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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Estudar a epidemiologia, etiologia, fatores de risco, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, investigação e notificação compulsória das infecções congênitas (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes Simples e Sífilis); 2- Conhecer os riscos das drogas lícitas e ilícitas na gestação. Infecções Congênitas ↠ As infecções congênitas podem ocorrer durante a gestação (pré-natais) ou durante o parto (paranatais) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). INFECÇÃO PRÉ-NATAL As relações entre o feto e a mãe são necessariamente feitas pelas membranas placentária e amniótica. Assim, as vias de penetração dos germes são divididas em dois grupos: via transplacentária e via transamniótica (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Infecção transplacentária: Os microrganismos procedentes do sangue materno cruzam a placenta, alcançam a circulação fetal e disseminam-se. • Infecção transamniótica: Os germes da vagina e do colo acometem a cavidade amniótica e o feto. A via transamniótica é ascendente, geralmente após a ruptura das membranas. INFECÇÃO PARANATAL É adquirida por contato direto com as secreções maternas, no momento da passagem do feto pelo canal do parto. O mesmo ocorre com infecção pelo herpes simples genital, hepatite B, estreptococo do grupo B (GBS), que condicionam infecção neonatal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). CONSEQUÊNCIAS DAS INFECÇÕES CONGÊNITAS Se o feto for acometido pela infecção, as consequências dependem do período da gestação: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Período embrionário: 1º trimestre • Período fetal: 2º trimestre em diante. Período embrionário: É o período mais vulnerável (a drogas e infecções). Embora os agentes infecciosos possam ser letais (abortamento), na maioria das vezes produzem anomalias congênitas. Cada órgão tem seu período crítico, durante o qual o seu desenvolvimento será afetado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Período fetal: Caso a infecção seja muito grave, há morte fetal com a consequente interrupção da gravidez; nessa fase ocorrem as anomalias congênitas menores e os defeitos funcionais, especialmente do sistema nervoso central (SNC) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Se infecção materna surgir próximo ao parto, o recém-nascido pode apresentar a infecção em estágio evolutivo, exibindo seu quadro clínico agudo (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Do ponto de vista epidemiológico, as infecções congênitas são chamadas de transmissão vertical (materno-fetal), em oposição às infecções da vida extrauterina, denominadas de transmissão horizontal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ As infecções congênitas são causas relevantes de complicações durante o período pré-natal e, até mesmo, no pós-parto e na infância, aumentando a taxa de morbidade e mortalidade perinatal (FERNANDES, 2018). A consulta pré-concepcional é o momento ideal para avaliação e tratamento das doenças e prevenção daquelas que possuem vacinas disponíveis. A rotina de exames no pré-natal inclui várias sorologias, e a de toxoplasmose é uma das recomendadas. Quais infecções devem ser rastreadas depende da prevalência da doença na população, da avaliação do custo e benefício dos exames e da possibilidade de tratamento tanto da gestante quanto do feto (FERNANDES, 2018). DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO A infecção primária materna é diagnosticada no pré-natal pela sorologia dos anticorpos IgG e IgM. A existência destes últimos não pode ser considerada fidedigna para o diagnóstico da infecção primária. Em geral, os títulos de IgM aumentam a partir de 5 dias da infecção aguda, alcançam um máximo com 1 a 2 semanas e, depois, declinam; ocasionalmente, no entanto, podem permanecer positivos anos após a infecção aguda. Os anticorpos IgG aparecem mais tarde, e são detectados 1 a 2 semanas após a infecção, alcançando seu ápice entre 12 semanas e 6 meses. São detectados por anos e, em geral, por toda a vida (MONTENEGRO; FILHO, 2017). IgG e IgM negativos sugerem ausência de infecção; IgG positivo e IgM negativo, infecção antiga (há mais de 1 ano); IgG e IgM positivos, infecção recente ou resultado falso-positivo do teste IgM, o que não é incomum (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Para avaliar o risco de infecção fetal, é muito importante identificar quando a infecção ocorreu na gravidez. O teste de avidez IgG é um procedimento muito usado atualmente para mulheres com IgM positivo no 1o trimestre. O resultado de alta avidez (> 60%) é sugestivo de infecção antiga (há mais de 3 meses), ocorrida, portanto, fora da gestação. Existem testes de avidez IgG comercializados para toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus (CMV) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). – 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck Contudo, o padrão-ouro para o diagnóstico da infecção fetal é a reação da cadeia de polimerase no líquido amniótico (PCR-LA). A PCR- LA geralmente está indicada após 18 semanas de gestação e decorridas 4 semanas da infecção materna, pois somente nessas condições se conseguiria boa sensibilidade (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Sob o acrônimo TORCHS, foram agrupadas as cinco infecções congênitas mais prevalentes: (SANAR) Toxoplasmose ↠ O Toxoplasma gondii é de distribuição universal e infecta milhões de pessoas no mundo. É um parasita intracelular obrigatório que se apresenta em três formas: (FERNANDES, 2018). • os esporozoítas, que estão presentes nos oocistos eliminados nas fezes dos gatos infectados; • os taquizoítas (a forma observada na fase aguda da infecção); • os bradizoítas (a forma de multiplicação lenta encontrada nos cistos teciduais). Os hospedeiros intermediários são principalmente o porco, a ovelha e o ser humano; os hospedeiros definitivos são membros da família Felidae, e o exemplo típico é o gato doméstico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). TRANSMISSÃO: As três principais formas de transmissão da toxoplasmose são a ingesta de carne crua ou malcozida, a exposição a fezes de gatos contaminadas com oocistos e a transmissão vertical na gravidez (MONTENEGRO; FILHO, 2017). EPIDEMIOLOGIA ↠ No Brasil, os estudos avaliando a prevalência da toxoplasmose em gestantes mostram taxas altas, chegando a 92% no Mato Grosso do Sul. Em Belo Horizonte, avaliação em duas maternidades públicas encontrou prevalência de 61,2% (ROMANELLI et al., 2014). ↠ Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a toxoplasmose congênita apresenta incidência anual e mundial de 190.100 casos, e no Brasil, de aproximadamente 1,5 caso para cada 1.000 nascidos vivos (FERNANDES, 2018). ↠ Apesar da elevada frequência da toxoplasmose congênita no Brasil, não existem políticas públicas para controle da infecção no território nacional. O Ministério da Saúde recomenda a triagem sorológica na primeira consulta de pré-natal e sua repetição, quando possível, transferindo essa decisão e seu financiamento para os municípios (ROMANELLI et al., 2014). A prevenção da toxoplasmose congênita envolve medidas direcionadas a reduzir as fontes de infecção e aumentar o conhecimento geral da população quanto às formas de transmissão e riscos para o concepto infectado. Nesse contexto, incluem-se as políticas relacionadas à melhoria das condições sanitárias e qualidade da água para consumo, cuidados quanto à higiene dos animais criados para abate, processamento adequado dos alimentos e acesso das mulheres a informações preventivas de qualidade durante o pré-natal (ROMANELLI et al., 2014). TRANSMISSÃO CONGÊNITA ↠ A infecção fetal resulta da transmissão transplacentária de taquizoítos após a infecção materna. É provável que a transmissão ocorra na maioria dos casos durante a fase de parasitemia e antes do desenvolvimento da resposta imune materna (FERNANDES, 2018). Alguns fatores influenciam na taxa de transmissão materno-fetal, como: (FERNANDES, 2018). • A idade gestacional no momento da infecção; • A virulência do T. gondii;• Alta carga de parasitas; • Fonte do parasita materno (o risco de infecção fetal é maior quando a fonte é esporozoíto em oocistos do que bradiozoitos em cistos de tecido); • Imunodeficiência materna. ↠ O risco de infecção fetal aumenta com o avançar da idade gestacional no momento da infecção materna (FERNANDES, 2018). