação da ocitocina no plasma materno nesse momento, mas predominam os níveis de PGs no líquido amniótico e na corrente sanguínea materna, que aumentam de modo significativo durante todo o processo; • O segundo estágio começaria quando a dilatação atingisse seu máximo e terminaria quando o feto é expulso do ventre materno. Neste momento, a ocitocina plasmática aumenta de modo dramaticamente intenso; • O terceiro estágio inicia-se imediatamente após o parto do feto, terminando com a expulsão completa da placenta e das membranas e, ao contrário do que se considera em geral, com o prosseguimento regular da atividade uterina, com contrações muito fortes e de alta intensidade, agora desacompanhadas de dores ou desconforto maiores, mas passíveis de serem demonstradas ou até percebidas pela mãe. Há forte retração do volume uterino com a saída de seu conteúdo principal e a placenta se separa, em mecanismo originado pela desproporção de dimensões entre o sítio de sua implantação e do músculo uterino encolhido, clivagem ademais facilitada pela natureza da estrutura esponjosa da decídua subjacente. Acompanhando de modo passivo o processo de redução da superfície uterina, as membranas começam a se descolar submetidas gravitacionalmente pelo peso da placenta, com tração de seu conjunto de páreas e pela forte contração da massa muscular uterina, terminando por serem expulsas, quando, então, se aproximam mais as paredes do útero, restando em aposição, quase obliterando por completo a cavidade. O processo, realizado de modo espontâneo e fisiológico, auxilia de modo poderoso a primeira fase do tamponamento uterino, evitando perdas sanguíneas maiores e desnecessárias. Fase 3 ↠ A involução uterina pós-parto é mediada primariamente pela ocitocina. De modo geral, esse neuro-hormônio está em níveis elevados no segundo período do TP (final da fase 3), no início do pós- parto e durante a maior parte do tempo de aleitamento. Sua necessidade torna-se mais evidente no processo final de contração e retração uterinas firmes e persistentes, providências essenciais para evitar as hemorragias pós-parto, após a saída do feto, placenta e membranas (FERNANDES, 2018). A ocitocina garantiria contrações persistentes e por mecanismos mais complexos, a involução uterina até o fim do puerpério tardio. Para a ejeção láctea, sua presença é fundamental e a amamentação estimula sua presença permanente e prolongada na circulação, assegurando mais rápido o processo de involução uterina (FERNANDES, 2018). CASCATA ENDÓCRINA FETAL QUE LEVA AO TRABALHO DE PARTO ↠ Esse processo, em sua totalidade, é conhecido como “cascata endócrina da parturição”, quando são removidos os mecanismos de inibição uterina e recrutados os fatores que promovem a modificação da atividade uterina (FERNANDES, 2018). MECANISMO DO PARTO Embora os movimentos desse mecanismo sejam contínuos e entrelaçados, para facilitar sua descrição,costuma-se dividi-los em vários tempos, com análise minuciosa de cada fase. Fernando Magalhães encarava-os com mais simplicidade, dividindo-os apenas em três: insinuação, descida e desprendimento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). INSINUAÇÃO ↠ A insinuação (ou encaixamento) é a passagem da maior circunferência da apresentação através do anel do estreito superior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Nessas condições, e pelo geral, está o ponto mais baixo da apresentação à altura das espinhas ciáticas (plano “O” de DeLee). Tem como tempo preliminar a redução dos diâmetros, o que, nas apresentações cefálicas, é conseguido por flexão (apresentação de vértice) ou deflexão (apresentação de face). Na apresentação pélvica, a redução dos diâmetros é obtida aconchegando- se os membros inferiores sobre o tronco ou desdobrando-se os mesmos para baixo ou para cima (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Nas apresentações córmicas, a insinuação não ocorre com feto de tamanho normal, em decorrência da grande dimensão dos diâmetros (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Para que se processe a insinuação, é necessário haver redução dos diâmetros da cabeça, o que será obtido pela orientação de diâmetros e por flexão (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ No início dessa fase, a cabeça fetal encontra-se acima do estreito superior da bacia, em flexão moderada, com a sutura sagital orientada no sentido do diâmetro oblíquo esquerdo ou do transverso e com a pequena fontanela 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck (fontanela lambdoide) voltada para esquerda (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Na realidade, o encaixamento depende, essencialmente, da morfologia da pelve. Nas de tipo ginecoide, ele se dá, preferencialmente, pelo diâmetro transverso; nas androides, as posições transversas são cerca de 3 vezes mais comuns que as anteriores e as posteriores reunidas, sendo estas últimas as de maior incidência; nas antropoides é menor a frequência do encaixamento pelo diâmetro transverso; alguns autores estabeleceram que esse tipo de bacia predispõe às posições posteriores, embora as posições direitas também sejam comuns. Nas bacias platipeloides, a cabeça deve ser encaixada quase obrigatoriamente através dos diâmetros transversos (MONTENEGRO; FILHO, 2017). De qualquer maneira, o aproveitamento dos diâmetros oblíquos ou transversos (os mais amplos do estreito superior) é indispensável para a passagem do diâmetro anteroposterior, o maior da circunferência de encaixamento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Reduzindo os seus diâmetros, a cabeça fetal transpõe o estreito superior da bacia (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A insinuação ocorre por dois processos diferentes: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Insinuação estática, processada na gravidez, em mais de 50% das primigestas. Flexão por aconchego no segmento inferior e na descida, conjuntamente com o útero, por tração dos ligamentos sustentadores do órgão e pressão das paredes abdominais. • Insinuação dinâmica, que surge no fim da dilatação cervical ou no início do período expulsivo nas multíparas. Flexão por contato com o estreito superior da bacia e descida à custa das contrações expulsivas. DESCIDA ↠ Completando a insinuação, a cabeça migra até as proximidades do assoalho pélvico, onde começa o cotovelo do canal. Até aí mantém a mesma atitude e conserva o mesmo sentido, apenas exagerando um pouco a flexão. O ápice do ovoide cefálico atinge o assoalho pélvico, e a circunferência máxima encontra-se na altura do estreito médio da bacia (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A descida, na realidade, ocorre desde o início do trabalho de parto e só termina com a expulsão total do feto. Seu estudo, como tempo autônomo, tem apenas propósito didático, facilitando a descrição. Durante esse mecanismo do parto, o movimento da cabeça é turbinal: à medida que o polo cefálico roda, vai progredindo no seu trajeto descendente. É a penetração rotativa, de Fernando Magalhães (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Rotação interna da cabeça. Uma vez que a extremidade cefálica distenda e dilate, o conjunto musculoaponeurótico que compõe o diafragma pélvico sofre movimento de rotação, que levará a sutura sagital a se orientar no Mecanismo do parto em posição occipitoesquerda anterior (OEA). A e B. Insinuação, pelo diâmetro oblíquo esquerdo da bacia, flexão e descida. C e D. Rotação para posição occipitopúbica; completa-se a descida e ocorre o desprendimento cefálico. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck sentido anteroposterior da saída do canal. A explicação a seguir torna o procedimento mais compreensível: o assoalho pélvico, principalmente depois de distendido pela cabeça fetal, é côncavo para cima e para diante, escavado em forma de goteira. Apresenta planos inclinados laterais por onde o feto desliza ao nascer. A fenda vulvar, limitada em cima pelo arco inferior do púbis e para os lados e para baixo pelo diafragma pélvico, apresenta forma ovalar, com o eixo maior no sentido anteroposterior, quando totalmente distendida. Ao forçar a distensão do assoalho pélvico, a cabeça fetal desliza nas paredes laterais (planos inclinados) e roda para acomodar seus maiores diâmetros aos mais amplos da fenda vulvar. • Insinuação das espáduas. Simultaneamente à rotação interna da cabeça e à sua progressão no canal, verifica-se penetração das espáduas através do estreito superior da bacia. O diâmetro biacromial, que mede 12 cm, é incompatível com os diâmetros do estreito superior; porém, no período expulsivo, sofre redução apreciável porque os ombros se aconchegam, forçados pela constrição do canal, e se orienta no sentido de um dos diâmetros oblíquos ou do transverso daquele estreito. À medida que a cabeça progride, as espáduas descem até o assoalho pélvico. DESPRENDIMENTO ↠ Terminado o movimento de rotação, o suboccipital coloca-se sob a arcada púbica; a sutura sagital orienta-se em sentido anteroposterior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Dada a curvatura inferior do canal do parto, o desprendimento ocorre por movimento de deflexão. A nuca do feto apoia-se na arcada púbica; e a cabeça oscila em torno desse ponto, em um movimento de bisagra. Com o maior diâmetro do ovoide cefálico (occipitomentoniano) continuando orientado no sentido do eixo do canal, a passagem da cabeça através do anel vulvar deve ser feita pelos diâmetros anteroposteriores, de menores dimensões, originados do suboccipital. Essa região acomoda-se, assim, à arcada inferior da sínfise, em redor da qual a cabeça vai bascular para o desprendimento. Com o movimento de deflexão, estando o suboccipital colocado sob a arcada púbica, liberta-se o diâmetro suboccipitobregmático, seguido pelo suboccipitofrontal, suboccipitonasal e assim por diante, até o completo desprendimento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Rotação externa da cabeça. Imediatamente após desvencilhar-se, livre agora no exterior, a cabeça sofre novo e ligeiro movimento de flexão pelo seu próprio peso e executa rotação de 1/4 a 1/8 de circunferência, voltando o occipital para o lado onde se encontrava na bacia. É um movimento simultâneo à rotação interna das espáduas, por ela causado, e conhecido como restituição (faz restituir o occipital à orientação primitiva). • Rotação interna das espáduas. Desde sua passagem pelo estreito superior da bacia, as espáduas estão com o biacromial orientado no sentido do oblíquo direito ou do transverso da bacia. Ao chegarem ao assoalho pélvico, e por motivos idênticos aos que causaram a rotação interna da cabeça, as espáduas também sofrem movimento de rotação, até orientarem o biacromial na direção anteroposterior da saída do canal. O ombro anterior coloca-se sobre a arcada púbica; o posterior, em relação com o assoalho pélvico, impelindo para trás o cóccix materno. • Desprendimento das espáduas. Nessa altura, tendoo feto os braços cruzados para diante do tórax, a espádua anterior transpõe a arcada púbica e aparece através do orifício vulvar, onde ainda se encontra parcialmente recoberta pelas partes moles. ↠ Para libertar o ombro posterior, e tendo de acompanhar a curvatura do canal, o tronco sofre movimento de flexão lateral, pois o facilimum de flexão desse segmento é no sentido lateral do corpo. Continuando a progredir em direção à saída, com o Mecanismo do parto em posição occipitoesquerda anterior. A e B. Movimento de restituição da cabeça ou rotação externa. C e D. Desprendimento do ombro anterior e do posterior, respectivamente. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck tronco fletido lateralmente, desprende-se a espádua posterior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O restante do feto não oferece resistência para o nascimento, embora possa obedecer ao mesmo mecanismo dos primeiros segmentos fetais (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FASES CLÍNICAS DO PARTO ↠ As fases clínicas do TP são divididas em quatro, denominadas períodos clínicos do parto: (MARTINS- COSTA et al., 2017). • Primeiro período (ou de dilatação); • Segundo período (ou de expulsão); • Terceiro período (dequitação ou secundamento); • Quarto período (ou primeira hora pós-parto). O conjunto desses episódios constitui os fenômenos passivos do parto, que se completam com a análise dos movimentos executados pelo feto, na sua penetração rotativa pelo canal parturitivo, impulsionado pelas contrações uterinas (mecanismo do parto) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Clinicamente, o diagnóstico do início real do parto nem sempre será estabelecido facilmente. É necessário considerar o trabalho parturiente como síndrome: os elementos que a compõem não têm, isoladamente, valor absoluto, e somente o conjunto deles é fiador da precisão. De maneira esquemática, podem ser consideradas: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Contrações dolorosas, rítmicas (no mínimo, 2 em 10 min), que se estendem a todo o útero e têm duração de 50 a 60 s. Doze contrações por hora (2/10 min) é sinal importante de trabalho de parto verdadeiro ou iminente • A fase ativa do parto pode não ter se iniciado com 5 cm de dilatação em multíparas e até com dilatação maior em nulíparas • Formação da bolsa das águas • Perda do tampão mucoso, denunciando o apagamento do colo; são subsídios diagnósticos a serem discutidos adiante. FASE DE DILATAÇÃO ↠ Inicia-se a fase de dilatação com as contrações uterinas dolorosas (que começam a modificar ativamente a cérvice) e termina quando a sua ampliação está completa (10 cm) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Cerca de 70% das parturientes referem dor da contração uterina no hipogástrio, 20% na região sacra e 10% em ambos os lugares (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A sensação dolorosa se deve à hipóxia das fibras musculares do útero durante as contrações (FERNANDES, 2018). ↠ Período de esvaecimento e dilatação do colo uterino e formação do segmento inferior do útero e da “bolsa das águas”. Nas nulíparas, geralmente o esvaecimento do colo precede a dilatação, enquanto nas multíparas esses processos são concomitantes. Começa com contrações uterinas (metrossístoles) intensas, dolorosas e regulares que se iniciam a cada 30 minutos e vão aumentando de intensidade e frequência (FERNANDES, 2018). ↠ O colo dilata-se graças ao efeito de tração das fibras longitudinais do corpo, que se encurta durante as contrações uterinas, e de outros fatores convergentes (bolsa das águas e apresentação) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Dilatação do colo. Representou-se, esquematicamente, a convergência dos fatores que a condicionam: tracionamento do segmento inferior e do colo pela contração do corpo do útero; ação direta da apresentação, recoberta ou não pela bolsa das águas. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A dilatação do orifício externo do colo tem por finalidade ampliar o canal e completar a continuidade entre o útero e a vagina, sendo assim se formará um espaço entre o útero e a vagina, no qual será coletado o líquido amniótico (bolsa das águas) que auxiliará as contrações uterinas no deslocamento do istmo. A pressão exercida pela apresentação fetal e pela bolsa das águas forma o segundo fator responsável pela dilatação das porções baixas do útero (FERNANDES, 2018). Friedman, em 1954, descreveu uma abordagem científica que caracterizou um padrão sigmoide para o trabalho de parto ao elaborar um gráfico de dilatação cervical em relação ao tempo. Com base nas observações gráficas, elaborou o conceito de três divisões funcionais do trabalho de parto. Na primeira divisão, divisão preparatória ou de aceleração, mesmo que haja dilatação mínima, já se iniciam alterações plásticas do colo. A analgesia de parto pode interromper essa divisão do trabalho de parto. A divisão de aceleração máxima ou de dilatação, período de dilatação rápida, quando a dilatação vai de 3 a 9 cm, não é afetada pela analgesia de parto. Por fim, a divisão pélvica ou de desaceleração precede a dilatação completa (FERNANDES, 2018). O