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FARMÁCIA HOSPITALAR Marcella Gabrielle Mendes Machado Farmacoterapia e Nutrição Enteral Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os principais conceitos aplicados à nutrição enteral. � Analisar as atribuições do farmacêutico no contexto multidisciplinar da nutrição enteral. � Distinguir medidas de segurança na administração de medicamentos por sondas. Introdução No ambiente hospitalar, frequentemente são encontrados pacientes que necessitam de uma alimentação artificial, em razão da impossibilidade de ingerir alimentos via oral ou quando esta se faz em quantidade insuficiente. Dessa forma, várias condições clínicas podem levar o paciente a requerer a nutrição enteral (NE), como desnutrição, diabetes, lesões ou ressecções gastrintestinais, Alzheimer, sequelas neurológicas, câncer, dentre outras. A NE fornece alimentos em forma líquida por dispositivos como son- das a partir da instilação direta no estômago ou no intestino delgado. Os pacientes hospitalizados podem também receber medicamentos por essa via; dessa forma, é importante o conhecimento das características físico-químicas das formulações e dos medicamentos, a fim de evitar inconvenientes como a obstrução da sonda e as interações entre os fármacos e os alimentos da NE. Neste capítulo, você vai conhecer os principais conceitos aplicados à NE, bem como os tipos de formulações, as medidas que devem ser tomadas na administração de medicamentos por essa via e a atuação do farmacêutico hospitalar dentro do contexto da comissão de terapia nutricional. 1 Princípios da nutrição enteral O ser humano necessita diariamente de uma alimentação que atenda às suas necessidades nutricionais no ambiente hospitalar. Frequentemente ocorrem casos em que o paciente apresenta uma situação clínica que o impede de rece- ber alimentos por via oral ou o faz em quantidade insuficiente. A desnutrição pode impactar a evolução clínica desses pacientes, aumentando a incidência de infecções, complicações pós-operatórias e manifestações associadas, resul- tando em maior tempo de internação e, consequentemente, aumento dos custos hospitalares. Dessa forma, é necessário utilizar uma alimentação artificial, devendo ser consideradas a NE e a nutrição parenteral (NP). De acordo com a RDC nº 63, de 6 de julho de 2000, a NE é definida como: [...] alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada, especial- mente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializado ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessi- dades nutricionais, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas (BRASIL, 2000, documento on-line). A NE fornece alimentos em forma líquida administrados diretamente no estômago ou no intestino delgado por meio de sondas nasogástricas e sondas nasoentéricas, respectivamente. Essas sondas são inseridas geralmente por via nasal, sendo preferencialmente utilizadas quando essa dieta é necessária apenas por alguns dias ou semanas. Quando há a necessidade de uma dieta enteral mais prolongada, são utilizadas sondas de gastrostomia ou jejunostomia, as quais são inseridas no estômago ou no intestino delgado por uma abertura feita na parede abdominal. Em pacientes que apresentam trato gastrointestinal (TGI) funcionante, a NE deve ser preferível em relação à NP (via intravenosa) em razão das seguintes vantagens: mais semelhante à alimentação normal, melhor preservação da estrutura e função do TGI, menor custo e menor possibilidade de complicações, especialmente infecções. De acordo com Gomes e Reis (2003), a NE é indicada com eficácia com- provada nas seguintes situações: a) estado nutricional normal, no entanto, com ingestão oral inadequada (menor do que 60%) por mais de sete dias; b) desnutrição moderada com ingestão oral inadequada por mais de sete dias; Nutrição enteral2 c) disfagia grave; d) grandes queimados; e) fístulas digestivas de baixo débito; e f) associação com NP em casos de ressecção maciça de intestino delgado. Porém, é contraindicada em pacientes com obstrução intestinal mecânica complexa, quimioterapia em altas dosagens, hipomotilidade intestinal ou íleo prolongado, diarreia severa resistente à terapêutica convencional, fístulas de alto débito e instabilidade hemodinâmica. A administração da dieta enteral pode ser contínua, cíclica, em