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Enquanto o risco de transmissão para o feto aumenta com o evoluir da gravidez – 10 a 15% no 1º trimestre, 25% no 2º e > 60% no 3º –, a sua gravidade diminui. Globalmente, a transmissão congênita ocorre em 20 a 50% das grávidas infectadas e não tratadas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A infecção materna no primeiro trimestre normalmente provoca a morte do embrião ou feto. A infecção no segundo e terceiro trimestres pode provocar retinocoroidite, calcificações cerebrais, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e micro ou macrocefalia. O feto também pode apresentar hidrocefalia resultante da obstrução do aqueduto cerebral, necrose periventricular no sistema nervoso central e destruição da retina (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A toxoplasmose congênita está associada com quadro de abortamento, prematuridade, baixo peso ao nascimento, óbito fetal e doença fetal disseminada (FERNANDES, 2018). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ Na maioria das vezes a toxoplasmose apresenta-se como uma infecção assintomática; sintomas ocorrem em apenas 10 a 20% dos adultos infectados, quase sempre uma linfadenopatia cervical. Outros sintomas incluem febre, mal-estar e hepatoesplenomegalia (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Cerca de 10% das infecções resultam em abortamento. A tríade clássica, composta por coriorretinite, hidrocefalia e calcificações intracerebrais (síndrome toxoplasmósica), está presente em apenas 10% dos casos. Outros recém- nascidos exibem variedade de sintomas da infecção aguda – convulsões, esplenomegalia, febre, anemia, icterícia e linfadenopatia (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Dentre os recém-nascidos infectados sintomáticos, cerca de 10 a 15% morrem da doença; os sobreviventes sofrem de progressivo retardo mental ou de outras deficiências neurológicas. No entanto, se a transmissão ocorrer mais tarde na gravidez, especialmente após 20 semanas, ela é muito menos grave (MONTENEGRO; FILHO, 2017). As manifestações neurológicas podem estar presentes ao nascimento ou aparecer entre três e 12 meses de vida. São mais frequentes nas crianças com acometimento ocular e podem ser decorrentes de encefalite aguda ou de necrose cerebral irreversível. O espectro de alterações inclui: calcificações cerebrais, microcefalia, hidrocefalia e convulsões. A hidrocefalia geralmente é progressiva, por isso a importância do monitoramento do crescimento cefálico (ROMANELLI et al., 2014). ↠ A maioria das crianças infectadas (70 a 85%) não apresenta sintomas ao nascimento – infecção subclínica ou assintomática – e será diagnosticada apenas por exames laboratoriais (sorologia IgM). Embora possam parecer saudáveis ao nascimento, 90% das crianças infectadas desenvolvem sequelas – coriorretinite, comprometimento visual ou auditivo, grave retardo no neurodesenvolvimento (MONTENEGRO; FILHO, 2017). DIAGNÓSTICO Da infecção materna Como apenas 10 a 20% das gestantes com infecção aguda são sintomáticas, é importante a triagem sorológica no pré-natal para diagnosticar a infecção aguda (soroconversão) materna (ROMANELLI et al., 2014). ↠ A sorologia IgG e IgM para toxoplasmose é obrigatória na primeira consulta pré-natal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A soroconversão para IgG e IgM preenche os requisitos para o diagnóstico. Mulheres soronegativas serão examinadas mensalmente, e não trimestralmente (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O teste de avidez IgG é muito útil para esse propósito, e separa a infecção antiga da recente. A alta avidez (> 60%) no 1º trimestre sugere infecção há > 3 a 4 meses; portanto, antes da gravidez. Já a baixa avidez (< 30%) indica infecção recente (< 3 meses); e o resultado intermediário (30 a 60%) é inconclusivo. O valor preditivo positivo do teste de avidez é muito superior ao valor preditivo negativo, ou seja, a baixa avidez não assegura a infecção fetal e a alta avidez praticamente a afasta (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Por fim, se houver titulação IgG positiva e IgM negativa, a infecção é considerada antiga e o feto, protegido (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Da infecção fetal ↠ O diagnóstico da infecção fetal é feito atualmente pela PCR-LA. O teste só deve ser oferecido após 18 semanas da gestação e decorridas 4 semanas da infecção materna (soroconversão), para reduzir a taxa de resultados falso- negativos. Eventualmente, o diagnóstico pode ser feito por ultrassonografia, que mostra calcificações intracerebrais, ventriculomegalia, microcefalia, hepatoesplenomegalia e CIR acentuado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A ultrassonografia é muito importante para fornecer informações sobre a idade gestacional exata no momento da infecção, o que influencia no prognóstico fetal e também no diagnóstico de possíveis alterações fetais. Os achados no exame não são específicos para a infecção congênita pelo toxoplasma. Tais achados são semelhantes aos de outras infecções congênitas, como a infecção pelo citomegalovírus. Os seguintes achados ultrassonográficos podem ser observados (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Calcificações ou densidades intracranianas; • Hidrocefalia; • Intestino ecogênico; • Hepatoesplenomegalia; • Calcificações/densidades intra-hepáticas; • Restrição de crescimento fetal; • Ascites; • Derrame pericárdico e pleural; • Hidropisia fetal; • Óbito fetal; • Espessamento placentário. ↠ Os achados ultrassonográficos mais comuns na infecção congênita são os focos hipercogênicas ou calcificações intracranianas e a dilatação dos ventrículos cerebrais. A dilatação ventricular cerebral geralmente é bilateral e simétrica (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Da infecção no recém-nascido ↠ É feito por meio da dosagem do IgM que não atravessa a placenta (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Diagnóstico e tratamento da toxoplasmose na gravidez. *Calcificação intracerebral e ventriculomegalia. Rx, tratamento; ESP, espiramicina; SUL, sulfadiazina; PIR, pirimetamina. Corte transverso do polo cefálico – calcificações cerebrais. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck PREVENÇÃO Devem ser notificados os casos suspeitos, prováveis e confirmados de toxoplasmose gestacional, com risco de ter sido adquirida durante a gestação e, portanto, de transmissão transplacentária (BRASIL, 2018). Rubéola ↠ A rubéola é uma infecção viral. Geralmente, apresenta-se como infecção leve ou assintomática em adultos ou crianças. Raramente resulta em complicações clínicas mais graves como encefalite, artrite e trombocitopenia. Entretanto, quando a infecção acomete gestantes, especialmente durante o primeiro trimestre, pode resultar em abortamento, óbito fetal ou na síndrome da rubéola congênita. Essa síndrome apresenta uma gama de defeitos congênitos, incluindo surdez grave, catarata, anomalias cardíacas e atraso mental (FERNANDES, 2018). EPIDMEIOLOGIA E ETIOLOGIA ↠ O vírus da rubéola (RV), da família Togaviridae, é envolto com RNA de cadeia positiva. É transmitido por via respiratória e via hematogênica. O período de incubação é de duas a três semanas. O contágio pode acontecer um ou dois dias antes da erupção cutânea e até uma semana após (FERNANDES, 2018). ↠ A erupção cutânea característica inicia-se pela face e espalha-se pelo tronco e pelas extremidades. Importante lembrar que a rubéola pode ser assintomática em 25% a 50% dos casos (FERNANDES, 2018). ↠ O RV atravessa a barreira placentária quando infecta a gestante e dissemina-se nos tecidos fetais. O efeito do vírus no fetodepende do momento de sua infecção. Quanto mais próximo da concepção, maior é o dano produzido. O aborto espontâneo pode ocorrer em mais de 20% dos casos quando a infecção materna por rubéola se dá nas primeiras oito semanas de gestação (FERNANDES, 2018). ↠ Estima-se que a incidência de acometimento fetal seja de 80% a 90% quando a infecção materna ocorre no primeiro mês de gestação, decrescendo para 40% a 60% no segundo mês e 30% a 35% no terceiro mês. No quarto mês de gestação, os riscos não chegam a 10%. A infecção materna que ocorre após esse período não confere risco para o feto ou para o recém-nascido (FERNANDES, 2018). SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA: A síndrome da rubéola congênita decorre da teratogênese do RV e pode apresentar anomalias congênitas como: alterações cardíacas (ducto arterioso persistente, defeitos do septo interatrial ou interventricular, estenose da artéria pulmonar), restrição de crescimento fetal intrauterino, microcefalia, hipoacusia neurossensorial, catarata congênita, microftalmia e retinopatia. Outras alterações transitórias incluem hepatoesplenomegalia, meningoencefalite, trombocitopenia e radioluscência óssea. Entretanto, 50% a 70% dos recém-nascidos com a infecção congênita podem ser aparentemente normais ao nascimento (FERNANDES, 2018). A infecção no 1º trimestre determina a síndrome da rubéola congênita (SRC), caracterizada pela tríade catarata, surdez neurossensorial e malformação cardíaca (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Após o período de incubação de 14 a 21 dias, a rubéola exterioriza-se como doença de pequena gravidade, caracterizada por linfadenopatia pós-auricular (precede em 5 dias o exantema); exantema maculopapular, que se inicia na parte superior do tórax, estendendo-se depois por todo o corpo; e febrícula. As complicações são mais comuns no adulto e incluem artralgia, artrite, encefalite, neurite e púrpura trombocitopênica (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A excreção do vírus pela faringe pode ser detectada 7 dias antes do exantema ou até 7 a 12 dias após o seu início; assim, o paciente é potencialmente infectante por mais de 2 semanas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck FISIOPATOLOGIA ↠ Dois mecanismos citopatológicos foram propostos para os danos observados pela rubéola, incluindo a inibição da divisão celular vírus-induzida e os efeitos citopáticos diretos (FERNANDES, 2018). ↠ Sua habilidade de inibir o crescimento e a maturação celular afeta diretamente o feto, reduzindo a taxa de desenvolvimento e divisão celular e, consequentemente, alterando o crescimento e desenvolvimento de todos os sistemas do organismo (FERNANDES, 2018). Os efeitos citolíticos e citopáticos do vírus foram descritos em achados histopatológicos de múltiplos órgãos de necrópsias de fetos infectados pelo RV. Entre outros achados, observaram-se congestão hepática, apoptose dos hepatócitos, nefrite, pneumonia e congestão pulmonar, hemorragia alveolar e edema intersticial do pulmão, hipoplasia esplênica, acometimento linfonodal, miocardite, edema e infiltrado inflamatório nos neurônios do córtex cerebral (FERNANDES, 2018). ↠ O acometimento ocular se dá pela infecção das células epiteliais do corpo ciliar e das glândulas lacrimais, resultando em catarata congênita. Já o acometimento da cóclea durante seu período de desenvolvimento produz a surdez neurossensorial, a sequela mais comumente observada (ocorre em aproximadamente 60% dos casos) (FERNANDES, 2018). ↠ Assim como o ZIKV, o RV contém em sua superfície a glicoproteína E1, que está envolvida no reconhecimento da mielina do oligodendrócito, receptor celular desse vírus que induz anticorpos neutralizantes. Então, observa-se que o vírus também apresenta neurotropismo, justificando os achados neurológicos da síndrome da rubéola congênita (FERNANDES, 2018). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ A rubéola congênita pode ocorrer em crianças com aparência normal durante os primeiros anos de vida e menos da metade das anomalias são detectadas ao nascer (COSTA et al., 2013). ↠ Quando há cardiopatia, usualmente os sinais surgem nos primeiros 7 dias, mas podem ocorrer após semanas. As anormalidades cardíacas ocorrem em metade das crianças infectadas durante as primeiras oito semanas de gestação, sendo o ducto arterioso permeável o defeito mais frequente, seguido das lesões nas artérias pulmonares e doença valvular (COSTA et al., 2013). ↠ As anomalias neurológicas são comuns e podem progredir após o nascimento. A surdez neural é, isoladamente ou em conjunto com outras manifestações, o achado mais comum entre lactentes com SRC (COSTA et al., 2013). ↠ As manifestações purpúricas aparecem nas primeiras 24 horas após o nascimento, persistindo por semanas ou assumindo um caráter transitório. A maioria dos lactentes apresenta algum grau de restrição do crescimento intrauterino (COSTA et al., 2013). DIAGNÓSTICO Laboratorial na gestante ↠ A Secretaria de Vigilância em Saúde notificou que a sorologia para rubéola não é mais um exame de rotina no pré-natal para detectar as pacientes suscetíveis, exceto em grávidas com manifestações clínicas e/ou vínculo epidemiológico (MS, Nota Técnica No 21/2011). Em 2010, o Brasil foi certificado junto à Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS) como país sem circulação do vírus da rubéola por mais de 12 meses (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Em 20 a 50% dos casos de rubéola, o paciente não apresenta exantema, o que dificulta o diagnóstico; quando feito pelo teste ELISA, o diagnóstico deve ser realizado em duas situações distintas. Nas grávidas com exantema, os seguintes resultados indicam infecção: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Soroconversão (caso a paciente tenha feito teste sorológico); • Aumento do título de IgG de, no mínimo, 4 vezes em dois exames espaçados de 2 a 3 semanas (fase aguda exantemática e convalescença); • IgM positivo; 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Nas grávidas que tiveram contato com a rubéola aplicam-se os mesmos critérios, mas o intervalo dos exames pareados será de 4 a 5 semanas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A suspeita clínica ou laboratorial da infecção na mãe (por meio da presença de imunoglobulinas séricas específicas – IgM e IgG) leva necessariamente à pesquisa do comprometimento fetal (FERNANDES, 2018). Da infecção fetal ↠ Realizada