padrão de dilatação cervical durante as divisões de aceleração e de dilatação é representado por uma curva sigmoide dividida em duas fases. A fase latente, que corresponde à divisão de preparação, e a fase ativa, que corresponde à dilatação, sendo esta composta, segundo Friedman, em fase de aceleração, fase de aceleração máxima e fase de desaceleração (FERNANDES, 2018). • Fase latente: Friedman (1972) definiu essa fase como o momento em que a parturiente percebe as contrações uterinas regulares, pouco dolorosas. Normalmente, é o período até a dilatação de 3 a 5 cm, definido como limite de dilatação da fase latente e o início da fase ativa. A dilatação nessa fase é em média de 0,35 cm por hora, com duração variável, de difícil delimitação. A fase latente é considerada prolongada quando se estende por mais de 20 horas nas nulíparas e 14 horas nas multíparas. • Fase ativa: Fase caracterizada por contrações dolorosas, com aumento gradual de frequência e intensidade, levando à rápida dilatação do colo. As taxas de dilatação cervical, segundo Friedman (1972), variam de 1,2 a 6,8 cm por hora. Em 80% dos casos, a ruptura (amniotomia), com evasão parcial do conteúdo líquido do óvulo, ocorre no final da dilatação ou no início da expulsão (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Com relação à cronologia, as rupturas âmnicas são consideradas prematuras quando não há trabalho de parto; precoces, no início do parto; oportunas, quando ocorrem ao final da dilatação; e tardias, quando sobrevêm concomitantes à expulsão do feto, que, ao nascer envolto pelas membranas, é chamado feto empelicado. Ainda com relação às rupturas, é possível classificá-las como: espontâneas, quando ocorrem sem envolvimento médico; provocadas ou artificiais, quando decorrem da ação direta do parteiro (utilizando dedo ou instrumentos); e intempestivas, quando acarretam prolapsos, procidências ou escape quase total do líquido amniótico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FASE DE EXPULSÃO ↠ Inicia-se quando a dilatação está completa e se encerra com a saída do feto. Caracteriza-se, fundamentalmente, pela associação sincrônica às metrossístoles da força contrátil do diafragma e da parede abdominal, cujas formações musculoaponeuróticas, ao se retesarem, formam cinta muscular forte, que comprime o útero de cima para baixo e de frente para trás (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ No curso do 2º período, ocorre a sucessão das contrações uterinas, cada vez mais intensas e frequentes, com intervalos progressivamente menores, até adquirirem o aspecto subintrante de cinco contrações em Apagamento e dilatação do colo (primípara à esquerda e multípara à direita). A curva sigmóide de dilatação é formada por fase latente que corresponde à divisão de preparação e a fase ativa que corresponde à dilatação,sendo esta composta, em fase de aceleração, fase de aceleração máxima e fase de desaceleração (Friedman, 1978). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck cada 10 min. Por efeito das metrossístoles, o feto é propelido através do canal do parto, franqueia o colo dilatado e passa a distender lenta e progressivamente a parede inferior do diafragma vulvoperineal, depois de palmilhar a vagina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ São movimentos de reptação, de vaivém, que a apresentação descreve ao impulso das metrossístoles e da musculatura do abdome. Ao comprimir as paredes vaginais, o reto e a bexiga, o polo inferior do feto provoca, por via reflexa, o aparecimento das contrações voluntárias da prensa abdominal. Assim, origina-se a “vontade de espremer”, os puxos, movimentos enérgicos da parede do ventre, semelhantes aos suscitados pela evacuação ou micção penosas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Para maior eficiência do período expulsivo, é necessário que dois fatores estejam presentes e somados: sístole involuntária do útero e contração voluntária da prensa abdominal. A parturiente imobiliza o tórax, firmando os braços em pontos de apoio no leito; interrompe a respiração e abaixa o diafragma como nos movimentos expiratórios violentos, executando forte contração da musculatura abdominal. Por efeito de tal esforço, a apresentação desce pelo canal do parto, cumprindo os tempos preliminares do mecanismo de expulsão, passa a pressionar o períneo, que se deixa distender, encosta-se às paredes do reto, elimina o conteúdo ocasional e turgesce o ânus. Além disso, a urina flui, aos jatos, pelo meato. Inter faeces et urinas nascimur (o nascimento se dá entre fezes e urina) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Aos poucos, a vulva se entreabre, dilata-se lentamente e se deixa penetrar pela apresentação, coifada ou não; após muito esforço, o feto se desprende do leito materno, ao qual fica ligado unicamente pelo cordão umbilical. Ocorre a eliminação do líquido amniótico remanescente na cavidade uterina, mesclado a uma quantidade pequena de sangue decorrente do parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Em seguida, o útero se retrai, ficando o seu fundo na cicatriz umbilical. A parturiente, exausta pelos esforços despendidos, sente uma euforia compensadora após o trabalho de parto, seguida de relaxamento geral (fase de repouso clínico), apesar da coexistência de contrações uterinas, que persistem com a mesma intensidade e frequência, mas indolores (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Na primíparas, a fase latente dura, em média, 20 h; nas multíparas, 14 h. O parto propriamente dito (fase ativa) tem o período de dilatação completo em torno de 12 h, nas primíparas, e de 7 h nas multíparas; a expulsão leva, respectivamente, 50 e 20 min (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FASE DE SECUNDAMENTO ↠ Secundamento, ou 3º período do parto, também chamado decedura e delivramento, é o estágio da parturição que se processa após o nascimento do feto e se caracteriza por descolamento (dequitação ou dequitadura), descida e expulsão ou desprendimento da placenta e de seus anexos para fora das vias genitais (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O secundamento consta de três tempos fundamentais, os quais são descritos a seguir. (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Descolamento. Decorre, essencialmente, da retração do músculo uterino após o parto fetal e em consequência de suas contrações. Assim, reduz-se de maneira acentuada a superfície interna do útero, pregueando-se a zona de inserção da placenta, o que vai ocasionar o seu descolamento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). No ponto em que se iniciou o descolamento, forma-se o hematoma retroplacentário. Expande-se por entre as paredes do útero e os cotilédones, e pode, em certas circunstâncias, favorecer a dequitadura da placenta a cada onda contrátil (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck O descolamento da placenta ocorre de acordo com dois tipos de mecanismos: mecanismo de Baudelocque-Schultze e mecanismo de Baudelocque-Duncan (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • O mecanismo de Baudelocque-Schultze, cuja frequência é de 75%, ocorre quando a placenta inserida na parte superior do útero inverte-se e se desprende pela face fetal, em formato de guarda-chuva. Nesse caso, o hematoma retroplacentário inicia-se no centro da inserção e fica prisioneiro da massa placentária, o que explica sua saída ulterior. • No mecanismo de Baudelocque-Duncan (25% dos casos), se a placenta estiver localizada na parede lateral do útero, a desinserção começa pela borda inferior. Aqui, o sangue se exterioriza antes da placenta, que, por deslizamento, se apresenta ao colo pela borda ou pela face materna. Dessa maneira, a placenta se separa e cai no segmento inferior, sequência que se completa com a descida. O descolamento das membranas ocorre, também, por contrações e pregueamento do útero e, subsequentemente, pela queda e descida da placenta (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Descida. As contrações uterinas, que não cessam, e a