bolo ou intermitente. Na administração contínua, ocorre infusão continuamente sem interrupções longas, com tempo de repouso inferior a oito horas; na adminis- tração cíclica, a infusão geralmente ocorre durante a noite, pois o paciente se alimenta via oral durante o dia; na administração em bolo, a infusão é feita em período curto e em intervalos específicos, com frequência de 4 a 6 vezes ao dia; na administração intermitente, a infusão é feita com grande volume e de forma rápida, com frequência de 6 a 8 alimentações durante o dia. Veja o Quadro 1. NE con- tínua NE cíclica NE em bolo NE inter- mitente Veloci- dade Lenta e contínua, por 24 horas. Contínua por período específico (ex.: 8 a 20 horas por dia), geralmente noturno. Intermitente. Adminis- tração em período curto e em intervalos específicos (4 a 6 vezes ao dia). Simula a ingestão oral. Similar à em bolo, porém por períodos mais longos. Inter- rupção Esporádica: adminis- tração de medicamen- tos ou pro- cedimentos cirúrgicos. Após o período transcorrido. Permite inde- pendência do paciente ao equipamento. Encoraja a ingestão oral. Várias e pro- longadas, o que permite a administra- ção separada de medica- mentos. Mais espa- çadas em relação às em bolo. Tam- bém permite a administra- ção separada de medica- mentos. Quadro 1. Comparação entre os métodos de administração de NE (Continua) 3Nutrição enteral Fonte: Adaptado de Brito e Dreyer (2003). NE con- tínua NE cíclica NE em bolo NE inter- mitente Limita- ções Maior chance de interação nutriente- -medica- mento. Ajuste de velocidade quando houver interrupções. Dietas com maior densi- dade calórica. Maior risco de refluxo e bron- coaspiração. Geralmente, pacientes com sondas de posição intestinal não toleram bem esse método. Flutuação dos níveis séricos de insulina. Geralmente, pacientes com sondas de posição intestinal não toleram bem este método. Flutuação dos níveis séricos de insulina Obser- vação Primeira alternativa de NE em pacientes hospita- lizados. Pacientes criticamente doentes. Sondas de posição gástrica. Sondas de po- sição gástrica ou intestinal. Sondas de posição gástrica. Sondas de posição gástrica. Quadro 1. Comparação entre os métodos de administração de NE (Continuação) Formulações de nutrição enteral Uma dieta enteral pode ser industrializada ou não, sendo a primeira forma a mais utilizada e a mais segura. Em alguns casos, ela pode ser manipulada no hospital ou por empresa terceirizada. Há também situações em que o próprio paciente ou o cuidador prepara manualmente a dieta enteral pela liquidificação de alimentos in natura. Essas fórmulas são denominadas de artesanais, porém, esse preparo pode ocasionar problemas como contaminações microbiológicas, baixa estabilidade e composição inadequada de nutrientes, além de apresentar menor taxa de absorção. Em ambiente hospitalar, o preparo desse tipo de dieta Nutrição enteral4 é realizado em local específico, sob supervisão da equipe de nutricionistas. Nessas situações, o farmacêutico não tem ingerência no preparo da dieta em si. No entanto, sempre que necessário, o farmacêutico, junto com a equipe de nutrição, pode avaliar possíveis interações entre os nutrientes usados e os medicamentos que o paciente vem fazendo uso.As fórmulas padrão para NE devem conter todos os macro (carboidratos, proteínas e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais) que deveriam ser ingeridos por uma alimentação oral normal e equilibrada para a população saudável. A distribuição dos nutrientes, conforme o Capítulo III da RDC nº 21/2015, deve seguir a proporção de 45 a 75% das calorias totais sob a forma de carboidratos, 10 a 20% de proteínas e 15 a 35% de lipídios. Alguns nutrientes, como a fibra alimentar, o flúor, a taurina, a carnitina e o inositol, podem ser adicionados opcionalmente dentro dos limites estabelecidos. As fórmulas modificadas para NE apresentam alteração nos requisitos de composição apresentados para as fórmulas padrão, com aumento, redução ou ausência de alguns nutrientes, bem como adição de substâncias não previstas na RDC nº 21/2015 ou uso de proteínas hidrolisadas. Essas modificações visam a atender as condições clínicas de pacientes com necessidades especiais, como pacientes com doenças hepáticas, insuficiência renal, diabetes, dentre outras. Os módulos para NE são as fórmulas