por PCR-LA. Para reduzir os resultados falso- negativos, é necessário esperar 6 a 8 semanas após a infecção materna e 21 semanas de gestação, quando a excreção urinária fetal é maior (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Citomegalovírus ↠ O citomegalovírus (CMV) é um dos agentes etiológicos mais comuns entre os causadores de infecção congênita e perinatal. É um herpes-vírus com dupla hélice de DNA. Sua transmissão ocorre pelo contato com sangue, saliva, urina ou por contato sexual com pessoas infectadas. Esse agente infeccioso é a segunda maior causa de acometimento viral em humanos, perdendo apenas para o vírus da gripe (FERNANDES, 2018). ↠ Os herpes-vírus causam infecções latentes e possuem grande capacidade de reativação em pacientes já imunes. Esse fato permite melhor entender a história natural de eventuais complicações tardias e a recidiva da patologia de alguns subtipos desse agente infeccioso (FERNANDES, 2018). EPIDEMIOLOGIA ↠ É o CMV a causa mais comum de infecção congênita viral, ocorrendo em, aproximadamente, 1% de todos os recém-nascidos. Tais taxas são mais elevadas nos Estados Unidos e mais baixas na Europa, onde se situam entre 0,3 e 0,6% dos recém-nascidos. De suma importância salientar que se espera maior acometimento de fetos por CMV congênito que por qualquer outra desordem teratogênica, como, por exemplo síndrome de Down, síndrome fetal alcoólica e espinha bífida (OLIVEIRA et al., 2011).↠ A incidência de crianças com sequelas definitivas é de 1 a 2:8 dos nascidos com infecção congênita ou 1 a 2:1.000 do total de nascidos vivos (MONTENEGRO; FILHO, 2017). INFECÇÃO CONGÊNITA ↠ Para a grávida, as duas vias mais comuns de exposição ao CMV são o contato sexual (sêmen) e o contato com a saliva e a urina de crianças pequenas infectadas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A infecção congênita pelo CMV é responsável por sequelas definitivas e morte na infância em maior número de casos que a síndrome de Down, síndrome alcoólica fetal e defeitos do tubo neural (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O CMV é causa importante de surdez neurossensorial e de retardo mental (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Das mulheres soronegativas, 1 a 4% apresentam infecção primária pelo CMV e a taxa de transmissão fetal é de 30 a 40%. Aproximadamente 50 a 80% das 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck mulheres em idade fértil (até 40 anos) são soropositivas e passíveis de infecção recorrente ou secundária, que ocorre em 14% das gestações; neste grupo, a taxa de transmissão fetal é de apenas 1 a 2% e é pequeno o risco de sequela definitiva no bebê infectado (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A infecção primária por CMV no 1º trimestre da gravidez é responsável por 10 a 20% de recém-nascidos infectados sintomáticos e, desses, 30% morrem; dos que sobrevivem, 65 a 80% apresentam sequelas definitivas (perda da audição e comprometimento neurológico). Dos 80 a 90% assintomáticos, 5 a 15% desenvolvem sequelas (perda auditiva neurossensorial). A infecção pelo CMV no 2º e no 3º trimestre da gravidez traz riscos mínimos de sequelas nos fetos infectados (MONTENEGRO; FILHO, 2017). QUADRO CLÍNICO: Dos fetos com infecção congênita decorrente de infecção primária materna, 10% a 15% apresentam sintomas e sinais ao nascimento, sendo as manifestações clínicas mais comuns hepatoesplenomegalia, calcificações hepáticas, ascite, intestino hiperecogênico, cardiomegalia, derrame pericárdico e/ou pleural, calcificações intracranianas periventriculares, ventriculomegalia, microcefalia, icterícia, restrição de crescimento geralmente simétrica, hidropisia, coriorretinite e perda auditiva (FERNANDES, 2018). DIAGNÓSTICO Da infecção materna ↠ Muito embora adultos com a infecção primária pelo CMV tendam a ser assintomáticos (80%), indivíduos podem apresentar uma síndrome mononucleose-símile, com febre, calafrios, mialgias, cefaleia, leucocitose, linfocitose, função hepática anormal e linfadenopatia (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Não está recomendado o rastreamento universal do CMV no pré-natal. O diagnóstico laboratorial na gravidez está indicado somente quando a gestante apresentar sintomatologia semelhante à da mononucleose, ou sinais ultrassonográficos sugestivos de infecção fetal por CMV (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O diagnóstico da infecção materna primária pelo CMV é feito pela soroconversão IgG ou pela elevação dos títulos de no mínimo 4 vezes. O IgM específico costuma ser positivo. Na infecção materna primária recente (< 3 meses), o teste de avidez IgG apresenta resultado < 30%. Na infecção recorrente há elevação dos títulos de IgG, o IgM é positivo em 10% dos casos e há alta avidez IgG (> 60% – infecção > 6 meses) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Da infecção fetal ↠ Os achados ultrassonográficos são importantes, mas não diagnósticos, pois são comuns a outras doenças fetais. Além disso, as alterações ultrassonográficas somente são observadas em menos de 25% dos fetos infectados. As mais frequentes incluem CIR, ventriculomegalia, calcificação periventricular e hepática, microcefalia e intestino hiperecogênico (MONTENEGRO; FILHO, 2017). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Contudo, o teste usual para o diagnóstico da infecção fetal pelo CMV é a PCR-LA. Para conseguir boa sensibilidade, a amniocentese deve ser realizada 7 semanas após o início da infecção materna (soroconversão) e depois de 21 semanas da gravidez. Embora a PCR-LA positiva seja altamente preditiva de infecção pelo CMV, não prevê a sua gravidade (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Após o diagnóstico da infecção fetal pela amniocentese, a ultrassonografia está indicada a cada 2 semanas para a detecção de anormalidades, especialmente cerebrais, e também para avaliar o crescimento fetal. Se a PCR der negativo, a ultrassonografia deve ser repetida após 4 a 6 semanas (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Da infecção no recém-nascido ↠ Os achados clínicos da infecção congênita sintomática pelo CMV inclui icterícia, petéquias, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, CIR, miocardite e hidropisia fetal não imune (HFNI) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A infecção congênita pelo CMV pode ser diagnosticada se o recém-nascido apresentar o vírus na urina, na saliva ou em qualquer outro tecido até 2 a 3 semanas após o nascimento. Se os testes virológicos forem realizados depois desse período, não há como diferenciar a infecção congênita da adquirida após o parto. Como metade das grávidas apresenta anticorpos IgG específicos para o CMV, e eles atravessam a placenta, esse achado no recém-nascido reflete apenas imunidade passiva. O IgM positivo parece ser conclusivo (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ Em geral, bebês com infecção por CMV adquirida após o parto não apresentam problemas, a não ser quando extremamente pré-termo ou de muito baixo peso (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Herpes Simples Vírus O herpes genital (HG) é uma infecção sexualmente transmissível (IST) muito prevalente, afetando mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo. As taxas de infecção em mulheres são maiores que em homens. O HG é causado pelo herpes-vírus simples (HSV), que provoca lesões na pele e mucosas dos órgãos genitais masculinos e femininos, sendo também o principal responsável por úlceras genitais de causa infecciosa nos