possível ação da gravidade condicionam a migração da placenta, que se cumpre de acordo com a modalidade do descolamento, a locação placentária e a maior ou menor facilidade com que se desprendem as membranas. Do corpo uterino, a placenta passa ao segmento inferior, que então se distende, percorre a cérvice e cai na vagina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Expulsão ou desprendimento. No canal vaginal, a placenta provoca nova sensação de puxo, determinando esforços abdominais semelhantes aos do 2o período do parto, responsáveis pela expulsão do órgão para o exterior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Se o descolamento da placenta for fenômeno normal e ativo, nem sempre a sua expulsão será pela vagina na mulher civilizada, que dá à luz em decúbito dorsal e sob analgotocia. Nessas condições, ela permanecerá retida, criando dificuldades, sendo necessária, quase sempre, a intervenção do obstetra (MONTENEGRO; FILHO, 2017). No antigo local de inserção da placenta, forma-se ferida viva, com os seus vasos abertos, dando saída a certa quantidade de sangue, até que se obliterem pelo mecanismo descrito por Pinard (ligaduras vivas), subsecutivo à retração uterina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). PRIMEIRA HORA PÓS-PARTO ↠ É também chamado de período de Greenberg, que considera a primeira hora após a saída da placenta um momento tão importante que lhe reserva uma das fases do parto, pelos riscos de hemorragia e pelo descuido quase universal daqueles que acompanham nossas puérperas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A seguir, estão listadas as fases típicas que caracterizam o 4º período (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Miotamponagem. Imediatamente após a expulsão da placenta, o útero se contrai e é palpável em um ponto intermediário entre o púbis e o umbigo. A retração inicial determina a laqueadura viva dos vasos uterinos, constituindo a primeira linha de defesa contra a hemorragia. • Trombotamponagem. Trata-se da formação de trombos nos grandes vasos uteroplacentários, constituindo hematoma intrauterino que 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck recobre, de modo contínuo, a ferida aberta no local placentário. Esses trombos são aderentes, pois os coágulos continuam com os mencionados trombos dos grandes vasos sanguíneos uteroplacentários. É a segunda linha de defesa contra a hemorragia, quando o estágio de contração fixa do útero ainda não foi alcançado. A contração do miométrio e a pressão do trombo determinam o equilíbrio miotrombótico. • Indiferença miouterina. O útero se torna “apático” e, do ponto de vista dinâmico, apresenta fases de contração e de relaxamento, com o perigo de encher-se progressivamente de sangue. Maior a paridade ou mais prolongados os três primeiros estágios do parto, tende a crescer o tempo de indiferença miouterina.O mesmo ocorreria após partos excessivamente rápidos, polidrâmnio, gravidez múltipla e feto macrossômico, devido à excessiva distensão do útero. • Contração uterina fixa. Normalmente, após 1 h, o útero adquire maior tônus e assim se mantém. ASSISTÊNCIA AO PARTO ASSISTÊNCIA À DILATAÇÃO Cuidados iniciais ↠ Serão dispensados cuidados imediatos à parturiente, incluindo higiene corporal e fornecimento de vestuário apropriado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Anteriormente, recomendava-se tricoxisma do monte de Vênus e da genitália externa, bem como enema intestinal. A tricotomia era ultimada, a fim de reduzir-se a incidência de infecções na episiotomia, bem como para facilitar a episiorrafia e propiciar melhor higiene no pós-parto. Por não haver aumento da morbidade nas pacientes não submetidas a esse procedimento, recomenda-se que ele apenas seja realizado com a solicitação da parturiente (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Da mesma maneira, o enteroclisma, que era realizado para diminuir o risco de infecção perineal e neonatal e exercer efeito benéfico junto às contrações uterinas e à descida do feto pelo desfiladeiro pélvico, mostrou ser incapaz de diminuir a incidência de infecções maternas ou fetais, além de propiciar desconforto às pacientes e onerar a assistência médica prestada, devendo ser realizado quando acertado previamente com a paciente (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Reconhecemos que durante o trabalho de parto, o parto e o puerpério, em toda a estada na maternidade, a presença de um acompanhante à escolha da parturiente oferece conforto psíquico, segurança e estímulo, além de ser um elemento alentador, contribuindo na assistência ao parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Toque vaginal ↠ Trata-se do toque vaginal uni ou bidigital. Para efetuá-lo – e jamais dispensando os cuidados prévios de antissepsia e de assepsia da região vulvoperineal e das mãos do parteiro, estas corretamente enluvadas –, afastam-se as ninfas e introduzem-se na vagina os dedos indicador e médio, ou apenas o primeiro, untados em vaselina esterilizada ou sabão líquido (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O exame procurará explorar sucessivamente: o colo (apagamento, dilatação, orientação e consistência), a bolsa das águas e a apresentação (posição, variedade, altura e proporcionalidade à bacia, além de outros detalhes como a flexão e o assinclitismo) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Ao toque, as diversas partes fetais apresentam caracteres específicos, o que possibilita sua identificação. A apresentação cefálica mostra-se como corpo duro, arredondado e liso, em que se percebem as suturas e fontanelas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). No decurso do trabalho de parto, os ossos da abóbada craniana se sobrepõem, uns acavalando os outros, as suturas não são percebidas como espaço membranoso, mas se exibem como cristas ósseas; das fontanelas, apenas a bregmática tem essas características de espaço membranoso, sentindo-se o lambda como superfície angular. São considerados fenômenos plásticos, fisiológicos, de redução de diâmetros, favorecendo a acomodação e a migração do polo cefálico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). O número de toques deve ser reduzido ao mínimo necessário, sendo difícil estabelecer regras para todos os casos. A evolução clínica da parturição ditará a conduta dos exames vaginais e os intervalos entre eles. Toques frequentes e sem apuro técnico são traumatizantes para os tecidos maternos, provocam edema da cérvice e propiciam a infecção ovular e da genitália (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ALTURA DA APRESENTAÇÃO ↠ No acompanhamento da evolução do parto, é importante observar, juntamente com a dilatação cervical, a altura da apresentação. Nas primíparas, ao início do trabalho, a apresentação está no nível das espinhas ciáticas (nível “0”) e diz-se que está insinuada. Nas multíparas, a insinuação ocorre somente no fim da dilatação ou no começo da expulsão; durante a maior parte do trabalho, a apresentação permanece alta; e está baixa quando, após ter sofrido a rotação interna (sutura sagital no eixo anteroposterior da bacia), tem contato com o períneo, o que ocorre no período de expulsão (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck Após o toque, retirados os dedos, é sempre recomendável verificar as secreções que tingem a luva nas extremidades digitais, visto que, assim, será possível identificar líquido meconial ou sangue com odor diverso, o que possibilitará o diagnóstico do sofrimento fetal, de síndromes hemorrágicas ou de infecção (MONTENEGRO; FILHO, 2017). BOLSA DAS ÁGUAS ↠ Em geral, é fácil diagnosticar a ruptura das membranas. A gestante, nesse caso, percebe a perda líquida pela vagina, acusando-a, de maneira incisiva, quando surge antes do início do trabalho de parto. Empurrando-se levemente a apresentação para cima, durante o toque, jorra o líquido amniótico nas amniorrexes consumadas; se as membranas estiverem intactas, ele se acumulará entre estas e o polo fetal, ficando mais tensas durante as contrações