compostas unicamente por um dos principais grupos de nutrientes: carboidratos, proteínas, lipídios, fibras ali- mentares ou micronutrientes (vitaminas e minerais). No módulo de proteínas, por exemplo, estas podem se apresentar intactas ou hidrolisadas, ou, ainda, na forma de aminoácidos isolados ou associados. Não existem limites mínimos e máximos estabelecidos para os nutrientes presentes nos módulos citados, visto que a utilização pode variar a cada paciente, de acordo com as suas necessidades clínicas e nutricionais. Para pacientes diabéticos hospitalizados que precisem de uma dieta enteral, as formulações com carboidratos de altos índices glicêmicos devem ser evitadas. Um exemplo desse tipo de carboidrato é a sacarose, sendo que o seu uso já tem sido consideravelmente diminuído nas formulações industrializadas. Para esses pacientes, deve-se aumentar a contribuição relativa aos lipídios com contribuição adequada de ácidos graxos saturados, mono e poli-insaturados, além de otimizar a oferta proteica. 5Nutrição enteral Nos hospitais, as dietas enterais e parenterais e os suplementos nutricio- nais normalmente são padronizadas, atendendo a critérios estabelecidos pela equipe multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN) e pela Comissão de Farmácia e Terapêutica de cada local. Essas dietas são adquiridas, recebidas, armazenadas e dispensadas para as unidades atendendo a critérios sanitários gerais e normas de cada local. A seguir, estão indicadas opções de formulações padronizadas descritas por Brito e Dreyer (2003). � Padrão: dieta polimérica (na qual todos os nutrientes estão intactos, necessitando que haja digestão total dos nutrientes), normoproteica (10 a 15% do valor calórico total – VCT) e normocalórica (1,0 a 1,3 kcal/ml). � Hiper-hiper: dieta polimérica, hiperproteica (> 15% do VCT) e hi- percalórica (> 1,3 kcal/ml), indicada principalmente para pacientes com restrição hídrica ou que necessitam de um aporte calórico alto (> de 2.500 kcal). � Oligomérica: formulação em que os nutrientes estão presentes já pré-digeridos, sendo indicada para pacientes com algum distúrbio de absorção. � Nefropata: dieta especializada, hipoproteica (< 10% do VCT), rica em histidina, e hipercalórica (> 1,3 kcal/ml), para pacientes com insufici- ência renal crônica ou aguda e que não estejam em esquema de diálise. � Encefalopatia hepática: formulação especializada, normoproteica, rica em aminoácidos ramificados, para pacientes com hepatopatia crônica, em encefalopatia hepática graus III e IV. � Módulo de proteína: utilizado quando, após cálculo das necessidades individuais, o paciente necessita que o nutriente seja complementado na dieta enteral padrão ou hiper-hiper. � Módulo de glutamina: indicado em situações de estresse metabólico, no qual o aminoácido, que, em indivíduos não hipermetabólicos, é o mais abundante no organismo, pode se tornar condicionalmente es- sencial. Deve ser utilizado após avaliação criteriosa do estado clínico e nutricional do paciente. A dose recomendada é de 0,3 a 0,6 g/kg/dia. A glutamina também está indicada para pacientes com sepse. Por ser instável em solução, a glutamina deve ser administrada o mais rapida- mente possível após a sua diluição. Nutrição enteral6 � Fibra solúvel: nutriente essencial para os colonócitos, a fibra solú- vel pode ser adicionada à NE ou aos alimentos, com a finalidade de regularizar o transito intestinal, controlando obstipação e diarreia, e melhorar o controle glicêmico e o perfil lipídico. A quantidade de fibra alimentar recomendada é de 20 a 35 g/dia ou 10 a 13 g de fibra para cada 1.000 kcal. 2 Atribuições do farmacêutico relacionadas à nutricional enteral Dentre as atribuições do farmacêutico previstas na Resolução do Conselho Federal de Farmácia nº 568/2012, dentro do ambiente hospitalar, há a parti- cipação da EMTN, que visa a analisar o estado nutricional do paciente a fim de garantir a melhor recuperação possível para a sua condição. Essa equipe é responsável por estabelecer as normas e os procedimentos para prescrição, formulação, armazenamento e administração corretos da NE aos pacientes (BRASIL, 2012). De acordo com a RDC nº 63/2000, o farmacêutico hospitalar deve: [...] selecionar, de acordo com os critérios estabelecidos pela EMTN, adquirir, armazenar e distribuir, criteriosamente, a