países desenvolvidos (FERNANDES, 2018). ETIOLOGIA ↠ O herpes simples é uma doença infecciosa determinada pelo HSV com dois tipos sorologicamente distintos: tipo 1 (HSV-1) e tipo 2 (HSV-2) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O HSV-1 é o responsável pela infecção não genital (lábios, face, córnea, mucosa oral), e o HSV-2 está associado à infecção genital (pênis, uretra, vulva, vagina, cérvice, pele das coxas e das nádegas) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A infecção pelo HSV caracteriza-se por perdurar ao longo da vida, apresentando surtos de reativação periódicos. A infecção primária pode incluir vesículas dolorosas ou úlceras no trato genital, febre, linfoadenopatia, disúria ou outros sintomas geniturinários não específicos, mas podem até faltar completamente esses sintomas. Eventualmente, o vírus infecta os gânglios sensoriais, e a infecção persiste de forma lactente. A reativação da replicação viral pode ocorrer periodicamente por toda a vida. As recorrências podem se apresentar de forma mais branda, apresentando lesões ulcerativas discretas, sintomas geniturinários sutis ou até mesmo ser infectantes, mas sem lesões clinicamente aparentes. E o portador, mesmo que assintomático, pode ser também transmissor (FERNANDES, 2018). INFECÇÃO PELO HERPES SIMPLES NA GRAVIDEZ ↠ As infecções pelo HSV durante a gravidez são heterogêneas e podem incluir infecção primária ou infecções recorrentes, lesões assintomáticas ou transmissão de vírus sem lesões ou evidência sorológica de infecção por herpes sem evidência de doença ativa por doença clínica ou critérios laboratoriais. As infecções maternas são definidas como: (FERNANDES, 2018). • Infecção primária: HSV-1 ou HSV-2 é detectado a partir de lesões genitais sem evidência sorológica de infecção prévia; • Infecção não primária: o HSV-1 é detectado a partir de lesões genitais em um indivíduo com anticorpos HSV-2, ou vice-versa; • Infecção recorrente: HSV-1 ou HSV-2 é isolado em mulheres com evidência sorológica deinfecção para esse tipo de HSV em lesões genitais com episódios prévios. Imagem ultrassonográfica de intestino hiperecogênico em caso de infecção congênita por citomegalovírus. 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck A aquisição materna de HSV-1 ou HSV-2 próximo ao parto representa 60% a 80% dos casos de infecção neonatal (FERNANDES, 2018). ↠ A infecção por HSV do recém-nascido pode ser adquirida de três maneiras: intrauterina, intraparto (paranatal) ou pós-natal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A época da transmissão na gravidez na maioria dos casos, cerca de 85%, ocorre durante o parto. Cifra adicional de 10% dos recém-nascidos adquire HSV-1 pós- natal da mãe ou de qualquer outro contato e, finalmente, 5% são infectados pelo HSV-1/HSV-2 in utero. As manifestações da infecção congênita intrauterina são muito graves e incluem microcefalia, hepatoesplenomegalia, CIR e natimortalidade (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Bebês nascidos de mães com infecção primária genital de HSV próxima do termo eliminando o vírus no momento do parto apresentam risco 10 a 30 vezes maior de desenvolverem a doença em comparação com aqueles de mães com infecção recorrente, apesar de também estarem eliminando o vírus no parto. Isso se deve, em parte, à significativa transferência de anticorpos protetores maternos a partir do 7º mês de gravidez (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A incidência de herpes neonatal varia conforme o tipo de infecção materna: 57% na mulher com infecção primária primeiro episódio; 25% naquelas com infecção não primária primeiro episódio; 2% naquelas com infecção recorrente (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O diagnóstico da infecção herpética neonatal pode ser realizado considerando-se o quadro clínico e/ou a cultura positiva, presentes 48 h após o parto. A infecção HSV adquirida intraparto ou pós-natal pode assumir três tipos clínicos: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Disseminado: envolvimento de múltiplos órgãos (pulmão, fígado, suprarrenal, pele, olhos, cérebro) (presente em 25% dos casos). • Herpes do SNC (30% dos casos). • Localizado: pele, olhos e boca (45% dos casos). ↠ Esta classificação é preditiva de morbidade e de mortalidade: no tipo disseminado, a mortalidade é de 30%, mesmo com o uso do antiviral. Em geral, cerca de 50% de todos os bebês com HSV neonatal têm envolvimento do SNC, e 70% mostram lesões vesiculares características na pele (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A infecção neonatal pode assumir três quadros clínicos diferentes, de gravidade ascendente: infecção de pele, olho e boca, correspondendo a cerca de 45% dos casos; infecção do sistema nervoso central (SNC), com ou sem acometimento de pele, olho e boca, correspondendo a cerca de 30% dos casos; e infecção disseminada, envolvendo múltiplos órgãos, correspondendo a aproximadamente 25% dos casos. Muito menos frequentes são as manifestações associadas à infecção fetal intraútero, tais como: micro-oftalmia, displasia de retina, coriorretinite, microcefalia, hidranencefalia e displasia cútis (MORONI et al., 2011). Sífilis ↠ A sífilis é uma doença infectocontagiosa crônica, também conhecida como lues. Apresenta-se com evolução sistêmica desde sua fase inicial, após um período de incubação que varia de 10 a 90 dias, após o contato infectante, dependendo do número e virulência do treponema e da resposta imunológica do hospedeiro. Pode evoluir cronicamente com manifestações clínicas exuberantes ou discretas, entremeadas com períodos de silêncio clínico denominados de latências (FERNANDES, 2018). ↠ O contágio por transfusão sanguínea (rara atualmente) ou por material perfurante contaminado acidental ou voluntariamente, é factível, mas as principais e mais importantes vias de transmissão são a sexual (genital, oral e anal) e a vertical (da gestante para o feto – intraútero, ou neonato – periparto), proporcionando casos de sífilis 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck congênita (SC) com altas taxas de morbimortalidade (FERNANDES, 2018). ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA ↠ A sífilis é doença venérea sistêmica causada pelo Treponema pallidum (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A sífilis voltou a ser um problema no Brasil, segundo o MS (2017), registrando-se aumento de 5.000% nos casos dessa doença em 5 anos (2010 a 2015). A sífilis congênita, em 2015, no Brasil, acometia 6,5 bebês em 1.000 nascidos vivos e 12,4 em mil no Rio de Janeiro, o estado mais afetado. A meta da OPAS e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) previa uma redução para 0,5 caso por mil nascidos vivos em 2015 (MONTENEGRO; FILHO, 2017). CLASSIFICAÇÃO ↠ A infecção sifilítica pode ser dividida em diversos estágios: incubação, primária, secundária, latente inicial, latente tardia e terciária. A classificação mais recente é em: sífilis inicial (primária, secundária e latente até 1 ano) e tardia (latente após 1 ano e terciária) (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A sífilis primária é caracterizada pelo cancro duro indolor na genitália (lábios) e linfadenopatia, geralmente 3 semanas após o contato. O estágio secundário ocorre de 6 semanas a 6 meses após a lesão primária. A espiroquetemia determina exantema maculopapular envolvendo todo o corpo, especialmente mãos e pés. Sintomas não específicos como febre, perda de peso e mal-estar ocorrem em 50% dos pacientes. A fase secundária é seguida pela