uterinas. Por meio do tato, é possível distinguir a superfície do couro cabeludo ou as pregas genitais (na apresentação pélvica) da superfície lisa das membranas. As dificuldades despontam se ela é chata, diretamente aplicada contra a apresentação ou presente a bossa serossanguínea. O obstetra deve certificar a integridade das membranas, examinando-as durante as metrossístoles, antes de praticar a amniotomia, sobretudo a instrumental, causadora de incidentais tocotraumatismos do concepto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A ruptura das membranas deve ser realizada apenas quando houver alguma indicação formal, como: na necessidade de finalizar o parto; nas distocias funcionais; ao avaliar o líquido amniótico e a variedade de posição (quando não se consegue fazê-lo estando a bolsa íntegra); ou programando-se parto operatório (como deverá ocorrer nas cardiopatas, por exemplo). De acordo com a evidência atual, a ruptura artificial não deve ser realizada de rotina, visto que a amniotomia isolada não se mostrou efetiva para acelerar o parto que progride lentamente, bem como aumentou a incidência de cesariana e de cardiotocografia anormal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Indicada a amniotomia, será realizada durante a contração uterina, quando a bolsa das águas retesar-se. Na falta do instrumento próprio (amniótomo), é possível utilizar um dos ramos da pinça de Pozzi, que se introduz cuidadosamente protegido pelo dedo e deve romper o saco âmnico o mais altamente possível, principalmente quando houver bolsa volumosa, muito tensa, ou a apresentação estiver móvel, acima do estreito superior. Nessa oportunidade, é útil fixá-la, pressionando o fundo do útero ou imobilizando o polo apresentado, enquanto o dedo permanece junto ao orifício da ruptura, para impedir o deflúvio precipitado do líquido amniótico, a carrear, em alude, cordão ou membros do feto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). O líquido amniótico que escoa deve ser convenientemente examinado. Corado por mecônio, esverdeado, indica sofrimento do feto, presente ou já ocorrido (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Vitabilidade fetal ↠ A auscultação dos batimentos cardiofetais (BCF) é um procedimento indispensável para examinar a vitabilidade durante o trabalho de parto. Os ruídos do coração constituem a única manifestação clínica objetiva de funcionamento do sistema circulatório do concepto; vigiando-os, será possível diagnosticar o sofrimento e instituir as medidas pertinentes (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A ausculta é feita na fase de dilatação, 30 s após o término da contração, a cada 30 min. Na pausa intercontrátil, o número de ruídos mantém-se, em geral, entre 110 e 160 bpm, em média 140 bpm (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ALIMENTAÇÃO ↠ No momento do trabalho de parto, os alimentos sólidos ficam proibidos, devido aos riscos inerentes às anestesias em tais condições.Nas gestantes de baixo risco, poderá ser permitida a ingesta de pequenas quantidades de líquidos claros (água, sucos de fruta sem polpa e chás), em comum acordo entre o obstetra e o anestesista (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Contudo, nos casos com maior risco para cesariana (obesas, diabéticas, com via aérea difícil), o jejum parece ser a melhor opção. Se houver necessidade de hidratação (dias quentes, muitas horas de trabalho de parto), são utilizadas soluções glicosadas a 5 ou 10%, por via venosa. Não há, contudo, evidência que suporte o jejum universal nas parturientes (MONTENEGRO; FILHO, 2017). DEAMBULAÇÃO ↠ A parturiente poderá locomover-se durante o período de dilatação, até a ruptura das membranas, e desde que não esteja sob analgotocia. Depois, será mais prudente permanecer no leito, em decúbito lateral, para melhoria das contrações uterinas e da oxigenação fetal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck Cateterismo vesical ↠ Impossível a micção espontânea e se houver presunção de bexiga repleta. Não esquecer os rigores da assepsia e da antissepsia (perigo de infecção ascendente). A bexiga cheia, que aumenta a dor durante as contrações, ocasiona distocias e várias dificuldades durante os atos operatórios e no decurso do parto espontâneo (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Ocitocina ↠ Embora acelere o trabalho de parto, aumentando a intensidade e a frequência das contrações uterinas, seu uso deve ser limitado aos casos em que está hipoativa a dinâmica da matriz; são recomendações antigas do Centro Latino-Americano de Perinatologia e Desenvolvimento Humano (CLAP), que visam preservar a vitabilidade fetal durante o parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A perfusão venosa é a única a ser utilizada. Se diluirmos 2 U de ocitocina, ou seja, 2.000 mU em 1.000 mℓ (ou 1 U em 500 mℓ) e da solução administrarmos 10 gotas (1/2 mℓ) por minuto, daremos 1 mU/min, isto é, 1 U de perfusão (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Qualquer perfusão venosa deve ser iniciada com 1 mU/min, passando- se, decorrido algum tempo e se necessário, para 2 mU/min (20 gotas), 4 (40 gotas) e até 8 mU/min (80 gotas); doses maiores são consideradas imprudentes (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A resposta do útero à ocitocina, no período de dilatação, é quase imediata. Nunca será irrelevante insistir sobre a necessidade imprescindível de observação atenta da perfusão, repetindo-se periodicamente a contagem do gotejo, a variar constantemente; é fundamental averiguar, repetidamente, a frequência das contrações e sua duração, bem como auscultar, cuidadosamente, os BCF. A sensibilidade da matriz varia muito, individualmente (MONTENEGRO; FILHO, 2017). É sempre válido relembrar o preceito de Greenhill se tratando de ocitócico: “é uma substância mais perigosa que a dinamite” (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Bloqueio combinado raquidiano-peridural (BCRP) ↠ Consiste na injeção de opioide subaracnóideo com a passagem de cateter peridural no mesmo procedimento e, de preferência, por uma única punção (técnica conhecida como agulha através de agulha, ou coaxial). Em geral, inicia-se com 4 a 5 cm de dilatação. O BCRP reúne o início rápido da raquidiana com a extensão e a duração do bloqueio por intermédio do cateter peridural (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Classificam-se como complicações do BCRP: vômito, prurido, hipotensão, retenção urinária e o período expulsivo prolongado, exigindo maior emprego do fórceps (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ASSISTÊNCIA À EXPULSÃO ↠ Ao iniciar o 2º período, a parturiente, em geral, fica agitada e a maioria delas apresenta o desejo de defecar; modifica-se o caráter das metrossístoles, que aumentam de frequência e de intensidade, somando-se ainda a contração voluntária da prensa abdominal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Quando a mulher se esforça espontaneamente, a dilatação se completa e a apresentação fica bem penetrada na escavação. Como se originam de músculos estriados da parede do abdome, as contrações expulsivas estão, em parte, submetidas à vontade; assim, no começo do 2º período, a parturiente é capaz de comandá-las, intensificando ou abrandando-as (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Por ocasião da expulsão, a paciente deverá ser colocada na posição de dar à luz; decúbito dorsal com flexão máxima das coxas sobre o abdome e abdução dos joelhos. Trata-se da postura de Laborie-Duncan, que objetiva ampliar o estreito inferior e, escancarando o períneo e a vulva, vai favorecer a libertação do concepto e as intervenções obstétricas vaginais (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Nas bordas laterais, as mesas de parto contêm braçadeiras, para apoio das mãos, e perneiras metálicas, providas de estribos, destinadas à sustentação dos membros inferiores (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A vitabilidade do concepto será acompanhada auscultando-lhe os batimentos cardíacos a