nutrição enteral industrializada, quando estas atribuições, por razões técnicas e ou operacionais, não forem de responsabilidade do nutricionista (BRASIL, 2000, documento on-line). Conforme Gomes e Reis (2003), outras atividades do farmacêutico rela- cionadas à NE incluem: � Garantir que os insumos sejam entregues juntamente com o certificado de análise emitido pela empresa fabricante. � Participar de pesquisas e estudos que visam ao desenvolvimento de novas formulações para NE. � Analisar se há algum erro na formulação prescrita pelo médico em relação à incompatibilidade físico-química e/ou interação fármaco- -nutriente e nutriente-nutriente. � Instruir os profissionais responsáveis pela administração de medica- mentos por sondas enterais. � Participar de estudos de farmacovigilância com base em análise de reações adversas e interações (fármaco-nutriente e nutriente-nutriente). 7Nutrição enteral Dentre as atividades logísticas do farmacêutico relacionadas à NE, há a aquisição e o controle do estoque das formulações de NE e suplementos. O farmacêutico deve supervisionar e estabelecer critérios para todo o processo de aquisição, bem como participar da qualificação de fornecedores, avaliando se estes cumprem as condições de entrega, se há conformidade nos itens adquiridos e se estes são registrados pelo Ministério da Saúde. O processo de qualificação de fornecedores deve ser devidamente documentado. Ao receber as formulações de NE, o farmacêutico deve conferir o certificado de análise fornecido pela empresa fabricante e deve acompanhar a entrada desses produtos no estoque, onde deve ser feita a verificação da integridade da embalagem e dos rótulos, conferindo lote e validade, e, em seguida, deve ser feito o armazenamento, realizado utilizando condições apropriadas com a devida identificação e separação por lotes. Caso haja inconformidades encontradas, estas devem ser identificadas e registradas. O farmacêutico também deve garantir as boas práticas de transporte, verificando se o veículo tem temperatura controlada, se as caixas de armaze- namento são apropriadas com material que evita a perfuração e, por fim, se o motorista é devidamente treinado para realizar a entrega desse tipo de produto. O farmacêutico, no que diz respeito às suas atribuições clínicas em relação à NE, deve analisar a prescrição diante de uma possível interação fármaco- -nutriente e nutriente-nutriente. Os pacientes que fazem uso de dieta enteral no ambiente hospitalar frequentemente recebem tambémpor essa via me- dicamentos para o tratamento da sua condição clínica, com isso, algumas complicações podem ocorrer, como a obstrução da sonda e a interação entre o fármaco e os nutrientes da fórmula. Quando identificada alguma interação, é preciso analisar a necessidade de intervenção farmacêutica, a fim de garantir a efetividade do tratamento. O farmacêutico e toda a equipe multidisciplinar, composta por médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos, dentre outros, devem dialogar a respeito de casos clínicos e, em situações de complicações relacionadas ao uso da NE em pacientes graves, como constipação, diarreia, dor abdominal, íleo gástrico, náusea e vômitos, determinar a medida correta a ser tomada. Veja o Quadro 2. Nutrição enteral8 Fonte: Adaptado de Moraes et al. (2014). Complicação Manejo Constipação Checar quantidade de água e corrigir, se necessário; otimizar quantidade de fibra alimentar (solúvel e insolúvel). Diarreia Checar prescrição e os itens possivelmente relacionados a alterações da microbiota intestinal e diarreia: antibióticos, laxativos e elixires; checar e corrigir quantidade de fibra alimentar (principalmente solúvel); checar osmolaridade da fórmula e velocidade de infusão; tentar classificar diarreia entre secretora, osmolar ou mista; tentar não interromper o fornecimento de alimentos na investigação/tratamento. Dor abdominal e distensão Checar quantidade de fibra (principalmente no paciente com risco de estenose/suboclusão); lentificar fluxo (administrar dieta ao longo de 24 horas); considerar intolerância à lactose. Íleo gástrico Reduzir a quantidade de gordura na dieta; reduzir a velocidade de infusão; trocar para fórmula semielementar; usar sonda de alimentação de duplo lúmen (um lúmen no estômago para drenagem e um lúmen distal pós-pilórico para alimentação – necessita de endoscopia digestiva para adequada localização); adicionar pró-cinético. Náuseas e vômitos Reduzir a quantidade de gordura na dieta; reduzir a velocidade de infusão; prescrever antiemético; adicionar pró-cinético. Quadro 2. Complicações da NE e do manejo Dessa forma, o farmacêutico tem um papel muito importante na equipe multidisciplinar de terapia nutricional. A fim de evitar problemas relacionados com medicamentos durante um regime hospitalar com uso de NE, algumas medidas podem ser adotadas pelo profissional farmacêutico, segundo Gomes e Reis (2003, p. 503): • elaborar relação de medicamentos que não devem ser triturados para admi- nistração por cateteres enterais; • incluir no formulário farmacêutico informações sobre a administração de medicamentos por cateteres enterais; • desenvolver, em conjunto com a equipe de enfermagem, um protocolo de administração de medicamentos em paciente submetidos à terapia nutricional enteral; 9Nutrição enteral • orientar os membros da equipe de terapia nutricional, especialmente a en- fermeira, sobre incompatibilidades físico-químicas, interações fármaco- -nutrientes, disponibilidade ou viabilidade de manipular preparações líquidas e outras relacionadas à administração de medicamentos por cateteres; • incluir nos treinamentos da seção de dispensação da farmácia a administração de medicamentos por cateteres enterais. 3 Práticas seguras na administração de medicamentos por sondas De acordo com Silva e Lisboa (2011, documento on-line): [...] é comum, na prática diária junto a pacientes que recebem NE por son- das, que a enfermagem prepare e administre medicamentos de apresentação sólida triturando os mesmos e, depois, diluindo em água para administrar pelas sondas. O farmacêutico dentro do ambiente hospitalar tem a atribuição de treinar os profissionais responsáveis pela administração de medicamentos por sondas enterais, a fim de garantir a segurança e efetividade da NE e dos fármacos administrados. As formas farmacêuticas líquidas e sólidas são as mais apro- priadas para administração por sondas, no entanto, nem sempre estas últimas podem ser trituradas. As propriedades físico-químicas e farmacocinéticas do fármaco a ser administrado devem ser conhecidas primeiramente para determinar se é possível triturar o medicamento com manutenção dessas propriedades, bem como para selecionar adequadamente a solução para diluição. Um exemplo de fármaco que não pode ser triturado é o ácido valproico, no qual a apresen- tação na forma de comprimido tem revestimento entérico e, ao triturar esse revestimento, ocorre inativação do medicamento e irritação da mucosa. Dessa forma, comprimidos com revestimento entérico não devem ser triturados para administração por sondas. O omeprazol, um inibidor irreversível da bomba de próton, tem em sua forma farmacêutica microgrânulos de revestimento entérico. De acordo com Hoefler e Vidal (2009), para administração em sonda de posição gástrica: Nutrição enteral10 [...] devem ser misturados com suco de laranja ou maçã, por serem ácidos, para proteger os grânulos até que estes cheguem ao intestino. No caso de sonda de posição intestinal, pode ser preparada suspensão a partir destes grânulos, com solução de bicarbonato de sódio a 8,4%. Os comprimidos sublinguais não podem ser triturados para administração por sondas enterais, pois sua forma farmacêutica tem como objetivo a rápida dissolução nos fluidos orais com absorção ainda na boca, em razão de a região mucosa ser altamente vascularizada. Os comprimidos ou as cápsulas de ação modificada são planejados para promover a liberação do fármaco de forma lenta e gradual, garantindo um efeito farmacológico mais prolongado. A trituração desses medicamentos também não é recomendada, uma vez que podem acarretar liberação abrupta do fármaco com consequentes efeitos de sobredose, bem como irritação gastrointestinal. Além disso, a dissolução desses comprimidos pode ser mais difícil e quase sempre não completa, aumentando o risco de obstrução da sonda entérica. Os laxantes, como metilcelulose e Psyllium, não devem ser administrados por sonda entérica, pois podem obstruí-la quando misturados com fluidos. Uma alternativa para pacientes que necessitem de efeito laxativo é adicionar fibras solúveis à formulação de NE. O local da administração dos fármacos por