latente, caracterizada pela falta de lesões clínicas aparentes e teste sorológico positivo. A doença pode ser comunicável nos 4 anos iniciais da fase latente e geralmente não é transmissível após esse prazo, com exceção da infecção fetal transplacentária (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ A fase terciária ou tardia é o estágio de destruição tecidual que aparece 10 a 25 anos após a fase inicial em quase 35% dos pacientes não tratados. As lesões granulomatosas (gomas) podem ocorrer em qualquer órgão, sendo muito mais dependentes da resposta local imune que da ação direta do organismo. As manifestações mais graves da sífilis terciária incluem aquelas que afetam o sistema cardiovascular (aorta) ou o SNC (tabes dorsalis, demência), e a morte (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ De forma didática, temos: (FERNANDES, 2018). Sífilis adquirida • Recente: lesões infectantes transitórias ricas em bactérias com menos de um ano de evolução após o contágio; • Latente: ausência de manifestações clínicas, mantendo-se as sorologias reatoras; precoce se até um ano de evolução e tardia após um ano do contágio; • Tardia: lesões destrutivas com poucos ou sem treponemas após o primeiro ano de infecção; SÍFILIS CONGÊNITA • Recente: quando se manifesta até o segundo ano de vida; • Tardia: quando se manifesta após o segundo ano de vida. A infecção transplacentária pode ocorrer durante quaisquer estágios da doença e idade da gravidez; o comprometimento fetal depende particularmente da treponemia materna. Assim, a taxa de transmissão em mulheres não tratadas será de 70 a 100% nas fases primária, secundária e latente inicial; e de 30% nas fases latente tardia e terciária (MONTENEGRO; FILHO, 2017). ↠ O Treponema pallidum acomete o concepto em qualquer período da gestação e as manifestações clínicas estão relacionadas ao tempo da infecção materna, se anterior ou durante a gravidez, consequentemente ao grau de imunidade adquirida pela gestante, assim como a quantidade e virulência dos treponemas e ao momento da transmissão da infecção ao feto (FERNANDES, 2018). ↠ Sendo assim, as manifestações clínicas podem estar ausentes ao nascimento ou surgir dias, meses ou anos após o parto. Nas gestações infectadas não tratadas, ocorre óbito fetal (abortamento espontâneo e natimorto) ou morte neonatal precoce em cerca de 40% dos casos, além de provocarem várias alterações anatômicas no feto. O T. pallidum lesa primariamente a placenta, acarretando placentomegalia.No feto, agride inicialmente o fígado, disseminando-se em seguida, em especial para a pele, mucosas, ossos, pulmões e SNC. A sífilis adquirida tardia materna não tratada também pode infectar o feto, porém com frequência bem menor (FERNANDES, 2018). A sífilis congênita em mulheres não tratadas é responsável por: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). • Perda fetal/natimorto (25,6%) • Neomorto (12,3%) • Parto pré-termo/baixo peso (12,1%) • Infante com sífilis congênita (15,5%) • Prognóstico adverso global (66,5%). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck Os achados ultrassonográficos são vistos em 31% das grávidas infectadas no exame pré-tratamento. Os achados de infecção fetal nesse exame representam uma resposta inflamatória robusta do feto ao treponema e se mostram presentes apenas após 20 semanas da gravidez. A seguir, aparecem listados em ordem decrescente de frequência: (MONTENEGRO; FILHO, 2017). Hepatomegalia (80%) Aumento da velocidade sistólica máxima na artéria cerebral média, sinal de anemia fetal (33%) Placentomegalia (27%) Polidrâmnio (12%) Ascite (10%) e hidropisia. Sífilis congênita recente A hepatoesplenomegalia ocorre na maioria dos casos, enquanto anemia, icterícia, púrpura, hidropsia, derrame cavitário e maceração cutânea são observados nos casos com maior virulência e sepse. Mais frequentemente, são observadas as lesões cutaneomucosas, ósseas e viscerais. Lesões cutaneomucosas: São por vezes semelhantes àquelas que ocorrem na sífilis precoce adquirida: • Pênfigo sifilítico – constitui-se na lesão mais precoce e facilmente identificável, embora pouco frequente; apresenta-se como múltiplas lesões bolhosas de conteúdo hemorrágico ou purulento ou descamativas nas regiões palmoplantares; • Sifílides – acometem principalmente o tronco e as regiões palmoplantares como máculas e as pregas anogenitais como lesões papulosas (condilomas planos), papuloescamosas, papuloerosivas ou papulocrostosas; • Rágades ou fissuras – são soluções de continuidade lineares e radiadas ao redor dos orifícios naturais do corpo; • Placas mucosas – ocorrem nos lábios, língua, palato e genitália; • Rinite e coriza sifilítica – secreção mucossanguinolenta ou purulenta espessa dificultando a respiração e a alimentação, geralmente acompanhada de choro rouco e, se houver lesão da cartilagem nasal, evoluindo para o nariz em sela, aspecto estigmatizante da sífilis; • Lesões ungueais – paroníquia e anoníquia são sinais típicos e podem acarretar alterações secundárias nas unhas. Lesões ósseas: Representam a clínica mais frequente da sífilis congênita, com comprometimento simétrico nos ossos longos: • Osteocondrite metaepifisária – é a lesão mais precoce e encontrada em 80% dos pacientes, mais frequente no fêmur e no úmero; por ser muito dolorosa, pode levar à paralisia postural antálgica, conhecida como pseudoparalisia de Parrot. Quando acomete os metacarpos, recebe a denominação de dactilite sifilítica. Radiologicamente, observa-se uma formação em taça nas epífises ósseas, que é característica da doença; • Periostite – diagnosticada radiologicamente ao redor do terceiro mês, acomete principalmente a tíbia, fêmur e úmero, caracteriza-se por extenso e bilateral espessamento de aspecto estratificado da cortical das diáfises ósseas. Clinicamente, também apresenta dor ao movimento e pode ocorrer fratura. • Sinal de Wimberg – sinal radiológico que se caracteriza por rarefação localizada na margem superior interna da tíbia, expressão clínica de uma metafisite. Lesões viscerais: Conferem reserva ao prognóstico do paciente: • Hepatite – manifesta-se por icterícia por deficiência de excreção da bilirrubina direta e hepatomegalia; • Esplenomegalia – é a mais frequente das manifestações viscerais; • Pneumonia intersticial – denominada de pneumonia alba, é a mais característica das lesões respiratórias e, geralmente, leva a óbito; • Renal – apresentam-se como síndrome nefrótica devido a glomerulonefrite membranosa ou proliferativa por depósito de imunocomplexos; • Pancreática – pode ocorrer fibrose. Outras lesões: • Anemia – predominantemente do tipo hemolítico, com teste de Coombs negativo; é frequente e grave, podendo ser acompanhada por leucocitose, reação leucêmica e trombocitopenia. Em casos de grave evolução. ocorre coagulação intravascular disseminada; • Meningite – ocorre entre o terceiro e sexto mês de vida, sendo o comprometimento mais comum do sistema nervoso, normalmente sem muita sintomatologia. O liquor tem celularidade aumentada à custa de linfócitos, além de aumento de proteínas e sorologia não treponêmica reatora; • Lesões oculares – coroidorretinite com o exame de fundo de olho de aspecto “sal e pimenta”; uveíte, ceratite intersticial, glaucoma, catarata e atrofia ótica; • Miocardite; • Síndrome de má absorção, desnutrição e baixo peso. Sífilis congênita tardia Dá-se quando a penetração dos treponemas ocorre nos últimos meses da gestação e eles são pouco virulentos. A clínica é mais evidente a partir do terceiro ano de vida. Achado clínico característico dessa fase