cada 10 min (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Com a parturiente em posição, é feita a antissepsia da região perineal (polivinil ou similar); a seguir, colocam-se os campos esterilizados de maneira a isolar, cobrindo todas as partes maternas, exceto a vulva. O parteiro se prepara com gorro, máscara (cerrando nariz e boca), avental e luvas esterilizadas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Anestesia locorregional ↠ Muito usada para a realização da episiotomia, atualmente a anestesia locorregional está reservada ao reparo de eventuais lacerações ocorridas durante o parto Procede-se ao bloqueio troncular do nervo pudendo interno, na extremidade da espinha ciática; antes da introdução da agulha, o local é meticulosamente reparado pelo indicador, colocado na vagina; feito isso, realiza-se a deposição de 10 mℓ do anestésico; no lado oposto, procede-se da mesma maneira (MONTENEGRO; FILHO, 2017). É necessário infiltrar a metade inferior da vulva, a fáscia, por cima dos músculos levantadores do ânus, os próprios levantadores e a cunha perineal. A substância anestésica será distribuída nessa zona, com movimentos de avanço e recuo, rigorosamente em leque, sempre injetando a solução, conforme mostram as linhas pontilhadas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Em geral, o emprego de 40 a 50 mℓ de solução de lidocaína (xilocaína) a 1% ou de cloridrato de procaína (novocaína), também a 1%, em cada lado do períneo proporciona bloqueio anestésico satisfatório com relaxamento do assoalho pélvico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Salienta-se a importância de, antes de iniciar a infiltração anestésica, proceder-se à aspiração prévia, a fim de evitar punção acidental de vaso (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Episiotomia Proteção ao períneo. A passagem do feto pelo anel vulvoperineal poderá lesionar a integridade dos tecidos maternos, com lacerações e rupturas das mais variadas a condicionarem frouxidão do assoalho pélvico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Na proteção do períneo, não se deve prolongar por tempo excessivo a contrapressão sobre o polo apresentado do feto; assim, evita-se lesão aparente, mas pode-se determinar outra, oculta, igualmente grave; ficam comprometidos não apenas os músculos da região, como também o tecido conjuntivo do aparelho intrafascicular e intramuscular, parte fundamental da sustentação do sistema genital feminino (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A episiotomia é uma incisão cirúrgica vulvoperineal que tenciona impedir ou diminuir o trauma dos tecidos do canal do parto, favorecendo a descida e a liberação do feto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O momento adequado para executar a episiotomia depende de prever-se, com segurança, o fim da expulsão; o início de sua execução ocorre antes que a apresentação esteja a distender acentuadamente o períneo, evitando não apenas a lesão da pele, mas também dos planos musculoaponeuróticos comprometidos pelas soluções de continuidade efetuadasde dentro para fora (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A episiotomia, quase sempre, é indispensável nas primiparturientes e nas multíparas nas quais tenha sido anteriormente praticada. Feita com tesoura ou bisturi, poderá ser mediana (perineotomia) e mediolateral, sendo esta a de nossa preferência; a ferida incisa, de mais fácil e segura recomposição, substitui-se à lesão contusa da ruptura (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Posições que modificam a amplitude da bacia. I, flexão moderada da perna sobre a coxa, e desta sobre o tronco (posição de Bonnaire-Bué). II, exagero da flexão, que aumenta o diâmetro anteroposterior do estreito inferior (posição de Laborie-Duncan). III, posição de Crouzat-Walcher, que amplia o estreito superior. 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck Manobra de Kristeller ↠ Por vezes, a expressão do fundo do útero poderá ser efetuada por ajudante qualificado. Esta técnica é denominada manobra de Kristeller. Não é um procedimento inofensivo e não é por nós recomendado, pois desarranja a contratilidade uterina, produz hipertonia, repercutindo ominosamente na vitabilidade fetal; pode culminar inclusive com descolamento prematuro de placenta e embolia amniótica (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FÓRCEPS DE ALÍVIO ↠ Havendo o menor impedimento à progressão da cabeça, é aconselhável terminar o parto a fórceps, uma intervenção profilática, dedicado a tocurgia, fórceps de alívio, complementar ou de desprendimento. Ao final da expulsão, por estar extremamente difundida a administração de analgotocia que afasta ou estorva a possibilidade de esforços expulsivos maternos, passou a ser muito frequente o emprego do fórceps baixo (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ASSISTÊNCIA AO DESPRENDIMENTO DOS OMBROS ↠ Após o nascimento do polo cefálico, explora-se a região cervical do concepto em busca de circulares do cordão, que se presentes, serão desfeitas ou seccionadas. Finalizada a rotação externa da cabeça, o parteiro apreende com ambas as mãos a apresentação, traciona para baixo – com objetivo de liberar o ombro anterior – e depois para cima, auxiliando a saída do posterior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Episiotomia em suas principais modalidades: mediana (perineotomia) e mediolateral (que tem a nossa preferência). Assistência ao desprendimento dos ombros. Libertação do ombro anterior (A) e do ombro posterior (B). Não é necessário acentuar que as trações devem ser delicadas para não traumatizar o nascituro. 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck REVISÃO DA VAGINA E DO COLO ↠ Deve ser sistemática e não apenas quando o parto for cirúrgico ou ocorrer sangramento anormal. Em geral, a revisão é realizada quando o secundamento é finalizado. Se não houver hemorragia ou ruptura de extensão considerável, rasgaduras pequenas não requerem maiores cuidados, visto que, em geral, ficam muito reduzidas quando são superados o edema e a congestão das primeiras 24 h. É aconselhável, no entanto, nas de maior importância, que, mesmo exangues, seja feita a síntese no momento da revisão do colo, sendo boa prática procedida imediatamente depois de completado o parto, como profilaxia de futuras lesões (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Episiorrafia ↠ Em geral, o reparo da episiotomia é feito após o secundamento, evitando que os pontos sejam rompidos durante o parto da placenta, especialmente ao utilizar a extração manual. A sutura inicia pelo ângulo superior da ferida, na vagina, usamos pontos separados de categute no 2-0, cromado, na mucosa vaginal, no plano muscular e no tecido conjuntivo difuso. A pele é aproximada por pontos simples ou de Donati, do mesmo fio, que se soltam espontaneamente em alguns dias (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ASSISTÊNCIA NO SECUNDAMENTO Normalmente, o secundamento dura entre 5 e 10 min. Se a duração exceder 30 min, considera-se secundamento prolongado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A conduta ativa no secundamento é a maneira efetiva de prevenir a hemorragia pós-parto. Ela propõe a administração de ocitocina (10 UI) IM após o desprendimento do ombro anterior. Alternativamente ao emprego da ocitocina IM, pode-se administrar 5 UI de ocitocina lentamente por injeção intravenosa como agente uterotônico em mulheres submetidas à operação cesariana. Como 2ª linha, ainda temos as seguintes opções: metilergonovina 0,2 mg IM, em mulheres não hipertensas, ou misoprostol 400 a 800 μg oral. Em seguida, executa- se a tração controlada do cordão, a extração da placenta e, finalmente, a massagem do útero. Esse conjunto de ações reduz em até 2/3 a ocorrência da hemorragia pós-parto. A ligadura precoce do cordão não mais faz parte da conduta ativa no secundamento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Para a recepção da placenta, com o cuidado de não romper as membranas, geralmente exerce-se movimento de