sondas enterais, estômago ou duodeno, também é de grande importância no momento de avaliar possíveis in- terações. Os fármacos dependentes de pH ácido são melhor absorvidos quando utilizadas sondas com posicionamento gástrico; já os fármacos dependentes de pH alcalino são melhor absorvidos quando instilados no duodeno. Certos fármacos também são melhor absorvidos em jejum, devendo ser administrados com o estômago vazio; nesses casos, deve-se manter um intervalo entre a administração do fármaco e da dieta enteral. Ao administrar nutrientes e medicamentos concomitantemente pela via enteral, pode ocorrer uma interação entre eles que pode levar à alteração da biodisponibilidade e, consequentemente, diminuição sérica do fármaco e da atividade farmacológica. Conforme Silva e Lisboa (2011), as proteínas presentes numa formulação de NE interferem na absorção da levodopa, um medicamento antiparkinsoniano, com redução das suas concentrações plasmáticas. Para pacientes que recebem NE de forma intermitente, a medicação deve ser administrada durante os intervalos de infusão. No entanto, se a administração da NE é feita de forma contínua, recomenda-se a interrupção da infusão para a administração dos medicamentos — lembrando que estes só podem ser administrados após a lavagem da sonda. 11Nutrição enteral A absorção dos nutrientes pode ocorrer por mecanismo semelhante e até mesmo competitivo a uma variedade de fármacos que têm como principal sítio de interação o TGI. A fenitoína, um fármaco utilizado para as principais formas de epilepsia, ao ser administrada juntamente com a NE, resulta em quelação entre o fármaco e os cátions divalentes da NE, diminuindo a biodisponibilidade do medicamento e, consequentemente, a atividade farmacológica; além disso,ocorre adesão da fenitoína à sonda. De acordo com Hoefler e Vidal (2009), o ideal é que se dilua a fenitoína (disponível em forma líquida no Brasil) com 20 a 60 ml de água e interrompa a NE duas horas antes da administração, reiniciando-a duas horas após, e é preciso enxaguar a sonda com 60 ml de água antes e após a administração do medicamento. A carbamazepina é outro medicamento que tem sua absorção diminuída quando administrada concomitantemente à NE por se aderir à sonda entérica. Antes da sua administração, é preciso diluir a suspensão de carbamazepina com o mesmo volume de água. A varfarina é um fármaco utilizado no tratamento de diversas doenças tromboembólicas, bem como de suas complicações. Por ser um antagonista da vitamina K e apresentar alta afinidade às proteínas, o seu efeito anticoagulante é diminuído quando administrada concomitantemente à dieta enteral. Uma alternativa para diminuir as interações é a interrupção da NE uma hora antes da administração da varfarina, reiniciando a NE uma hora após. Mesmo assim, um aumento de dose desse medicamento deve ser considerado. Caso não influencie na resposta do tratamento, outro medica- mento com efeito anticoagulante como a heparina pode ser utilizado como substituto. Durante o tratamento, é preciso monitorar frequentemente o tempo de protrombina em pacientes que utilizam varfarina e NE. As fluorquinolonas, uma classe de agentes antimicrobianos, podem ter sua biodisponibilidade diminuída na presença de cátions multivalentes (p. ex., cálcio, magnésio, alumínio e ferro) nas formulações de NE. Dessa forma, é preferível a utilização da via parenteral para administração desses medica- mentos. Em situações que exigem a administração utilizando sonda, deve-se interromper a NE uma hora antes e reiniciá-la duas horas após a administração da solução recém-preparada. Os comprimidos dos antimicrobianos devem ser triturados e depois diluídos em 20 a 60 ml em água estéril. Ao diluir ciprofloxacino, ocorre a formação de suspensão, não sendo recomendada a administração pela via enteral em razão de possível adesão e oclusão da sonda. Nutrição enteral12 Os vários exemplos de interações fármacos-nutrientes relatados ante- riormente indicam a importância desse tema na rotina hospitalar. Como a quantidade de medicamentos e dietas disponíveis atualmente é imensa, parece praticamente impossível prever todas as interações possíveis. Nesse sentido, manter os manuais e guias de medicamentos e dietas sempre atualizados, prevendo possíveis interações e formas de preveni-las, é de suma importância para