é a tríade de Hutchinson, que compreende a ceratite parenquimatosa, a surdez labiríntica e os dentes de Hutchinson. As lesões da córnea, dos ossos e do sistema nervoso são as mais importantes e algumas são estigmatizantes. Lesões oculares e auditivas: • Olhos – ceratite intersticial, geralmente bilateral, é a mais comum e, se não tratada, pode acarretar cegueira; além de iridociclite, coroidorretinite e atrofia do nervo óptico; • Surdez labiríntica – comprometimento do VIII par craniano uni ou bilateral. Lesões osteoarticulares: • Tíbia em lâmina de sabre – osteoperiostite da tíbia; • Fronte olímpica – osteoperiostite com hiperostose dos ossos cranianos; 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck • Nariz em sela – destruição do septo nasal; • Goma – podem ser encontradas em qualquer osso longo ou crânio, em especial o véu do paladar; • Hidrartrose de Clutton – derrame seroso nas articulações dos joelhos, sem alterações ósseas; • Sinal de Dubois – encurtamento do quinto quirodáctilo. Outras lesões: • Fígado – cirrose difusa ou mais raramente lesões gomosas; • Dentes de Hutchinson – sinal patognomônico, compreende os dentes incisivos pequenos, cônicos e com entalhes semilunares na borda cortante; • Neurológicas – meningite, em geral com pouca sintomatologia; paralisia geral juvenil, que ocorre dos 6 aos 20 anos de vida; e raramente tabes dorsalis. A sífilis congênita é doença de notificação compulsória desde 1986, daí seu reconhecimento se fazer necessário neste capítulo de sífilis e gravidez, por se tratar do produto de uma gestação resultante geralmente de inadequado acompanhamento pré-natal. Um caso, para ser registrado na vigilância sanitária, deve seguir os critérios preconizados pelo Ministério da Saúde, que foram muito alterados em 19 de setembro de 2017 (FERNANDES, 2018). Diante da necessidade de diminuir a subnotificação dos casos de sífilis em gestantes, define-se que todos os casos de mulheres diagnosticadas com sífilis durante o pré-natal, parto e/ou puerpério devem ser notificados como sífilis em gestantes e não como sífilis adquirida (FERNANDES, 2018). DIAGNÓSTICO Da gestante ↠ O diagnóstico de certeza é a identificação do Treponema pallidum em microscopia de campo escuro. No entanto, é exame pouco utilizado devido a dificuldades técnicas para obtenção do material e sua realização (ROMANELLI et al, 2014). ↠ A triagem para sífilis com testes sorológicos se justifica pela alta sensibilidade, especialmente após a fase primária, e pelo tratamento simples, disponível na rede pública e com poucos efeitos colaterais. Além disso, o tratamento ainda na gestação permite o tratamento do feto e evita evolução para lesões e estigmas da doença congênita. Há testesnão treponêmicos que são utilizados para triagem, como o Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) e o Rapid Plasma Reagin (RPR), e os testes treponêmicos utilizados para confirmação do diagnóstico (ROMANELLI et al, 2014). O teste rápido é treponêmico, por isso não negativa após o tratamento, sendo a gestante acompanhada pelo VDRL mensal (MONTENEGRO; FILHO, 2017). A testagem com VDRL deve ser iniciada ainda na primeira consulta pré-natal e repetida com 28 a 30 semanas e na maternidade para todas parturientes (ROMANELLI et al, 2014). Do recém-nascido ↠ Se a mãe for considerada adequadamente tratada, apenas o VDRL realizado simultaneamente ao materno (pareado) deve ser solicitado para triagem inicial. Se o VDRL apresentar-se maior do que o da mãe ou o recém- nascido apresentar-se sintomático, toda a propedêutica para investigação de órgãos-alvo deve ser realizada para decisão terapêutica de acordo com as alterações encontradas. Se o VDRL for igual ou menor do que o materno, toda a propedêutica deve ser realizada se não houver possibilidade de seguimento. Se o VDRL for negativo, a penicilina benzatina deve ser administrada se não houver seguimento adequado (ROMANELLI et al, 2014). ↠ Se a mãe for considerada não tratada ou inadequadamente tratada, o recém-nascido deve ser submetido a toda propedêutica para investigação de órgãos-alvo e decisão terapêutica, independentemente Recém-nascido com sífilis congênita apresentando nariz em sela e fronte olímpica. 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck dos sintomas, pois 50% deles podem nascer assintomáticos (ROMANELLI et al, 2014). NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA Riscos das drogas lícitas e ilícitas na gestação ↠ O uso de álcool e outras drogas continua sendo um grande problema de saúde pública, repercutindo de maneira assustadora na sociedade em que vivemos. Nas gestantes, esse problema ganha ainda mais importância, pois a exposição dessas pacientes às drogas pode levar ao comprometimento irreversível da integridade do binômio mãe-feto (FERREIRA; MIRANDA., 2016). O uso de drogas lícitas e ilícitas é um fenômeno prevalente em todo o mundo e está entre os 20 maiores fatores de risco para os problemas de saúde identificados pela Organização Mundial de Saúde (FERREIRA; MIRANDA., 2016). ↠ Dentre as complicações que o feto pode apresentar devido à exposição ao uso de drogas pela mãe, durante a gestação, tem-se: (FERREIRA; MIRANDA., 2016). • Prematuridade; • baixo peso ao nascer; • diminuição do perímetro cefálico; • deslocamento de placenta • o aborto. Já o uso do álcool tem seus malefícios conforme o período gestacional, os danos ao feto são diferentes: no primeiro trimestre, o risco é de anomalias físicas e dimorfismo; no segundo, há o risco de abortamento e, no terceiro, pode ocorrer diminuição do crescimento fetal, em especial, o perímetro cefálico (FERREIRA; MIRANDA., 2016). ÁLCOOL ↠ A exposição ao álcool durante a gestação aumenta o risco de mortalidade e incidência de diferentes agravos à saúde da mulher. As repercussões diretas do problema para o feto e recém-nascido também são variadas. A literatura mostra maior risco de malformações, aborto espontâneo, retardo mental e anomalias congênitas não hereditárias, podendo manifestar-se por um quadro completo, denominado síndrome alcoólico fetal (SAF), ou incompleto, conhecido como efeito alcoólico fetal (EAF), comprometendo seu desenvolvimento embrionário (ZANOTI-JERONYMO et al., 2014). MEDICAMENTOS ↠ Durante o período de gestação e amamentação, alguns princípios básicos devem ser observados pelos profissionais de saúde para a correta prescrição de medicamentos, tais como relação dos riscos e benefícios, experiência prévia com o fármaco e suas propriedades (como meia-vida), dose recomendada, via e horário de administração, tempo de ação e níveis séricos, entre outros (SILVA et al., 2013). ↠ O primeiro trimestre de gestação é o mais delicado e o de maior risco de ação danosa para o feto, por que é nessa fase que ocorrem as principais transformações embriológicas, sendo, portanto, imprescindível ser redobrado o cuidado na administração de medicamentos durante o período embriogênico (SILVA et al., 2013). ↠ Quando se utiliza um fármaco durante o período da gestação, deve-se avaliar sempre o fator risco -benefício para mãe e feto. O medicamento de escolha deve ser aquele que não possui efeito teratogênico ou qualquer alteração funcional (SILVA et al., 2013). 