torção das páreas (manobra de Jacob- Dublin) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Certifique-se de que o útero não fique amolecido após a massagem, e se está formado o globo de segurança de Pinard, a indicar boa retração uterina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Expelida a placenta, deve-se fazer a antissepsia dos genitais externos, inspecionando-se cuidadosamente a vulva, a vagina e o colo, procurando-se descobrir rupturas ou dilacerações que devem ser imediatamente suturadas, assepticamente e sob anestesia, se não o foram antes, apenas havido o parto fetal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Exame da placenta e dos anexos ovulares ↠ Nem sempre é fácil comprovar a integridade da placenta e de seus anexos (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A inspeção da placenta deve ser feita após o secundamento, colocando-a sobre a mesa; com face materna voltada para cima, afastam-se as membranas que Episiorrafia. A. Incisão entreaberta, mostrando os diversos planos a suturar. B. Sutura da mucosa vaginal, em pontos separados, principiando pelo ângulo superior. C. É o tempo seguinte à síntese muscular, não representada, e ao fechamento do tecido subcutâneo, também em pontos separados. D. Sutura da pele com pontos simples ou de Donati. Manobra de Jacob-Dublin para a recepção da placenta. Tração leve da placenta para descolar as membranas, seguida de sua torção, o que as engrossa e fortifica. 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck podem mascarar o exame e removem-se todos os coágulos de sua superfície (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Face materna. Apresenta-se com aspecto brilhante, corresponde à decídua compacta que saiu aderida aos cotilédones; as áreas sem brilho decorrem da ausência de decídua, que ficou no útero. • Face fetal. É necessário verificar o ponto de inserção do cordão e a integridade do âmnio, que, quando desprendido, deve ser reconstituído até cobrir totalmente a massa placentária. ASSISTÊNCIA AO QUARTO PERÍODO ↠ A primeira hora após a saída da placenta é considerada o quarto período do parto. Nesse período, a paciente deve ser encaminhada para um local onde seja possível manter observação atenta por pessoal de enfermagem, pois há risco significativo de complicações hemorrágicas (MARTINS-COSTA et al., 2017). ↠ Nesse local, além dos sinais vitais, deve-se observar o grau de contratura uterina (formação do globo de segurança de Pinard) e a presença ou não de hemorragia. A causa mais frequente de hemorragia pós-parto é a hipotonia uterina. Logo após ser examinado pelo pediatra, o RN deve retornar, se possível, à companhia materna, permanecendo com a mãe na sala de recuperação e, após, no alojamento conjunto até a alta hospitalar (MARTINS-COSTA et al., 2017). PARTOGRAMA Partograma é a representação gráfica do trabalho de parto que possibilita acompanhar a sua evolução, documentar, diagnosticar alterações e indicar a tomada de condutas apropriadas para a correção dos desvios, evitando intervenções desnecessárias (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Na forma mais comumde montagem do partograma, utiliza-se papel quadriculado, colocando nas abscissas (eixo X) o tempo em horas e, nas ordenadas (eixo Y), em centímetros, a dilatação cervical à esquerda e a descida da apresentação à direita (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Na construção do partograma, existem duas linhas paralelas denominadas linhas de alerta e de ação. Quando a dilatação atinge ou cruza a linha de alerta, isso significa a necessidade de melhor observação clínica; a intervenção médica torna-se necessária somente quando a curva de dilatação cervical atinge a linha de ação, o que não significa conduta cirúrgica (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Para a construção do partograma, algumas observações são necessárias: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • No partograma, cada divisória corresponde a 1 h na abscissa (eixo X) e 1 cm de dilatação cervical e de descida da apresentação na ordenada (eixo Y); • Inicia-se o registro gráfico quando a parturiente estiver na fase ativa do trabalho de parto (2 a 3 contrações generalizadas em 10 min, dilatação cervical mínima de 3 a 4 cm); • Os toques vaginais são realizados a cada 2 h. Em cada toque, deve-se anotar a dilatação cervical, a altura da apresentação, a variedade de posição e as condições da bolsa das águas e do líquido amniótico; quando a bolsa estiver rompida, por convenção, registra-se a dilatação cervical com um triângulo, e a apresentação e a respectiva variedade de posição são representadas por uma circunferência; • O padrão das contrações uterinas e dos BCF, a infusão de líquidos, fármacos e o uso de analgesia devem ser devidamente registrados; • A dilatação cervical inicial é marcada no ponto correspondente do gráfico, traçando-se na hora imediatamente seguinte a linha de alerta e, em paralelo, 4 h após, sinala-se a linha de ação, desde que a parturiente esteja na fase ativa de parto (no mínimo, 1 cm/h de dilatação). As principais características do parto normal são: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Início espontâneo; • Apresentação cefálica de vértice, única; • Gravidez a termo (37 a 42 semanas); • Nenhuma intervenção artificial; • Duração < 12 h em primíparas e < 8 h em multíparas. Na evolução normal do trabalho de parto, a curva de dilatação cervical se processa à esquerda da linha de ação; quando essa curva ultrapassa a linha de ação, trata-se de parto disfuncional (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Curva de Friedman de evolução do parto: dilatação/tempo. Valores médios normais em primíparas. 16 Júlia Morbeck – @med.morbeck Puerpério ↠ O puerpério, também denominado pós-parto, é o período que sucede o parto e, sob o ponto de vista fisiológico, compreende os processos involutivos e de recuperação do organismo materno após a gestação (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Embora o caráter gradual e progressivo assumido por essas manifestações torne o puerpério um período de demarcação temporal imprecisa, é aceitável dividi-lo em: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • pós-parto imediato, do 1º ao 10º dia; • pós-parto tardio, do 10º ao 45º dia; • pós-parto remoto, além do 45º dia. Muitos estudos assumem como pós-parto os 12 meses que sucedem o parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). FISIOLOGIA DO PUERPÉRIO SISTEMA REPRODUTOR ↠ Os complexos fenômenos regenerativos vivenciados pelo sistema reprodutor feminino após o parto desenrolam-se especialmente ao longo do pós-parto imediato e do pós-parto tardio. Enquanto, no pós-parto imediato, prevalece a crise genital, caracterizada por eventos catabólicos e involutivos das estruturas hiperplasiadas e/ou hipertrofiadas pela gravidez, no pós- parto tardio evidenciam-se mais claramente a transição e a recuperação genital, com progressiva influência da lactação (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Útero ↠ Diminui consideravelmente de volume imediatamente após o nascimento do bebê, sofrendo redução de 1.000 g no pós-parto imediato e 500 mg ao final da primeira semana. Encontra-se globoso, de consistência lenhosa, entre a sínfise púbica e a cicatriz umbilical. Após dois dias, diminui de consistência, e o fundo uterino é palpado na cicatriz umbilical. Após 3 ou 4 dias, a redução acentua-se e, em duas semanas, o fundo uterino é palpado na cavidade pélvica. Com duas semanas, pesa em torno de 200 g e, com 30 dias, cerca de 100 g (MARTINS-COSTA et al., 2017). ↠ O colo uterino, que estava totalmente dilatado e pregueado no momento do parto, em 12 horas perde esse aspecto; dois dias após, esse colo permite a passagem de um dedo ao toque e, em uma semana, já está fechado. O orifício externo com forma inicialmente circular aparece como fenda transversal no pós-parto (MARTINS-COSTA et al., 2017). O pós-parto remoto (após 45 dias) é caracterizado pelo retorno da ovulação e da menstruação, eventos marcadamente influenciados pela lactação. Entre as mulheres que não amamentam, a menstruação retorna, em média, por volta do 45º dia pós-natal e, ao contrário do Cortes sagitais da recém-parida (A) e da puérpera entre o 8º e o 10º dia (B). Cérvice na nulípara (A) e na puérpera (B). 