alcançar bons resultados terapêuticos. Prevenção e manejo de obstrução da sonda Por definição, sondas são tubos introduzidos em algum canal ou alguma cavidade do organismo. Esses tubos apresentam calibres e tamanhos diver- sos, conforme a função que devem desempenhar, mas para que exerçam sua função, precisam garantir a livre-passagem de líquidos. Quando há obstrução da sonda, há interrupção temporária da administração da dieta entérica e de medicamentos, podendo comprometer o resultado esperado do tratamento. Geralmente, os procedimentos para a desobstrução (descritos a seguir) re- solvem o problema. Porém, quando não se consegue realizar a desobstrução, é necessário passar a sonda novamente, gerando desconforto ao paciente. Por isso que é tão importante evitar a obstrução de sondas. A obstrução da sonda pode correr por diferentes mecanismos. Um deles está relacionado a interações físico-químicas entre os componentes da fórmula enteral e do fármaco, levando a formação de gel, coagulação, aumento da viscosidade, separação de fases, granulação e precipitação. Outros fatores como material ou dobra da sonda e enxágue insuficiente também podem contribuir para essa obstrução. De acordo com Gomes e Reis (2003, p. 493), “[...] alterações da NE e obstrução do cateter são mais comuns de ocorrer quando medicamentos ácidos entram em contato com fórmulas enterais con- tendo caseinato”. Para a prevenção da obstrução é recomendado por Hoefler e Vidal (2009) enxaguar a sonda com 30 ml de água a cada quatro horas em casos em que a NE é administrada de forma contínua. Para a forma de administração inter- mitente, a sonda deve ser lavada a cada administração da dieta, utilizando o mesmo volume de água. 13Nutrição enteral Em situações de obstrução, Hoefler e Vidal (2009, p. 3) recomenda o seguinte procedimento: - Injetar, suavemente, 20 ml de água morna na sonda e aspirar repetidas vezes; - Se não houver êxito, enxaguar com água carbonatada ou 5 ml de solução enzimática alcalina; - Não utilizar líquidos ácidos, como sucos ou refrigerantes de cola, pois podem desnaturar proteínas e provocar mais oclusão. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 63, de 6 de julho de 2000. Regulamento técnico para terapia de nutrição enteral. Brasília, DF, 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2000/rdc0063_06_07_2000. html. Acesso em: 26 jan. 2020. BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Resolução n. 568, de 6 de dezembro de 2012. Dá nova redação aos artigos 1º ao 6º da Resolução/CFF nº 492 de 26 de novembro de 2008, que regulamenta o exercício profissional nos serviços de atendimento pré-hospitalar, na farmácia hospitalar e em outros serviços de saúde, de natureza pública ou privada. Brasília, DF, 2012. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucoes/568. pdf. Acesso em: 26 jan. 2020. BRITO, S.; DREYER, E. Terapia nutricional: condutas do nutricionista. Campinas, 2003. Dispo- nível em: https://www.hc.unicamp.br/servicos/emtn/manual_nutricionista_2004-11-02. pdf. Acesso em: 26 jan. 2020. GOMES, M. J. V. de M.; REIS, A. M. M. Ciências farmacêuticas: uma abordagem em farmácia hospitalar. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. HOEFLER, R.; VIDAL, J. S. Administração de medicamentos por sonda. Boletim Farma- coterapêutica, v. 14, n. 3/4, p. 1–6, 2009. Disponível em: http://www.cff.org.br/sistemas/ geral/revista/pdf/122/063a068_farmacoterapeutica.pdf. Acesso em: 26 jan. 2020. MORAES, R. B. et al. Medicina intensiva: consulta rápida. Porto Alegre: Artmed, 2014. SILVA, L. D.; LISBOA, C. D. Consequências da interação entre nutrição enteral e fármacos administrados por sondas: uma revisão integrativa. Cogitare Enfermagem, v. 16, n. 1, p. 134–140, 2011. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/21124/13950. Acesso em: 26 jan. 2020. Nutrição enteral14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Leitura recomendada LUNA, S. M. de. Atribuições do farmacêutico na equipe multiprofissional de terapia nutricio- nal (EMTN). 2012. Monografia (Pós-Graduação em Farmácia Clínica e Hospitalar) - Facul- dade Santa Emília e Centro de Capacitação Educacional, Recife, 2012. Disponível em: https://www.ccecursos.com.br/img/resumos/farmacia/01.pdf. Acesso em: 26 jan. 2020. 15Nutrição enteral
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