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Com o objetivo de orientar e auxiliar o prescritor na escolha terapêutica mais adequada para a gestante, desde 1975 a agência americana FDA (Food and Drug Administration) adota a classificação de medicamentos conforme o risco associado ao seu uso durante a gravidez, que são classificados em 5 categorias (A, B, C, D e X), crescentemente, de acordo com o grau de riscos à gestação, tomando por base, predominantemente, o primeiro trimestre de gravidez, como podemos observar (SILVA et al., 2013). ↠ Os anti-inflamatórios Ácido Acetilsalicílico (AAS) e Nimesulida se encaixaram na categoria de risco C. A atividade antiplaquetária do AAS apresenta um risco potencial e já foram publicados relatos de doenças hemorrágicas em neonatos cujas mães fizeram uso de AAS durante a gestação. Recomenda-se a consulta com o médico antes da administração do AAS durante o período gestacional. O uso da Nimesulida está associado a uma incidência maior de hipertensão pulmonar, oligúria, oligoâmnio, aumento do risco de sangramento, atonia uterina e edema periférico (SILVA et al., 2013). ↠ Os anti-hipertensivos Captopril, Metildopa, Nifedipino e Atenolol, apresentaram categorias C e D. Quando usados na gravidez durante o segundo e terceiro trimestres, os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) podem causar danos ao desenvolvimento e mesmo morte fetal (SILVA et al., 2013). ↠ O Ácido Fólico entra na classe dos antianêmicos, enquadrado na categoria de risco A, desempenhando importante função durante a gestação, pois ajuda a formar as células brancas e vermelhas do sangue, e não apresenta contraindicações no período de lactação (SILVA et al., 2013). ↠ Na categoria de risco X, encontramos a Warfarina, um anticoagulante, sendo expressamente proibido seu uso durante a gravidez e lactação. Portanto, é contraindicado em gestantes ou mulheres em idade fértil, uma vez que o fármaco atravessa a barreira placentária podendo causar hemorragia fatal ao feto (SILVA et al., 2013). ↠ Na classe dos antiparasitários, o uso de Mebendazol, classe de risco C, mostrou possíveis riscos associados à prescrição durante a gravidez, que devem ser pesados contra os benefícios terapêuticos esperados. É absorvido apenas em pequena quantidade e não há informações se é excretado no leite humano. Por esta razão, precauções devem ser tomadas quando mebendazol for administrado a lactantes (SILVA et al., 2013). DROGAS ILÍCITAS ↠ Os recém-nascidos expostos a substâncias ilícitas no útero frequentemente vão enfrentar a transição para a vida extrauterina com a ocorrência da síndrome de abstinência neonatal, um conjunto de sintomas decorrentes da retirada de fármacos afetando o sistema nervoso central (SNC), gastrointestinal e vias respiratórias (FERNANDES, 2018). ↠ Mais tarde na vida, eles podem apresentar as consequências do desenvolvimento que foram amplamente atribuídas à toxicidade e à teratogenicidade de drogas. Na verdade, além de comprometerem o SNC e funções vitais, as drogas de abuso podem afetar a capacidade de uma mãe de prover os cuidados adequados a uma criança. Os mecanismos subjacentes à ruptura de comportamento adequado na gestação e pós-parto são ainda desconhecidos nas mulheres que abusam de drogas (FERNANDES, 2018). MACONHA: Em relação aos resultados do uso da maconha sobre o feto, há dificuldade para sua identificação precisa. Isso ocorre devido à alta prevalência de pacientes que a usam concomitantemente a outras drogas, incluindo álcool e cigarro. Entretanto, foi verificado o aumento do risco de diversas malformações em mulheres que fizeram uso de maconha 16 Júlia Morbeck – @med.morbeck durante o pré-natal numa população no Havaí. Entretanto, essa foi uma casuística pequena e houve o uso concomitante frequente de cocaína e metanfetamina. Outros autores não relatam aumento das malformações em fetos expostos a cannabis. Outros efeitos da exposição pré-natal à cannabis, no entanto, não são tão claros. O resultado mais comum ligado à exposição à cannabis no útero é a diminuição do peso ao nascer em estudo numa população britânica, em que havia alta associação com tabagismo e baixa associação com outras drogas (FERNANDES, 2018). COCAÍNA: Os dados atuais sugerem que a exposição à cocaína antes, durante ou após a gravidez altera a plasticidade natural que o cérebro feminino sofre durante a transição da gravidez para a maternidade. Essas mudanças naturais na neuroquímica são críticas para a transição da rejeição da prole para a dedicação total aos filhos, que é necessária para sua sobrevivência. Assim, as alterações da ocitocina induzidas pela cocaína em regiões cerebrais associadas à recompensa, aprendizagem e comportamento social podem ser uma causa subjacente dos déficits comportamentais observados. As alterações no cérebro e no plasma após a exposição à cocaína sugerem que outros comportamentos sociais, reatividade ao estresse ou capacidade de resposta a medicamentos podem ser alterados em mulheres cronicamente expostas, o que pode ajudar a explicar a recaída no vício ou o aumento dos transtornos de humor pós-parto observados nessas populações clínicas (FERNANDES, 2018). METANFETAMINA: A exposição à metanfetamina durante a gravidez foi associada à morbidade e à mortalidade materna e neonatal. Em estudos que controlaram fatores de confusão, a exposição à metanfetamina foi associada a aumento de duas a quatro vezes no risco de restrição do crescimento fetal, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, descolamento prematuro da placenta, parto prematuro, morte fetal intrauterina, morte neonatal e morte infantil (FERNANDES, 2018). HEROÍNA: Os opiáceos, como a heroína, raramente causam anomalias congênitas, mas, como atravessam a barreira placentária, o recém-nato pode nascer com a síndrome da abstinência fetal. Os sintomas de abstinência fetal, que inclui uma variedade de comportamentos associados com o SNC e o sistema nervoso autônomo, manifestam-se habitualmente dentro das 72 horas posteriores ao nascimento. Esses sintomas incluem irritabilidade, choro excessivo, nervosismo, tensão muscular, vômitos, diarreia, drasticamente durante o primeiro mês de vida e em quase um mês apenas diferenças mínimas podem ser observadas entre as crianças expostas e não expostas (FERNANDES, 2018). AGENTES E ANOMALIAS CONGÊNITAS ASSOCIADAS 17 Júlia Morbeck – @med.morbeck Referências FERNANDES, Cesar E. Febrasgo - Tratado de Obstetrícia. Grupo GEN, 2018. MONTENEGRO, Carlos Antonio B.; FILHO, Jorge de R. Rezende Obstetrícia Fundamental, 14ª edição. Grupo GEN, 2017. ROMANELLI et al. Abordagem neonatal nas infecções congênitas – toxoplasmose e sífilis. Revista Médica de Minas Gerais, v. 24, n. 2, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de Notificação e Investigação: Toxoplasmose gestacional e congênita [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018. COSTA et al. Síndrome da Rubéola Congênita: revisão de literatura. Revista de Medicina e Saúde de Brasília, 2013. OLIVEIRA et al., Infecção pelo citomegalovírus na gestação: uma visão atual. FEMININA, 2011. MORONI et al. Infecção por vírus herpes simples na gestação: aspectos epidemiológicos, diagnósticos e profiláticos. FEMININA, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Guia prático: diagnóstico de anomalias congênitas no pré-natal e ao nascimento [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022. FERREIRA; MIRANDA. As complicações causadas pelo consumo de drogas lícitas e ilícitas durante a gestação: um desafio para a equipe de enfermagem. Revista Científica de Enfermagem, 2016. ZANOTI-JERONYMO et al. Repercussões do consumo de álcool na gestação – estudo dos efeitos no feto. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research, 2014. SILVA et al. Risco potencial do uso de medicamentos durante a gravidez e a lactação INFARMA, 2013.
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