17 Júlia Morbeck – @med.morbeck que se pensava, é precedida pela ovulação. Nas lactantes, todavia, esses prazos dependem da duração e da frequência do aleitamento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Lóquios ↠ É a eliminação do conteúdo uterino que ocorre após o parto. Os lóquios são constituídos pela decídua externa remanescente que sofre necrose e é eliminada. A decídua interna permanece intacta para mais tarde promover a regeneração do endométrio (MARTINS- COSTA et al., 2017). • Lóquios vermelhos (lochia rubra): Sangue vivo que é eliminado nos primeiros dias após o parto; • Lóquios serosos (lochia fusca): Depois de 3 a 4 dias de pós-parto, a eliminação fica descorada; • Lóquios claros (lochia alba): Em torno do 10º dia após o parto, a eliminação fica esbranquiçada. ↠ É importante a correta avaliação dos lóquios, pois podem sinalizar, quando abundantes ou fétidos e principalmente associados à subinvolução, um quadro de retenção placentária ou infecção pélvica (MARTINS- COSTA et al., 2017). Vagina e vulva ↠ Essas estruturas involuem no puerpério imediato e ocorre uma rápida cicatrização. Se existirem pequenas lacerações no momento do nascimento, as mesmas cicatrizarão em 4 ou 5 dias. A mucosa vulvovaginal perde as camadas externas e permanece atrofiada, permitindo a visualização dos vasos das camadas profundas, os quais determinam uma coloração avermelhada. Essa situação perdura até que ocorra a proliferação tecidual com o retorno dos níveis estrogênicos. Na prega himenal remanescente, aparecem as carúnculas mirtiformes, que são pequenas saliências (MARTINS-COSTA et al., 2017). SISTEMA ENDÓCRINO ↠ No fim da gestação, os níveis de estrogênio e progesterona estão muito elevados, assim como os de prolactina (PRL). Com a saída da placenta, ocorre queda imediata dos esteroides placentários a níveis muito baixos e leve diminuição dos valores de PRL, que permanecem ainda bastante elevados (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ As gonadotrofinas e os esteroides sexuais atingem seus menores valores nas primeiras 2 a 3 semanas pós- parto. Já os níveis de gonadotrofina coriônica humana (hCG) retornam ao normal 2 a 4 semanas após o parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Na ausência da lactação, nas primeiras semanas pós- parto, tanto o hormônio luteinizante (LH) como o hormônio foliculestimulante (FSH) mantêm-se com valores muito baixos, para logo começarem a se elevar lentamente. No início do puerpério, os níveis de estrogênio mantêm-se baixos, e a progesterona não é detectável (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A recuperação das gonadotrofinas até os níveis prévios da gravidez depende da presença ou não da amamentação. A amamentação pode inibir a fertilidade pela ação direta do estímulo do mamilo sobre o hipotálamopor via neuroendócrina, elevando a PRL e inibindo o FSH e o LH (MONTENEGRO; FILHO, 2017). SISTEMA URINÁRIO ↠ Algum grau de trauma vesical é comum em partos vaginais, especialmente entre mulheres cujos trabalhos de parto foram mais demorados. Embora comumente não cursem com repercussão clínica, esses traumas (especialmente do nervo pudendo), associados à capacidade aumentada e à relativa insensibilidade da bexiga no período pós-parto, podem atuar conjuntamente e favorecer a sobredistensão, o esvaziamento incompleto e a excessiva quantidade de urina residual (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Os fatores de risco para a disfunção vesical pós-parto parecem incluir a nuliparidade, o parto assistido, o parto com primeiro e segundo estágios prolongados, a cesariana e a anestesia de condução (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ No que tange aos ureteres e pelves renais, os quais se encontram dilatados na gestação, comumente retornam ao estado pré-gravídico entre 2 e 8 semanas após o parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). SISTEMA SANGUÍNEO ↠ Ao longo do parto e no puerpério imediato, é comum a leucocitose acentuada, a qual pode alcançar 30.000/mm3 e caracteriza-se por predomínio de granulócitos, relativa linfopenia e eosinofilia absoluta. Em geral, esses parâmetros normalizam por volta de 5 a 6 dias pós-parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Em relação à série vermelha, durante os primeiros dias após o parto, os níveis de hemoglobina (Hb de 10 g/dℓ) costumam flutuar moderadamente. Uma queda acentuada de seus valores costuma estar relacionada a perdas sanguíneas excessivas, e, por volta de 6 semanas pós- 18 Júlia Morbeck – @med.morbeck parto, a hemoglobina encontra-se em níveis pré- gravídicos (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ As alterações induzidas pela gravidez nos fatores de coagulação sanguíneos persistem por períodos variados do puerpério, mantendo, então, o estado de relativa hipercoagulabilidade. Por exemplo, os elevados níveis de fibrinogênio plasmático persistem ao menos na 1a semana pós-parto, enquanto a velocidade de hemossedimentação pode vir a se regularizar apenas entre a 5ª e a 7ª semana puerperal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). SISTEMA CARDIOVASCULAR ↠ A gestação, normalmente, evolui com acentuado aumento do conteúdo do líquido extracelular, e a diurese pós-parto responde pela reversão fisiológica desse processo. Porém, nas primeiras horas após o parto, é comum nos depararmos com uma diurese escassa, resultante da desidratação relacionada ao trabalho de parto. A partir do 2º dia, inicia-se o processo de eliminação dessa hipervolemia característica da gestação, fenômeno geralmente completo por volta do 6º dia pós-parto (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ As alterações na função cardíaca e vascular observadas após o parto acompanham o padrão detectado em relação à redistribuição hídrica. A frequência e o débito cardíacos mantêm-se elevados por 24 a 48 h após o parto e retornam aos valores pré- gravídicos por volta do 10º dia puerperal. Já a resistência vascular permanece reduzida ao longo das primeiras 48 h pós-natais e, então, progressivamente retorna aos níveis prévios à gestação (MONTENEGRO; FILHO, 2017). PESO ↠ A média de perda ponderal decorrente do parto é de 6 kg. No puerpério, ocorre perda adicional de 2 a 7 kg, habitualmente mais pronunciada nos primeiros 10 dias de pós-parto, atribuída a maior diurese, secreção láctea e eliminação loquial (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ASSISTÊNCIA PÓS-NATAL O período de internação hospitalar após o parto é muito importante para a saúde da mãe e do recém-nascido. Além dos cuidados médicos, a equipe de saúde é também responsável por instruir a mulher sobre alterações evolutivas e fisiológicas esperadas ao longo do puerpério imediato e tardio, especialmente a característica dos lóquios, a perda de peso, a diurese e a apojadura (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Este também é o momento ideal para promover o aleitamento materno e dar suporte para que ele ocorra de forma exclusiva pelos 6 meses seguintes (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a puérpera e seu bebê devam permanecer internados por ao menos 24 horas. De qualquer maneira, esses prazos se mostram razoáveis e servem de orientação para a maioria dos casos, ainda que a alta após a cesárea, em geral, não exceda 72 h de pós-parto em nosso meio. Períodos maiores ou menores de internação podem ser adotados em situações específicas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Referências MARTINS-COSTA et al. Rotinas em obstetrícia, 7ª edição. Artmed, Porto Alegre, 2017. FERNANDES, Cesar E. Febrasgo - Tratado de Obstetrícia. Grupo GEN, 2018. MONTENEGRO, Carlos Antonio B.; FILHO, Jorge de R. Rezende Obstetrícia Fundamental, 14ª edição. Grupo GEN, 2017.
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